“Grave” começou sua trajetória sendo premiado pela FIPRESCI (Federação Internacional de Críticos de Cinema) no festival de Cannes em 2016 para, logo depois, causar desmaios em algumas pessoas da plateia no festival de Toronto do mesmo ano. Nunca uma história sobre a transição da adolescência para a vida adulta foi, com perdão do trocadilho, tão visceral como a contada pela estreante cineasta Julia Ducournau. No filme acompanhamos Justine (Garance Marillier), uma jovem tímida e vegetariana, que começa os estudos na mesma faculdade de veterinária em que está sua irmã, Alexia (Ella Rumpf). Durante o trote de inicio de ano, ela é forçada a comer carne animal pela primeira vez, o que leva a garota a sentir um incessante impulso carnívoro, principalmente pelo cru. O roteiro é esperto em levar a personagem para uma faculdade de veterinária, onde se vê, em todos os momentos, animais mortos sendo dissecados e também grandes quantidades de sangue. As acomodações do local são extremamente opressoras, lembrando uma grande prisão misturada com um abatedouro. As paredes cinzas só saem de evidência por causa dos aventais brancos manchados de sangue dos estudantes. A iluminação é de caráter quase documental, só se desgarrando de sua alta granulação quando usa filtros para cobrir Justine em luzes vermelhas de neon em festas que acontecem no campus ou mesmo durante as cenas em seu dormitório. A direção de câmera faz notar a estranheza das situações com enquadramentos em que os personagens são vistos nos cantos, e economiza na velocidade dos cortes para trabalhar os momentos com paradoxal naturalidade. O filme está sendo vendido como um terror, no entanto, o vejo mais como um suspense com toques dramáticos. As cenas de canibalismo não causam medo e sim nojo. Toda a sujeira causada pelo sangue, pela carne crua e pelo excremento dos animais são mostrados de forma gráfica e poucas vezes há a ocultação ou mesmo o desvio das câmeras. Isso mostra coragem e fidelidade para o tipo de história que se quer contar. Outro mérito é a excelente maquiagem, que faz com que acreditemos em cada ferida ou pedaço de corpo que é mostrado. Um ato falho é a falta de consequências para muito do que se vê em tela. Há brigas com amputações, humilhações e todos os tipos de bizarrices sem que a polícia ou mesmo a direção da escola sejam alertados, o que tira um pouco do impacto por sua inverossimilhança. A trama avança apoiada nas descobertas sexuais e carnívoras de Justine, fazendo um claro paralelo à fase de transição da vida adulta para adolescência. Ela descobre seu corpo e seus desejos, luta para suprimir os mais explícitos, mas se entrega à vida com a ajuda da irmã, que também possui os mesmos impulsos. A interação entre as irmãs é interessante porque proporciona ainda mais peso na trama, fazendo o espectador se perguntar se a condição delas se trata ou não de um fator genético. O porte físico frágil de Garance Marillier a transforma no filhote que ainda não descobriu todos os prazeres e mesmo as formas de sobreviver, precisando de uma irmã mais velha e desenvolvida para ajuda-la. Talvez o pior momento seja no final do terceiro ato, quando os roteiristas tentam chocar com informações que já são obvias desde o inicio para os espectadores mais habituados com as reviravoltas desse tipo de trama, mas nada que atrapalhe a experiência no total. No final se trata de mais uma boa produção vinda da França e se você tem estômago forte e preza pela boa execução de um filme, “Grave” é uma boa pedida, mesmo porque é preciso que o cinema respire bem com novas temáticas, nem que elas sejam, neste caso, nojentas.
O mítico diretor polonês Krzysztof Kieślowski é conhecido por seu cinema poético, onde a essência transborda em narrativas que fogem do habitual. Boa parte de suas obras são pautadas em personagens femininos fortes, que são o centro das suas tramas. Um de seus trabalhos mais conhecidos é a trilogia baseada nas cores da bandeira francesa e seus significados. Usou o lema liberdade, igualdade e fraternidade para contar a história de três mulheres francesas. O primeiro filme se chama, em seu título original, “Trois couleurs: Bleu” que no Brasil ficou “A Liberdade é Azul”, o que, convenhamos, soa bem mais poético. “A Liberdade é Azul”, tem início com um acidente de carro em que morre um famoso compositor e sua filha pequena. No carro também estava a sua esposa Julie, que sobrevive. Depois de recuperada, Julie tenta se livrar da vida passada, afim de esquecer seus entes queridos mortos. Coloca à venda a mansão em que viveram juntos e literalmente queima todos os seus pertences pessoais. Tenta destruir uma partitura inacabada que o compositor trabalhava (que era sobre a unificação europeia) e aluga um apartamento em uma área pouco valorizada de Paris. São nos momentos onde Julie “destrói” sua vida passada que o cineasta imprimi toda a sua genialidade como autor e esteta da sétima arte. Claro que a sua direção já constrói a personagem desde o momento em que ela se encontra no hospital. Todos os planos são de extremo sufoco; planos hiper fechados que a encaixotam. Quase uma prisão de dentro para fora da tela. Ainda no hospital ela passa a ser acossada pela cor azul do título. Seu rosto é inundado por uma luz azulada misteriosa que a acorda em certo momento e que, pela montagem proposta, a faz lembrar da tal composição musical incompleta. A partir daí, em vários momentos a música toma conta e o faz quando o azul está presente, como em objetos ou mesmo na iluminação. Mesmo se estabelecendo na nova vida e tentando esquecer do passado, parece haver uma força que a leva de volta, essa força é caracterizada por situações que deixam o filme inquietante e são trabalhadas de forma genial pela construção do roteiro. Uma das cenas em questão é quando Julie é enquadrada boiando em uma piscina em posição fetal, tentando “afogar” a música que surge em sua cabeça e que nós expectadores também ouvimos. Quando ela mergulha, a música cessa. Tudo é feito em uma piscina, evidentemente, azul em sua extensão. A câmera também é um personagem, ela se move entre cômodos e confere instabilidade à trama enquadrando Julie sempre nos cantos. Há um plano sequência primoroso mostrando-a andando enquadrada do tronco para cima. A câmera não se mexe e sim Julie, que joga o corpo de uma extremidade a outra da tela, deixando o espectador atordoado. Todo o potencial narrativo e técnico do filme não seria suficiente se Krzysztof Kieślowski não contasse com o talento de uma jovem Juliete Binoche, que é extremamente competente em construir uma personagem confusa com os acontecimentos e, paradoxalmente, determinada em esquecê-los. A obra foi lançada em 1993, o ano em que houve a construção do bloco dos países europeus e trata sutilmente dessa questão com a citada partitura inacabada feita para celebrar essa união. A Europa deu uma lição em juntar seus países e demonstrou que a liberdade que deu a seus cidadãos é bem mais benéfico do que isola-los. O isolamento que Julie escolheu depois de uma tragédia é quebrado quando ela percebe que a memória de seu marido nunca será apagada e decide terminar a sinfonia da união. Ela se integra ao passado para enfim ganhar a liberdade. Por isso, saldemos a Europa e contemplemos Kieślowski.
Quando “Intocáveis” estreou em 2011, o sucesso foi instantâneo. Todos ficaram comovidos pela história de um malandro de bom coração que passa a cuidar de um milionário tetraplégico. Baseados em fatos reais, o filme conta o desenvolvimento da amizade desses homens tão diferentes, mas que se completam e mudam a vida um do outro. Após o lançamento, já surgiram inúmeras noticias sobre um possível remake vindo de Hollywood. Os endinheirados americanos, neste caso, foram passados para trás, pois os argentinos o fizeram primeiro. Em 2016 temos “Inseparáveis”, com Oscar Martínez (Relatos Selvagens) e Rodrigo de La Serna (Diários de Motocicleta) nos papeis principais. A palavra refilmagem foi tratada na forma literal, já que cada frame é vindo do original francês. Mesmo a barroca mansão do milionário parece ter sido reproduzida nos mínimos detalhes. Quase todas as situações que marcam o encontro dos dois também são repetidas, alterando-se alguns pequenos detalhes que não são importantes para o avanço do enredo. A fotografia, assim como em “Intocáveis” possui momentos soturnos e coloridos, variando de acordo com o estado emocional dos personagens. O tom melodramático impera em cenas de confissões e choro. Em se tratando de narrativa, não há nenhum elemento que se destaque ou que ultrapasse o acadêmico. Não deixa de ser uma pena, já que há situações que poderiam ser trabalhadas com outros pontos de vista, trazendo mais discussões nas entrelinhas. Sem muita complexidade, era possível traçar uma linha sobre a nossa mortalidade na figura do milionário; que até possui algumas falas que podem indicar esse caminho, mas que, de tão superficiais, ficam fora de contexto. O elenco cumpre seu papel, principalmente com Rodrigo de La Serna encarnando um homem que, apesar de suas maneiras brutas, consegue ser apaixonante e sensível. O problema é que Omar Sy já havia interpretado esse mesmo personagem e com a mesma sensibilidade. O ator argentino só inclui traços de personalidade latinos, principalmente na cena da dança durante um aniversario. Oscar Martínez causa pena e tristeza com um homem amargurado, que teve a vida interrompida por um acidente, chegando a superar em alguns momentos a atuação do francês François Cluzet. Para quem não viu o original, será uma boa oportunidade para ir ao cinema e acompanhar a história recontada por nossos vizinhos portenhos e, mesmo para quem já viu, será uma reprise agradável como passa tempo. Quando digo passa tempo, não é minha intenção rebaixar o filme, mas sim dizer que a missão de contar uma história de amizade leve em engraçada foi cumprida, mesmo com a grande e evidente sensação de déjà-vu.
Mais do que o filme em si, é válido discutir a necessidade da realização de refilmagens de produções tão recentes. O cinema possui uma linguagem universal, que, mesmo precisando de legenda ou dublagem, consegue atingir pessoas do mundo todo. “Intocáveis” surgiu e atingiu milhares, inclusive na Argentina, e é até curioso ver uma refilmagem vinda de lá, que é um país festejado por sua filmografia original e de estilo próprio, sendo reconhecida no mundo todo por sua excelência. Esse papel de reprodutor é muito associado aos EUA, que não possui muita aceitação do que vem de outros países. Será que essa falta de aceitação está atingindo outros lugares? Será que a globalização do cinema passará a ter barreiras representadas pela língua e pela cultura? Não quero acreditar que a forma de arte mais completa que existe seguirá o exemplo da política de alguns países e construirá muros em suas fronteiras, preferindo refazer com sua visão algo vindo de outro lugar não agradável aos seus olhos. Esperemos e acreditemos que se trata de apenas mais uma tentativa de se produzir mais dinheiro em bilheteria.
Desde o final de sucessos como “Senhor dos Anéis” e “Harry Potter” a Warner Bros vem procurando uma nova franquia que sustente o seu catálogo durante os anos. Conseguiu ótimo desempenho com “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, mas, como uma andorinha não faz verão, aposta em produções como o novo “Rei Arthur: A Lenda da Espada”, esperando tirar daí mais um sucesso de bilheteria. Depois de várias adaptações da história dos cavaleiros da távola redonda, há a necessidade de atualizar o mito para a nova geração, tentando transforma-lo em mais um ícone pop. Alguns desses filmes predecessores tiveram lapsos dessa tentativa de atualização, mas esbarraram na falta de interesse do público. O exemplo mais recente é de 2004, com “Rei Arthur”, dirigido por Antoine Fuqua (Dia de Treinamento) e que conta com um elenco estrelar.
Quando se pensa em filmes pop, logo nos vem à mente a edição picotada, os diálogos espertos e engraçados e os personagens carismáticos, além, é claro, as indispensáveis cenas de ação. Todos esses fatores , quando ligados a um bom roteiro, geralmente agradam o público e, por que não, os exigentes críticos. Um dos nomes na indústria que pode entregar todos esses elementos em forma de filme é o talentoso diretor Guy Ritchie, que, a julgar pelos seus melhores trabalhos, não precisa de apresentação.
Em “Rei Arthur: A Lenda da Espada” Guy Ritchie até consegue imprimir seu estilo em algumas sequências, como na excelente introdução, onde conta a vida de nosso herói desde a infância até a fase adulta de forma acelerada e com cortes extremamente rápidos. As cenas de lutas, com sua famosa câmera lenta, também se fazem presentes, assim como os diálogos rápidos, onde um personagem completa a fala do outro e se tratam por apelidos que parecem saídos das ruas da Londres do século XXI. Uma versão de “Snatch – Porcos e Diamantes” e “Jogos, Trapaça e Dois Canos Fumegantes” da idade média.
Mas, mesmo com seu apuro técnico, o cineasta não consegue fugir de um roteiro genérico que, mesmo tentando subverter a clássica história de Rei Arthur, se mostra frágil em emular diversas ideias já vistas em outros filmes de fantasia. Por isso, quem pisou em uma sala de cinema durante os últimos dez anos, saberá exatamente como toda a história irá se desenvolver e como será seu desfecho. Para completar, há o elenco com Eric Banna e Jude Law no automático, um Charlie Hunnam unidimensional e toda uma gama de coadjuvantes como enfeites de cena.
Para quem se interessar eis a sinopse: Arthur (Charlie Hunnam) é um jovem das ruas que controla os becos de Londonium e desconhece sua predestinação até o momento em que entra em contato pela primeira vez com a espada Excalibur. A partir daí, ele precisará dominar os poderes da espada para derrotar o tirano Vortigern (Jude Law). Genérico não?
Claro que, por causa das peripécias de Guy Ritche e dos bons efeitos visuais, o longa se mantém em um patamar aceitável em seu desenrolar, contentando o público eventual que vai aos cinemas com a intenção de se divertir. A diversão poderá ser aproveitada por todas as idades já que o sangue é artigo raro durante a projeção, mesmo se tratando de uma história passada em um contexto extremamente violento. A trilha sonora também pode ser tratada como um ponto positivo e agradável. As músicas acompanham o ritmo do diretor em batidas rápidas e acordes empolgantes, trazendo mais ritmo em sequencias que, sem elas, talvez fossem comuns.
No geral, “Rei Arthur: A Lenda da Espada” é um filme que pode ser conferido sem medo se você está procurando alguma coisa para assistir no fim de semana. Provavelmente você vai sair do cinema satisfeito e com a sensação de que o dinheiro do ingresso valeu a pena, mas não espere lembrar-se de tudo o que passou na tela depois de algumas horas. Isso é certeza!
OBS: Evite a versão em 3D se você é daqueles que espera mais do que objetos lançados em seu rosto.
A Hollywood de hoje está abarrotada de filmes de super-heróis, de monstros e robôs gigantes. Quase todos eles, além do entretenimento, tentam trazer ao público discussões humanas e sociais, como "King Kong" e os filmes da Marvel. O raro é o aprofundamento desses temas, ou mesmo a demonstração real das consequências deles. Talvez, em uma superprodução, eles fiquem em segundo plano ao entretenimento. O que não é o caso de produções independentes, como no recente “Colossal”.
O filme do desconhecido Nacho Vigalondo começa como uma típica produção independente. Ele mostra o relacionamento desgastado da alcoólatra Gloria (Anne Hathaway) com seu namorado Tim (Dan Stevens, de "Legion") na cidade de Nova York. Ele, não aguentando mais as inúmeras vezes em que ela chega em casa depois de noites de bebedeira, a expulsa. Sem onde morar, Gloria volta a sua pequena cidade natal, onde vivia na infância com seus já falecidos pais. Após a chegada à cidade e o encontro com o antigo colega de escola, Oscar (Jason Sudeikis), um mostro se materializa na cidade de Seul, na Coréia do Sul, causando destruição e mortes.
A partir desse momento, o roteiro cria um paralelo entre as atitudes de Gloria com as do monstro. O que faz com que seus movimentos em um certo ponto do parque da cidade sejam copiados pelo monstro na Coréia. Ela é seguida de Oscar, que tem seus movimentos associados a um robô, que também se materializa na cidade asiática. A violência das atitudes de Glória é demonstrada por inteiro na figura do monstro e a responsabilidade dos seus atos ganha vigor por causa do impacto que a criatura causa.
Apesar de contar com alguns momentos de humor, o roteiro é apoiado em tensão. Os personagens passam a medir suas atitudes, com medo das consequências. Anne Hathaway entrega uma performance contida, mas que parece guardar tristeza e dor dentro de si. Já Jason Sudeikis consegue ir do encantador ao ameaçador no intervalo de algumas cenas. Como em um bom filme independente, a direção é minimalista quando se trata nas cenas na pequena cidade, sendo até mesmo acadêmica em vários momentos, só mudando o foco para o grandioso quando o monstro e o robô são mostrados. Mas, não espere grandes cenas de luta ao estilo de "Pacific Rim", já que muitas delas ficam subentendidas, estando de acordo com o a proposta do roteiro, que é explanar condições tipicamente humanas. Também, é Claro, que grandes cenas de luta demandariam um maior orçamento, o que os produtores certamente não dispunham.
A construção da jornada do herói é evidente e realizada com competência. O roteiro acerta em não transformar a história em um filme catástrofe e coloca seus personagens e os espectadores paradoxalmente com os pés no chão. Os efeitos visuais são econômicos mas de boa qualidade, nunca estragando a experiência de quem espera ver convincentes monstros e robôs na tela. Os efeitos são partes importantes do enredo e não apenas enfeites bonitos de serem vistos.
“Colossal” será lançado apenas em junho e precisará de uma boa campanha de marketing para levar as pessoas ao cinema, já que não é um filme de grande apelo comercial, mesmo tendo em sua história os citados monstros e robôs. Será uma pena se o filme não for bem recepcionado, já que se trata de uma pérola que usa ideias já vista em outros lugares, modificada aqui e ali para a entrega de um resultado inspirado, criativo e que possui voz própria.
O cinema precisa de sopros de criatividade e por vezes esse sopro parte dos filmes independentes, que geralmente são feitos com mais paixão do que dinheiro. Vale a pena conferir!
Vivemos em tempos difíceis. Ataques terroristas estão, infelizmente, se tornando comuns nos noticiários, e um dos países que mais sofrem com esse mal são os EUA. Após o onze de setembro diversas medidas de prevenção foram tomadas, mas, nenhuma delas impediu outro ataque devastador em 2013. Esse ataque que, se não alcançou o número de mortes do World Trade Center, feriu profundamente os moradores de Boston, porque atingiu sua tradicional maratona de rua e foi executado por moradores do local.
Claro que Hollywood não poderia deixar de fazer um filme a respeito do ocorrido, como já havia feito um sobre o ataque às torres gêmeas. Os lucros de bilheteria talvez fiquem em segundo plano quando se pensa um filme desses; os envolvidos podem querer construir uma forma de homenagem ou mesmo um ato de patriotismo, tornando-o uma espécie de mastro de bandeira, onde as cores da America ficam sempre no ponto mais alto.
“O Dia do Atentado” faz uma reconstituição quase literal do fatídico dia; somos apresentados aos personagens que fizeram parte da história, mostrando suas vidas de antes do atentado. Peter Berg acerta em aprofundar essas histórias, para que o espectador se familiarize com elas antes da tragédia. O roteiro é apoiado em seu primeiro ato na preparação da maratona e também na execução do plano dos terroristas e segue com toda a tensão que precedem as explosões, mostrando as pessoas que serão as vítimas e os executores do ataque. A especialidade do diretor em filmar cenas de ação são usadas nas sequencias tensas de resgate às vítimas e depois na busca da polícia pelos terroristas. As nervosas câmeras na mão em tiroteios intensos contrapõem-se às cenas intimistas em planos fechados, onde a tristeza impera.
O elenco de peso, com rosto conhecidos, cria ainda mais conexão com o público e possui o seu melhor elemento em um Mark Wahlberg com atuação competente. O policial Tommy Saunders interpretado pelo ator é um sujeito carregado de magoas por seus colegas e por sua família. Parece que sua profissão já não faz mais sentido em sua cabeça e que ele logo irá perecer e largar o serviço. A expressão carrancuda de Wahlberg ajuda na construção desse personagem e o torna um pouco mais tátil. J. K. Simmons, John Goodman, Kevin Bacon e Michelle Monaghan são os apoios necessários para o bom desenvolvimento da história.
Todos os elementos transformam “O Dia do Atentado” em um filme policial dentro da média do que Hollywood está acostumado a produzir, mas escorrega em pesar a mão em elementos extremamente ufanistas e patriotas. Mesmo não transformando os terroristas em sujeitos unidimensionais, que só estão no longa para serem odiados, a representação da polícia e do exército como sendo os grandes heróis talvez seja um pouco exagerado, pois, pelo menos metade da culpa por esse tipo de atentado vem dos próprios norte americanos com suas forças imperialistas. Então, se isentar dessa culpa e apontar o dedo apenas para os fanáticos religiosos não é um caminho aceitável.
Um ponto louvável do filme é a grande homenagem feita para as vítimas, principalmente no final com aquelas famosas imagens de arquivo, mostrando as pessoas reais. Se levarmos para o lado da homenagem e esquecermos o patriotismo boboca, aproveitaremos melhor o que a obra tem a dizer.
O cinema francês é conhecido por fugir de padrões, já que é de lá que surgiram escolas como a Nouvelle Vague, que formou cineastas como Jean-Luc Godard. A Nouvelle Vague tinha como proposta um cinema puro, sem as amarras da literatura; os filmes eram recortes sobre personagens comuns, que dialogavam sobre a existência em seus apartamentos burgueses. Posteriormente, o próprio Godard abandonou esse tipo de cinema e partiu para um estilo mais experimental. Seus filmes atuais parecem espécies de vídeos arte, que usam a capacidade sensorial dos espectadores para expor suas mensagens. Este “Apesar da Noite” meio que uni momentos de nouvelle vague, com o novo cinema de Godard. A história é sobre um amor melancólica, que começa quando o jovem Lens retorna a Paris para tentar encontrar seu verdadeiro amor, Madeleine. Em sua busca, ele é absorvido pelo submundo escuro e cruel da cidade. A direção transforma o filme em uma obra abstrata, com a mistura de diálogos e situações comuns e momentos que parecem tirados de pesadelos. Todos buscam no sexo ou na violência cobrir o buraco de um passado trágico. A vida já não se sustenta, passa a ser um fardo para aquelas pessoas. Amores não correspondidos também são motivos para vingança. Há constantes fade outs que representam o fechar de cortinas, como a transição entre uma cena e outra no teatro, o que complementa as atuações e situações claramente teatrais. Os personagens recitam os diálogos como se fossem um poema filmado, no entanto, apesar de toda a intenção do roteiro em mostrar emoção, o filme é vazio em sua essência. A Câmera do diretor Philippe Grandrieux está sempre junta aos atores, trazendo a sensação de intimidade mas também de intimidação, como se algum daqueles seres estivessem prestes a atacar o espectador. Em alguns momentos, a iluminação estourada transformam os amantes centrais da trama Lenz e Hélène em seres angelicais jogados no mundo animal dos humanos. O diretor tenta chocar com cenas de sexo e violência explícita, talvez usando como referência Gaspar Noé, mas acaba por executar apenas imitações e não algo impactante de verdade. O destaque do filme é o seu elenco, principalmente a maravilhosa atriz grega Ariane Labed (O Lagosta). A sua Hélène é puro sofrimento, com suas expressões marcantes, indo da dor ao prazer em momentos de sodomia e escravidão com seus inúmeros parceiros sexuais. Já Kristian Marr traz um Lenz que age como um homem apaixonado, mas se mostra confuso em seus sentimentos ao se relacionar com outras mulheres. A busca de Lenz por uma representação da mãe já falecida é evidenciado por flashbacks ou mesmo por fotos inseridas em algumas cenas. O roteiro faz um paralelo entre o amor que Lenz sente por Hélène com o sentimento maternal que lhe faz falta, assim como a busca de Hélène por um substituto para seu filho também morto em um passado próximo, deixando no ar uma ideia clara de incesto. A perversidade é extrapolada do meio ao final do longa, com uma sequencia sanguinária nos últimos minutos. Delongando-se por mais de duas horas e meia, “Apesar da Noite” talvez fosse melhor se durasse menos, pois, da maneira como foi montado, passa aquela sensação de enfado que todos os filmes tentam não demonstrar. Voltado para cinéfilos, com certeza não agradará o público em geral.
Há oitenta em quatro anos, quando um gorila gigante feito em Stop Motion subiu ao alto do Empire State Building o mundo conhecia o poderoso King Kong. O filme de 1933 virou um clássico cult e foi seguido de inúmeros remakes, que atualizaram a história de Kong e, evidentemente, trouxeram avanços em seu aspecto visual. O mais atual dos filmes é esse “Kong: A Ilha da Caveira”. Trata-se de um prequel da franquia King Kong, mostrando a origem da história do rei dos símios. Nele, no final da guerra do Vietnã, uma tropa do exército dos EUA, junto com alguns cientistas e exploradores adentram as profundezas da traiçoeira e primitiva ilha. Não demora muito para eles se depararem com a grandiosidade e a fúria de Kong. Um dos pôsteres do filme faz referência à Apocalypse Now, mostrando Kong perseguido por helicópteros, com o sol ao fundo. Essa referência está presente no longa e é de fato apropriada, porque, ao seu jeito, “Kong: A Ilha da Caveira” fala sobre as consequências da guerra e também sobre a selvageria humana; claro, deixando de lado a profundidade filosófica do filme de Coppola e se apoiando em efeitos especiais de primeira linha, aliados com aquele humor rasteiro que aprendemos a gostar nos blockbusters de verão. Como todo fã de King Kong sabe, ele não é o vilão da história, esse papel cabe aos soldados norte-americanos, que, com suas metralhadoras e bombas, invadem o território protegido por Kong, e também aos violentos lagartos com feições de caveira. Mas, os lagartos estão em uma luta natural com Kong pela dominação da ilha, já os soldados são aqueles que começam a destruição sem motivo e sofrem as consequências desse ato. A selvageria dos humanos é posta em confronto com a da natureza, e notamos que a que parte do homem é um tipo de selvageria que segue propósitos obscuros, sem motivos reais para existirem. Durante todo o filme torci pelos animais da floresta contra os soldados devastadores, principalmente contra o odioso personagem vivido por Samuel L. Jackson, que “possui a bandeira dos EUA tatuada no peito” e passa por cima de tudo para cumprir a missão dada por seus superiores. Os únicos que parecem entender o contexto da situação são o ex-capitão britânico James Conrad (Tom Hiddleston) e a fotógrafa anti guerra Mason Weaver (Brie Larson), os dois, obviamente, fartos de todos os conflitos que já presenciaram. O derrotismo sentido pelos EUA após a retirada do Vietnã e as perguntas sobre o motivo do envolvimento em guerras que o país constantemente participa são retratados pelos soldados que vão a uma missão desconhecida, em um ambiente inóspito, onde o inimigo possui ampla vantagem. A fotografia super colorida e os vários planos gerais evidenciam o belo ambiente da ilha, com suas vastas áreas, trazendo grandes similaridades com os clássicos filmes que retratam a guerra do Vietnã. Mas, mesmo com a abundância de espaço, os personagens parecem sempre aprisionados por algo: ora em meio a uma surpreendente e mortal floresta de bambus, ora em rios lamacentos, rodeados de insetos, ou mesmo em uma tribo cercada por uma gigantesca cerca. O IMAX ajuda na imersão do espectador, trazendo desconforto em todos os momentos. Infelizmente o filme não alcança maiores objetivos pela falta de originalidade de seu roteiro, que faz uma mistura de “Jurassic Park” com “Uncharted” (aliás, a caracterização de Tom Hiddleston lembra muito Nathan Drake) e pelas inúmeras cenas com aquela sensação de déjà-vu. Não que não haja a tentativa de quebrar clichês e derrubar arquétipos, como no momento onde há a repetição da batida sequência: Os mocinhos correm desesperadamente do mostro enquanto um deles, já condenado pela morte ou mesmo por puro heroísmo, fica para traz, se arma com granadas ou outro tipo de explosivo para matar o monstro e sacrificar a sua vida em prol do restante. Em “Kong: A Ilha da Caveira”, há uma cena dessas, mas com um final totalmente inesperado. A edição sofre com algumas escolhas de cortes pouco fluidos, levando personagens de um lado ao outro instantaneamente, o que passa a impressão de pressa por parte do diretor e dos produtores. O relacionamento de Kong com a bela da história também é construído aqui, mas de forma bem sutil, trazendo mais um sentimento de cumplicidade do que de amor, como uma questão ecológica. É interessante notar que é na fotógrafa de Brie Larson que o roteiro apoia quase toda a sua racionalidade (deixando o resto para o personagem de Tom Hiddleston), já que ela é mostrada apenas com sua câmera em mão, deixando as armas para a maioria masculina, e é também ela que sempre se opões às ordens do lunático personagem de Samuel L. Jackson. O filme levanta questões políticas e éticas com a leveza de um filme comercial, acerta na ambientação e nas maravilhosas sequências de efeitos especiais, no entanto, peca pelas escolhas obvias e pela edição que confundi em alguns momentos, fazendo “Kong: A Ilha da Caveira” uma boa escolha para quem procura um bom filme de aventura que faça pensar, mesmo que pensar só um pouquinho. Nota: É muito importante aguardar até o final dos créditos, pois há uma importante sequência que define os rumos de King Kong no cinema daqui para frente.
Luis Buñuel se tornou célebre já em sua estreia no cinema, criando, ao lado de ninguém menos que Salvador Dalí, o surrealista “Cão Andaluz”. Fugindo do regime de Franco na Espanha, Buñuel se refugiou na França, onde, ao lado do companheiro roteirista Jean-Claude Carrière trouxe à tona obras como “A Bela da Tarde”, “O Discreto Charme da Burguesia” e “Esse Obscuro Objeto de Desejo”. “Esse Obscuro Objeto do Desejo” foi o último filme realizado por Buñuel antes de sua morte, e trata do relacionamento conturbado do rico Mathieu (Fernando Rey) com a bela Conchita (Carole Bouquet/ Ángela Molina), que se passa entre Paris e Sevilha. Buñuel, como mestre surrealista usou duas atrizes para viver Conchita, que, segundo Jean-Claude Carrière em seu livro “A Linguagem Secreta do Cinema” começou como um infortúnio, já que de última hora a interprete original não pode participar do filme. Para não atrasar a produção, Buñuel escalou Ángela Molina e Carole Bouquet, intercalando as cenas da personagem usando as duas atrizes, já que elas possuíam características distintas, mas que se complementavam, completando assim a visão que o diretor possuía de Conchita. Por isso, com certeza, contando com as duas atrizes disponíveis, Buñuel teve a ideia de representar Conchita em duas extremidades: a ingênua e inocente de Carole Bouquet e a manipuladora perversa de Ángela Molina, e também fez a mistura das duas personalidades em vários momentos. Mathieu é arrebatado por essa mulher dividida em duas, ele entrega sua vida a ela, mesmo ela não se entregando por inteiro. No mesmo livro citado acima, Jean-Claude Carrière diz que Buñuel tratava seus filmes como obras de acontecimentos cotidianos e várias cenas analisadas hoje em dia, onde se dá inúmeros significados, na verdade não possuem nenhum. Ele apenas filmava da forma que achava mais apropriado. Mas, é impossível analisar o roteiro de “Esse Obscuro Objeto do Desejo” e não notar nele vários subtextos que dialogam com o seu tempo ou mesmo com a vida do diretor. O Jogo de dominação entre Mathieu e Conchita pode ser entendido como o embate entre a burguesia – e suas ramificações, que possui influência no governo e na justiça –, com o proletariado, que sofre a imposição do poder, mas que usa de seus artifícios para fazer valer suas vontades. Conchita manipula Mathieu, enquanto ele tenta possui-la de todas as formas. Em um momento Buñuel mostra um transeunte carregando um saco nas costas, este mesmo saco é mostrado nas mãos de Mathieu em momentos chave do filme: Como quando ele anda com Conchita na rua, ou em um hotel, após uma briga, onde deixa o saco e diz que pedirá para buscarem depois, além de outro momento, já no final, que merece uma análise maior, também no final desse texto. O interessante é que Buñuel usa esse elemento como analogia a conchita, primeiro como uma qualquer andando pelas ruas, ainda desgarrada de Mathieu, depois em seu domínio, como montada em suas costas. No hotel, ele deixa o saco aos cuidados de terceiros, como algo sem importância. Cutucadas sucintas na religião também fazem parte do repertório de Buñuel aqui e são representadas primeiramente pela mãe de Conchita, já que a velha senhora não trabalha, passando boa parte de seu tempo na igreja. Ela entrega sua filha para o homem rico, também se beneficiando do dinheiro que ele oferece de bom grado. Diz que Deus prepara a elas uma ótima vida sem trabalho. Mesmo Conchita é dividida entre anjo e demônio em suas personalidades conturbadas, mas que possuem algo em comum: enganar o velho Mathieu. Há em ainda os inúmeros atentados terroristas usados como pano de fundo da trama principal. O grupo terrorista responsável é chamado de “Grupo Armado Revolucionário do Menino Jesus”, que, evidentemente não possui um motivo aparente para seus atos, o que é bem similar aos grupos terroristas de hoje em dia. Eles operam baseados em leis que de tão estapafúrdias, passam a ser nulas.
Quando falamos em surrealismo no cinema logo nos vem em mente outro mestre: David Lynch. Ele usa figuras estranhas, edição truncada e fotografia estilizada. Buñuel é o oposto de Lynch, sua direção é sóbria, com travellings de aproximação, como querendo participar da cena, mas não interferindo nela. Outra não intrusa é a edição, que quase não é notada, tamanha sua discrição. Ele constrói um filme realista, com toques irreais e dá significado à sua visão sem floreios. O filme é de 1977 e por isso algumas cenas podem soar falsas ou mesmo as atuações dos atores talvez pareçam teatrais demais para os nossos olhos modernos, além da incomoda dublagem feita em pós-produção. Contudo, trata-se de uma obra de arte, mantendo-se acima de qualquer defeito técnico que possa ser apontado. Para finalizar, há a última analogia entre conchita e os sacos carregados por Mathieu. Em seus momentos finais, após uma das varias reconciliações do casal, Mathieu chama Conchita para olhar uma vitrine de loja. De dentro dessa vitrine surge uma senhora carregando o tal saco. Ela retira do saco varias vestimentas brancas sujas de sangue e começa a costura-las. Conchita fica transtornada com a cena, vira as costas e vai embora. O fato das roupas estarem sendo concertadas em uma vitrine é, além de surreal, revelador, como se Conchita estivesse entregue à Mathieu, “remendada” por ele, se transformando em algo que pode ser comprado. Tentei em algumas pobres palavras decifrar uma das obras mais importantes da história do cinema. Se Buñuel estivesse vivo e lesse esse texto talvez risse e dissesse: “Meu rapaz, que confusão que você fez, eu só queria mostrar a vida de um casal com diferença de idade”.
Os famosos filmes de tribunal estão fora de moda atualmente, contrariamente à tevê, que possui séries de sucesso nesse estilo. Os grandes estúdios não produzem filmes de destaque desse sub gênero há algum tempo. Talvez essa escassez se dê por causa das mudanças do cinema moderno: O público médio que vai ao cinema, a grande massa, são atraídos por filmes mais rápidos, de ação, não querem mais acompanhar diálogos de advogados e juízes, não importando a qualidade da trama. Cabe ao cinema independente a produção de filmes como “Versões de um Crime”. Nele, Ramsey (Keanu Reeves), um advogado criminalista, vai defender um adolescente (Gabriel Basso) acusado de matar o pai milionário (James Belushi). O pai, antes da morte, é acusado de agredir frequentemente a mulher (Renée Zellweger), o que é usado pelo adolescente como justificativa para o crime. O roteiro escrito por Nicholas Kazan, filho do grande cineasta Elia Kazan, foca-se no advogado e as suas estratégias para tentar vencer o processo. As suas divagações são expostas por uma desnecessária narração e OFF, que diz o que todos já estão vendo em tela ou que já são fatos evidentes. A apresentação das testemunhas e seus relatos são representados por rápidos flashbacks, o que proporciona certo interesse pelo passado dos personagens, mas que, de tão usuais, passam a ser efêmeros. A direção, assim como o roteiro, não saí do comum, já que se limita a planos de transição e frequentes planos/contra planos nas cenas de diálogos. Sei que um filme de tribunal geralmente é construído de forma acadêmica, mas seria interessante o diretor e seu fotografo estabelecerem a identidade visual de seus personagens apoiada no trabalho de câmera e iluminação, para assim auxiliar a história e trazer mais significado em suas cenas. A câmera é essencial em filmes onde há excesso de diálogos, pois é com ela que o cineasta dá “suspiros” e muitas vezes até suprime algumas linhas superficiais. “Versões de um Crime” muitas vezes lembra aqueles antigos filmes B exibidos na sessão da tarde, trazendo atuações dignas desse tipo de produção. Keanu Reeves está em meu coração por causa da trilogia “Matrix”, mas é preciso admitir que ele não passa de um ator mediano e, por vezes, parece estar atuando de forma totalmente automática. Seu personagem aqui precisaria de uma caracterização mais focada no seu caráter, trazendo mais carga dramática em acontecimentos onde ele se vê confuso ou até acuado por alguma situação fora de controle. Mas, Keanu Reeves usa as mesmas expressões em todos os momentos do filme, a sua movimentação robótica não ajuda nesse processo, a não ser que seja uma espécie de alusão sarcástica à classe dos advogados. O mais triste, no entanto, é ver Renée Zellweger em cena. Em sua volta às telas após sete anos, ela está totalmente modificada por inúmeras plásticas, o que prejudica a sua já limitada capacidade de atuação. Mesmo o conhecido carisma da atriz esvaeceu por causa da artificialidade de suas expressões. Chega a ser patético as tentativas que ela faz para demonstrar algum tipo de emoção em cena, evidentemente atrapalhadas pela falta de elasticidade de seu rosto. A junção de todos esses fatores transformam “Versões de um Crime” em um filme esquecível, que, se não ofende o público por completo, não traz nada com que faça que nos lembremos dele no futuro. O mais grave é o fato de se tratar de um filme independente, que, por definição, não está sob a influência de questões mercadológicas, fazendo com que a liberdade dos cineastas sejam mais evidentes. Por isso, quando ele repete erros de grandes produções, transforma-se em mais uma tentativa de clonagem do que de filme relevante.
“Moonlight: Sob a Luz do Luar” começa mostrando, em um belo plano sequência, um garoto fugindo de vários “valentões” do colégio. Ele, a fim de se esconder, entra em um quarto usado por traficantes de drogas, e é onde conhece Juan (Mahershala Ali), o dono da boca, que se tornará seu mentor e uma espécie de figura paterna (A cena em que Juan banha o garoto no mar, como um batismo, é a síntese dessa paternidade). Esse início resume o que será da vida do garoto dali em diante: em muitos momentos ele se esconde dos outros, esconde seus sentimentos e desejos; tenta escapar de seu passado assim que o amadurecimento chega, mas, faz parte de um ambiente que, com seus maus e bons momentos, molda-o como indivíduo. Barry Jenkins constrói em três atos um estudo de personagem, mostrando a infância, a juventude e a fase adulta do garoto chamado Chiron. Os três atos são divididos como capítulos: i.little, ii.litle e Black. Os atores que interpretam as três fases são competentes em desenvolver um personagem apoiado em expressões corporais, quase pantomímico. Os sentimentos demonstrados pelas expressões são potencializados pela direção e pela fotografia, que prezam pelos planos fechados, às vezes com rostos enchendo a tela. A vida no gueto é brutal, principalmente nas cenas onde a mãe de Chiron está presente. Ela, quase em estado catatônico devido o uso de drogas pesadas, mal sabe o que acontece na vida do filho. Chiron se refugia na casa de Juan, onde consegue o mínimo de complacência, mesmo sendo Juan o traficante que vicia a sua mãe. O filme possui elementos de tragédia, no entanto, mesmo ambientado em cenários de periferias perigosas, se afasta o Maximo que pode das cenas de violência gratuita, não transformando seu personagem principal em um arquétipo. Há duas cenas de violência durante a projeção, e elas possuem significado para trama e trazem suas consequências. Um meio violento só pode gerar pessoas violentas, já disseram alguns, mas não é o que acontece com Chiron, que, mesmo seguindo os passos de Juan e também se tornando um traficante respeitado por sua influência e postura, possui dentro de si uma extrema sensibilidade que tenta não demonstrar, mas que aflora naturalmente. Aqui temos a figura do macho supostamente perigoso que tem em sua alma os delírios homossexuais nunca realizados com um antigo colega de colégio. Chiron descobre sua sexualidade já na adolescência, mas a reprimi para poder sobreviver em uma selva sem leis. Com o encontro com o tal amigo já adulto, ele não consegue ficar dentro da carapaça inventada e se entrega em sentimentos. Até a trilha sonora traz o embate entre o bruto e o sensível, revezando os Raps dos negros americanos com musicas sentimentais, como a canção "Cucurrucucu Paloma" de Caetano Veloso. Chiron começa como uma peça de barro e vai sendo moldado com os tapas e afagos que a vida lhe dá e, mesmo aos trancos, consegue se transformar em um ser acima do estabelecido por aquela sociedade em que vive.
“Moonlight: Sob a Luz do Luar” é um bom drama que está no nível dos filmes indicados ao Oscar de 2017. Poderia até ganhar, não fosse a maior publicidade de seus concorrentes, pois, como os outros, não consegue ultrapassar a média. Como nota, preciso dizer que “Moonlight: Sob a Luz do Luar” recebeu oito indicações ao Oscar, sendo uma delas a de ator coadjuvante para Mahershala Ali. Essa indicação eu não consigo entender, já que se trata de uma participação breve do ator, sem nenhum destaque em seu desempenho.
A adaptação hollywoodiana do longa japonês Ringu, lançada em 2002, fez enorme sucesso no mundo todo, inclusive no Brasil, onde foi intitulado “O Chamado”. O filme trazia novas ideias, para aliviar o saturado esquema de produções de terror adolescente muito presentes naquela época. Então, o fato de uma maldição partir de uma fita de vídeo que fazia com que a pessoa que a assistisse morresse em sete dias e, também, todo o conceito visual de Samara e a maneira como ela toma vida, causou surpresa no público ocidental. O êxito do filme gerou uma continuação em 2005, que trazia a mesma história, apenas tentando expandir a mitologia (Lembro que, na época do lançamento da versão americana, havia nas locadoras de vídeo uma alta procura pela versão japonesa, que foi alçada ao status de filme cult.). Em 2017, passados doze anos após o segundo filme, temos um upgrade em “O Chamado 3”. Saem as fitas de vídeo e entram as telas de computadores e de smartphones, porém, esse avanço só se dá na tecnologia usada pelos amaldiçoados personagens e não no roteiro do longa, que repete as situações já mostradas nos seus predecessores. Repetir ideias não é um problema; Hollywood já faz isso com grande porcentagem de sucesso há décadas, mas, a ideia repetida precisa vir com pitadas de novidade, que fazem com que o público se interesse nos novos rumos que a história que, ele conhece tão bem, vai tomar. O problema de “O Chamado 3” é que se transforma em um daqueles filmes de terror adolescente, mostrando muita correria e sangue, mas não trazendo nada que o transmute em uma produção relevante para gênero terror. Na trama, a jovem Julia parte para ajudar seu namorado Holt que foi para a universidade e acaba tendo contato com o tal vídeo que o sentencia a morte. Porém, ela descobre que seu papel em toda o processo é muito mais complexo. Apostando em um elenco jovem, com algumas participações de atores já conhecidos, como Johnny Galecki (The Big Bang Theory) e Vincent D'Onofrio (Sete homens e um destino), a produção não se destaca em relação a atuações. Não que esse elenco jovem seja de todo ruim, mas porque não há outras grandes exigências além de gritar, chorar e emular expressões de dor e surpresa. Enquanto que os dois atores veteranos entregam apenas mais do mesmo. A direção possui bons momentos ao trazer ângulos inusitados, que causam estranheza. Um em destaque é o que enquadra Julia por meio de uma câmera de vídeo ao mesmo tempo em que ela folheia um livro, fazendo um contraponto entre a mão da personagem em primeiro plano e o seu rosto em destaque no segundo plano, que é mostrado no monitor. Com isso, a personagem é dividida entre o mundo real e aquele visto no vídeo. Esse conceito subjetivo nos estrega algo na trama que será importante em sua resolução. A fotografia, mesmo tropeçando em obviedades, também tenta ser diferente em alguns momentos. Basta se atentar à iluminação e cores usadas em uma decadente cidadezinha que é mostrada no segundo ato. Tudo parece tirado de uma fotografia antiga, quase se apagando, morta em suas próprias entranhas. Já a edição é irritante em usar artifícios com intuito de causar sustos fáceis nos espectadores. Como as inúmeras vezes onde há uma cena de diálogo e um elemento é jogado em tela por meio da edição e do som. Pode ser um guarda-chuva que se abre ou um vidro que se quebra, fazendo o espectador sair do conforto de forma abrupta, como um parque de diversão onde jogam água em nosso rosto. Outro ponto crítico é a pouca importância que o “monstro” de um filme de terror possui aqui, já que Samara é mal aproveitada, aparecendo de forma esporádica e, quando aparece, não provoca medo ou apreensão em quem assiste. Provavelmente, a falta de sensação de perigo seja por causa da maquiagem e dos efeitos visuais mal executados. Há também a confusão que os roteiristas cometem em não decidirem se Samara é uma Vilã ou se é apenas uma vitima que foi amaldiçoada. Há, também, a inserção de um vilão de carne e osso em certo momento. Em síntese, “O Chamado 3” tenta trazer de volta o terror eficiente mostrado no primeiro filme, mas se perde em meio a “manias” típicas de filmes de terror para a nova geração. Não inova em relação ao roteiro e entrega uma resolução que, evidentemente, abre possibilidades para que mais sequências sejam produzidas. Contudo, reformulações precisam ser feitas, já que a própria figura de Samara já não assusta tanto como nos idos anos 2000.
O primeiro Triplo X (2002) nos apresentou uma espécie de Missão Impossível onde o agente principal é especialista em esportes radicais. A produção trazia o iniciante Vin Diesel que, um ano antes, havia sido lançado ao estrelato pelo primeiro filme da franquia Velozes e Furiosos. O carisma do ator resultou em um sucesso de bilheteria, mas não foi suficiente para conquistar os críticos, que receberam o filme com certa indiferença. Em 2005 a continuação foi lançada, sem contar com Vin Diesel e apostando no rapper Ice Cub. O novo personagem não agradou os fãs gerados pelo primeiro filme, resultando em um estrondoso fracasso. Bilheterias a parte, tanto o primeiro como o segundo são construídos sobre a temática dos filmes de ação descompromissados, que nunca se levam a sério. Trazem sequencias que desafiam todas as leis da física e qualquer outra lei que se aplique em nossa vida aqui na terra. As sequencias absurdas fazem parte do contexto dos filmes, já que eles contam com personagens especializados em esportes que não são praticados por pessoas comuns. Então, tudo visto em tela “faz sentido” no universo criado pelos roteiristas, já que estamos vendo um tipo de fantasia disfarçada de vida real. No terceiro capitulo chamado de xXx: Reativado temos a volta de Xander Cage (Vin Diesel), após um período no exílio. Ele terá que enfrentar uma habilidosa gangue para recuperar uma arma letal conhecida como Caixa de Pandora. Xander precisará recrutar outros agentes extremos para combater o que parece ser uma conspiração para dominar o mundo. Como nos dois primeiros filmes, este novo exagera em cenas de ação inacreditáveis. Temos motos que são usadas como pranchas de surf, o já clichê salto de aviões sem paraquedas, pessoas que saem ilesas de explosões, tiroteios onde os personagens principais não são atingidos e vários outros tipos de situações que fazem o cérebro dar um nó (há o mais absurdo uso do recurso deus ex machina já usado no cinema de ação). Como dito, esse tipo de cena faz sentido em relação àqueles personagens e situações, mas xXx: Reativado escorrega feio no que liga e justifica todas essas impossibilidades. Claro que quando vamos ao cinema assistir a um filme desse tipo não esperamos cenas bergmanianas e atuações shakespearianas, mas é possível entregar, no mínimo, diálogos e sequencias bens escritas, além de atuações que façam com que nos importemos com os personagens, como é feito no já citado Missão Impossível. Em xXx: Reativado temos atores que são apenas caricaturas, entregando miseras caretas como atuação; com “destaque” ao conhecidamente limitado Vin Diesel. Há cenas de ação que, além de absurdas, são filmadas no automático por D.J. Caruso, não possuindo nenhuma inspiração visual. A edição corta freneticamente entre lutas e explosões, proporcionando confusão visual ao espectador. Todos esses defeitos seriam ainda mais evidentes se o roteiro não fosse, no máximo, prosaico, o que afetaria o entendimento da trama. Mas, ainda mais grave é o evidente machismo exposto pela produção. As mulheres representadas na trama não são mais que pedaços de carne que caem aos pés de Xander Cage quando este tira a camisa. Mesmo as personagens principais, que possuem alguma importância na trama, são expostas à mesma situação. Todas esquecem a suas motivações e suspiram de desejo quando conhecem Xander Cage. D.J. Caruso só piora a situação dando uma de Michael Bay, filmando em close e câmera lenta os atributos das atrizes. Se podemos tirar algo de bom do filme é o espetacular Donnie Yen, que se esforça para colocar o mínimo de expressão em seu personagem e também possui as cenas de luta mais bem coreografadas, já que se trata de um ator treinado em artes marciais. No geral, xXx: Reativado é apenas mais um produto vindo de Hollywood que poderia, como vários outros, aliar diversão com boa história, mas fica preso em suas várias limitações. Obs: As cenas em que Neymar Jr participa são, para ser educado, terríveis.
A franquia de games Assassin's Creed deu à sua produtora, Ubisoft, uma infindável fonte de renda, com suas varias versões, lançadas para todos os consoles de antiga e nova geração e uma própria para celulares. Um dado de 2014 divulgado pela produtora dizia que o game havia vendido mais de 74 milhões de cópias, entre downloads e mídias físicas. Em 2017 esses números devem ter, no mínimo, dobrado. Quem conhece a trajetória de Assassin's Creed nos vídeo games sabe que o primeiro game da franquia trouxe novidades em relação à jogabilidade, além de contar com uma história que misturava ficção cientifica e fantasia, mas que ele apresentava problemas no desenvolvimento, fazendo o jogador cansar em vários momentos, por causa da repetição e também por bugs na própria jogabilidade revolucionária. Já o segundo game foi desenvolvido com mais esmero, angariando sucesso de público e crítica, sendo seguido por outros tão bons quanto, como por alguns a baixo da média. Com todo esse potencial mercadológico, não é surpresa que uma adaptação fosse produzido para o cinema, já que Hollywood vê com “olhos de cifrões” o mercado milionário dos games. Quando a adaptação foi anunciada, os fãs ficaram mais tranquilos quando souberam que a própria Ubisoft iria cuidar, não só da produção, mas também de todo processo criativo. Além do filme contar um elenco de peso, encabeçados por Michael Fassbender e Marion Cotillard. Para quem nunca colocou as mãos em um controle de vídeo game ou mesmo não se importa com o mercado de games, eis a história de Assassin's Creed: Callum Lynch (Michael Fassbender) descobre que é descendente de um membro da ordem dos assassinos e, via memória genética, revive as aventuras do guerreiro Aguilar, seu ancestral espanhol do século XV. Dotado de novos conhecimentos e habilidades, ele volta no tempo pronto para enfrentar os templários, os maiores inimigos dos assassinos. A luta é por um artefato que pode acabar com o livre arbítrio do ser humano. No filme há as grandes cenas de lutas típicas das produções de alto orçamento. A constituição de época é de encher os olhos, com cenários que parecem resgatados da época da inquisição. Tudo isso embalado por uma fotografia que traz um mundo mergulhado nas trevas; mesmo os raios sol são mostrados em meio à poeira e à fumaça. O filme chega para ser o grande blockbuster do inicio de ano, mas, assim com o primeiro game, escorrega em suas próprias pretensões. Ao começar pelo fato de que nunca nos importamos com os problemas de Callum Lynch ou com as divagações existenciais da doutora vivida por Marion Cutilard – talvez por causa das atuações unidimensionais dos dois atores, que parecem no automático. Também há o problema das cenas de ação, que, apesar de belas, abafam o enredo do filme, fazendo-nos esquecer do motivo da batalha em vários momentos (durante a projeção me perguntei algumas vezes: Do que eles estão fugindo agora? Quando começou essa luta? Não importa, são sequencias bonitas à beça) se tornando genérico, digno de mais um filme de verão vindo dos EUA. A história rasa e os personagens desinteressantes transformam Assassin's Creed em mais uma franquia baseada em games que tende a não dar certo, seguindo os passos de outras tentativas fracassadas, como, para citar os mais recentes, Need for Speed e WarCraft. Posso estar errado e a inevitável sequencia se transformar em um grande filme, assim como foi com o segundo jogo, mas isso, só o tempo dirá.
Desde o seu maior sucesso – para muitos sua obra prima – “Oldboy”, Park Chan-Wook vem chamando a atenção pelo seu talento em criar histórias violentas, com personagens fortes e que, geralmente, buscam vingança. O estilo cru, contrastando-se com a beleza dos planos, transforma seus filmes em epopeias sanguinárias cheias de estilo. No novo trabalho ele não foge à regra, pois cria um dos filmes mais impactantes visualmente de 2016 e também traz seus temas usuais, porém abre o leque para discussões que fazem parte de nossa vida moderna, apesar do filme se passar em 1930. “A Criada” teve uma sessão concorrida no Festival de Cannes 2016, onde foi muito bem recebido pela crítica, chegando a ganhar um prêmio de melhor direção artística. O longa foi também indicado à categoria de filme estrangeiro pela Coréia do Sul ao Oscar mas, infelizmente, ficou de fora da última pré-lista divulgada pela academia de Hollywood. O filme é baseado no livro “Fingersmith”, de Sarah Waters, e a história se passa durante a ocupação japonesa na Coréia do Sul em 1930. Sook-hee é contratada como criada da rica herdeira japonesa Hideko, que vive isolada numa propriedade com o seu dominador tio Kouzuki. Mas a empregada tem um segredo: ela e um vigarista, que se apresenta como um conde japonês, planejam combinar um noivado, roubar a senhora e trancá-la num hospício. A gama de tramas conta com atuações construídas de acordo com sua proposta temática. Temos o exagero cômico dos vigaristas, o comportamento Blasé da mimada herdeira e a postura de vilão do tio. Esses arquétipos explanam questões morais claramente, trazendo simplicidade para temas complexos. Como em seus longas anteriores, o cineasta usa do humor negro em cenas de tensão, causando aquele riso nervoso da plateia. A questão da vingança está presente em “A Criada”, e é mostrada de uma forma universal, como uma vingança de gênero sexual, pois aqui, Park Chan-Wook se debruça sobre a condição da mulher em uma sociedade extremamente machista, a japonesa/coreana. As heroínas homossexuais contra os machos ditadores. O prêmio de direção artística em Cannes se justifica pela capacidade que o filme tem em expor sua proposta por meio dos cenários e figurinos. Um exemplo se dá nas cenas passadas na mansão, que, apesar de enorme, parece uma caixa selada, onde as personagens só possuem acesso aos compartimentos internos, abrindo e fechando as típicas portas das casas japonesas. Durante o dia, Hideko vaga intocável por esses cômodos, com sua beleza angelical e seus vestidos brancos; à noite, ela se transforma em narradora de contos imorais, com vestimentas vermelhas e até outra que lhe proporciona a aparência de uma serpente com escamas verdes e pretas. As sessões são apresentadas em um ambiente que imita um jardim japonês misturado com teatro de arena, onde a plateia é composta por ricos libertinos e colecionadores de livros raros. Mesmo em cenas externas há a impressão de repreensão, pois a mansão é cercada por uma floresta que, apesar de bela em suas cores, é extremamente lúgubre. Hideko vive em cárcere, treinada desde criança a se curvar perante o tio, mas com a chegada de Sook-heem (mesmo que esta tenha chegado, inicialmente, para aplicar um golpe), recebe um sopro de vida e percebe que pode se libertar. A explosão sexual que acontece entre as duas é apresentada em sua forma mais extrema no clímax do filme, onde a questão da emancipação feminina fica clara; as amarras são derrubadas, assim como as paredes da caixa selada.
Louis está de volta à cidade onde nasceu e que deixou para trás há muito tempo. Ele é um estranho para seus irmãos e para sua mãe; a volta é carregada de amargura, com conversas intensas; as roupas encharcadas de suor, por causa do calor intenso, mas principalmente pela tensão que impera na casa. Xavier Dolan filma em planos fechados, sufocando seus personagens, sufocando os espectadores. Sua câmera passeia em planos sequencia nos corredores mal iluminados, fazendo um paralelo com a vida daqueles personagens. As lembranças que Louis possui do passado naquela casa são lembranças onde a irmã, o irmão e a mãe não estão inclusos, reinterando a sua falta de identidade com todos. A sequência em que ele abraça a mãe é reveladora ao mostrar o grau de degradação do seu relacionamento com a família, já que Dolan ilumina a cena de uma forma com que pareça que ele está abraçando o vazio, enquadrando apenas o rosto de Gaspard Ulliel. Ele olha em direção a uma janela aberta, como se quisesse fugir daquela situação. Logo depois Dolan afasta a câmera para mostrar cada um em uma extremidade do quadro, com aquele mesmo vazio entre os dois. Como em todos os filmes de Dolan a figura da mãe está presente, mas Louis não sente ódio por ela, parece apenas não sentir nada, assim como pelo irmão e pela irmã, conseguindo apenas uma fagulha de cumplicidade com a cunhada, que não possui seu sangue. “É apenas o fim do mundo” é um filme de diálogos, construído para que as atuações de seus atores sejam o ponto crucial para o desenvolvimento da trama, então o elenco não poderia ser menos do que fantástico. E ele o é, pois trás apenas os nomes de maior peso do cinema francês da atualidade. Começando com Gaspard Ulliel, que possui uma sensibilidade incrível em criar um Louis que se expressa com os olhos, usando poucas palavras, além de se manter com o corpo reprimido, como se estivesse acuado por aquelas pessoas. Vincent Cassel, o irmão mais velho, cria uma figura bruta, que parece carregar o ódio em suas entranhas, ele nunca mantém contatos visuais longos, sempre dando as costas nos diálogos da família. Marion Cotillard dá vida à cunhada, que parece um animal ferido, não conseguindo controlar o marido ou até a própria dicção, passando insegurança, mas, surpreendentemente, sendo forte em alguns momentos. Nathalie Baye, a mãe, é a síntese da falência daquela família, ela se mostra feliz em alguns momentos, se maquia e se veste como jovem, mas é em seu choro e em sua compulsão pelo fumo que vemos sua verdadeira persona. Léa Seydoux, a irmã, transmite carência e rebeldia, com uma personagem que parece perdida, não possuindo um local no mundo. Mas, após todos os embates, as cenas constrangedoras e os momentos de demonstração de ódio, fica a pergunta: por que Louis Volta? O roteiro dá algumas pistas do motivo, como nas constantes vezes em que ele verifica as horas em seu relógio de pulso ou em um antigo cuco, mostrando assim a sua preocupação com o tempo, ou com o que lhe resta desse tempo. Há também a cena fantasiosa do pássaro do cuco ganhando vida, ele voa desgovernado pela casa e bate nos móveis até encontrar a janela, aquela mesma que Louis encara anteriormente, mas, quando ele tenta alcança-la, cai no chão e morre. Remorso, conciliação, aceitação ou despedida, todos parecem ser os motivos que fazem Louis voltar, mas em nenhum momento ele chega a alcançar alguns deles, já que nunca conseguirá ser aceito em meio a todas as feridas que o passado deixou. Então, diferente do pássaro, Luis sai da casa para que sua morte não seja presenciada.
O gênio Albert Einstein certa vez disse: “Não sei com que armas a III Guerra Mundial será lutada. Mas a IV Guerra Mundial será lutada com paus e pedras”. O físico alemão passou boa parte de sua vida sendo corroído pela culpa, por, em 1939, ter escrito uma carta ao então presidente dos Estados Unidos, Frankin Delano Roosevelt, acerca da possibilidade da criação de uma bomba configurada a partir de uma cadeia de reações em uma grande massa de urânio (bomba atômica). A bomba em questão matou milhares de pessoas. Spectral, apesar de ser um filme de ação blockbuster, discute o papel da ciência nos conflitos armados e também em toda a nossa sociedade desenvolvida. No filme, misteriosos espectros passam a aparecer em zonas de batalha em uma terceira guerra mundial passada na Europa. Soldados norte americanos são constantemente atacados e mortos por esses espectros, fazendo com que o governo escale um brilhante engenheiro para tentar descobrir qual sua origem. Após várias tentativas, o engenheiro vivido competentemente por James Badge Dale descobre que, assim como a bomba atômica, as criaturas são desenvolvidas seguindo outra teoria de Einstein, o condensado de Bose Einstein. No Zero absoluto os átomos passam a se comportar de maneiras não comum ao que estamos acostumados no nosso dia a dia, criando um quarto estado de matéria, além do liquido, sólido e gasoso; o tal condensado de Bose Einstein. De alguma forma, evidentemente não explicada pelo filme, pessoas tem seus corpos transformados nesse outro estado de matéria, para servirem como soldados. Fazer um paralelo entre a criação da bomba atômica e essa nova arma é um ponto interessante no roteiro, já que há o embate entre a parte da ciência que é voltada para fins destrutivos e a que está preocupada em desenvolver meios de melhorar nossa vida no planeta. A parte boa da ciência é representada pelo engenheiro, que acredita no conhecimento como meio de defesa e não de ataque, no universo representado pelo filme. Corroborando com essa ideia há a cena de dialogo entre ele e uma agente da CIA, quando eles estão desligando as maquinas que fazem a tecnologia funcionar. Ela tenta persuadi-lo de que seria melhor manter o equipamento para uma eventual engenharia reversa, já ele se mostra convencido de que há ramos da ciência que nunca iremos entender, e que por isso, devem ficar longe de nosso alcance. Não acredito em limites para ciência e sim em quebra de paradigmas, mas, se ocorresse na vida real o que acontece no filme, eu seria o primeiro a puxar a tomada. Além das questões filosóficas, o filme também se mostra uma excelente ficção cientifica de ação, trazendo cenários grandiosos e efeitos especiais de alto nível. As cenas de batalhas contra os espectros são ágeis e bem coreografadas. O design de produção também é bem desenvolvido ao mostrar soldados com seus equipamentos e veículos high-techs contrastando com as cidades de arquitetura antiga aos escombros. Mais uma produção de qualidade da Netflix, que se mostra preocupada em desenvolver projetos que além de proporcionarem entretenimento, trazem pontos de reflexão. Spectral fala sobre algo que convivemos desde o passado remoto e que provavelmente conviveremos por muito tempo daqui até futuro: a guerra.
Os mais desavisados podem se perguntar: Onde está o Chewbacca, o Han Solo, o Luke Skywalker, o R2D2, o C3PO…? Dois deles fazem breves aparições e os outros ainda não faziam parte do universo na linha temporal de Rogue One. Também, salvo uma única cena, não temos sabres de luz nesse filme, nem por isso ele deixa de ser um legítimo Star Wars em sua aura e significado, principalmente para os fãs, não só dos filmes clássicos, como também de todo o universo expandido. Mas, vamos falar um pouco sobre esse mais novo ícone da cultura pop.
Rogue One: Uma História Star Wars começa com o império invadindo o esconderijo do engenheiro Galen Erso – responsável pelo projeto da estrela da morte – levando-o como refém e fazendo com que sua pequena filha, Jyn Erso, fuja. Damos um salto no tempo e vemos Jyn já crescida, agora presa, e também somos apresentados para os personagens que formarão o mítico grupo que dá nome ao filme.
Todo o grupo se forma em meio à batalha, no caos, como se a força conspirasse para justá-los. Além de Jyn, há o piloto enviado por Galen Erso, a fim de informar à resistência sobre a arma de destruição de planetas, o rebelde anteriormente designado para matar Galen, o meio Jedi cego e seu companheiro e um robô construído pelo império, mas que sofreu engenharia reversa pela resistência. Nota-se que é um grupo de renegados, que lutam contra o império, mas também que se voltam contra o acovardamento da resistência em recuperar os planos da estrela da morte e engendrar a destruição da mesma, já que Galen Erso implanta na construção da arma uma maneira de destruí-la.
Com essa premissa, Rogue One é construído como um filme de guerra, nas trincheiras sujas e com soldados cobertos de poeira. É o filme mais violento da franquia, não economizando nas mortes, apesar de quase não mostrar sangue.
A direção de Gareth Edwards é segura ao mostrar as batalhas em planos abertos, situando muito bem o espectador em meio ao caos, assim como optar por alguns planos sequencia, com a câmera nas costas dos personagens, dando a impressão de realidade em um cenário fantasioso. Mas o filme também se apoia nos cortes rápidos, dando agilidade às batalhas no chão e no espaço.
A direção de fotografia aposta em uma paleta de cores mais voltada ao cinza e ao marrom, nas cenas da resistência esfarrapada, ligando-os ao conceito de guerrilha; mudando para negro e branco do império, com seus ambientes cheios de luz e sombra. As sombras são usadas para marcar ameaça do império, como a estrela da morte eclipsando uma lua, e também para maximizar a persona dominante de Darth Vader, como na cena em que a sua silhueta gigante cobre a figura frágil do diretor Orson Krennic, ou quando ele surge na tela escura acendendo seu sabre de luz.
A direção de arte é primorosa ao fazer com que o filme pareça ter sido filmado na década de 70 em alguns momentos, confeccionando ambientes, objetos de cenas e figurinos idênticos aos clássicos. Evidentemente deveria ser dessa forma mesmo, porque se trata de uma história passada antes do primeiro filme, mas a perfeição e o cuidado com esses fatores me obrigam a comentar. Personagens queridos também fazem breves aparições, transformando a experiência ainda mais prazerosa.
Mesmo se tratando de um filme basicamente de ação, o elenco, em sua maioria, não trabalha no automático, tendo a maravilhosa Felicity Jones dominando a tela. Sua Jyn Erso nos transmite ternura, raiva e esperança com tanta naturalidade, que acreditamos em cada lágrima e expressão que a atriz expõe. Diego Luna, Ben Mendelsohn, Forest Whitaker e Mads Mikkelsen atuam com suas já conhecidas competências.
Quem já é maniaco por Star Wars vai chorar, quem ainda não é, terá uma bela prévia, para assim começar a assistir o restante dos filmes da série (mesmo os episódios I, II e III), e depois que se é picado pelo bichinho do universo criado por George Lucas, não há mais volta.
Rogue One, uma história nunca antes contada, uma história Star Wars. May The Force Be With us.
Toda grande ficção científica mira as estrelas, mas acerta no cerne de nossa sociedade aqui mesmo na terra. Seja com invasões alienígenas ou uma nova forma de tecnologia, todas estudam os nossos temores, nossas injustiças, nossa evolução ou até mesmo nosso regresso, além de tentar entender o motivo de estarmos vivendo em um planeta prosaico, na periferia de uma galáxia perdida no universo. Em “A Chegada” temos a invasão alienígena, mas não aquela vista em “Independence Day”, com explosões de monumentos e batalhas aéreas, e sim uma envolta em mistério e reflexão. No filme, após a chegada de naves alienígenas ao redor de todo o mundo, a doutora Louise Banksuma (Amy Adams), uma linguista especialista, é recrutada pelos militares, que são comandados pelo Coronel Weber (Forest Whitaker), para determinar se os extraterrestres vêm em paz ou são uma ameaça. Louise, após o choque do primeiro contato com os ETs, começa passo a passo a entender o complexo vocabulário usado por eles para se comunicar, e entende que o motivo da visita é pacífico. O problema é fazer com que os lideres dos países mais poderosos do mundo tenham o mesmo sentimento e não promovam a terceira guerra mundial. Denis Villeneuve constrói um filme poético que fala da grande dificuldade de comunicação que nossa sociedade enfrenta, ainda mais em um planeta cada vez mais dividido por costumes e línguas diferentes. Com isso, a nova língua trazida pelos visitantes e a sábia tradutora vivida por Amy Adams possuem um papel de unificação para uma espécie acostuma a tratar as diferenças com ódio e violência. A montagem e roteiro são extremamente competentes em nos contar a história de uma forma que não reconheçamos o tempo especifico em que se passam partes cruciais do filme, então, passado e futuro são embaralhados e se complementam, fazendo com que percam a importância. O tempo se torna uma espécie de palíndromo, onde, se lido de traz para frente ou de frente para trás, possui o mesmo significado. A língua dos extraterrestres quebra barreiras e ensina a personagem de Amy Adams de forma atemporal. Mas,
para que o ensinamento e o alcance dos objetivos dos visitantes deem frutos, a personagem precisará presenciar a morte da filha (Hannah, um palíndromo), que só acontecerá no futuro, já que a menina possui um grande papel no plano todo.
“A Chegada” entra para o panteão das ficções cientificas que refletem sobre a sociedade e também sobre a nossa espécie, fazendo uma grande pergunta: Será que precisaremos que discos desçam do céu para fazer com que ajamos como irmãos, sem ligar para raças, línguas ou fronteiras?
Forushande começa com um espetacular plano sequencia dos moradores de um edifício de apartamentos saindo às pressas do local, pois as paredes começam a tremer e a rachar. As rachaduras nas paredes são o indicio da condenação do edifício e também servem de analogia para o que esta prestes a acontecer com o casamento dos atores Emad e Rana, pois a saída do apartamento em que moram se seguirá a uma conturbada crise no relacionamento entre os dois. A crise se inicia quando eles se mudam para outro apartamento, onde Rana é agredida por um invasor, que vai atrás da antiga moradora do local. Talvez seja nesse filme que Asghar Farhadi use mais elementos narrativos para expor suas ideias, já que, além da questão do apartamento/casamento estarem começando a desabar, há também todo o processo de metalinguagem, pois os personagens principais são atores encenando “Morte de um Caixeiro-Viajante”, que conta a história de um vendedor que vê seu casamento sucumbir por causa de sua constante ausência e por sua arrogância. A arrogância, a intolerância, a idealização de moral e o extremo machismo faz com que Emad se perca na busca pela pessoa que agrediu sua esposa. Ao encontrar o agressor, que não passa de um idoso com problemas de saúde, Emad o prende no antigo apartamento em ruínas, para que possa lhe dar uma lição de moral, ao entregar seus atos para sua família. Asghar Farhadi expõe o extremismo das ações baseadas em uma ideia deturpada de honra, mas que já estão no cerne de sua pátria, e constrói seu filme de forma semidocumental, o que já é de praxe, mostrando o Irã para o mundo de forma realista.
Tatuagem começa enquadrando o cabisbaixo Fininha (Jesuíta Barbosa) entre barras, como se estivesse em uma cadeia, a câmera se afasta e percebemos que se trata dos ferros de sustentação dos beliches de um quartel militar. O filme se passa em 1978, durante a ditadura, mas poderia muito bem retratar os dias de hoje, já que aqueles obscuros anos parecem estar voltando, com desrespeito à democracia, censura à arte e golpe de estado. Após a abertura no quartel, passamos a seguir a trupe teatral liderada pelo ator e homossexual Clécio – vivido brilhantemente por Irandhir Santos – que promove peças e shows de cunho anarquista em um pequeno teatro, que fica ironicamente ao lado de uma fabrica em ruínas. As peças são um sucesso local, e trazem temas filosóficos, que abordam a vida e a sociedade da época, atraindo todo o tipo de artistas, travestis e outros seres que se sentem à margem da sociedade. Depois de mostrar os dois mundos (arte e quartel), há o inevitável choque dos dois, que se dá no encontro entre Fininha e Clécio. Nesse encontro, durante uma apresentação musical de Clécio, a câmera de Hilton Lacerda flutua ao meio do publico do teatro até enquadrar Clécio, com seu poder artístico/ intelectual em cima do palco, e sentado o jovem e inseguro Fininha que parece encantado por aquele novo mundo. Após a troca de olhares, os dois começam a conversar frente a frente, Clécio vestido de vermelho, o vermelho de sua paixão e de seu inconformismo e Fininha com sua inocente e comportada camisa branca do quartel. Nesse contraponto de cores, há a predominância do vermelho, que inunda o ambiente do teatro, passando a clara sensação de que a arte sempre será superior a qualquer forma de censura ou de poder imposto. Fininha também é inundado por Clécio, passando a fazer parte da trupe e começando a seguir os seus valores libertários. Após o encontro, Hilton Lacerda constrói um filme que ao mesmo tempo mostra a idílica vida da trupe, filmando em super 8, sempre com o sol em suas lentes e a vida de Fininha fora dali, com sua família conservadora, que traz valores ultrapassados e representam a aura da maior parte da população naquela época. Tatuagem é um filme de contestação, que respira a arte do cinema, do teatro, da poesia e da musica, dirigido brilhantemente e atuado de forma bela.
A democracia, a livre forma de expressão, a arte e a cultura foram usurpados do povo brasileiro durante aquela ditadura e é triste constatar que hoje há pessoas que gritam clamando pela volta dos militares ao poder. Os militares, graças ao universo, não voltaram, mas estamos enfrentando um dos piores momentos do país dos últimos anos, com a tomada do poder por meio de um golpe e manipulação de mídia. Talvez precisemos tatuar em nossos peitos a palavra liberdade, assim como Fininha tatua o “C” de Clécio próximo ao seu coração.
A tecnologia trouxe, traz e ainda irá trazer enormes benefícios para a espécie humana, mas talvez estejamos perdendo a conexão entre indivíduos da mesma espécie e até com o próprio planeta que nos abriga por causa dela. Into the Forest traz essa discussão à tona mostrando um apagão global que deixa toda a população sem energia elétrica, focando em duas irmãs que vivem em uma tecnológica casa no meio de uma isolada floresta. É interessante ver como, com o passar do tempo sem energia, a casa vai se deteriorando, enquanto as irmãs passam a ter uma ligação cada vez maior, já que, apesar de se amarem, viviam vidas e possuíam interesses distintos em um mundo cheio de telas, sons e de todo o tipo de gadgets modernos. Além da ligação pessoal, as duas passam a aproveitar o que a natureza as oferece, como alimento, água e abrigo, voltando assim a serem ligadas à terra que mal percebiam que existia. Além das duas irmãs, há a o personagem do amoroso pai, que morre durante o filme, o namorado da irmã mais nova, que a abandona para procurar uma vida melhor em outro local e também um funcionário de um supermercado que estupra brutalmente a Irmã mais velha. Esse panorama escasso e não tão favorável do sexo masculino deixa claro o justo discurso feminista do filme, trazendo as mulheres para o âmago da recriação da espécie. Para reforçar há o fato da irmã que é estuprada ficar grávida do estuprador e dar a luz a um bebê do sexo masculino, dentro de uma árvore. As duas atrizes entregam belas atuações, reforçadas por uma direção segura, que sempre preza pelos simbolismos para caracterizar o que pretende mostrar. Um desses momentos é a já citada cena em que as irmãs se abrigam em uma arvore, onde nasce o bebê. Nela há o enquadramento em plongée das duas entrando em uma arvore que possui um formato de coração ou até de uma vulva, trazendo assim a questão da criação da mãe natureza de forma quase divina, além de unir as duas criadoras de vida, a mulher prestes a dar a luz e a própria natureza. A questão da reconexão com a natureza e a valorização do sexo feminino é um tema atual e de enorme importância e que a arte precisa expor com mais frequência, só assim, talvez, mudemos o rumo.
Grave
3.4 1,1K“Grave” começou sua trajetória sendo premiado pela FIPRESCI (Federação Internacional de Críticos de Cinema) no festival de Cannes em 2016 para, logo depois, causar desmaios em algumas pessoas da plateia no festival de Toronto do mesmo ano. Nunca uma história sobre a transição da adolescência para a vida adulta foi, com perdão do trocadilho, tão visceral como a contada pela estreante cineasta Julia Ducournau.
No filme acompanhamos Justine (Garance Marillier), uma jovem tímida e vegetariana, que começa os estudos na mesma faculdade de veterinária em que está sua irmã, Alexia (Ella Rumpf). Durante o trote de inicio de ano, ela é forçada a comer carne animal pela primeira vez, o que leva a garota a sentir um incessante impulso carnívoro, principalmente pelo cru.
O roteiro é esperto em levar a personagem para uma faculdade de veterinária, onde se vê, em todos os momentos, animais mortos sendo dissecados e também grandes quantidades de sangue. As acomodações do local são extremamente opressoras, lembrando uma grande prisão misturada com um abatedouro. As paredes cinzas só saem de evidência por causa dos aventais brancos manchados de sangue dos estudantes. A iluminação é de caráter quase documental, só se desgarrando de sua alta granulação quando usa filtros para cobrir Justine em luzes vermelhas de neon em festas que acontecem no campus ou mesmo durante as cenas em seu dormitório. A direção de câmera faz notar a estranheza das situações com enquadramentos em que os personagens são vistos nos cantos, e economiza na velocidade dos cortes para trabalhar os momentos com paradoxal naturalidade.
O filme está sendo vendido como um terror, no entanto, o vejo mais como um suspense com toques dramáticos. As cenas de canibalismo não causam medo e sim nojo. Toda a sujeira causada pelo sangue, pela carne crua e pelo excremento dos animais são mostrados de forma gráfica e poucas vezes há a ocultação ou mesmo o desvio das câmeras. Isso mostra coragem e fidelidade para o tipo de história que se quer contar. Outro mérito é a excelente maquiagem, que faz com que acreditemos em cada ferida ou pedaço de corpo que é mostrado. Um ato falho é a falta de consequências para muito do que se vê em tela. Há brigas com amputações, humilhações e todos os tipos de bizarrices sem que a polícia ou mesmo a direção da escola sejam alertados, o que tira um pouco do impacto por sua inverossimilhança.
A trama avança apoiada nas descobertas sexuais e carnívoras de Justine, fazendo um claro paralelo à fase de transição da vida adulta para adolescência. Ela descobre seu corpo e seus desejos, luta para suprimir os mais explícitos, mas se entrega à vida com a ajuda da irmã, que também possui os mesmos impulsos. A interação entre as irmãs é interessante porque proporciona ainda mais peso na trama, fazendo o espectador se perguntar se a condição delas se trata ou não de um fator genético. O porte físico frágil de Garance Marillier a transforma no filhote que ainda não descobriu todos os prazeres e mesmo as formas de sobreviver, precisando de uma irmã mais velha e desenvolvida para ajuda-la. Talvez o pior momento seja no final do terceiro ato, quando os roteiristas tentam chocar com informações que já são obvias desde o inicio para os espectadores mais habituados com as reviravoltas desse tipo de trama, mas nada que atrapalhe a experiência no total.
No final se trata de mais uma boa produção vinda da França e se você tem estômago forte e preza pela boa execução de um filme, “Grave” é uma boa pedida, mesmo porque é preciso que o cinema respire bem com novas temáticas, nem que elas sejam, neste caso, nojentas.
A Liberdade é Azul
4.1 650 Assista AgoraO mítico diretor polonês Krzysztof Kieślowski é conhecido por seu cinema poético, onde a essência transborda em narrativas que fogem do habitual. Boa parte de suas obras são pautadas em personagens femininos fortes, que são o centro das suas tramas. Um de seus trabalhos mais conhecidos é a trilogia baseada nas cores da bandeira francesa e seus significados. Usou o lema liberdade, igualdade e fraternidade para contar a história de três mulheres francesas. O primeiro filme se chama, em seu título original, “Trois couleurs: Bleu” que no Brasil ficou “A Liberdade é Azul”, o que, convenhamos, soa bem mais poético.
“A Liberdade é Azul”, tem início com um acidente de carro em que morre um famoso compositor e sua filha pequena. No carro também estava a sua esposa Julie, que sobrevive. Depois de recuperada, Julie tenta se livrar da vida passada, afim de esquecer seus entes queridos mortos. Coloca à venda a mansão em que viveram juntos e literalmente queima todos os seus pertences pessoais. Tenta destruir uma partitura inacabada que o compositor trabalhava (que era sobre a unificação europeia) e aluga um apartamento em uma área pouco valorizada de Paris.
São nos momentos onde Julie “destrói” sua vida passada que o cineasta imprimi toda a sua genialidade como autor e esteta da sétima arte. Claro que a sua direção já constrói a personagem desde o momento em que ela se encontra no hospital. Todos os planos são de extremo sufoco; planos hiper fechados que a encaixotam. Quase uma prisão de dentro para fora da tela. Ainda no hospital ela passa a ser acossada pela cor azul do título. Seu rosto é inundado por uma luz azulada misteriosa que a acorda em certo momento e que, pela montagem proposta, a faz lembrar da tal composição musical incompleta. A partir daí, em vários momentos a música toma conta e o faz quando o azul está presente, como em objetos ou mesmo na iluminação.
Mesmo se estabelecendo na nova vida e tentando esquecer do passado, parece haver uma força que a leva de volta, essa força é caracterizada por situações que deixam o filme inquietante e são trabalhadas de forma genial pela construção do roteiro. Uma das cenas em questão é quando Julie é enquadrada boiando em uma piscina em posição fetal, tentando “afogar” a música que surge em sua cabeça e que nós expectadores também ouvimos. Quando ela mergulha, a música cessa. Tudo é feito em uma piscina, evidentemente, azul em sua extensão. A câmera também é um personagem, ela se move entre cômodos e confere instabilidade à trama enquadrando Julie sempre nos cantos. Há um plano sequência primoroso mostrando-a andando enquadrada do tronco para cima. A câmera não se mexe e sim Julie, que joga o corpo de uma extremidade a outra da tela, deixando o espectador atordoado. Todo o potencial narrativo e técnico do filme não seria suficiente se Krzysztof Kieślowski não contasse com o talento de uma jovem Juliete Binoche, que é extremamente competente em construir uma personagem confusa com os acontecimentos e, paradoxalmente, determinada em esquecê-los.
A obra foi lançada em 1993, o ano em que houve a construção do bloco dos países europeus e trata sutilmente dessa questão com a citada partitura inacabada feita para celebrar essa união. A Europa deu uma lição em juntar seus países e demonstrou que a liberdade que deu a seus cidadãos é bem mais benéfico do que isola-los. O isolamento que Julie escolheu depois de uma tragédia é quebrado quando ela percebe que a memória de seu marido nunca será apagada e decide terminar a sinfonia da união. Ela se integra ao passado para enfim ganhar a liberdade. Por isso, saldemos a Europa e contemplemos Kieślowski.
Inseparáveis
3.1 24 Assista AgoraQuando “Intocáveis” estreou em 2011, o sucesso foi instantâneo. Todos ficaram comovidos pela história de um malandro de bom coração que passa a cuidar de um milionário tetraplégico. Baseados em fatos reais, o filme conta o desenvolvimento da amizade desses homens tão diferentes, mas que se completam e mudam a vida um do outro. Após o lançamento, já surgiram inúmeras noticias sobre um possível remake vindo de Hollywood. Os endinheirados americanos, neste caso, foram passados para trás, pois os argentinos o fizeram primeiro.
Em 2016 temos “Inseparáveis”, com Oscar Martínez (Relatos Selvagens) e Rodrigo de La Serna (Diários de Motocicleta) nos papeis principais. A palavra refilmagem foi tratada na forma literal, já que cada frame é vindo do original francês. Mesmo a barroca mansão do milionário parece ter sido reproduzida nos mínimos detalhes. Quase todas as situações que marcam o encontro dos dois também são repetidas, alterando-se alguns pequenos detalhes que não são importantes para o avanço do enredo. A fotografia, assim como em “Intocáveis” possui momentos soturnos e coloridos, variando de acordo com o estado emocional dos personagens. O tom melodramático impera em cenas de confissões e choro. Em se tratando de narrativa, não há nenhum elemento que se destaque ou que ultrapasse o acadêmico. Não deixa de ser uma pena, já que há situações que poderiam ser trabalhadas com outros pontos de vista, trazendo mais discussões nas entrelinhas. Sem muita complexidade, era possível traçar uma linha sobre a nossa mortalidade na figura do milionário; que até possui algumas falas que podem indicar esse caminho, mas que, de tão superficiais, ficam fora de contexto.
O elenco cumpre seu papel, principalmente com Rodrigo de La Serna encarnando um homem que, apesar de suas maneiras brutas, consegue ser apaixonante e sensível. O problema é que Omar Sy já havia interpretado esse mesmo personagem e com a mesma sensibilidade. O ator argentino só inclui traços de personalidade latinos, principalmente na cena da dança durante um aniversario. Oscar Martínez causa pena e tristeza com um homem amargurado, que teve a vida interrompida por um acidente, chegando a superar em alguns momentos a atuação do francês François Cluzet.
Para quem não viu o original, será uma boa oportunidade para ir ao cinema e acompanhar a história recontada por nossos vizinhos portenhos e, mesmo para quem já viu, será uma reprise agradável como passa tempo. Quando digo passa tempo, não é minha intenção rebaixar o filme, mas sim dizer que a missão de contar uma história de amizade leve em engraçada foi cumprida, mesmo com a grande e evidente sensação de déjà-vu.
Mais do que o filme em si, é válido discutir a necessidade da realização de refilmagens de produções tão recentes. O cinema possui uma linguagem universal, que, mesmo precisando de legenda ou dublagem, consegue atingir pessoas do mundo todo. “Intocáveis” surgiu e atingiu milhares, inclusive na Argentina, e é até curioso ver uma refilmagem vinda de lá, que é um país festejado por sua filmografia original e de estilo próprio, sendo reconhecida no mundo todo por sua excelência. Esse papel de reprodutor é muito associado aos EUA, que não possui muita aceitação do que vem de outros países. Será que essa falta de aceitação está atingindo outros lugares? Será que a globalização do cinema passará a ter barreiras representadas pela língua e pela cultura? Não quero acreditar que a forma de arte mais completa que existe seguirá o exemplo da política de alguns países e construirá muros em suas fronteiras, preferindo refazer com sua visão algo vindo de outro lugar não agradável aos seus olhos.
Esperemos e acreditemos que se trata de apenas mais uma tentativa de se produzir mais dinheiro em bilheteria.
Rei Arthur: A Lenda da Espada
3.2 623Desde o final de sucessos como “Senhor dos Anéis” e “Harry Potter” a Warner Bros vem procurando uma nova franquia que sustente o seu catálogo durante os anos. Conseguiu ótimo desempenho com “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, mas, como uma andorinha não faz verão, aposta em produções como o novo “Rei Arthur: A Lenda da Espada”, esperando tirar daí mais um sucesso de bilheteria. Depois de várias adaptações da história dos cavaleiros da távola redonda, há a necessidade de atualizar o mito para a nova geração, tentando transforma-lo em mais um ícone pop. Alguns desses filmes predecessores tiveram lapsos dessa tentativa de atualização, mas esbarraram na falta de interesse do público. O exemplo mais recente é de 2004, com “Rei Arthur”, dirigido por Antoine Fuqua (Dia de Treinamento) e que conta com um elenco estrelar.
Quando se pensa em filmes pop, logo nos vem à mente a edição picotada, os diálogos espertos e engraçados e os personagens carismáticos, além, é claro, as indispensáveis cenas de ação. Todos esses fatores , quando ligados a um bom roteiro, geralmente agradam o público e, por que não, os exigentes críticos. Um dos nomes na indústria que pode entregar todos esses elementos em forma de filme é o talentoso diretor Guy Ritchie, que, a julgar pelos seus melhores trabalhos, não precisa de apresentação.
Em “Rei Arthur: A Lenda da Espada” Guy Ritchie até consegue imprimir seu estilo em algumas sequências, como na excelente introdução, onde conta a vida de nosso herói desde a infância até a fase adulta de forma acelerada e com cortes extremamente rápidos. As cenas de lutas, com sua famosa câmera lenta, também se fazem presentes, assim como os diálogos rápidos, onde um personagem completa a fala do outro e se tratam por apelidos que parecem saídos das ruas da Londres do século XXI. Uma versão de “Snatch – Porcos e Diamantes” e “Jogos, Trapaça e Dois Canos Fumegantes” da idade média.
Mas, mesmo com seu apuro técnico, o cineasta não consegue fugir de um roteiro genérico que, mesmo tentando subverter a clássica história de Rei Arthur, se mostra frágil em emular diversas ideias já vistas em outros filmes de fantasia. Por isso, quem pisou em uma sala de cinema durante os últimos dez anos, saberá exatamente como toda a história irá se desenvolver e como será seu desfecho. Para completar, há o elenco com Eric Banna e Jude Law no automático, um Charlie Hunnam unidimensional e toda uma gama de coadjuvantes como enfeites de cena.
Para quem se interessar eis a sinopse: Arthur (Charlie Hunnam) é um jovem das ruas que controla os becos de Londonium e desconhece sua predestinação até o momento em que entra em contato pela primeira vez com a espada Excalibur. A partir daí, ele precisará dominar os poderes da espada para derrotar o tirano Vortigern (Jude Law). Genérico não?
Claro que, por causa das peripécias de Guy Ritche e dos bons efeitos visuais, o longa se mantém em um patamar aceitável em seu desenrolar, contentando o público eventual que vai aos cinemas com a intenção de se divertir. A diversão poderá ser aproveitada por todas as idades já que o sangue é artigo raro durante a projeção, mesmo se tratando de uma história passada em um contexto extremamente violento. A trilha sonora também pode ser tratada como um ponto positivo e agradável. As músicas acompanham o ritmo do diretor em batidas rápidas e acordes empolgantes, trazendo mais ritmo em sequencias que, sem elas, talvez fossem comuns.
No geral, “Rei Arthur: A Lenda da Espada” é um filme que pode ser conferido sem medo se você está procurando alguma coisa para assistir no fim de semana. Provavelmente você vai sair do cinema satisfeito e com a sensação de que o dinheiro do ingresso valeu a pena, mas não espere lembrar-se de tudo o que passou na tela depois de algumas horas. Isso é certeza!
OBS: Evite a versão em 3D se você é daqueles que espera mais do que objetos lançados em seu rosto.
Colossal
3.1 340 Assista AgoraA Hollywood de hoje está abarrotada de filmes de super-heróis, de monstros e robôs gigantes. Quase todos eles, além do entretenimento, tentam trazer ao público discussões humanas e sociais, como "King Kong" e os filmes da Marvel. O raro é o aprofundamento desses temas, ou mesmo a demonstração real das consequências deles. Talvez, em uma superprodução, eles fiquem em segundo plano ao entretenimento. O que não é o caso de produções independentes, como no recente “Colossal”.
O filme do desconhecido Nacho Vigalondo começa como uma típica produção independente. Ele mostra o relacionamento desgastado da alcoólatra Gloria (Anne Hathaway) com seu namorado Tim (Dan Stevens, de "Legion") na cidade de Nova York. Ele, não aguentando mais as inúmeras vezes em que ela chega em casa depois de noites de bebedeira, a expulsa. Sem onde morar, Gloria volta a sua pequena cidade natal, onde vivia na infância com seus já falecidos pais. Após a chegada à cidade e o encontro com o antigo colega de escola, Oscar (Jason Sudeikis), um mostro se materializa na cidade de Seul, na Coréia do Sul, causando destruição e mortes.
A partir desse momento, o roteiro cria um paralelo entre as atitudes de Gloria com as do monstro. O que faz com que seus movimentos em um certo ponto do parque da cidade sejam copiados pelo monstro na Coréia. Ela é seguida de Oscar, que tem seus movimentos associados a um robô, que também se materializa na cidade asiática. A violência das atitudes de Glória é demonstrada por inteiro na figura do monstro e a responsabilidade dos seus atos ganha vigor por causa do impacto que a criatura causa.
Apesar de contar com alguns momentos de humor, o roteiro é apoiado em tensão. Os personagens passam a medir suas atitudes, com medo das consequências. Anne Hathaway entrega uma performance contida, mas que parece guardar tristeza e dor dentro de si. Já Jason Sudeikis consegue ir do encantador ao ameaçador no intervalo de algumas cenas. Como em um bom filme independente, a direção é minimalista quando se trata nas cenas na pequena cidade, sendo até mesmo acadêmica em vários momentos, só mudando o foco para o grandioso quando o monstro e o robô são mostrados. Mas, não espere grandes cenas de luta ao estilo de "Pacific Rim", já que muitas delas ficam subentendidas, estando de acordo com o a proposta do roteiro, que é explanar condições tipicamente humanas. Também, é Claro, que grandes cenas de luta demandariam um maior orçamento, o que os produtores certamente não dispunham.
A construção da jornada do herói é evidente e realizada com competência. O roteiro acerta em não transformar a história em um filme catástrofe e coloca seus personagens e os espectadores paradoxalmente com os pés no chão. Os efeitos visuais são econômicos mas de boa qualidade, nunca estragando a experiência de quem espera ver convincentes monstros e robôs na tela. Os efeitos são partes importantes do enredo e não apenas enfeites bonitos de serem vistos.
“Colossal” será lançado apenas em junho e precisará de uma boa campanha de marketing para levar as pessoas ao cinema, já que não é um filme de grande apelo comercial, mesmo tendo em sua história os citados monstros e robôs. Será uma pena se o filme não for bem recepcionado, já que se trata de uma pérola que usa ideias já vista em outros lugares, modificada aqui e ali para a entrega de um resultado inspirado, criativo e que possui voz própria.
O cinema precisa de sopros de criatividade e por vezes esse sopro parte dos filmes independentes, que geralmente são feitos com mais paixão do que dinheiro. Vale a pena conferir!
O Dia do Atentado
3.6 190 Assista AgoraVivemos em tempos difíceis. Ataques terroristas estão, infelizmente, se tornando comuns nos noticiários, e um dos países que mais sofrem com esse mal são os EUA. Após o onze de setembro diversas medidas de prevenção foram tomadas, mas, nenhuma delas impediu outro ataque devastador em 2013. Esse ataque que, se não alcançou o número de mortes do World Trade Center, feriu profundamente os moradores de Boston, porque atingiu sua tradicional maratona de rua e foi executado por moradores do local.
Claro que Hollywood não poderia deixar de fazer um filme a respeito do ocorrido, como já havia feito um sobre o ataque às torres gêmeas. Os lucros de bilheteria talvez fiquem em segundo plano quando se pensa um filme desses; os envolvidos podem querer construir uma forma de homenagem ou mesmo um ato de patriotismo, tornando-o uma espécie de mastro de bandeira, onde as cores da America ficam sempre no ponto mais alto.
“O Dia do Atentado” faz uma reconstituição quase literal do fatídico dia; somos apresentados aos personagens que fizeram parte da história, mostrando suas vidas de antes do atentado. Peter Berg acerta em aprofundar essas histórias, para que o espectador se familiarize com elas antes da tragédia. O roteiro é apoiado em seu primeiro ato na preparação da maratona e também na execução do plano dos terroristas e segue com toda a tensão que precedem as explosões, mostrando as pessoas que serão as vítimas e os executores do ataque. A especialidade do diretor em filmar cenas de ação são usadas nas sequencias tensas de resgate às vítimas e depois na busca da polícia pelos terroristas. As nervosas câmeras na mão em tiroteios intensos contrapõem-se às cenas intimistas em planos fechados, onde a tristeza impera.
O elenco de peso, com rosto conhecidos, cria ainda mais conexão com o público e possui o seu melhor elemento em um Mark Wahlberg com atuação competente. O policial Tommy Saunders interpretado pelo ator é um sujeito carregado de magoas por seus colegas e por sua família. Parece que sua profissão já não faz mais sentido em sua cabeça e que ele logo irá perecer e largar o serviço. A expressão carrancuda de Wahlberg ajuda na construção desse personagem e o torna um pouco mais tátil. J. K. Simmons, John Goodman, Kevin Bacon e Michelle Monaghan são os apoios necessários para o bom desenvolvimento da história.
Todos os elementos transformam “O Dia do Atentado” em um filme policial dentro da média do que Hollywood está acostumado a produzir, mas escorrega em pesar a mão em elementos extremamente ufanistas e patriotas. Mesmo não transformando os terroristas em sujeitos unidimensionais, que só estão no longa para serem odiados, a representação da polícia e do exército como sendo os grandes heróis talvez seja um pouco exagerado, pois, pelo menos metade da culpa por esse tipo de atentado vem dos próprios norte americanos com suas forças imperialistas. Então, se isentar dessa culpa e apontar o dedo apenas para os fanáticos religiosos não é um caminho aceitável.
Um ponto louvável do filme é a grande homenagem feita para as vítimas, principalmente no final com aquelas famosas imagens de arquivo, mostrando as pessoas reais. Se levarmos para o lado da homenagem e esquecermos o patriotismo boboca, aproveitaremos melhor o que a obra tem a dizer.
Apesar da Noite
2.7 17O cinema francês é conhecido por fugir de padrões, já que é de lá que surgiram escolas como a Nouvelle Vague, que formou cineastas como Jean-Luc Godard. A Nouvelle Vague tinha como proposta um cinema puro, sem as amarras da literatura; os filmes eram recortes sobre personagens comuns, que dialogavam sobre a existência em seus apartamentos burgueses. Posteriormente, o próprio Godard abandonou esse tipo de cinema e partiu para um estilo mais experimental. Seus filmes atuais parecem espécies de vídeos arte, que usam a capacidade sensorial dos espectadores para expor suas mensagens.
Este “Apesar da Noite” meio que uni momentos de nouvelle vague, com o novo cinema de Godard. A história é sobre um amor melancólica, que começa quando o jovem Lens retorna a Paris para tentar encontrar seu verdadeiro amor, Madeleine. Em sua busca, ele é absorvido pelo submundo escuro e cruel da cidade. A direção transforma o filme em uma obra abstrata, com a mistura de diálogos e situações comuns e momentos que parecem tirados de pesadelos. Todos buscam no sexo ou na violência cobrir o buraco de um passado trágico. A vida já não se sustenta, passa a ser um fardo para aquelas pessoas. Amores não correspondidos também são motivos para vingança.
Há constantes fade outs que representam o fechar de cortinas, como a transição entre uma cena e outra no teatro, o que complementa as atuações e situações claramente teatrais. Os personagens recitam os diálogos como se fossem um poema filmado, no entanto, apesar de toda a intenção do roteiro em mostrar emoção, o filme é vazio em sua essência.
A Câmera do diretor Philippe Grandrieux está sempre junta aos atores, trazendo a sensação de intimidade mas também de intimidação, como se algum daqueles seres estivessem prestes a atacar o espectador. Em alguns momentos, a iluminação estourada transformam os amantes centrais da trama Lenz e Hélène em seres angelicais jogados no mundo animal dos humanos. O diretor tenta chocar com cenas de sexo e violência explícita, talvez usando como referência Gaspar Noé, mas acaba por executar apenas imitações e não algo impactante de verdade.
O destaque do filme é o seu elenco, principalmente a maravilhosa atriz grega Ariane Labed (O Lagosta). A sua Hélène é puro sofrimento, com suas expressões marcantes, indo da dor ao prazer em momentos de sodomia e escravidão com seus inúmeros parceiros sexuais. Já Kristian Marr traz um Lenz que age como um homem apaixonado, mas se mostra confuso em seus sentimentos ao se relacionar com outras mulheres. A busca de Lenz por uma representação da mãe já falecida é evidenciado por flashbacks ou mesmo por fotos inseridas em algumas cenas. O roteiro faz um paralelo entre o amor que Lenz sente por Hélène com o sentimento maternal que lhe faz falta, assim como a busca de Hélène por um substituto para seu filho também morto em um passado próximo, deixando no ar uma ideia clara de incesto. A perversidade é extrapolada do meio ao final do longa, com uma sequencia sanguinária nos últimos minutos.
Delongando-se por mais de duas horas e meia, “Apesar da Noite” talvez fosse melhor se durasse menos, pois, da maneira como foi montado, passa aquela sensação de enfado que todos os filmes tentam não demonstrar. Voltado para cinéfilos, com certeza não agradará o público em geral.
Kong: A Ilha da Caveira
3.3 1,2K Assista AgoraHá oitenta em quatro anos, quando um gorila gigante feito em Stop Motion subiu ao alto do Empire State Building o mundo conhecia o poderoso King Kong. O filme de 1933 virou um clássico cult e foi seguido de inúmeros remakes, que atualizaram a história de Kong e, evidentemente, trouxeram avanços em seu aspecto visual.
O mais atual dos filmes é esse “Kong: A Ilha da Caveira”. Trata-se de um prequel da franquia King Kong, mostrando a origem da história do rei dos símios. Nele, no final da guerra do Vietnã, uma tropa do exército dos EUA, junto com alguns cientistas e exploradores adentram as profundezas da traiçoeira e primitiva ilha. Não demora muito para eles se depararem com a grandiosidade e a fúria de Kong.
Um dos pôsteres do filme faz referência à Apocalypse Now, mostrando Kong perseguido por helicópteros, com o sol ao fundo. Essa referência está presente no longa e é de fato apropriada, porque, ao seu jeito, “Kong: A Ilha da Caveira” fala sobre as consequências da guerra e também sobre a selvageria humana; claro, deixando de lado a profundidade filosófica do filme de Coppola e se apoiando em efeitos especiais de primeira linha, aliados com aquele humor rasteiro que aprendemos a gostar nos blockbusters de verão.
Como todo fã de King Kong sabe, ele não é o vilão da história, esse papel cabe aos soldados norte-americanos, que, com suas metralhadoras e bombas, invadem o território protegido por Kong, e também aos violentos lagartos com feições de caveira. Mas, os lagartos estão em uma luta natural com Kong pela dominação da ilha, já os soldados são aqueles que começam a destruição sem motivo e sofrem as consequências desse ato.
A selvageria dos humanos é posta em confronto com a da natureza, e notamos que a que parte do homem é um tipo de selvageria que segue propósitos obscuros, sem motivos reais para existirem. Durante todo o filme torci pelos animais da floresta contra os soldados devastadores, principalmente contra o odioso personagem vivido por Samuel L. Jackson, que “possui a bandeira dos EUA tatuada no peito” e passa por cima de tudo para cumprir a missão dada por seus superiores. Os únicos que parecem entender o contexto da situação são o ex-capitão britânico James Conrad (Tom Hiddleston) e a fotógrafa anti guerra Mason Weaver (Brie Larson), os dois, obviamente, fartos de todos os conflitos que já presenciaram.
O derrotismo sentido pelos EUA após a retirada do Vietnã e as perguntas sobre o motivo do envolvimento em guerras que o país constantemente participa são retratados pelos soldados que vão a uma missão desconhecida, em um ambiente inóspito, onde o inimigo possui ampla vantagem. A fotografia super colorida e os vários planos gerais evidenciam o belo ambiente da ilha, com suas vastas áreas, trazendo grandes similaridades com os clássicos filmes que retratam a guerra do Vietnã. Mas, mesmo com a abundância de espaço, os personagens parecem sempre aprisionados por algo: ora em meio a uma surpreendente e mortal floresta de bambus, ora em rios lamacentos, rodeados de insetos, ou mesmo em uma tribo cercada por uma gigantesca cerca. O IMAX ajuda na imersão do espectador, trazendo desconforto em todos os momentos.
Infelizmente o filme não alcança maiores objetivos pela falta de originalidade de seu roteiro, que faz uma mistura de “Jurassic Park” com “Uncharted” (aliás, a caracterização de Tom Hiddleston lembra muito Nathan Drake) e pelas inúmeras cenas com aquela sensação de déjà-vu. Não que não haja a tentativa de quebrar clichês e derrubar arquétipos, como no momento onde há a repetição da batida sequência: Os mocinhos correm desesperadamente do mostro enquanto um deles, já condenado pela morte ou mesmo por puro heroísmo, fica para traz, se arma com granadas ou outro tipo de explosivo para matar o monstro e sacrificar a sua vida em prol do restante. Em “Kong: A Ilha da Caveira”, há uma cena dessas, mas com um final totalmente inesperado. A edição sofre com algumas escolhas de cortes pouco fluidos, levando personagens de um lado ao outro instantaneamente, o que passa a impressão de pressa por parte do diretor e dos produtores.
O relacionamento de Kong com a bela da história também é construído aqui, mas de forma bem sutil, trazendo mais um sentimento de cumplicidade do que de amor, como uma questão ecológica. É interessante notar que é na fotógrafa de Brie Larson que o roteiro apoia quase toda a sua racionalidade (deixando o resto para o personagem de Tom Hiddleston), já que ela é mostrada apenas com sua câmera em mão, deixando as armas para a maioria masculina, e é também ela que sempre se opões às ordens do lunático personagem de Samuel L. Jackson.
O filme levanta questões políticas e éticas com a leveza de um filme comercial, acerta na ambientação e nas maravilhosas sequências de efeitos especiais, no entanto, peca pelas escolhas obvias e pela edição que confundi em alguns momentos, fazendo “Kong: A Ilha da Caveira” uma boa escolha para quem procura um bom filme de aventura que faça pensar, mesmo que pensar só um pouquinho.
Nota: É muito importante aguardar até o final dos créditos, pois há uma importante sequência que define os rumos de King Kong no cinema daqui para frente.
Esse Obscuro Objeto do Desejo
4.2 87Luis Buñuel se tornou célebre já em sua estreia no cinema, criando, ao lado de ninguém menos que Salvador Dalí, o surrealista “Cão Andaluz”. Fugindo do regime de Franco na Espanha, Buñuel se refugiou na França, onde, ao lado do companheiro roteirista Jean-Claude Carrière trouxe à tona obras como “A Bela da Tarde”, “O Discreto Charme da Burguesia” e “Esse Obscuro Objeto de Desejo”.
“Esse Obscuro Objeto do Desejo” foi o último filme realizado por Buñuel antes de sua morte, e trata do relacionamento conturbado do rico Mathieu (Fernando Rey) com a bela Conchita (Carole Bouquet/ Ángela Molina), que se passa entre Paris e Sevilha.
Buñuel, como mestre surrealista usou duas atrizes para viver Conchita, que, segundo Jean-Claude Carrière em seu livro “A Linguagem Secreta do Cinema” começou como um infortúnio, já que de última hora a interprete original não pode participar do filme. Para não atrasar a produção, Buñuel escalou Ángela Molina e Carole Bouquet, intercalando as cenas da personagem usando as duas atrizes, já que elas possuíam características distintas, mas que se complementavam, completando assim a visão que o diretor possuía de Conchita.
Por isso, com certeza, contando com as duas atrizes disponíveis, Buñuel teve a ideia de representar Conchita em duas extremidades: a ingênua e inocente de Carole Bouquet e a manipuladora perversa de Ángela Molina, e também fez a mistura das duas personalidades em vários momentos. Mathieu é arrebatado por essa mulher dividida em duas, ele entrega sua vida a ela, mesmo ela não se entregando por inteiro.
No mesmo livro citado acima, Jean-Claude Carrière diz que Buñuel tratava seus filmes como obras de acontecimentos cotidianos e várias cenas analisadas hoje em dia, onde se dá inúmeros significados, na verdade não possuem nenhum. Ele apenas filmava da forma que achava mais apropriado. Mas, é impossível analisar o roteiro de “Esse Obscuro Objeto do Desejo” e não notar nele vários subtextos que dialogam com o seu tempo ou mesmo com a vida do diretor.
O Jogo de dominação entre Mathieu e Conchita pode ser entendido como o embate entre a burguesia – e suas ramificações, que possui influência no governo e na justiça –, com o proletariado, que sofre a imposição do poder, mas que usa de seus artifícios para fazer valer suas vontades. Conchita manipula Mathieu, enquanto ele tenta possui-la de todas as formas. Em um momento Buñuel mostra um transeunte carregando um saco nas costas, este mesmo saco é mostrado nas mãos de Mathieu em momentos chave do filme: Como quando ele anda com Conchita na rua, ou em um hotel, após uma briga, onde deixa o saco e diz que pedirá para buscarem depois, além de outro momento, já no final, que merece uma análise maior, também no final desse texto. O interessante é que Buñuel usa esse elemento como analogia a conchita, primeiro como uma qualquer andando pelas ruas, ainda desgarrada de Mathieu, depois em seu domínio, como montada em suas costas. No hotel, ele deixa o saco aos cuidados de terceiros, como algo sem importância.
Cutucadas sucintas na religião também fazem parte do repertório de Buñuel aqui e são representadas primeiramente pela mãe de Conchita, já que a velha senhora não trabalha, passando boa parte de seu tempo na igreja. Ela entrega sua filha para o homem rico, também se beneficiando do dinheiro que ele oferece de bom grado. Diz que Deus prepara a elas uma ótima vida sem trabalho. Mesmo Conchita é dividida entre anjo e demônio em suas personalidades conturbadas, mas que possuem algo em comum: enganar o velho Mathieu. Há em ainda os inúmeros atentados terroristas usados como pano de fundo da trama principal. O grupo terrorista responsável é chamado de “Grupo Armado Revolucionário do Menino Jesus”, que, evidentemente não possui um motivo aparente para seus atos, o que é bem similar aos grupos terroristas de hoje em dia. Eles operam baseados em leis que de tão estapafúrdias, passam a ser nulas.
Quando falamos em surrealismo no cinema logo nos vem em mente outro mestre: David Lynch. Ele usa figuras estranhas, edição truncada e fotografia estilizada. Buñuel é o oposto de Lynch, sua direção é sóbria, com travellings de aproximação, como querendo participar da cena, mas não interferindo nela. Outra não intrusa é a edição, que quase não é notada, tamanha sua discrição. Ele constrói um filme realista, com toques irreais e dá significado à sua visão sem floreios.
O filme é de 1977 e por isso algumas cenas podem soar falsas ou mesmo as atuações dos atores talvez pareçam teatrais demais para os nossos olhos modernos, além da incomoda dublagem feita em pós-produção. Contudo, trata-se de uma obra de arte, mantendo-se acima de qualquer defeito técnico que possa ser apontado.
Para finalizar, há a última analogia entre conchita e os sacos carregados por Mathieu. Em seus momentos finais, após uma das varias reconciliações do casal, Mathieu chama Conchita para olhar uma vitrine de loja. De dentro dessa vitrine surge uma senhora carregando o tal saco. Ela retira do saco varias vestimentas brancas sujas de sangue e começa a costura-las. Conchita fica transtornada com a cena, vira as costas e vai embora. O fato das roupas estarem sendo concertadas em uma vitrine é, além de surreal, revelador, como se Conchita estivesse entregue à Mathieu, “remendada” por ele, se transformando em algo que pode ser comprado.
Tentei em algumas pobres palavras decifrar uma das obras mais importantes da história do cinema. Se Buñuel estivesse vivo e lesse esse texto talvez risse e dissesse: “Meu rapaz, que confusão que você fez, eu só queria mostrar a vida de um casal com diferença de idade”.
Versões de um Crime
3.2 410 Assista AgoraOs famosos filmes de tribunal estão fora de moda atualmente, contrariamente à tevê, que possui séries de sucesso nesse estilo. Os grandes estúdios não produzem filmes de destaque desse sub gênero há algum tempo. Talvez essa escassez se dê por causa das mudanças do cinema moderno: O público médio que vai ao cinema, a grande massa, são atraídos por filmes mais rápidos, de ação, não querem mais acompanhar diálogos de advogados e juízes, não importando a qualidade da trama.
Cabe ao cinema independente a produção de filmes como “Versões de um Crime”. Nele, Ramsey (Keanu Reeves), um advogado criminalista, vai defender um adolescente (Gabriel Basso) acusado de matar o pai milionário (James Belushi). O pai, antes da morte, é acusado de agredir frequentemente a mulher (Renée Zellweger), o que é usado pelo adolescente como justificativa para o crime.
O roteiro escrito por Nicholas Kazan, filho do grande cineasta Elia Kazan, foca-se no advogado e as suas estratégias para tentar vencer o processo. As suas divagações são expostas por uma desnecessária narração e OFF, que diz o que todos já estão vendo em tela ou que já são fatos evidentes. A apresentação das testemunhas e seus relatos são representados por rápidos flashbacks, o que proporciona certo interesse pelo passado dos personagens, mas que, de tão usuais, passam a ser efêmeros.
A direção, assim como o roteiro, não saí do comum, já que se limita a planos de transição e frequentes planos/contra planos nas cenas de diálogos. Sei que um filme de tribunal geralmente é construído de forma acadêmica, mas seria interessante o diretor e seu fotografo estabelecerem a identidade visual de seus personagens apoiada no trabalho de câmera e iluminação, para assim auxiliar a história e trazer mais significado em suas cenas. A câmera é essencial em filmes onde há excesso de diálogos, pois é com ela que o cineasta dá “suspiros” e muitas vezes até suprime algumas linhas superficiais.
“Versões de um Crime” muitas vezes lembra aqueles antigos filmes B exibidos na sessão da tarde, trazendo atuações dignas desse tipo de produção. Keanu Reeves está em meu coração por causa da trilogia “Matrix”, mas é preciso admitir que ele não passa de um ator mediano e, por vezes, parece estar atuando de forma totalmente automática. Seu personagem aqui precisaria de uma caracterização mais focada no seu caráter, trazendo mais carga dramática em acontecimentos onde ele se vê confuso ou até acuado por alguma situação fora de controle. Mas, Keanu Reeves usa as mesmas expressões em todos os momentos do filme, a sua movimentação robótica não ajuda nesse processo, a não ser que seja uma espécie de alusão sarcástica à classe dos advogados. O mais triste, no entanto, é ver Renée Zellweger em cena. Em sua volta às telas após sete anos, ela está totalmente modificada por inúmeras plásticas, o que prejudica a sua já limitada capacidade de atuação. Mesmo o conhecido carisma da atriz esvaeceu por causa da artificialidade de suas expressões. Chega a ser patético as tentativas que ela faz para demonstrar algum tipo de emoção em cena, evidentemente atrapalhadas pela falta de elasticidade de seu rosto.
A junção de todos esses fatores transformam “Versões de um Crime” em um filme esquecível, que, se não ofende o público por completo, não traz nada com que faça que nos lembremos dele no futuro. O mais grave é o fato de se tratar de um filme independente, que, por definição, não está sob a influência de questões mercadológicas, fazendo com que a liberdade dos cineastas sejam mais evidentes. Por isso, quando ele repete erros de grandes produções, transforma-se em mais uma tentativa de clonagem do que de filme relevante.
Moonlight: Sob a Luz do Luar
4.1 2,4K Assista Agora“Moonlight: Sob a Luz do Luar” começa mostrando, em um belo plano sequência, um garoto fugindo de vários “valentões” do colégio. Ele, a fim de se esconder, entra em um quarto usado por traficantes de drogas, e é onde conhece Juan (Mahershala Ali), o dono da boca, que se tornará seu mentor e uma espécie de figura paterna (A cena em que Juan banha o garoto no mar, como um batismo, é a síntese dessa paternidade). Esse início resume o que será da vida do garoto dali em diante: em muitos momentos ele se esconde dos outros, esconde seus sentimentos e desejos; tenta escapar de seu passado assim que o amadurecimento chega, mas, faz parte de um ambiente que, com seus maus e bons momentos, molda-o como indivíduo.
Barry Jenkins constrói em três atos um estudo de personagem, mostrando a infância, a juventude e a fase adulta do garoto chamado Chiron. Os três atos são divididos como capítulos: i.little, ii.litle e Black. Os atores que interpretam as três fases são competentes em desenvolver um personagem apoiado em expressões corporais, quase pantomímico. Os sentimentos demonstrados pelas expressões são potencializados pela direção e pela fotografia, que prezam pelos planos fechados, às vezes com rostos enchendo a tela.
A vida no gueto é brutal, principalmente nas cenas onde a mãe de Chiron está presente. Ela, quase em estado catatônico devido o uso de drogas pesadas, mal sabe o que acontece na vida do filho. Chiron se refugia na casa de Juan, onde consegue o mínimo de complacência, mesmo sendo Juan o traficante que vicia a sua mãe.
O filme possui elementos de tragédia, no entanto, mesmo ambientado em cenários de periferias perigosas, se afasta o Maximo que pode das cenas de violência gratuita, não transformando seu personagem principal em um arquétipo. Há duas cenas de violência durante a projeção, e elas possuem significado para trama e trazem suas consequências.
Um meio violento só pode gerar pessoas violentas, já disseram alguns, mas não é o que acontece com Chiron, que, mesmo seguindo os passos de Juan e também se tornando um traficante respeitado por sua influência e postura, possui dentro de si uma extrema sensibilidade que tenta não demonstrar, mas que aflora naturalmente. Aqui temos a figura do macho supostamente perigoso que tem em sua alma os delírios homossexuais nunca realizados com um antigo colega de colégio. Chiron descobre sua sexualidade já na adolescência, mas a reprimi para poder sobreviver em uma selva sem leis. Com o encontro com o tal amigo já adulto, ele não consegue ficar dentro da carapaça inventada e se entrega em sentimentos. Até a trilha sonora traz o embate entre o bruto e o sensível, revezando os Raps dos negros americanos com musicas sentimentais, como a canção "Cucurrucucu Paloma" de Caetano Veloso. Chiron começa como uma peça de barro e vai sendo moldado com os tapas e afagos que a vida lhe dá e, mesmo aos trancos, consegue se transformar em um ser acima do estabelecido por aquela sociedade em que vive.
“Moonlight: Sob a Luz do Luar” é um bom drama que está no nível dos filmes indicados ao Oscar de 2017. Poderia até ganhar, não fosse a maior publicidade de seus concorrentes, pois, como os outros, não consegue ultrapassar a média.
Como nota, preciso dizer que “Moonlight: Sob a Luz do Luar” recebeu oito indicações ao Oscar, sendo uma delas a de ator coadjuvante para Mahershala Ali. Essa indicação eu não consigo entender, já que se trata de uma participação breve do ator, sem nenhum destaque em seu desempenho.
O Chamado 3
2.3 1,2K Assista AgoraA adaptação hollywoodiana do longa japonês Ringu, lançada em 2002, fez enorme sucesso no mundo todo, inclusive no Brasil, onde foi intitulado “O Chamado”. O filme trazia novas ideias, para aliviar o saturado esquema de produções de terror adolescente muito presentes naquela época. Então, o fato de uma maldição partir de uma fita de vídeo que fazia com que a pessoa que a assistisse morresse em sete dias e, também, todo o conceito visual de Samara e a maneira como ela toma vida, causou surpresa no público ocidental. O êxito do filme gerou uma continuação em 2005, que trazia a mesma história, apenas tentando expandir a mitologia (Lembro que, na época do lançamento da versão americana, havia nas locadoras de vídeo uma alta procura pela versão japonesa, que foi alçada ao status de filme cult.).
Em 2017, passados doze anos após o segundo filme, temos um upgrade em “O Chamado 3”. Saem as fitas de vídeo e entram as telas de computadores e de smartphones, porém, esse avanço só se dá na tecnologia usada pelos amaldiçoados personagens e não no roteiro do longa, que repete as situações já mostradas nos seus predecessores. Repetir ideias não é um problema; Hollywood já faz isso com grande porcentagem de sucesso há décadas, mas, a ideia repetida precisa vir com pitadas de novidade, que fazem com que o público se interesse nos novos rumos que a história que, ele conhece tão bem, vai tomar. O problema de “O Chamado 3” é que se transforma em um daqueles filmes de terror adolescente, mostrando muita correria e sangue, mas não trazendo nada que o transmute em uma produção relevante para gênero terror.
Na trama, a jovem Julia parte para ajudar seu namorado Holt que foi para a universidade e acaba tendo contato com o tal vídeo que o sentencia a morte. Porém, ela descobre que seu papel em toda o processo é muito mais complexo.
Apostando em um elenco jovem, com algumas participações de atores já conhecidos, como Johnny Galecki (The Big Bang Theory) e Vincent D'Onofrio (Sete homens e um destino), a produção não se destaca em relação a atuações. Não que esse elenco jovem seja de todo ruim, mas porque não há outras grandes exigências além de gritar, chorar e emular expressões de dor e surpresa. Enquanto que os dois atores veteranos entregam apenas mais do mesmo.
A direção possui bons momentos ao trazer ângulos inusitados, que causam estranheza. Um em destaque é o que enquadra Julia por meio de uma câmera de vídeo ao mesmo tempo em que ela folheia um livro, fazendo um contraponto entre a mão da personagem em primeiro plano e o seu rosto em destaque no segundo plano, que é mostrado no monitor. Com isso, a personagem é dividida entre o mundo real e aquele visto no vídeo. Esse conceito subjetivo nos estrega algo na trama que será importante em sua resolução.
A fotografia, mesmo tropeçando em obviedades, também tenta ser diferente em alguns momentos. Basta se atentar à iluminação e cores usadas em uma decadente cidadezinha que é mostrada no segundo ato. Tudo parece tirado de uma fotografia antiga, quase se apagando, morta em suas próprias entranhas. Já a edição é irritante em usar artifícios com intuito de causar sustos fáceis nos espectadores. Como as inúmeras vezes onde há uma cena de diálogo e um elemento é jogado em tela por meio da edição e do som. Pode ser um guarda-chuva que se abre ou um vidro que se quebra, fazendo o espectador sair do conforto de forma abrupta, como um parque de diversão onde jogam água em nosso rosto.
Outro ponto crítico é a pouca importância que o “monstro” de um filme de terror possui aqui, já que Samara é mal aproveitada, aparecendo de forma esporádica e, quando aparece, não provoca medo ou apreensão em quem assiste. Provavelmente, a falta de sensação de perigo seja por causa da maquiagem e dos efeitos visuais mal executados. Há também a confusão que os roteiristas cometem em não decidirem se Samara é uma Vilã ou se é apenas uma vitima que foi amaldiçoada. Há, também, a inserção de um vilão de carne e osso em certo momento.
Em síntese, “O Chamado 3” tenta trazer de volta o terror eficiente mostrado no primeiro filme, mas se perde em meio a “manias” típicas de filmes de terror para a nova geração. Não inova em relação ao roteiro e entrega uma resolução que, evidentemente, abre possibilidades para que mais sequências sejam produzidas. Contudo, reformulações precisam ser feitas, já que a própria figura de Samara já não assusta tanto como nos idos anos 2000.
xXx: Reativado
2.6 377 Assista AgoraO primeiro Triplo X (2002) nos apresentou uma espécie de Missão Impossível onde o agente principal é especialista em esportes radicais. A produção trazia o iniciante Vin Diesel que, um ano antes, havia sido lançado ao estrelato pelo primeiro filme da franquia Velozes e Furiosos. O carisma do ator resultou em um sucesso de bilheteria, mas não foi suficiente para conquistar os críticos, que receberam o filme com certa indiferença. Em 2005 a continuação foi lançada, sem contar com Vin Diesel e apostando no rapper Ice Cub. O novo personagem não agradou os fãs gerados pelo primeiro filme, resultando em um estrondoso fracasso.
Bilheterias a parte, tanto o primeiro como o segundo são construídos sobre a temática dos filmes de ação descompromissados, que nunca se levam a sério. Trazem sequencias que desafiam todas as leis da física e qualquer outra lei que se aplique em nossa vida aqui na terra. As sequencias absurdas fazem parte do contexto dos filmes, já que eles contam com personagens especializados em esportes que não são praticados por pessoas comuns. Então, tudo visto em tela “faz sentido” no universo criado pelos roteiristas, já que estamos vendo um tipo de fantasia disfarçada de vida real.
No terceiro capitulo chamado de xXx: Reativado temos a volta de Xander Cage (Vin Diesel), após um período no exílio. Ele terá que enfrentar uma habilidosa gangue para recuperar uma arma letal conhecida como Caixa de Pandora. Xander precisará recrutar outros agentes extremos para combater o que parece ser uma conspiração para dominar o mundo.
Como nos dois primeiros filmes, este novo exagera em cenas de ação inacreditáveis. Temos motos que são usadas como pranchas de surf, o já clichê salto de aviões sem paraquedas, pessoas que saem ilesas de explosões, tiroteios onde os personagens principais não são atingidos e vários outros tipos de situações que fazem o cérebro dar um nó (há o mais absurdo uso do recurso deus ex machina já usado no cinema de ação). Como dito, esse tipo de cena faz sentido em relação àqueles personagens e situações, mas xXx: Reativado escorrega feio no que liga e justifica todas essas impossibilidades.
Claro que quando vamos ao cinema assistir a um filme desse tipo não esperamos cenas bergmanianas e atuações shakespearianas, mas é possível entregar, no mínimo, diálogos e sequencias bens escritas, além de atuações que façam com que nos importemos com os personagens, como é feito no já citado Missão Impossível. Em xXx: Reativado temos atores que são apenas caricaturas, entregando miseras caretas como atuação; com “destaque” ao conhecidamente limitado Vin Diesel. Há cenas de ação que, além de absurdas, são filmadas no automático por D.J. Caruso, não possuindo nenhuma inspiração visual. A edição corta freneticamente entre lutas e explosões, proporcionando confusão visual ao espectador. Todos esses defeitos seriam ainda mais evidentes se o roteiro não fosse, no máximo, prosaico, o que afetaria o entendimento da trama.
Mas, ainda mais grave é o evidente machismo exposto pela produção. As mulheres representadas na trama não são mais que pedaços de carne que caem aos pés de Xander Cage quando este tira a camisa. Mesmo as personagens principais, que possuem alguma importância na trama, são expostas à mesma situação. Todas esquecem a suas motivações e suspiram de desejo quando conhecem Xander Cage. D.J. Caruso só piora a situação dando uma de Michael Bay, filmando em close e câmera lenta os atributos das atrizes.
Se podemos tirar algo de bom do filme é o espetacular Donnie Yen, que se esforça para colocar o mínimo de expressão em seu personagem e também possui as cenas de luta mais bem coreografadas, já que se trata de um ator treinado em artes marciais.
No geral, xXx: Reativado é apenas mais um produto vindo de Hollywood que poderia, como vários outros, aliar diversão com boa história, mas fica preso em suas várias limitações.
Obs: As cenas em que Neymar Jr participa são, para ser educado, terríveis.
Assassin's Creed
2.9 948 Assista AgoraA franquia de games Assassin's Creed deu à sua produtora, Ubisoft, uma infindável fonte de renda, com suas varias versões, lançadas para todos os consoles de antiga e nova geração e uma própria para celulares. Um dado de 2014 divulgado pela produtora dizia que o game havia vendido mais de 74 milhões de cópias, entre downloads e mídias físicas. Em 2017 esses números devem ter, no mínimo, dobrado.
Quem conhece a trajetória de Assassin's Creed nos vídeo games sabe que o primeiro game da franquia trouxe novidades em relação à jogabilidade, além de contar com uma história que misturava ficção cientifica e fantasia, mas que ele apresentava problemas no desenvolvimento, fazendo o jogador cansar em vários momentos, por causa da repetição e também por bugs na própria jogabilidade revolucionária. Já o segundo game foi desenvolvido com mais esmero, angariando sucesso de público e crítica, sendo seguido por outros tão bons quanto, como por alguns a baixo da média.
Com todo esse potencial mercadológico, não é surpresa que uma adaptação fosse produzido para o cinema, já que Hollywood vê com “olhos de cifrões” o mercado milionário dos games. Quando a adaptação foi anunciada, os fãs ficaram mais tranquilos quando souberam que a própria Ubisoft iria cuidar, não só da produção, mas também de todo processo criativo. Além do filme contar um elenco de peso, encabeçados por Michael Fassbender e Marion Cotillard.
Para quem nunca colocou as mãos em um controle de vídeo game ou mesmo não se importa com o mercado de games, eis a história de Assassin's Creed: Callum Lynch (Michael Fassbender) descobre que é descendente de um membro da ordem dos assassinos e, via memória genética, revive as aventuras do guerreiro Aguilar, seu ancestral espanhol do século XV. Dotado de novos conhecimentos e habilidades, ele volta no tempo pronto para enfrentar os templários, os maiores inimigos dos assassinos. A luta é por um artefato que pode acabar com o livre arbítrio do ser humano.
No filme há as grandes cenas de lutas típicas das produções de alto orçamento. A constituição de época é de encher os olhos, com cenários que parecem resgatados da época da inquisição. Tudo isso embalado por uma fotografia que traz um mundo mergulhado nas trevas; mesmo os raios sol são mostrados em meio à poeira e à fumaça. O filme chega para ser o grande blockbuster do inicio de ano, mas, assim com o primeiro game, escorrega em suas próprias pretensões. Ao começar pelo fato de que nunca nos importamos com os problemas de Callum Lynch ou com as divagações existenciais da doutora vivida por Marion Cutilard – talvez por causa das atuações unidimensionais dos dois atores, que parecem no automático. Também há o problema das cenas de ação, que, apesar de belas, abafam o enredo do filme, fazendo-nos esquecer do motivo da batalha em vários momentos (durante a projeção me perguntei algumas vezes: Do que eles estão fugindo agora? Quando começou essa luta? Não importa, são sequencias bonitas à beça) se tornando genérico, digno de mais um filme de verão vindo dos EUA.
A história rasa e os personagens desinteressantes transformam Assassin's Creed em mais uma franquia baseada em games que tende a não dar certo, seguindo os passos de outras tentativas fracassadas, como, para citar os mais recentes, Need for Speed e WarCraft. Posso estar errado e a inevitável sequencia se transformar em um grande filme, assim como foi com o segundo jogo, mas isso, só o tempo dirá.
A Criada
4.4 1,3K Assista AgoraDesde o seu maior sucesso – para muitos sua obra prima – “Oldboy”, Park Chan-Wook vem chamando a atenção pelo seu talento em criar histórias violentas, com personagens fortes e que, geralmente, buscam vingança. O estilo cru, contrastando-se com a beleza dos planos, transforma seus filmes em epopeias sanguinárias cheias de estilo. No novo trabalho ele não foge à regra, pois cria um dos filmes mais impactantes visualmente de 2016 e também traz seus temas usuais, porém abre o leque para discussões que fazem parte de nossa vida moderna, apesar do filme se passar em 1930.
“A Criada” teve uma sessão concorrida no Festival de Cannes 2016, onde foi muito bem recebido pela crítica, chegando a ganhar um prêmio de melhor direção artística. O longa foi também indicado à categoria de filme estrangeiro pela Coréia do Sul ao Oscar mas, infelizmente, ficou de fora da última pré-lista divulgada pela academia de Hollywood.
O filme é baseado no livro “Fingersmith”, de Sarah Waters, e a história se passa durante a ocupação japonesa na Coréia do Sul em 1930. Sook-hee é contratada como criada da rica herdeira japonesa Hideko, que vive isolada numa propriedade com o seu dominador tio Kouzuki. Mas a empregada tem um segredo: ela e um vigarista, que se apresenta como um conde japonês, planejam combinar um noivado, roubar a senhora e trancá-la num hospício.
A gama de tramas conta com atuações construídas de acordo com sua proposta temática. Temos o exagero cômico dos vigaristas, o comportamento Blasé da mimada herdeira e a postura de vilão do tio. Esses arquétipos explanam questões morais claramente, trazendo simplicidade para temas complexos.
Como em seus longas anteriores, o cineasta usa do humor negro em cenas de tensão, causando aquele riso nervoso da plateia. A questão da vingança está presente em “A Criada”, e é mostrada de uma forma universal, como uma vingança de gênero sexual, pois aqui, Park Chan-Wook se debruça sobre a condição da mulher em uma sociedade extremamente machista, a japonesa/coreana. As heroínas homossexuais contra os machos ditadores.
O prêmio de direção artística em Cannes se justifica pela capacidade que o filme tem em expor sua proposta por meio dos cenários e figurinos. Um exemplo se dá nas cenas passadas na mansão, que, apesar de enorme, parece uma caixa selada, onde as personagens só possuem acesso aos compartimentos internos, abrindo e fechando as típicas portas das casas japonesas. Durante o dia, Hideko vaga intocável por esses cômodos, com sua beleza angelical e seus vestidos brancos; à noite, ela se transforma em narradora de contos imorais, com vestimentas vermelhas e até outra que lhe proporciona a aparência de uma serpente com escamas verdes e pretas. As sessões são apresentadas em um ambiente que imita um jardim japonês misturado com teatro de arena, onde a plateia é composta por ricos libertinos e colecionadores de livros raros. Mesmo em cenas externas há a impressão de repreensão, pois a mansão é cercada por uma floresta que, apesar de bela em suas cores, é extremamente lúgubre.
Hideko vive em cárcere, treinada desde criança a se curvar perante o tio, mas com a chegada de Sook-heem (mesmo que esta tenha chegado, inicialmente, para aplicar um golpe), recebe um sopro de vida e percebe que pode se libertar. A explosão sexual que acontece entre as duas é apresentada em sua forma mais extrema no clímax do filme, onde a questão da emancipação feminina fica clara; as amarras são derrubadas, assim como as paredes da caixa selada.
Shameless (US) (7ª Temporada)
4.5 79 Assista AgoraUma das séries mais menosprezadas pelas premiações "especializadas" da TV.
É Apenas o Fim do Mundo
3.5 302 Assista AgoraLouis está de volta à cidade onde nasceu e que deixou para trás há muito tempo. Ele é um estranho para seus irmãos e para sua mãe; a volta é carregada de amargura, com conversas intensas; as roupas encharcadas de suor, por causa do calor intenso, mas principalmente pela tensão que impera na casa. Xavier Dolan filma em planos fechados, sufocando seus personagens, sufocando os espectadores. Sua câmera passeia em planos sequencia nos corredores mal iluminados, fazendo um paralelo com a vida daqueles personagens.
As lembranças que Louis possui do passado naquela casa são lembranças onde a irmã, o irmão e a mãe não estão inclusos, reinterando a sua falta de identidade com todos. A sequência em que ele abraça a mãe é reveladora ao mostrar o grau de degradação do seu relacionamento com a família, já que Dolan ilumina a cena de uma forma com que pareça que ele está abraçando o vazio, enquadrando apenas o rosto de Gaspard Ulliel. Ele olha em direção a uma janela aberta, como se quisesse fugir daquela situação. Logo depois Dolan afasta a câmera para mostrar cada um em uma extremidade do quadro, com aquele mesmo vazio entre os dois.
Como em todos os filmes de Dolan a figura da mãe está presente, mas Louis não sente ódio por ela, parece apenas não sentir nada, assim como pelo irmão e pela irmã, conseguindo apenas uma fagulha de cumplicidade com a cunhada, que não possui seu sangue.
“É apenas o fim do mundo” é um filme de diálogos, construído para que as atuações de seus atores sejam o ponto crucial para o desenvolvimento da trama, então o elenco não poderia ser menos do que fantástico. E ele o é, pois trás apenas os nomes de maior peso do cinema francês da atualidade. Começando com Gaspard Ulliel, que possui uma sensibilidade incrível em criar um Louis que se expressa com os olhos, usando poucas palavras, além de se manter com o corpo reprimido, como se estivesse acuado por aquelas pessoas. Vincent Cassel, o irmão mais velho, cria uma figura bruta, que parece carregar o ódio em suas entranhas, ele nunca mantém contatos visuais longos, sempre dando as costas nos diálogos da família. Marion Cotillard dá vida à cunhada, que parece um animal ferido, não conseguindo controlar o marido ou até a própria dicção, passando insegurança, mas, surpreendentemente, sendo forte em alguns momentos. Nathalie Baye, a mãe, é a síntese da falência daquela família, ela se mostra feliz em alguns momentos, se maquia e se veste como jovem, mas é em seu choro e em sua compulsão pelo fumo que vemos sua verdadeira persona. Léa Seydoux, a irmã, transmite carência e rebeldia, com uma personagem que parece perdida, não possuindo um local no mundo.
Mas, após todos os embates, as cenas constrangedoras e os momentos de demonstração de ódio, fica a pergunta: por que Louis Volta? O roteiro dá algumas pistas do motivo, como nas constantes vezes em que ele verifica as horas em seu relógio de pulso ou em um antigo cuco, mostrando assim a sua preocupação com o tempo, ou com o que lhe resta desse tempo. Há também a cena fantasiosa do pássaro do cuco ganhando vida, ele voa desgovernado pela casa e bate nos móveis até encontrar a janela, aquela mesma que Louis encara anteriormente, mas, quando ele tenta alcança-la, cai no chão e morre. Remorso, conciliação, aceitação ou despedida, todos parecem ser os motivos que fazem Louis voltar, mas em nenhum momento ele chega a alcançar alguns deles, já que nunca conseguirá ser aceito em meio a todas as feridas que o passado deixou. Então, diferente do pássaro, Luis sai da casa para que sua morte não seja presenciada.
Spectral
3.2 247 Assista AgoraO gênio Albert Einstein certa vez disse: “Não sei com que armas a III Guerra Mundial será lutada. Mas a IV Guerra Mundial será lutada com paus e pedras”.
O físico alemão passou boa parte de sua vida sendo corroído pela culpa, por, em 1939, ter escrito uma carta ao então presidente dos Estados Unidos, Frankin Delano Roosevelt, acerca da possibilidade da criação de uma bomba configurada a partir de uma cadeia de reações em uma grande massa de urânio (bomba atômica). A bomba em questão matou milhares de pessoas.
Spectral, apesar de ser um filme de ação blockbuster, discute o papel da ciência nos conflitos armados e também em toda a nossa sociedade desenvolvida. No filme, misteriosos espectros passam a aparecer em zonas de batalha em uma terceira guerra mundial passada na Europa. Soldados norte americanos são constantemente atacados e mortos por esses espectros, fazendo com que o governo escale um brilhante engenheiro para tentar descobrir qual sua origem.
Após várias tentativas, o engenheiro vivido competentemente por James Badge Dale descobre que, assim como a bomba atômica, as criaturas são desenvolvidas seguindo outra teoria de Einstein, o condensado de Bose Einstein. No Zero absoluto os átomos passam a se comportar de maneiras não comum ao que estamos acostumados no nosso dia a dia, criando um quarto estado de matéria, além do liquido, sólido e gasoso; o tal condensado de Bose Einstein. De alguma forma, evidentemente não explicada pelo filme, pessoas tem seus corpos transformados nesse outro estado de matéria, para servirem como soldados.
Fazer um paralelo entre a criação da bomba atômica e essa nova arma é um ponto interessante no roteiro, já que há o embate entre a parte da ciência que é voltada para fins destrutivos e a que está preocupada em desenvolver meios de melhorar nossa vida no planeta. A parte boa da ciência é representada pelo engenheiro, que acredita no conhecimento como meio de defesa e não de ataque, no universo representado pelo filme. Corroborando com essa ideia há a cena de dialogo entre ele e uma agente da CIA, quando eles estão desligando as maquinas que fazem a tecnologia funcionar. Ela tenta persuadi-lo de que seria melhor manter o equipamento para uma eventual engenharia reversa, já ele se mostra convencido de que há ramos da ciência que nunca iremos entender, e que por isso, devem ficar longe de nosso alcance. Não acredito em limites para ciência e sim em quebra de paradigmas, mas, se ocorresse na vida real o que acontece no filme, eu seria o primeiro a puxar a tomada.
Além das questões filosóficas, o filme também se mostra uma excelente ficção cientifica de ação, trazendo cenários grandiosos e efeitos especiais de alto nível. As cenas de batalhas contra os espectros são ágeis e bem coreografadas. O design de produção também é bem desenvolvido ao mostrar soldados com seus equipamentos e veículos high-techs contrastando com as cidades de arquitetura antiga aos escombros.
Mais uma produção de qualidade da Netflix, que se mostra preocupada em desenvolver projetos que além de proporcionarem entretenimento, trazem pontos de reflexão. Spectral fala sobre algo que convivemos desde o passado remoto e que provavelmente conviveremos por muito tempo daqui até futuro: a guerra.
Rogue One: Uma História Star Wars
4.2 1,7K Assista AgoraOs mais desavisados podem se perguntar: Onde está o Chewbacca, o Han Solo, o Luke Skywalker, o R2D2, o C3PO…? Dois deles fazem breves aparições e os outros ainda não faziam parte do universo na linha temporal de Rogue One. Também, salvo uma única cena, não temos sabres de luz nesse filme, nem por isso ele deixa de ser um legítimo Star Wars em sua aura e significado, principalmente para os fãs, não só dos filmes clássicos, como também de todo o universo expandido. Mas, vamos falar um pouco sobre esse mais novo ícone da cultura pop.
Rogue One: Uma História Star Wars começa com o império invadindo o esconderijo do engenheiro Galen Erso – responsável pelo projeto da estrela da morte – levando-o como refém e fazendo com que sua pequena filha, Jyn Erso, fuja. Damos um salto no tempo e vemos Jyn já crescida, agora presa, e também somos apresentados para os personagens que formarão o mítico grupo que dá nome ao filme.
Todo o grupo se forma em meio à batalha, no caos, como se a força conspirasse para justá-los. Além de Jyn, há o piloto enviado por Galen Erso, a fim de informar à resistência sobre a arma de destruição de planetas, o rebelde anteriormente designado para matar Galen, o meio Jedi cego e seu companheiro e um robô construído pelo império, mas que sofreu engenharia reversa pela resistência. Nota-se que é um grupo de renegados, que lutam contra o império, mas também que se voltam contra o acovardamento da resistência em recuperar os planos da estrela da morte e engendrar a destruição da mesma, já que Galen Erso implanta na construção da arma uma maneira de destruí-la.
Com essa premissa, Rogue One é construído como um filme de guerra, nas trincheiras sujas e com soldados cobertos de poeira. É o filme mais violento da franquia, não economizando nas mortes, apesar de quase não mostrar sangue.
A direção de Gareth Edwards é segura ao mostrar as batalhas em planos abertos, situando muito bem o espectador em meio ao caos, assim como optar por alguns planos sequencia, com a câmera nas costas dos personagens, dando a impressão de realidade em um cenário fantasioso. Mas o filme também se apoia nos cortes rápidos, dando agilidade às batalhas no chão e no espaço.
A direção de fotografia aposta em uma paleta de cores mais voltada ao cinza e ao marrom, nas cenas da resistência esfarrapada, ligando-os ao conceito de guerrilha; mudando para negro e branco do império, com seus ambientes cheios de luz e sombra. As sombras são usadas para marcar ameaça do império, como a estrela da morte eclipsando uma lua, e também para maximizar a persona dominante de Darth Vader, como na cena em que a sua silhueta gigante cobre a figura frágil do diretor Orson Krennic, ou quando ele surge na tela escura acendendo seu sabre de luz.
A direção de arte é primorosa ao fazer com que o filme pareça ter sido filmado na década de 70 em alguns momentos, confeccionando ambientes, objetos de cenas e figurinos idênticos aos clássicos. Evidentemente deveria ser dessa forma mesmo, porque se trata de uma história passada antes do primeiro filme, mas a perfeição e o cuidado com esses fatores me obrigam a comentar. Personagens queridos também fazem breves aparições, transformando a experiência ainda mais prazerosa.
Mesmo se tratando de um filme basicamente de ação, o elenco, em sua maioria, não trabalha no automático, tendo a maravilhosa Felicity Jones dominando a tela. Sua Jyn Erso nos transmite ternura, raiva e esperança com tanta naturalidade, que acreditamos em cada lágrima e expressão que a atriz expõe. Diego Luna, Ben Mendelsohn, Forest Whitaker e Mads Mikkelsen atuam com suas já conhecidas competências.
Quem já é maniaco por Star Wars vai chorar, quem ainda não é, terá uma bela prévia, para assim começar a assistir o restante dos filmes da série (mesmo os episódios I, II e III), e depois que se é picado pelo bichinho do universo criado por George Lucas, não há mais volta.
Rogue One, uma história nunca antes contada, uma história Star Wars. May The Force Be With us.
A Chegada
4.2 3,4K Assista AgoraToda grande ficção científica mira as estrelas, mas acerta no cerne de nossa sociedade aqui mesmo na terra. Seja com invasões alienígenas ou uma nova forma de tecnologia, todas estudam os nossos temores, nossas injustiças, nossa evolução ou até mesmo nosso regresso, além de tentar entender o motivo de estarmos vivendo em um planeta prosaico, na periferia de uma galáxia perdida no universo.
Em “A Chegada” temos a invasão alienígena, mas não aquela vista em “Independence Day”, com explosões de monumentos e batalhas aéreas, e sim uma envolta em mistério e reflexão. No filme, após a chegada de naves alienígenas ao redor de todo o mundo, a doutora Louise Banksuma (Amy Adams), uma linguista especialista, é recrutada pelos militares, que são comandados pelo Coronel Weber (Forest Whitaker), para determinar se os extraterrestres vêm em paz ou são uma ameaça.
Louise, após o choque do primeiro contato com os ETs, começa passo a passo a entender o complexo vocabulário usado por eles para se comunicar, e entende que o motivo da visita é pacífico. O problema é fazer com que os lideres dos países mais poderosos do mundo tenham o mesmo sentimento e não promovam a terceira guerra mundial.
Denis Villeneuve constrói um filme poético que fala da grande dificuldade de comunicação que nossa sociedade enfrenta, ainda mais em um planeta cada vez mais dividido por costumes e línguas diferentes. Com isso, a nova língua trazida pelos visitantes e a sábia tradutora vivida por Amy Adams possuem um papel de unificação para uma espécie acostuma a tratar as diferenças com ódio e violência.
A montagem e roteiro são extremamente competentes em nos contar a história de uma forma que não reconheçamos o tempo especifico em que se passam partes cruciais do filme, então, passado e futuro são embaralhados e se complementam, fazendo com que percam a importância. O tempo se torna uma espécie de palíndromo, onde, se lido de traz para frente ou de frente para trás, possui o mesmo significado. A língua dos extraterrestres quebra barreiras e ensina a personagem de Amy Adams de forma atemporal. Mas,
para que o ensinamento e o alcance dos objetivos dos visitantes deem frutos, a personagem precisará presenciar a morte da filha (Hannah, um palíndromo), que só acontecerá no futuro, já que a menina possui um grande papel no plano todo.
“A Chegada” entra para o panteão das ficções cientificas que refletem sobre a sociedade e também sobre a nossa espécie, fazendo uma grande pergunta: Será que precisaremos que discos desçam do céu para fazer com que ajamos como irmãos, sem ligar para raças, línguas ou fronteiras?
A Aranha Vermelha
3.2 1Filme comum, apenas uma emulação de filmes estadunidenses.
O Apartamento
3.9 258 Assista AgoraForushande começa com um espetacular plano sequencia dos moradores de um edifício de apartamentos saindo às pressas do local, pois as paredes começam a tremer e a rachar. As rachaduras nas paredes são o indicio da condenação do edifício e também servem de analogia para o que esta prestes a acontecer com o casamento dos atores Emad e Rana, pois a saída do apartamento em que moram se seguirá a uma conturbada crise no relacionamento entre os dois. A crise se inicia quando eles se mudam para outro apartamento, onde Rana é agredida por um invasor, que vai atrás da antiga moradora do local.
Talvez seja nesse filme que Asghar Farhadi use mais elementos narrativos para expor suas ideias, já que, além da questão do apartamento/casamento estarem começando a desabar, há também todo o processo de metalinguagem, pois os personagens principais são atores encenando “Morte de um Caixeiro-Viajante”, que conta a história de um vendedor que vê seu casamento sucumbir por causa de sua constante ausência e por sua arrogância.
A arrogância, a intolerância, a idealização de moral e o extremo machismo faz com que Emad se perca na busca pela pessoa que agrediu sua esposa. Ao encontrar o agressor, que não passa de um idoso com problemas de saúde, Emad o prende no antigo apartamento em ruínas, para que possa lhe dar uma lição de moral, ao entregar seus atos para sua família.
Asghar Farhadi expõe o extremismo das ações baseadas em uma ideia deturpada de honra, mas que já estão no cerne de sua pátria, e constrói seu filme de forma semidocumental, o que já é de praxe, mostrando o Irã para o mundo de forma realista.
Tatuagem
4.2 924 Assista AgoraO símbolo da democracia é o cu.
Tatuagem começa enquadrando o cabisbaixo Fininha (Jesuíta Barbosa) entre barras, como se estivesse em uma cadeia, a câmera se afasta e percebemos que se trata dos ferros de sustentação dos beliches de um quartel militar. O filme se passa em 1978, durante a ditadura, mas poderia muito bem retratar os dias de hoje, já que aqueles obscuros anos parecem estar voltando, com desrespeito à democracia, censura à arte e golpe de estado.
Após a abertura no quartel, passamos a seguir a trupe teatral liderada pelo ator e homossexual Clécio – vivido brilhantemente por Irandhir Santos – que promove peças e shows de cunho anarquista em um pequeno teatro, que fica ironicamente ao lado de uma fabrica em ruínas. As peças são um sucesso local, e trazem temas filosóficos, que abordam a vida e a sociedade da época, atraindo todo o tipo de artistas, travestis e outros seres que se sentem à margem da sociedade.
Depois de mostrar os dois mundos (arte e quartel), há o inevitável choque dos dois, que se dá no encontro entre Fininha e Clécio. Nesse encontro, durante uma apresentação musical de Clécio, a câmera de Hilton Lacerda flutua ao meio do publico do teatro até enquadrar Clécio, com seu poder artístico/ intelectual em cima do palco, e sentado o jovem e inseguro Fininha que parece encantado por aquele novo mundo. Após a troca de olhares, os dois começam a conversar frente a frente, Clécio vestido de vermelho, o vermelho de sua paixão e de seu inconformismo e Fininha com sua inocente e comportada camisa branca do quartel. Nesse contraponto de cores, há a predominância do vermelho, que inunda o ambiente do teatro, passando a clara sensação de que a arte sempre será superior a qualquer forma de censura ou de poder imposto. Fininha também é inundado por Clécio, passando a fazer parte da trupe e começando a seguir os seus valores libertários.
Após o encontro, Hilton Lacerda constrói um filme que ao mesmo tempo mostra a idílica vida da trupe, filmando em super 8, sempre com o sol em suas lentes e a vida de Fininha fora dali, com sua família conservadora, que traz valores ultrapassados e representam a aura da maior parte da população naquela época.
Tatuagem é um filme de contestação, que respira a arte do cinema, do teatro, da poesia e da musica, dirigido brilhantemente e atuado de forma bela.
A democracia, a livre forma de expressão, a arte e a cultura foram usurpados do povo brasileiro durante aquela ditadura e é triste constatar que hoje há pessoas que gritam clamando pela volta dos militares ao poder. Os militares, graças ao universo, não voltaram, mas estamos enfrentando um dos piores momentos do país dos últimos anos, com a tomada do poder por meio de um golpe e manipulação de mídia. Talvez precisemos tatuar em nossos peitos a palavra liberdade, assim como Fininha tatua o “C” de Clécio próximo ao seu coração.
No Escuro da Floresta
3.1 191 Assista AgoraA tecnologia trouxe, traz e ainda irá trazer enormes benefícios para a espécie humana, mas talvez estejamos perdendo a conexão entre indivíduos da mesma espécie e até com o próprio planeta que nos abriga por causa dela. Into the Forest traz essa discussão à tona mostrando um apagão global que deixa toda a população sem energia elétrica, focando em duas irmãs que vivem em uma tecnológica casa no meio de uma isolada floresta. É interessante ver como, com o passar do tempo sem energia, a casa vai se deteriorando, enquanto as irmãs passam a ter uma ligação cada vez maior, já que, apesar de se amarem, viviam vidas e possuíam interesses distintos em um mundo cheio de telas, sons e de todo o tipo de gadgets modernos. Além da ligação pessoal, as duas passam a aproveitar o que a natureza as oferece, como alimento, água e abrigo, voltando assim a serem ligadas à terra que mal percebiam que existia.
Além das duas irmãs, há a o personagem do amoroso pai, que morre durante o filme, o namorado da irmã mais nova, que a abandona para procurar uma vida melhor em outro local e também um funcionário de um supermercado que estupra brutalmente a Irmã mais velha. Esse panorama escasso e não tão favorável do sexo masculino deixa claro o justo discurso feminista do filme, trazendo as mulheres para o âmago da recriação da espécie. Para reforçar há o fato da irmã que é estuprada ficar grávida do estuprador e dar a luz a um bebê do sexo masculino, dentro de uma árvore.
As duas atrizes entregam belas atuações, reforçadas por uma direção segura, que sempre preza pelos simbolismos para caracterizar o que pretende mostrar. Um desses momentos é a já citada cena em que as irmãs se abrigam em uma arvore, onde nasce o bebê. Nela há o enquadramento em plongée das duas entrando em uma arvore que possui um formato de coração ou até de uma vulva, trazendo assim a questão da criação da mãe natureza de forma quase divina, além de unir as duas criadoras de vida, a mulher prestes a dar a luz e a própria natureza.
A questão da reconexão com a natureza e a valorização do sexo feminino é um tema atual e de enorme importância e que a arte precisa expor com mais frequência, só assim, talvez, mudemos o rumo.