Adolf Hitler cometeu suicídio em 30 de abril de 1945, como uma forma de evitar a sua prisão pelo exército russo na iminente derrota alemã na II Guerra Mundial. Por algum motivo específico, o Sr. Polsky (David Hayman), um solitário e mal-humorado sobrevivente do Holocausto, está convencido de que seu recém-chegado - e misterioso - vizinho é, nada mais, nada menos, que o líder do regime nazista alemão.
A jornada do Sr. Polsky por convencer os outros de sua ideia é retratada no filme “Meu Vizinho Adolf”, dirigido e co-escrito por Leon Prudovsky. Tal qual um observador participativo, o Sr. Polsky se insere diretamente na sua investigação particular, passando a estabelecer um relacionamento pessoal com o seu vizinho, o Sr. Herzog (Udo Kier), em busca de provas que atestem a veracidade de sua crença.
É justamente no processo de troca entre as duas personagens que “Meu Vizinho Adolf” encontra os seus melhores momentos. É por intermédio dele que iremos descobrir que, no final, o Sr. Polsky e o Sr. Herzog possuem muito mais em comum do que imaginam. Os dois são homens que buscam encontrar a paz interior depois de vivenciar experiências traumáticas e que marcam a vida de qualquer um.
A protagonista do filme “A Mãe”, dirigido por Niki Caro, é alguém que vive em fuga, é uma ex-militar, é uma assassina, é alguém que se envolveu com as pessoas erradas, é alguém que paga o preço pelas decisões erradas que tomou. Porém, acima de tudo, ela é uma mãe e uma pessoa cujos últimos atos - pelo menos, aqueles que assistimos durante o filme - são com um único propósito: o de proteger a sua filha dos seus algozes.
Após doze anos vivendo escondida no Alaska, a mãe (Jennifer Lopez) é obrigada a sair de seu esconderijo quando sua filha Zoe (Lucy Paez) tem sua identidade e paradeiros descobertos pela dupla de criminosos (Joseph Fiennes e Gael Garcia Bernal) que vive para persegui-la.
Numa vibe “Comando para Matar”, o que “A Mãe” nos retrata, portanto, é a protagonista no papel que ela melhor desempenha (o de genitora), em busca do resgate e da proteção e da segurança da sua filha; ao mesmo tempo em que ela tenta entrar em paz consigo mesma e com o auto-exílio que se obrigou a seguir.
O que faz de “A Mãe” um filme interessante é que, mesmo com todos os clichês e com uma trama batida, estamos diante de uma história em que a grande heroína é uma mulher. O olhar feminino, com sua sensibilidade e força, faz a diferença aqui (na frente e por trás das câmeras).
“A Mãe” é um filme tenso, com boas doses de suspense e que cumpre o seu papel como um representante do gênero de ação. Além de ter sutilezas interessantes na forma como faz paralelos entre a maternidade e a situação vivida pela personagem de Jennifer Lopez - uma mulher sem identidade pessoal, mas definida por aquilo que ela é: uma mãe. Qualquer semelhança com a maternidade crua e real, é uma mera coincidência.
Um dos primeiros filmes dirigidos por Martin Scorsese, “Caminhos Perigosos” se passa em um território que o diretor e co-roteirista conhece bem: a comunidade de Little Italy, em Nova York. O roteiro faz uma crônica do cotidiano de um grupo de jovens amigos, de origem ítalo-americana, em meio a uma realidade violenta e à máfia que é típica do local. Tudo isso ocorre enquanto eles mesmos tentam se firmar - e, consequentemente, se encontrar - diante de todas essas situações.
O foco principal está em dois dos amigos: Charlie (Harvey Keitel), que está para herdar a administração de um dos restaurantes cuja propriedade é do seu tio; e Johnny Boy (Robert De Niro, no primeiro filme em que trabalhou com Scorsese), que é o oposto de Charlie, e vive se metendo em problemas - a maior parte deles causada por suas dívidas decorridas de empréstimos obtidos junto a pessoas igualmente sem escrúpulos.
Com seu caráter responsável e a confiabilidade que passa, Charlie é como se fosse o fiador de Johnny Boy e, durante boa parte do filme, iremos acompanhar o primeiro tentando incutir no segundo um pouco do senso de responsabilidade que nele habita.
Assistir a “Caminhos Perigosos” é ter a oportunidade de testemunhar a identidade de um cineasta em formação. Aqui, temos alguns elementos que dominariam a filmografia posterior de Scorsese, como a violência, os submundos dos subúrbios e as personagens em conflitos íntimos. A linguagem documental, crua e visceral também é uma marca que podemos ver neste filme.
Leo (Eden Dambrine) e Remi (Gustav De Waele) são melhores amigos. Passavam 24h de seu dia juntos: brincando, se divertindo, dividindo aquilo que mais gostavam de fazer um com o outro e dormindo um na casa do outro. Até o dia em que a insinuação de que os dois viviam algo além de uma amizade acontece.
A sugestão planta uma semente na cabeça de Leo. E é justamente a linha tênue entre a amizade e a possível descoberta do amor e como isso influencia o relacionamento entre Leo e Remi, o objeto principal de “Close”, filme dirigido e co-escrito por Lukas Dhont.
O medo nos faz fazer coisas bobas. A preocupação com o pensamento do outro sobre nós mesmos também. Levando em consideração o fato de que Leo e Remi são dois pré-adolescentes, as decisões que são tomadas são totalmente coerentes com o nível de maturidade que eles têm naquele momento.
No final, mais do que um filme sobre a amizade, “Close” é uma obra sobre como o sentimento de culpa, sobre o sofrimento que a culpa nos causa e sobre como o desejo de compreender aquilo (de bom e, mais do que tudo, de ruim) que nos acontece é uma força motriz para as transformações pessoais. Leo não será mais o mesmo após as experiências vividas aqui, assim como não serão mais os mesmos aqueles que foram afetados diretamente pelo que aconteceu com ele e Remi.
Talvez, se as coisas tivessem ocorrido num outro momento, tudo seria diferente… Ou não.
Na cultura irlandesa, a palavra “banshee” se refere a uma figura feminina de idade avançada, espécie de bruxa, que faz a previsão de uma morte iminente. Nada a ver, portanto, com a situação principal que o filme “Os Banshees de Inisherin”, dirigido e escrito por Martin McDonagh, nos retrata. Mas, ao mesmo tempo, tudo a ver com o espírito melancólico e depressivo que permeia toda a trama.
“Os Banshees de Inisherin” se passa em uma pequena cidade pacata litorânea da Irlanda, local onde seus habitantes não têm muito o que fazer, a não ser ir no pub do município, ao final de mais um dia de trabalho, para beber um pouco de cerveja ou conhaque.
A partir do fim - sem motivo aparente, a não ser o desejo de nunca mais falar um com o outro - da amizade entre o músico Colm (Brendan Gleeson, em performance indicada ao Oscar 2023 de Melhor Ator Coadjuvante) e o fazendeiro Pádraic (Colin Farrell, em atuação indicada ao Oscar 2023 de Melhor Ator), o diretor e roteirista McDonagh aborda o papel de uma cidade como Inisherin para a infelicidade de seus habitantes, que, ali, não possuem as oportunidades de crescimento e de expandirem seus horizontes.
O tempo todo, em “Os Banshees de Inisherin”, as personagens estão discutindo sobre seus sentimentos, sobre a fé, sobre a continuidade da vida após um grande sofrimento, sobre como se portar um com o outro, sobre arrependimento, sobre reparação (ou ficar quite com alguém). Tudo isso em meio a silêncios incômodos...
Enquanto eu assistia ao filme, fiquei refletindo: deve ser muito triste viver assim, com essa sombra… Talvez, por isso, eu tenha me identificado tanto com a personagem de Sióbhan (Kerry Condon, em performance indicada ao Oscar 2023 de Melhor Atriz Coadjuvante), a irmã de Pádraic. Ela foi a única ali com a coragem de fazer o que tinha que ser feito diante de uma rotina tão maçante.
“Enterrem seus mortos. Lamentem suas perdas”. Essa frase é dita em um determinado momento de “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre”, filme dirigido e co-escrito por Ryan Coogler.
Porém, e quando você não tem tempo para lamentar a perda de alguém querido? É assim que a Rainha Ramonda (Angela Bassett, indicada ao Oscar 2023 de Melhor Atriz Coadjuvante pela performance neste filme) e a Princesa Shuri (Letitia Wright) se veem após a morte do Rei T’Challa (o saudoso Chadwick Boseman).
Afinal, os desafios e as lutas no reino de Wakanda continuam, ainda mais com a ameaça de forças invasoras, como é o caso da civilização de Talokan, que entra numa disputa com os Wakandianos pelo domínio do Vibranium e a consequente proteção a este recurso natural - que também envolve o interesse de outras nações, como os Estados Unidos, sobre o material.
Assim, podemos dizer que “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre” é um filme sobre o luto, mas principalmente sobre a continuidade da vida. Sobre como os desafios de viver e de existir atropelam ou se impõem, algumas vezes, sobre as nossas dores e sofrimentos.
Neste ponto, é impossível não abordar a morte de Chadwick Boseman e como a perda daquele que representava o que era o Pantera Negra influenciou nos rumos narrativos de “Wakanda Para Sempre”. Aqui, estamos diante de um filme que teve que se reconstruir, juntar os cacos e seguir em frente - e isso inclui os próximos capítulos dessa jornada.
Parece inacreditável, mas houve um tempo em que ousar apostar no nome de Michael Jordan como uma promessa do basquete norte-americano fosse considerada uma jogada arriscada!
Foi essa a experiência vivida por aqueles que dirigiam a divisão do esporte na Nike, na década de 80, e que passaram anos buscando o atleta que seria o sinônimo - e, consequentemente - o grande nome do basquete para a empresa.
Mais do que um filme sobre o mundo dos negócios, “Air: A História por Trás do Logo”, dirigido por Ben Affleck, é uma obra que nos oferece algumas lições importantes para a vida, principalmente aquelas que estão relacionadas ao fator humano (empatia e intuição vêm logo à nossa mente) que envolve os diversos tipos de relacionamento (seja ele pessoal ou profissional) e o caráter de coragem que está imbuído no processo de tomada de decisões importantes.
Num processo de reconstituição de época perfeito, o filme segue justamente a jornada de Sonny Vaccaro (Matt Damon), o olheiro da Nike, em busca do convencimento para que Michael Jordan (curioso perceber que o atleta é tão importante para o desenvolvimento do longa, mas nunca aparece para a plateia, a não ser após a concretização do negócio - e, mesmo assim, somente em voz), na época, um estreante na NBA, se tornasse a cara do basquete na Nike e viesse a desenvolver aquela que se tornou a maior linha de tênis da história do esporte: a Air Jordan.
Assim, a história que assistimos em tela nos é contada de forma fluida, quase como se estivéssemos assistindo a linha temporal documental de todo esse processo. Um elenco excelente, personagens carismáticos e um triunfo final digno de um grande filme. Isso é “Air: A História por Trás do Logo”, um dos poucos filmes que se passa no mundo dos negócios que não retrata esse ambiente com a sujeira que, normalmente, acompanha ele.
O cinema é cheio de histórias inspiradoras de grandes feitos, repletos de obstáculos vencidos e que nos deixam com a sensação de que o impossível não existe! “Destemida”, filme dirigido e co-escrito por Sarah Spillane, nos conta um relato desse tipo.
Baseado na vida de Jessica Watson (Alyla Browne, quando criança; e Teagan Croft, na adolescência), “Destemida” acompanha a sua jornada de 210 dias no mar, na busca pela realização de seu grande sonho: ser a pessoa mais jovem do mundo a dar a volta ao mundo sem auxílios ou paradas em portos/cidades.
Quando Jessica iniciou a sua jornada, ela tinha 16 anos e um apoio familiar surpreendente, além da presença de um mentor (Cliff Curtis) para auxiliá-la diante dos desafios e, claro, da desconfiança de boa parte da imprensa australiana na sua capacidade em chegar ao seu destino final.
“Destemida” faz jus ao caráter heroico e de superação da história que retrata. Porém, fica a sensação de que seu tom suave e de um filme que tem o desejo de ser para toda a família atenua muito todo o sofrimento da jornada de Jessica - sentimento este reforçado quando somos confrontados com as imagens reais da chegada da velejadora após alcançar seus objetivos.
A Jessica calejada e desgastada que vemos nas imagens de arquivo se destoa muito da Jessica radiante que encontramos no filme.
“Triângulo da Tristeza”, filme dirigido e escrito por Ruben Östlund, é um reflexo do mundo em que vivemos. A superficialidade e a preocupação com as aparências e um estilo de vida que nem sempre representa o que você é estão estampadas nas personagens. Os vazios de vidas em que a imagem está acima de tudo também.
As três partes de “Triângulo da Tristeza” possuem um elemento em comum: a discussão sobre o dinheiro, e como ele é determinante para as nossas relações - desde a escolha sobre com quem decidimos nos relacionar, até à decisão sobre os locais que frequentamos, os produtos que consumimos e a imagem que essas escolhas passam para os outros.
Um ponto interessante em “Triângulo da Tristeza” é que o filme aborda também o lado contrário: ao mostrar que, mesmo em condições de igualdade, as relações de poder também possuem uma importância fundamental na maneira como nos comportamos, como nos colocamos diante dos outros e como servimos aos outros.
Neste sentido, chama a atenção em “Triângulo da Tristeza” as muitas metáforas utilizadas por Ruben Östlund para representar a mensagem que ele quer deixar conosco. O filme é bastante perspicaz ao adotar um tom exagerado com conceitos/críticas relacionadas ao capitalismo/socialismo/marxismo. Dinheiro traz felicidade? Não. Porém, ele é primordial para todo o resto. E ignorar isso é ser igualmente hipócrita - como o são o grupo de personagens de “Triângulo da Tristeza”.
“Maverick” é um codinome muito propício para o Capitão Pete Mitchell (Tom Cruise). Afinal, ele é o dissidente em pessoa. Piloto da tropa de elite da Força Aeronaval da Marinha dos Estados Unidos, Maverick é aquele profissional que se esquece dos manuais, dos métodos. Ele pilota com sua intuição, com a sua convicção - e isso significa que ele irá colecionar admiradores e inimigos na mesma proporção.
A continuação “Top Gun: Maverick”, dirigida por Joseph Kosinski, se passa 36 anos após o filme original “Top Gun: Ases Indomáveis”, de Tony Scott. Nele, Maverick retorna à escola naval de pilotos. Não para uma reciclagem. Mas, sim, para ser ele próprio o instrutor, aquele que irá direcionar os pilotos mais jovens rumo a uma missão cujo resultado os superiores acreditam ser um milagre se ocorrer.
É justamente ao instruir os pilotos que o filme faz uma discussão interessante a respeito do tempo e da modernidade. É como se Maverick fosse um piloto analógico, entendedor da máquina; comparado com os pilotos atuais, que são regidos muito pela máquina, pela modernidade, quase como se não fossem necessários. A presença de Maverick ali é para trazer à tona a essência de cada uma dessas pessoas. Fazê-los acreditar em seus potenciais e mostrar a importância do valor humano num mundo cada vez mais tecnológico.
Aqui, podemos fazer também um paralelo com o cinema de ação. Se os filmes atuais do gênero se apoiam principalmente no CGI (imagens geradas por computador) e no excesso de efeitos visuais, “Top Gun: Maverick” é um sopro. As cenas que retratam os voos chamam a atenção pelo seu aspecto realista, nos colocando quase dentro da cabine dos pilotos.
“Top Gun: Maverick” é o cinema em seu estado mais puro! Um filmaço!
“Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”. O título do filme dirigido e escrito por Daniel Kwan e Daniel Scheinert é muito condizente com a história que ele nos relata. A protagonista, Evelyn (Michelle Yeoh, favorita ao Oscar 2023 de Melhor Atriz), é uma mulher que se depara com a confusão e o turbilhão de sua vida real, ao mesmo tempo em que se depara com a oportunidade de se aventurar por inúmeros multiversos, onde ela demonstra ter habilidades/conhecimentos completamente diversos do que ela acredita possuir.
Neste sentido, estamos diante de uma dicotomia. Se, no mundo real, Evelyn tem uma vida rotineira, chata, sem emoção; um casamento em crise; uma relação complicada com a filha; um pai doente… No multiverso, ela está sempre envolta de muita adrenalina, ação e se vendo no epicentro de algo que pode ser muito importante, não só para ela, como também para as pessoas que a rodeiam.
Evelyn se vê diante dessas múltiplas realidades por uma simples razão: o desejo que está latente, em cada uma das motivações das personagens de “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”, de fazer com que as coisas voltem a ser como antes. Porém, o que significa isso diante de tudo com o que Evelyn se depara? Se você pudesse transformar a sua vida, você faria isso num piscar de olhos?
Na essência, esta é uma mensagem bonita. Porém, “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” dilui a sua narrativa numa tentativa de fazer um filme cheio de camadas pop, para uma plateia ávida pelas experiências marcadas pelos eventos fantásticos. É um filme que traz uma roupagem moderna para uma temática tradicional de conciliação e de amor. Pode funcionar para muita gente, mas, comigo, não teve tanto apelo assim…
“Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades”, filme dirigido e co-escrito por Alejandro G. Iñarritu, está centrado na figura de Silverio Gama (Daniel Giménez Cacho), jornalista, documentarista e artista de renome. Mexicano de origem, porém residente nos Estados Unidos, devido à sua carreira, Silverio acaba fazendo uma reflexão sobre si mesmo, sua identidade, suas relações, suas memórias, os caminhos que ele percorreu e o seu futuro, a partir do momento em que é agraciado com um prêmio muito importante.
“A vida é uma série de eventos sem sentido”. Essa frase de “Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades” é bem representativa do que iremos assistir. A jornada de Silverio tem momentos oníricos, ao mesmo tempo em que tem instantes mais realistas, nos quais a personagem se conecta com seus entes mais próximos. Silverio é o bardo, em seu sentido mais literal: confusão, desordem, problema.
“Bardo, Falsas Crônicas de Algumas Verdades” é o tipo de filme que só um cineasta como Iñarritu poderia fazer. Ele está em um estágio da sua carreira em que pode se dar ao luxo de ousar e de experimentar. O jogo interessante aqui é que podemos enxergar alguns paralelos entre o próprio Iñarritu e Silverio Gama. Seria a personagem o seu alter ego? O filme seria uma forma de Iñarritu refletir sobre o seu cinema e sua própria trajetória? Uma pena que pouco faz sentido neste seu filme - propositalmente, ou não.
“Aftersun”, filme dirigido e escrito por Charlotte Wells, é um daqueles longas que nos deixam com mais perguntas do que respostas. Mais dúvidas do que certezas. A história que a obra nos relata se passa durante uma viagem de férias entre pai e filha, na véspera do aniversário de 31 anos dele, num resort em reforma, na Turquia.
Algumas pistas estão bem claras para nós. A relação entre Calum (Paul Mescal, indicado ao Oscar 2023 de Melhor Ator), o pai; e Sophie (Frankie Corio), a filha, é distante. Embora ele seja amoroso e aberto ao diálogo, existe uma barreira - emocional e física - entre eles. Não sabemos até que ponto as circunstâncias da vida influenciam nisso, uma vez que Calum é alguém sem estabilidade (econômica, profissional); e Sophie, com sua percepção e natureza observadora, questiona o pai, à sua maneira, sobre seus planos e anseios.
Desta forma, “Aftersun” é um filme que tenta (re)construir essa relação, pelo olhar adulto de Sophie (Celia Rowlson-Hall), ela própria também nas vésperas de seu aniversário. Enquanto ela revisita as suas lembranças (escolhas estéticas como as de cenas gravadas em uma câmera caseira reforçam esta intenção), a imagem que ela tem de Calum vai também se desenhando para nós.
“Aftersun” é um drama intimista e tem uma narrativa que vai crescendo à medida que o filme se desenvolve. As lacunas presentes na trama funcionam bem com o propósito final da obra. É um filme sobre uma filha em busca do seu pai, da figura que ela se recorda (e que pode - ou não - corresponder à realidade), do homem que ele foi. É quase como se ela, ao buscar Calum, quisesse encontrar a si própria. Se ela conseguiu isso? É mais um espaço em branco que “Aftersun” nos obriga a tentar preencher.
O advogado Alexei Navalny se consolidou, nos últimos anos, como o grande líder da oposição russa, coordenando protestos contra o governo de Vladimir Putin, ao mesmo tempo em que concorre a cargos eletivos tendo como mote de campanha a promoção de reformas anticorrupção.
É ele o objeto de estudo do documentário “Navalny”, dirigido por Daniel Rohrer. O filme faz o retrato da ascensão de Navalny como voz da oposição e símbolo da liberdade da Rússia, na medida em que enfoca também a tentativa de assassinato por envenenamento que ele sofreu, em agosto de 2020, e que fez com que ele deixasse a Rússia rumo à Alemanha, país onde ele fez a recuperação de sua saúde.
Foi na Alemanha que Navalny, com o auxílio de uma rede formada por integrantes de sua equipe e por jornalistas investigativos, conseguiu investigar a tentativa de assassinato que sofreu. O documentário cumpre seu ciclo narrativo mostrando o retorno de Navalny à Rússia, após a plena recuperação de sua saúde.
“Navalny” tem uma estrutura narrativa similar a um thriller político, com elementos de uma grande reportagem. Em termos jornalísticos, inclusive, o documentário deixa uma grande lição sobre a importância do uso das redes sociais para que Navalny pudesse impor a sua narrativa e se firmar como a figura principal a representar a resistência na Rússia - país que sofre, sucessivamente, com a instalação de governos totalitários.
O Processo de Reorganização Nacional foi como ficou conhecido o período de 1976 a 1983, na Argentina, momento em que uma ditadura civil-militar foi instaurada no país. Durante este intervalo de tempo, como em outras ditaduras, as Forças Armadas argentinas - neste caso representadas pelas Juntas Militares - foram protagonistas de repressão, violências, torturas, prisões injustificadas e de crimes por motivação política contra aqueles que eram desfavoráveis ao regime que eles representavam.
O filme “Argentina, 1985”, dirigido e co-escrito por Santiago Mitre, retrata o pós-Ditadura militar no país, quando, no governo de Raúl Alfonsín, ocorreu o chamado Julgamento das Juntas. Em meio a pressões políticas e militares, a equipe formada pelos promotores Julio Strassera (Ricardo Darín) e Luís Moreno Ocampo (Peter Lanzani) e seus auxiliares/investigadores buscaram um retorno ao respeito e à justiça, com o propósito de condenar aqueles que foram os líderes das Juntas Militares.
O Julgamento das Juntas é inédito - e importante - em muitos sentidos. Principalmente por ter sido a primeira vez que comandantes militares que ocuparam importantes posições de poder foram julgados por um tribunal civil pelos seus crimes. 17 semanas de julgamento, 530h de audiências, 850 testemunhas, 709 casos julgados e sentenciados e uma certeza: a de que “nunca mais” a Argentina aceitaria se submeter a algo desse tipo.
Já falamos inúmeras vezes por aqui sobre a importância do cinema como um meio de resgate e de entendimento da história do mundo em que vivemos. “Argentina, 1985” não só é um belo exemplar nesse sentido, como também é um filme que inspira e que reforça que é fundamental que conheçamos a nossa própria história de forma a podermos evitar que os erros do passado contaminem o nosso futuro. Em tempos em que a Democracia sofre constantes ataques, “Argentina, 1985” é um lembrete! Não nos esqueçamos, jamais!
Baseado em uma história real, “Um Crime Americano” deveria ter sido lançado nas salas de cinema, mas acabou encontrando seu nicho na televisão – meio aonde convenhamos, tal história se adequa melhor. O grande ponto positivo do trabalho de Tommy O’Haver é o contraste que se vê entre as excelentes performances de Ellen Page e de Catherine Keener (a qual foi indicada ao Emmy e ao Globo de Ouro pela atuação no longa). Enquanto esta tem uma insanidade que assusta de tão natural que é, aquela é o poço de serenidade e de divindade – mesmo com tudo que sua personagem está passando.
No filme dirigido e escrito por David O. Russell, a cidade de Amsterdã significa para o trio formado por Burt Berendsen (Christian Bale), Harold Woodman (John David Washington) e Valerie Voze (Margot Robbie) as lembranças de momentos felizes em que a amizade dos três foi forjada. Principalmente quando consideramos o fato do encontro entre eles ter vindo após a participação dos dois primeiros em uma grande guerra mundial e da terceira também como enfermeira que auxiliava a cuidar dos soldados feridos em conflito.
Apesar disso, “Amsterdã” não tem foco na relação de amizade estabelecida entre eles, e sim na investigação do assassinato do General Bill Meekins (Ed Begley Jr.), um herói de guerra. Tentando salvar as suas próprias peles, na medida em que se tornam suspeitos do crime, Burt e Harold acabam desvendando uma trama maior, que envolve uma conspiração política que pode ameaçar a forte democracia que são os Estados Unidos da América.
Por isso mesmo, quando do fim de “Amsterdã” fica a sensação de uma grande oportunidade perdida por parte de David O. Russell. Seu filme tem um tema importantíssimo e atual: a ameaça da extrema direita, com seus arroubos totalitaristas e anti-democráticos, ao redor do mundo. Porém, esta temática é mal trabalhada por um roteiro que se divide em tantos focos, sem nunca aprofundar cada um deles a contento.
Quando nos deparamos com histórias de contos de fadas, a trajetória das personagens termina a partir do momento em que o “felizes para sempre” acontece. “Desencantada”, filme dirigido por Adam Shankman, se dedica ao relato do que ocorre após o “felizes para sempre” se desenrolar.
Antes de iniciar a crítica propriamente dita da continuação, queria relembrar o que, na minha opinião, era o elemento mais bacana de “Encantada”: o contraste entre a figura de uma princesa de conto de fadas (representada por Giselle) e o mundo real, a nossa realidade nua e crua, com valores completamente diferentes do que ela conhecia no reino de Andalasia.
O caráter genuíno de Giselle (Amy Adams), e sua inocência diante um tipo de maldade e de características que lhe eram novas, é que acabam chamando a atenção de Robert (Patrick Dempsey) e sua filha Morgan (Rachel Covey).
10 anos após os acontecimentos de “Encantada”, a Giselle que encontramos, em “Desencantada”, questiona a realidade que ela vive, o seu final feliz; e se pergunta constantemente onde ela errou. E é movida pelo desejo do reencontro com aquilo que ela entende por felicidade que a trama do filme se delineia.
No fim, “Desencantada” não tem o mesmo frescor que “Encantada” nos trouxe. O filme se assume como uma grande caricatura. Tem exagero (neste sentido, Maya Rudolph se encaixou muito bem na trama), tem os elementos clássicos das histórias da Disney e nos deixa com a sensação de que a continuação vem no timing errado, longe do momento mais propício, em que o sucesso do primeiro longa era mais próximo.
O que é casa para você? Na maior parte das vezes, é o local que nos transmite segurança, paz e conforto. Eu disse que, “na maior parte das vezes”, porque, nem sempre, a palavra casa tem esse significado. O filme “Passagem”, dirigido por Lila Neugebauer, retrata uma situação em que o retorno para casa é envolvido por sentimentos conflitantes.
Lynsey (Jennifer Lawrence) é uma militar do exército norte-americano, recém-chegada do Afeganistão. Boa parte de “Passagem” é dedicada à sua adaptação a uma nova vida, na medida em que o motivo por trás da volta dela está relacionado à questões de saúde (Lynsey sofreu uma lesão cerebral).
Não bastasse isso, o retorno de Lynsey à sua cidade natal também está permeado pela realidade que ela deixou: uma família desintegrada e uma rotina marcada pela solidão e pelo silêncio.
“Passagem”, portanto, tem como centro uma personagem repleta de conflitos internos, em busca do reencontro consigo mesma (ou com a versão de si mesma que ela criou) e que encontra na relação que estabelece com James (Brian Tyree Henry) - um personagem tão problemático quanto ela - um pouco de solidez nesse árduo caminho da recuperação.
“Passagem” é um daqueles dramas intimistas e de ritmo lento, que segue o desenvolvimento de suas personagens e que encontra nas atuações de Lawrence e Henry o seu ponto mais positivo. São eles que nos fazem seguir em frente num filme que chama a atenção pela sua frieza emocional.
Apesar de trabalhar com elementos e pessoas que são familiares ao universo do grupo Casseta e Planeta, o filme ainda sofre com os mesmos problemas vistos em “Casseta e Planeta – A Taça do Mundo é Nossa”. O roteiro de “Casseta e Planeta – Seus Problemas Acabaram!!!” é fraco e as piadas são extremamente sem graça. As únicas coisas que podemos tirar de proveito do filme são as performances de Murilo Benício e Maria Paula. Conhecido por ser uma personalidade chata, Benício surpreende ao aceitar tirar um sarro de si mesmo e se colocar em um papel ridículo. Só ele encarou “Casseta e Planeta – Seus Problemas Acabaram!!!” da maneira como ele deveria ser visto: como uma obra descompromissada e nada séria.
Quando a gente faz essa análise da trama de “Ligeiramente Grávidos” fica difícil de acreditar que o filme é uma comédia romântica. Mas, é isso mesmo. Judd Apatow faz uma comédia, com pitadas de drama e de romance, que trata de temas como responsabilidade, companheirismo e comprometimento com uma sensibilidade incrível. “Ligeiramente Grávidos” é um filme sobre amadurecimento. Há quem diga que as melhores comédias são as feitas pela turma de Ben Stiller, Owen Wilson, Will Ferrell, John C. Reilly, Vince Vaughn, entre outros. No entanto, como “O Virgem de 40 Anos”, “Ligeiramente Grávidos” e “Superbad – É Hoje” (o filme mais lucrativo do gênero, em 2007) mostram, a verdadeira – e boa – comédia vêm do talentoso grupo de Judd Apatow.
Tais histórias se cruzam em um filme cujo roteiro preza muito pela intenção de ser justo com os dois lados dessa moeda. Concorde ou não com alguns de seus atos, John Dillinger tinha a sua ética e Melvin Purvis era um homem movido pela vontade de fazer jus à tarefa, à liberdade e aos recursos que lhe foram confiados. Um material como esse encontrou em Michael Mann as mãos perfeitas para ganhar vida. O diretor realiza um filme vibrante e de alta qualidade técnica – apesar de ele não ser tão brilhante quanto prometia ser.
“A Conferência” a qual o título do filme dirigido por Matti Geschonneck se refere é a Conferência de Wannsee, que aconteceu em 20 de janeiro de 1942, reunindo representantes do alto escalão do regime nazista alemão. A importância histórica desse encontro diz respeito ao que nele foi discutido: o que os participantes chamaram de “Solução Final para a Questão Judaica”, ou seja, a sistematização do método que levaria ao assassinato de 6 milhões de judeus pelo regime.
Por se tratar de um filme que retrata uma reunião, um elemento é óbvio em “A Conferência”: a verborragia do roteiro escrito por Magnus Vattrodt e Paul Mommertz. São muitos - e longos - diálogos. Conversas cruéis. Pior: em meio a pausas para um lanche/cafezinho. Nem parece que os participantes estavam discutindo um tema tão macabro e vergonhoso, tamanha a frieza e calculismo.
Analisando, agora, “A Conferência” como o produto cinematográfico que é, é justamente a verborragia do seu roteiro que transforma esta em uma experiência extremamente cansativa, que suga as nossas energias e que se exime de uma análise crítica mais profunda sobre um evento histórico de proporções terríveis para a história da humanidade.
Assistir a “Palmer”, filme dirigido pelo ator Fisher Stevens, é ter a certeza de que o sistema é cruel. É impiedoso com alguém como Eddie Palmer (Justin Timberlake), que busca a ressocialização após cumprir sua pena. É atroz com alguém como Sam (Ryder Allen), um menino filho de uma viciada em drogas (Juno Temple) e com trejeitos afeminados.
Esse encontro improvável é a força motriz por trás do filme. Somente alguém necessitando de uma segunda chance como Palmer para poder enxergar em Sam, alguém também em necessidade de um recomeço, algo que dará sentido ao seu retorno à vida em sociedade. Ao solidificarem juntos um relacionamento familiar, os dois não sabem, mas estão se ajudando e se fortalecendo mutuamente para os desafios de uma vida difícil para pessoas como eles.
“Palmer” é um drama familiar e, mesmo com uma trama facilmente previsível, é um daqueles filmes que nos conquistam, principalmente por trazer, em si, um frescor que é raro no cinema atual. Me senti abraçada por essa história e por seu otimismo, mesmo diante da realidade complexa que ela detalha.
Meu Vizinho Adolf
3.5 24 Assista AgoraAdolf Hitler cometeu suicídio em 30 de abril de 1945, como uma forma de evitar a sua prisão pelo exército russo na iminente derrota alemã na II Guerra Mundial. Por algum motivo específico, o Sr. Polsky (David Hayman), um solitário e mal-humorado sobrevivente do Holocausto, está convencido de que seu recém-chegado - e misterioso - vizinho é, nada mais, nada menos, que o líder do regime nazista alemão.
A jornada do Sr. Polsky por convencer os outros de sua ideia é retratada no filme “Meu Vizinho Adolf”, dirigido e co-escrito por Leon Prudovsky. Tal qual um observador participativo, o Sr. Polsky se insere diretamente na sua investigação particular, passando a estabelecer um relacionamento pessoal com o seu vizinho, o Sr. Herzog (Udo Kier), em busca de provas que atestem a veracidade de sua crença.
É justamente no processo de troca entre as duas personagens que “Meu Vizinho Adolf” encontra os seus melhores momentos. É por intermédio dele que iremos descobrir que, no final, o Sr. Polsky e o Sr. Herzog possuem muito mais em comum do que imaginam. Os dois são homens que buscam encontrar a paz interior depois de vivenciar experiências traumáticas e que marcam a vida de qualquer um.
A Mãe
3.1 172 Assista AgoraA protagonista do filme “A Mãe”, dirigido por Niki Caro, é alguém que vive em fuga, é uma ex-militar, é uma assassina, é alguém que se envolveu com as pessoas erradas, é alguém que paga o preço pelas decisões erradas que tomou. Porém, acima de tudo, ela é uma mãe e uma pessoa cujos últimos atos - pelo menos, aqueles que assistimos durante o filme - são com um único propósito: o de proteger a sua filha dos seus algozes.
Após doze anos vivendo escondida no Alaska, a mãe (Jennifer Lopez) é obrigada a sair de seu esconderijo quando sua filha Zoe (Lucy Paez) tem sua identidade e paradeiros descobertos pela dupla de criminosos (Joseph Fiennes e Gael Garcia Bernal) que vive para persegui-la.
Numa vibe “Comando para Matar”, o que “A Mãe” nos retrata, portanto, é a protagonista no papel que ela melhor desempenha (o de genitora), em busca do resgate e da proteção e da segurança da sua filha; ao mesmo tempo em que ela tenta entrar em paz consigo mesma e com o auto-exílio que se obrigou a seguir.
O que faz de “A Mãe” um filme interessante é que, mesmo com todos os clichês e com uma trama batida, estamos diante de uma história em que a grande heroína é uma mulher. O olhar feminino, com sua sensibilidade e força, faz a diferença aqui (na frente e por trás das câmeras).
“A Mãe” é um filme tenso, com boas doses de suspense e que cumpre o seu papel como um representante do gênero de ação. Além de ter sutilezas interessantes na forma como faz paralelos entre a maternidade e a situação vivida pela personagem de Jennifer Lopez - uma mulher sem identidade pessoal, mas definida por aquilo que ela é: uma mãe. Qualquer semelhança com a maternidade crua e real, é uma mera coincidência.
Caminhos Perigosos
3.6 255 Assista AgoraUm dos primeiros filmes dirigidos por Martin Scorsese, “Caminhos Perigosos” se passa em um território que o diretor e co-roteirista conhece bem: a comunidade de Little Italy, em Nova York. O roteiro faz uma crônica do cotidiano de um grupo de jovens amigos, de origem ítalo-americana, em meio a uma realidade violenta e à máfia que é típica do local. Tudo isso ocorre enquanto eles mesmos tentam se firmar - e, consequentemente, se encontrar - diante de todas essas situações.
O foco principal está em dois dos amigos: Charlie (Harvey Keitel), que está para herdar a administração de um dos restaurantes cuja propriedade é do seu tio; e Johnny Boy (Robert De Niro, no primeiro filme em que trabalhou com Scorsese), que é o oposto de Charlie, e vive se metendo em problemas - a maior parte deles causada por suas dívidas decorridas de empréstimos obtidos junto a pessoas igualmente sem escrúpulos.
Com seu caráter responsável e a confiabilidade que passa, Charlie é como se fosse o fiador de Johnny Boy e, durante boa parte do filme, iremos acompanhar o primeiro tentando incutir no segundo um pouco do senso de responsabilidade que nele habita.
Assistir a “Caminhos Perigosos” é ter a oportunidade de testemunhar a identidade de um cineasta em formação. Aqui, temos alguns elementos que dominariam a filmografia posterior de Scorsese, como a violência, os submundos dos subúrbios e as personagens em conflitos íntimos. A linguagem documental, crua e visceral também é uma marca que podemos ver neste filme.
Close
4.2 541 Assista AgoraLeo (Eden Dambrine) e Remi (Gustav De Waele) são melhores amigos. Passavam 24h de seu dia juntos: brincando, se divertindo, dividindo aquilo que mais gostavam de fazer um com o outro e dormindo um na casa do outro. Até o dia em que a insinuação de que os dois viviam algo além de uma amizade acontece.
A sugestão planta uma semente na cabeça de Leo. E é justamente a linha tênue entre a amizade e a possível descoberta do amor e como isso influencia o relacionamento entre Leo e Remi, o objeto principal de “Close”, filme dirigido e co-escrito por Lukas Dhont.
O medo nos faz fazer coisas bobas. A preocupação com o pensamento do outro sobre nós mesmos também. Levando em consideração o fato de que Leo e Remi são dois pré-adolescentes, as decisões que são tomadas são totalmente coerentes com o nível de maturidade que eles têm naquele momento.
No final, mais do que um filme sobre a amizade, “Close” é uma obra sobre como o sentimento de culpa, sobre o sofrimento que a culpa nos causa e sobre como o desejo de compreender aquilo (de bom e, mais do que tudo, de ruim) que nos acontece é uma força motriz para as transformações pessoais. Leo não será mais o mesmo após as experiências vividas aqui, assim como não serão mais os mesmos aqueles que foram afetados diretamente pelo que aconteceu com ele e Remi.
Talvez, se as coisas tivessem ocorrido num outro momento, tudo seria diferente… Ou não.
Os Banshees de Inisherin
3.9 572 Assista AgoraNa cultura irlandesa, a palavra “banshee” se refere a uma figura feminina de idade avançada, espécie de bruxa, que faz a previsão de uma morte iminente. Nada a ver, portanto, com a situação principal que o filme “Os Banshees de Inisherin”, dirigido e escrito por Martin McDonagh, nos retrata. Mas, ao mesmo tempo, tudo a ver com o espírito melancólico e depressivo que permeia toda a trama.
“Os Banshees de Inisherin” se passa em uma pequena cidade pacata litorânea da Irlanda, local onde seus habitantes não têm muito o que fazer, a não ser ir no pub do município, ao final de mais um dia de trabalho, para beber um pouco de cerveja ou conhaque.
A partir do fim - sem motivo aparente, a não ser o desejo de nunca mais falar um com o outro - da amizade entre o músico Colm (Brendan Gleeson, em performance indicada ao Oscar 2023 de Melhor Ator Coadjuvante) e o fazendeiro Pádraic (Colin Farrell, em atuação indicada ao Oscar 2023 de Melhor Ator), o diretor e roteirista McDonagh aborda o papel de uma cidade como Inisherin para a infelicidade de seus habitantes, que, ali, não possuem as oportunidades de crescimento e de expandirem seus horizontes.
O tempo todo, em “Os Banshees de Inisherin”, as personagens estão discutindo sobre seus sentimentos, sobre a fé, sobre a continuidade da vida após um grande sofrimento, sobre como se portar um com o outro, sobre arrependimento, sobre reparação (ou ficar quite com alguém). Tudo isso em meio a silêncios incômodos...
Enquanto eu assistia ao filme, fiquei refletindo: deve ser muito triste viver assim, com essa sombra… Talvez, por isso, eu tenha me identificado tanto com a personagem de Sióbhan (Kerry Condon, em performance indicada ao Oscar 2023 de Melhor Atriz Coadjuvante), a irmã de Pádraic. Ela foi a única ali com a coragem de fazer o que tinha que ser feito diante de uma rotina tão maçante.
Pantera Negra: Wakanda Para Sempre
3.5 800 Assista Agora“Enterrem seus mortos. Lamentem suas perdas”. Essa frase é dita em um determinado momento de “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre”, filme dirigido e co-escrito por Ryan Coogler.
Porém, e quando você não tem tempo para lamentar a perda de alguém querido? É assim que a Rainha Ramonda (Angela Bassett, indicada ao Oscar 2023 de Melhor Atriz Coadjuvante pela performance neste filme) e a Princesa Shuri (Letitia Wright) se veem após a morte do Rei T’Challa (o saudoso Chadwick Boseman).
Afinal, os desafios e as lutas no reino de Wakanda continuam, ainda mais com a ameaça de forças invasoras, como é o caso da civilização de Talokan, que entra numa disputa com os Wakandianos pelo domínio do Vibranium e a consequente proteção a este recurso natural - que também envolve o interesse de outras nações, como os Estados Unidos, sobre o material.
Assim, podemos dizer que “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre” é um filme sobre o luto, mas principalmente sobre a continuidade da vida. Sobre como os desafios de viver e de existir atropelam ou se impõem, algumas vezes, sobre as nossas dores e sofrimentos.
Neste ponto, é impossível não abordar a morte de Chadwick Boseman e como a perda daquele que representava o que era o Pantera Negra influenciou nos rumos narrativos de “Wakanda Para Sempre”. Aqui, estamos diante de um filme que teve que se reconstruir, juntar os cacos e seguir em frente - e isso inclui os próximos capítulos dessa jornada.
AIR: A História Por Trás do Logo
3.6 244 Assista AgoraParece inacreditável, mas houve um tempo em que ousar apostar no nome de Michael Jordan como uma promessa do basquete norte-americano fosse considerada uma jogada arriscada!
Foi essa a experiência vivida por aqueles que dirigiam a divisão do esporte na Nike, na década de 80, e que passaram anos buscando o atleta que seria o sinônimo - e, consequentemente - o grande nome do basquete para a empresa.
Mais do que um filme sobre o mundo dos negócios, “Air: A História por Trás do Logo”, dirigido por Ben Affleck, é uma obra que nos oferece algumas lições importantes para a vida, principalmente aquelas que estão relacionadas ao fator humano (empatia e intuição vêm logo à nossa mente) que envolve os diversos tipos de relacionamento (seja ele pessoal ou profissional) e o caráter de coragem que está imbuído no processo de tomada de decisões importantes.
Num processo de reconstituição de época perfeito, o filme segue justamente a jornada de Sonny Vaccaro (Matt Damon), o olheiro da Nike, em busca do convencimento para que Michael Jordan (curioso perceber que o atleta é tão importante para o desenvolvimento do longa, mas nunca aparece para a plateia, a não ser após a concretização do negócio - e, mesmo assim, somente em voz), na época, um estreante na NBA, se tornasse a cara do basquete na Nike e viesse a desenvolver aquela que se tornou a maior linha de tênis da história do esporte: a Air Jordan.
Assim, a história que assistimos em tela nos é contada de forma fluida, quase como se estivéssemos assistindo a linha temporal documental de todo esse processo. Um elenco excelente, personagens carismáticos e um triunfo final digno de um grande filme. Isso é “Air: A História por Trás do Logo”, um dos poucos filmes que se passa no mundo dos negócios que não retrata esse ambiente com a sujeira que, normalmente, acompanha ele.
Destemida
3.5 40 Assista AgoraO cinema é cheio de histórias inspiradoras de grandes feitos, repletos de obstáculos vencidos e que nos deixam com a sensação de que o impossível não existe! “Destemida”, filme dirigido e co-escrito por Sarah Spillane, nos conta um relato desse tipo.
Baseado na vida de Jessica Watson (Alyla Browne, quando criança; e Teagan Croft, na adolescência), “Destemida” acompanha a sua jornada de 210 dias no mar, na busca pela realização de seu grande sonho: ser a pessoa mais jovem do mundo a dar a volta ao mundo sem auxílios ou paradas em portos/cidades.
Quando Jessica iniciou a sua jornada, ela tinha 16 anos e um apoio familiar surpreendente, além da presença de um mentor (Cliff Curtis) para auxiliá-la diante dos desafios e, claro, da desconfiança de boa parte da imprensa australiana na sua capacidade em chegar ao seu destino final.
“Destemida” faz jus ao caráter heroico e de superação da história que retrata. Porém, fica a sensação de que seu tom suave e de um filme que tem o desejo de ser para toda a família atenua muito todo o sofrimento da jornada de Jessica - sentimento este reforçado quando somos confrontados com as imagens reais da chegada da velejadora após alcançar seus objetivos.
A Jessica calejada e desgastada que vemos nas imagens de arquivo se destoa muito da Jessica radiante que encontramos no filme.
Triângulo da Tristeza
3.6 731 Assista Agora“Triângulo da Tristeza”, filme dirigido e escrito por Ruben Östlund, é um reflexo do mundo em que vivemos. A superficialidade e a preocupação com as aparências e um estilo de vida que nem sempre representa o que você é estão estampadas nas personagens. Os vazios de vidas em que a imagem está acima de tudo também.
As três partes de “Triângulo da Tristeza” possuem um elemento em comum: a discussão sobre o dinheiro, e como ele é determinante para as nossas relações - desde a escolha sobre com quem decidimos nos relacionar, até à decisão sobre os locais que frequentamos, os produtos que consumimos e a imagem que essas escolhas passam para os outros.
Um ponto interessante em “Triângulo da Tristeza” é que o filme aborda também o lado contrário: ao mostrar que, mesmo em condições de igualdade, as relações de poder também possuem uma importância fundamental na maneira como nos comportamos, como nos colocamos diante dos outros e como servimos aos outros.
Neste sentido, chama a atenção em “Triângulo da Tristeza” as muitas metáforas utilizadas por Ruben Östlund para representar a mensagem que ele quer deixar conosco. O filme é bastante perspicaz ao adotar um tom exagerado com conceitos/críticas relacionadas ao capitalismo/socialismo/marxismo. Dinheiro traz felicidade? Não. Porém, ele é primordial para todo o resto. E ignorar isso é ser igualmente hipócrita - como o são o grupo de personagens de “Triângulo da Tristeza”.
Top Gun: Maverick
4.1 1,1K Assista Agora“Maverick” é um codinome muito propício para o Capitão Pete Mitchell (Tom Cruise). Afinal, ele é o dissidente em pessoa. Piloto da tropa de elite da Força Aeronaval da Marinha dos Estados Unidos, Maverick é aquele profissional que se esquece dos manuais, dos métodos. Ele pilota com sua intuição, com a sua convicção - e isso significa que ele irá colecionar admiradores e inimigos na mesma proporção.
A continuação “Top Gun: Maverick”, dirigida por Joseph Kosinski, se passa 36 anos após o filme original “Top Gun: Ases Indomáveis”, de Tony Scott. Nele, Maverick retorna à escola naval de pilotos. Não para uma reciclagem. Mas, sim, para ser ele próprio o instrutor, aquele que irá direcionar os pilotos mais jovens rumo a uma missão cujo resultado os superiores acreditam ser um milagre se ocorrer.
É justamente ao instruir os pilotos que o filme faz uma discussão interessante a respeito do tempo e da modernidade. É como se Maverick fosse um piloto analógico, entendedor da máquina; comparado com os pilotos atuais, que são regidos muito pela máquina, pela modernidade, quase como se não fossem necessários. A presença de Maverick ali é para trazer à tona a essência de cada uma dessas pessoas. Fazê-los acreditar em seus potenciais e mostrar a importância do valor humano num mundo cada vez mais tecnológico.
Aqui, podemos fazer também um paralelo com o cinema de ação. Se os filmes atuais do gênero se apoiam principalmente no CGI (imagens geradas por computador) e no excesso de efeitos visuais, “Top Gun: Maverick” é um sopro. As cenas que retratam os voos chamam a atenção pelo seu aspecto realista, nos colocando quase dentro da cabine dos pilotos.
“Top Gun: Maverick” é o cinema em seu estado mais puro! Um filmaço!
Tudo em Todo O Lugar ao Mesmo Tempo
4.0 2,1K Assista Agora“Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”. O título do filme dirigido e escrito por Daniel Kwan e Daniel Scheinert é muito condizente com a história que ele nos relata. A protagonista, Evelyn (Michelle Yeoh, favorita ao Oscar 2023 de Melhor Atriz), é uma mulher que se depara com a confusão e o turbilhão de sua vida real, ao mesmo tempo em que se depara com a oportunidade de se aventurar por inúmeros multiversos, onde ela demonstra ter habilidades/conhecimentos completamente diversos do que ela acredita possuir.
Neste sentido, estamos diante de uma dicotomia. Se, no mundo real, Evelyn tem uma vida rotineira, chata, sem emoção; um casamento em crise; uma relação complicada com a filha; um pai doente… No multiverso, ela está sempre envolta de muita adrenalina, ação e se vendo no epicentro de algo que pode ser muito importante, não só para ela, como também para as pessoas que a rodeiam.
Evelyn se vê diante dessas múltiplas realidades por uma simples razão: o desejo que está latente, em cada uma das motivações das personagens de “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”, de fazer com que as coisas voltem a ser como antes. Porém, o que significa isso diante de tudo com o que Evelyn se depara? Se você pudesse transformar a sua vida, você faria isso num piscar de olhos?
Na essência, esta é uma mensagem bonita. Porém, “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” dilui a sua narrativa numa tentativa de fazer um filme cheio de camadas pop, para uma plateia ávida pelas experiências marcadas pelos eventos fantásticos. É um filme que traz uma roupagem moderna para uma temática tradicional de conciliação e de amor. Pode funcionar para muita gente, mas, comigo, não teve tanto apelo assim…
Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades
3.3 83“Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades”, filme dirigido e co-escrito por Alejandro G. Iñarritu, está centrado na figura de Silverio Gama (Daniel Giménez Cacho), jornalista, documentarista e artista de renome. Mexicano de origem, porém residente nos Estados Unidos, devido à sua carreira, Silverio acaba fazendo uma reflexão sobre si mesmo, sua identidade, suas relações, suas memórias, os caminhos que ele percorreu e o seu futuro, a partir do momento em que é agraciado com um prêmio muito importante.
“A vida é uma série de eventos sem sentido”. Essa frase de “Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades” é bem representativa do que iremos assistir. A jornada de Silverio tem momentos oníricos, ao mesmo tempo em que tem instantes mais realistas, nos quais a personagem se conecta com seus entes mais próximos. Silverio é o bardo, em seu sentido mais literal: confusão, desordem, problema.
“Bardo, Falsas Crônicas de Algumas Verdades” é o tipo de filme que só um cineasta como Iñarritu poderia fazer. Ele está em um estágio da sua carreira em que pode se dar ao luxo de ousar e de experimentar. O jogo interessante aqui é que podemos enxergar alguns paralelos entre o próprio Iñarritu e Silverio Gama. Seria a personagem o seu alter ego? O filme seria uma forma de Iñarritu refletir sobre o seu cinema e sua própria trajetória? Uma pena que pouco faz sentido neste seu filme - propositalmente, ou não.
Aftersun
4.1 711“Aftersun”, filme dirigido e escrito por Charlotte Wells, é um daqueles longas que nos deixam com mais perguntas do que respostas. Mais dúvidas do que certezas. A história que a obra nos relata se passa durante uma viagem de férias entre pai e filha, na véspera do aniversário de 31 anos dele, num resort em reforma, na Turquia.
Algumas pistas estão bem claras para nós. A relação entre Calum (Paul Mescal, indicado ao Oscar 2023 de Melhor Ator), o pai; e Sophie (Frankie Corio), a filha, é distante. Embora ele seja amoroso e aberto ao diálogo, existe uma barreira - emocional e física - entre eles. Não sabemos até que ponto as circunstâncias da vida influenciam nisso, uma vez que Calum é alguém sem estabilidade (econômica, profissional); e Sophie, com sua percepção e natureza observadora, questiona o pai, à sua maneira, sobre seus planos e anseios.
Desta forma, “Aftersun” é um filme que tenta (re)construir essa relação, pelo olhar adulto de Sophie (Celia Rowlson-Hall), ela própria também nas vésperas de seu aniversário. Enquanto ela revisita as suas lembranças (escolhas estéticas como as de cenas gravadas em uma câmera caseira reforçam esta intenção), a imagem que ela tem de Calum vai também se desenhando para nós.
“Aftersun” é um drama intimista e tem uma narrativa que vai crescendo à medida que o filme se desenvolve. As lacunas presentes na trama funcionam bem com o propósito final da obra. É um filme sobre uma filha em busca do seu pai, da figura que ela se recorda (e que pode - ou não - corresponder à realidade), do homem que ele foi. É quase como se ela, ao buscar Calum, quisesse encontrar a si própria. Se ela conseguiu isso? É mais um espaço em branco que “Aftersun” nos obriga a tentar preencher.
Navalny
3.5 54 Assista AgoraO advogado Alexei Navalny se consolidou, nos últimos anos, como o grande líder da oposição russa, coordenando protestos contra o governo de Vladimir Putin, ao mesmo tempo em que concorre a cargos eletivos tendo como mote de campanha a promoção de reformas anticorrupção.
É ele o objeto de estudo do documentário “Navalny”, dirigido por Daniel Rohrer. O filme faz o retrato da ascensão de Navalny como voz da oposição e símbolo da liberdade da Rússia, na medida em que enfoca também a tentativa de assassinato por envenenamento que ele sofreu, em agosto de 2020, e que fez com que ele deixasse a Rússia rumo à Alemanha, país onde ele fez a recuperação de sua saúde.
Foi na Alemanha que Navalny, com o auxílio de uma rede formada por integrantes de sua equipe e por jornalistas investigativos, conseguiu investigar a tentativa de assassinato que sofreu. O documentário cumpre seu ciclo narrativo mostrando o retorno de Navalny à Rússia, após a plena recuperação de sua saúde.
“Navalny” tem uma estrutura narrativa similar a um thriller político, com elementos de uma grande reportagem. Em termos jornalísticos, inclusive, o documentário deixa uma grande lição sobre a importância do uso das redes sociais para que Navalny pudesse impor a sua narrativa e se firmar como a figura principal a representar a resistência na Rússia - país que sofre, sucessivamente, com a instalação de governos totalitários.
Argentina, 1985
4.3 336O Processo de Reorganização Nacional foi como ficou conhecido o período de 1976 a 1983, na Argentina, momento em que uma ditadura civil-militar foi instaurada no país. Durante este intervalo de tempo, como em outras ditaduras, as Forças Armadas argentinas - neste caso representadas pelas Juntas Militares - foram protagonistas de repressão, violências, torturas, prisões injustificadas e de crimes por motivação política contra aqueles que eram desfavoráveis ao regime que eles representavam.
O filme “Argentina, 1985”, dirigido e co-escrito por Santiago Mitre, retrata o pós-Ditadura militar no país, quando, no governo de Raúl Alfonsín, ocorreu o chamado Julgamento das Juntas. Em meio a pressões políticas e militares, a equipe formada pelos promotores Julio Strassera (Ricardo Darín) e Luís Moreno Ocampo (Peter Lanzani) e seus auxiliares/investigadores buscaram um retorno ao respeito e à justiça, com o propósito de condenar aqueles que foram os líderes das Juntas Militares.
O Julgamento das Juntas é inédito - e importante - em muitos sentidos. Principalmente por ter sido a primeira vez que comandantes militares que ocuparam importantes posições de poder foram julgados por um tribunal civil pelos seus crimes. 17 semanas de julgamento, 530h de audiências, 850 testemunhas, 709 casos julgados e sentenciados e uma certeza: a de que “nunca mais” a Argentina aceitaria se submeter a algo desse tipo.
Já falamos inúmeras vezes por aqui sobre a importância do cinema como um meio de resgate e de entendimento da história do mundo em que vivemos. “Argentina, 1985” não só é um belo exemplar nesse sentido, como também é um filme que inspira e que reforça que é fundamental que conheçamos a nossa própria história de forma a podermos evitar que os erros do passado contaminem o nosso futuro. Em tempos em que a Democracia sofre constantes ataques, “Argentina, 1985” é um lembrete! Não nos esqueçamos, jamais!
Um Crime Americano
4.0 989 Assista AgoraBaseado em uma história real, “Um Crime Americano” deveria ter sido lançado nas salas de cinema, mas acabou encontrando seu nicho na televisão – meio aonde convenhamos, tal história se adequa melhor. O grande ponto positivo do trabalho de Tommy O’Haver é o contraste que se vê entre as excelentes performances de Ellen Page e de Catherine Keener (a qual foi indicada ao Emmy e ao Globo de Ouro pela atuação no longa). Enquanto esta tem uma insanidade que assusta de tão natural que é, aquela é o poço de serenidade e de divindade – mesmo com tudo que sua personagem está passando.
Amsterdã
3.0 158No filme dirigido e escrito por David O. Russell, a cidade de Amsterdã significa para o trio formado por Burt Berendsen (Christian Bale), Harold Woodman (John David Washington) e Valerie Voze (Margot Robbie) as lembranças de momentos felizes em que a amizade dos três foi forjada. Principalmente quando consideramos o fato do encontro entre eles ter vindo após a participação dos dois primeiros em uma grande guerra mundial e da terceira também como enfermeira que auxiliava a cuidar dos soldados feridos em conflito.
Apesar disso, “Amsterdã” não tem foco na relação de amizade estabelecida entre eles, e sim na investigação do assassinato do General Bill Meekins (Ed Begley Jr.), um herói de guerra. Tentando salvar as suas próprias peles, na medida em que se tornam suspeitos do crime, Burt e Harold acabam desvendando uma trama maior, que envolve uma conspiração política que pode ameaçar a forte democracia que são os Estados Unidos da América.
Por isso mesmo, quando do fim de “Amsterdã” fica a sensação de uma grande oportunidade perdida por parte de David O. Russell. Seu filme tem um tema importantíssimo e atual: a ameaça da extrema direita, com seus arroubos totalitaristas e anti-democráticos, ao redor do mundo. Porém, esta temática é mal trabalhada por um roteiro que se divide em tantos focos, sem nunca aprofundar cada um deles a contento.
Desencantada
2.8 177 Assista AgoraQuando nos deparamos com histórias de contos de fadas, a trajetória das personagens termina a partir do momento em que o “felizes para sempre” acontece. “Desencantada”, filme dirigido por Adam Shankman, se dedica ao relato do que ocorre após o “felizes para sempre” se desenrolar.
Antes de iniciar a crítica propriamente dita da continuação, queria relembrar o que, na minha opinião, era o elemento mais bacana de “Encantada”: o contraste entre a figura de uma princesa de conto de fadas (representada por Giselle) e o mundo real, a nossa realidade nua e crua, com valores completamente diferentes do que ela conhecia no reino de Andalasia.
O caráter genuíno de Giselle (Amy Adams), e sua inocência diante um tipo de maldade e de características que lhe eram novas, é que acabam chamando a atenção de Robert (Patrick Dempsey) e sua filha Morgan (Rachel Covey).
10 anos após os acontecimentos de “Encantada”, a Giselle que encontramos, em “Desencantada”, questiona a realidade que ela vive, o seu final feliz; e se pergunta constantemente onde ela errou. E é movida pelo desejo do reencontro com aquilo que ela entende por felicidade que a trama do filme se delineia.
No fim, “Desencantada” não tem o mesmo frescor que “Encantada” nos trouxe. O filme se assume como uma grande caricatura. Tem exagero (neste sentido, Maya Rudolph se encaixou muito bem na trama), tem os elementos clássicos das histórias da Disney e nos deixa com a sensação de que a continuação vem no timing errado, longe do momento mais propício, em que o sucesso do primeiro longa era mais próximo.
Passagem
3.3 114 Assista AgoraO que é casa para você? Na maior parte das vezes, é o local que nos transmite segurança, paz e conforto. Eu disse que, “na maior parte das vezes”, porque, nem sempre, a palavra casa tem esse significado. O filme “Passagem”, dirigido por Lila Neugebauer, retrata uma situação em que o retorno para casa é envolvido por sentimentos conflitantes.
Lynsey (Jennifer Lawrence) é uma militar do exército norte-americano, recém-chegada do Afeganistão. Boa parte de “Passagem” é dedicada à sua adaptação a uma nova vida, na medida em que o motivo por trás da volta dela está relacionado à questões de saúde (Lynsey sofreu uma lesão cerebral).
Não bastasse isso, o retorno de Lynsey à sua cidade natal também está permeado pela realidade que ela deixou: uma família desintegrada e uma rotina marcada pela solidão e pelo silêncio.
“Passagem”, portanto, tem como centro uma personagem repleta de conflitos internos, em busca do reencontro consigo mesma (ou com a versão de si mesma que ela criou) e que encontra na relação que estabelece com James (Brian Tyree Henry) - um personagem tão problemático quanto ela - um pouco de solidez nesse árduo caminho da recuperação.
“Passagem” é um daqueles dramas intimistas e de ritmo lento, que segue o desenvolvimento de suas personagens e que encontra nas atuações de Lawrence e Henry o seu ponto mais positivo. São eles que nos fazem seguir em frente num filme que chama a atenção pela sua frieza emocional.
Casseta e Planeta: Seus Problemas Acabaram!!!
1.9 65Apesar de trabalhar com elementos e pessoas que são familiares ao universo do grupo Casseta e Planeta, o filme ainda sofre com os mesmos problemas vistos em “Casseta e Planeta – A Taça do Mundo é Nossa”. O roteiro de “Casseta e Planeta – Seus Problemas Acabaram!!!” é fraco e as piadas são extremamente sem graça. As únicas coisas que podemos tirar de proveito do filme são as performances de Murilo Benício e Maria Paula. Conhecido por ser uma personalidade chata, Benício surpreende ao aceitar tirar um sarro de si mesmo e se colocar em um papel ridículo. Só ele encarou “Casseta e Planeta – Seus Problemas Acabaram!!!” da maneira como ele deveria ser visto: como uma obra descompromissada e nada séria.
Ligeiramente Grávidos
3.0 553 Assista AgoraQuando a gente faz essa análise da trama de “Ligeiramente Grávidos” fica difícil de acreditar que o filme é uma comédia romântica. Mas, é isso mesmo. Judd Apatow faz uma comédia, com pitadas de drama e de romance, que trata de temas como responsabilidade, companheirismo e comprometimento com uma sensibilidade incrível. “Ligeiramente Grávidos” é um filme sobre amadurecimento. Há quem diga que as melhores comédias são as feitas pela turma de Ben Stiller, Owen Wilson, Will Ferrell, John C. Reilly, Vince Vaughn, entre outros. No entanto, como “O Virgem de 40 Anos”, “Ligeiramente Grávidos” e “Superbad – É Hoje” (o filme mais lucrativo do gênero, em 2007) mostram, a verdadeira – e boa – comédia vêm do talentoso grupo de Judd Apatow.
Inimigos Públicos
3.6 1,1K Assista AgoraTais histórias se cruzam em um filme cujo roteiro preza muito pela intenção de ser justo com os dois lados dessa moeda. Concorde ou não com alguns de seus atos, John Dillinger tinha a sua ética e Melvin Purvis era um homem movido pela vontade de fazer jus à tarefa, à liberdade e aos recursos que lhe foram confiados. Um material como esse encontrou em Michael Mann as mãos perfeitas para ganhar vida. O diretor realiza um filme vibrante e de alta qualidade técnica – apesar de ele não ser tão brilhante quanto prometia ser.
A Conferência
3.5 21 Assista Agora“A Conferência” a qual o título do filme dirigido por Matti Geschonneck se refere é a Conferência de Wannsee, que aconteceu em 20 de janeiro de 1942, reunindo representantes do alto escalão do regime nazista alemão. A importância histórica desse encontro diz respeito ao que nele foi discutido: o que os participantes chamaram de “Solução Final para a Questão Judaica”, ou seja, a sistematização do método que levaria ao assassinato de 6 milhões de judeus pelo regime.
Por se tratar de um filme que retrata uma reunião, um elemento é óbvio em “A Conferência”: a verborragia do roteiro escrito por Magnus Vattrodt e Paul Mommertz. São muitos - e longos - diálogos. Conversas cruéis. Pior: em meio a pausas para um lanche/cafezinho. Nem parece que os participantes estavam discutindo um tema tão macabro e vergonhoso, tamanha a frieza e calculismo.
Analisando, agora, “A Conferência” como o produto cinematográfico que é, é justamente a verborragia do seu roteiro que transforma esta em uma experiência extremamente cansativa, que suga as nossas energias e que se exime de uma análise crítica mais profunda sobre um evento histórico de proporções terríveis para a história da humanidade.
Palmer
4.1 205Assistir a “Palmer”, filme dirigido pelo ator Fisher Stevens, é ter a certeza de que o sistema é cruel. É impiedoso com alguém como Eddie Palmer (Justin Timberlake), que busca a ressocialização após cumprir sua pena. É atroz com alguém como Sam (Ryder Allen), um menino filho de uma viciada em drogas (Juno Temple) e com trejeitos afeminados.
Esse encontro improvável é a força motriz por trás do filme. Somente alguém necessitando de uma segunda chance como Palmer para poder enxergar em Sam, alguém também em necessidade de um recomeço, algo que dará sentido ao seu retorno à vida em sociedade. Ao solidificarem juntos um relacionamento familiar, os dois não sabem, mas estão se ajudando e se fortalecendo mutuamente para os desafios de uma vida difícil para pessoas como eles.
“Palmer” é um drama familiar e, mesmo com uma trama facilmente previsível, é um daqueles filmes que nos conquistam, principalmente por trazer, em si, um frescor que é raro no cinema atual. Me senti abraçada por essa história e por seu otimismo, mesmo diante da realidade complexa que ela detalha.