O diretor Denis Villeneuve encerrou a década passada como um dos grandes nomes da Ficção Científica por causa de dois filmes: A chegada e Blade Runner 2049. Embora tenha construído sua trajetória com filmes variando temas, da tragédia escolar de Polytechnique, passando pelo policial em Os suspeitos e Sicario – Terra de ninguém, ou pela psicologia em O homem duplicado, ele conseguiu mesclar seu estilo à fantasia e ao futurismo.
Na virada de década, não por acaso seu nome se associa novamente a um universo fantástico, desta vez baseado no fascinante romance de Frank Herbert. Depois da versão de 1984 de David Lynch, houve algumas tentativas para levar novamente os personagens de Herbert à grande tela, mas sem efetivo sucesso. Desta vez, no entanto, com o apoio da Warner, Villeneuve foi chamado para movimentar um projeto que é arriscado em todos os pontos.
Cheguei ao romance por meio do filme de David Lynch e é comum se dizer que este não conseguiu explicar direito o romance de Herbert por meio de seu roteiro. Trata-se de uma injustiça, que é confirmada pela tentativa de Villeneuve facilitar para o grande público, nunca tentando inserir muito os nomes mais herméticos do universo do livro.
A história se passa em 10.191 e começa mostrando Paul Atreides (Timothée Chalamet), no planeta Caladan, tomado de mares, que se prepara para ir com sua família para o planeta desértico de Arrakis, do qual os Harkonnen, inimigos de sua família, foram expulsos pelo Imperador Shaddam IV, aqui invisível. Paul vem tendo sonhos com os fremen, habitantes de Arrakis, principalmente com uma moça, Chani (Zendaya). O pai de Paul, Duque Leto Atreides (Oscar Isaac), possui um anel de poder cobiçado, e Lady Jessica (Rebecca Ferguson), sua mulher, é da linhagem de sacerdotistas Bene Gesserit, que tenta impedir a chegada de um messias a Arrakis, querendo sempre resguardar uma magia estranha. Gaius Helen Mohiam (Charlote Rampling), que serve ao Imperador, lembra que Jessica não podia ter gerado um filho, pois ele pode ser o Kwisatz Haderach, aquele que pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ao lado de Paul, estão Gurney Halleck (Josh Brolin), Wellington Yueh (Chang Chen) e Thufir Hawat (Stephen Henderson).
O vilão é o Barão Vladimir Harkonnen (Stellan Skarsgård), que tem Rabban (Dave Bautista) a seu lado e outros ajudantes estranhos, como Piter de Vries (David Dastmalchian), todos interessados na especiaria existente em Arrakis, que ajuda na locomoção das naves no espaço e pode representar o domínio do universo. Comenta-se que o filme de Lynch nos anos 80 era confuso por já começar explicando o que aconteceria dali em diante, o que trouxe ao filme uma aura de inadaptável (o que já acontecera com a versão sonhada de Alejandro Jodorowsky). Cria-se o movimento de que entende mais o filme quem leu o livro, o que não confere nas versões para o cinema – ambos até didáticos. O curioso é que o Duna original é mais interessante, mesmo com sua exposição. A nova versão, desde o início, faz uma exposição, mas mais por meio de imagens, procurando se desvencilhar do texto de Herbert, como já referido, em termos de nomes – como na entrega que faz desde o início dos fremen, sem desenvolver nenhum tipo de mistério. É evidente que Villeneuve viu o filme de Lynch várias vezes e extraiu boa parte da visão que Lynch trouxe desses personagens, fazendo até uma referência inicial aos “sonhos”. Nesse sentido, é um pouco decepcionante que um dos roteiristas seja Eric Roth, que fez um trabalho tão apurado no desenvolvimento de personagens em Forrest Gump e O curioso caso de Benjamin Button. Ainda assim, a maneira como consegue sintetizar uma trama complexa tem seus méritos, antes de tudo porque Villeneuve sempre consegue traduzir palavras por meio de imagens de maneira muito conveniente e particular nos seus tons. Apenas se lamenta que ele conte até a metade do primeiro romance deste universo de Herbert, quando poderia ter contado mais (ou talvez por cause de decisões que fugiram a seu controle). Com isso, ele aplica seu estilo lento e minucioso em muitas passagens, o que, como em suas outras obras, tem eficácia surpreendente.
Villeneuve tem a necessidade, em sua versão, o que funciona porque dá uma noção de continuidade de sua obra, num escopo mais abrangente, de imprimir imagens que remetam a Blade Runner 2049, principalmente, com o uso de maquetes, quando os Atreides estão chegando a Arrakis, lembrando também a entrada dos policiais no México em Sicario. Ao mesmo tempo, quando surge uma nave gigantesca saindo do fundo do oceano de Caladan, remete imediatamente ao seu filme A chegada, assim como aquela nave que aterrissa antes do aviso aos Atreides de que eles irão para Arrakis. E, em determinado momento, surge uma aranha que remete a O homem duplicado.
Como o filme de Lynch, o de Villeneuve quase não há ação ou humor – costuma-se comparar O senhor dos anéis com Duna, porém são, afora o universo mitológico, muito distintos, cada um possuindo qualidades específicas –, embora tragam diálogos sobre intrigas de poder e política. O livro tem até um viés ecológico e religioso, que é evitado por Lynch e agora por Villeneuve.
Já alguns personagens têm suas características acentuadas, como o do próprio Barão, que no livro não parece ter toda a perversidade imaginada por Lynch e Villeneuve. No Duna atual, o ator Stellan Skarsgård tem uma grande atuação, mas quase sem nenhum roteiro à mão para trabalhar. E Villeneuve utiliza bem Jason Momoa como Duncan Idaho, personagem que pouco aparecia no filme de Lynch. Ele serve como uma ponte de Paul Atreides com o universo adulto e seu bom humor funciona como um elemento humano numa história mais densa. Ao lado dele, também é um destaque Sharon Duncan-Brewster como a Dra. Liet-Kynes, com uma presença vibrante.
É interessante, aliás, como Villeneuve faz uma ficção científica por meio quase apenas de imagens, remetendo, no início, a Tarkovsky, de Solaris, sendo sob certo aspecto até experimental. No entanto, sua maior influência é, sem dúvida, o estilo adotado por Zack Snyder desde Batman vs Superman, e incrivelmente os Atreides têm muitos elementos dos Wayne de Snyder, com um certo tom soturno familiar. A caminhada que Paul e Duque Leto fazem numa colina à beira-mar lembra muito o Wayne de Affleck caminhando ao redor da mansão. Também a estética das naves remete ao que Snyder apresenta principalmente em sua versão finalizada de Liga da Justiça. Em termos de design de produção e figurinos, o filme não tem a inventividade do filme de Lynch, lembrando um pouco, em termos de iluminação, os filmes mais soturnos da saga Harry Potter, mas compensa com efeitos visuais notáveis e uma boa noção de naves espaciais inovadoras. Visualmente, porém, é monocromático, desértico mesmo, fazendo às vezes ecoar um A hora mais escura, de Kathryn Bigelow, sobretudo com a analogia entre Arrakis e um país do oriente médio, sendo que o diretor de fotografia Greig Fraser é o mesmo. E, se a versão dos anos 80 tinha a trilha de Toto, aqui Villeneuve conta com a de Hans Zimmer, com acordes que remetem à de Alexandre Desplat, igualmente do filme de Bigelow.
O novo Duna, como o antigo, é em grande parte fascinante, com um estilo europeu muito bem dosado numa plataforma blockbuster. É assim mesmo onde é falho: nos diálogos dispersos e reduzidos, no pouco desenvolvimento de qualquer personagem, nas atuações competentes, no entanto com raros diálogos, como as de Isaac, Brolin e Ferguson. Chalamet continua se mostrando em parte uma incógnita, embora se revele carismático, depois de se mostrar um ator incrível em Querido menino. Ele não é exatamente verossímil num filme de ação, como já havia se mostrado em O rei, mas o roteiro também não o ajuda. Ainda assim, os 155 minutos de Duna passam voando, criando uma estranha sensação de material que poderia ser melhor aproveitado e, ao mesmo tempo, encanta com a condução de Villeneuve, diretor de raro talento. A própria maneira como ele filma os vermes gigantes de Arrakis, com um senso de realismo, mostra essa percepção. Nesse sentido, pela expectativa criada, Duna talvez não corresponda a tudo que se esperava dele. Mesmo assim, é um dos grandes filmes lançados este ano, e isso conta muito.
Este novo filme de Céline Sciamma, que em 2019 entregou uma obra-prima, "Retrato de uma jovem em chamas", parece retomar algumas características do seu ótimo "Tomboy", de 2012. Aqui, ele mostra Nelly (Joséphine Sanz), uma menina que acabou de perder sua avó materna. Ela acompanha os pais até a casa de infância da mãe (Nina Meurisse). Depois de a mãe desaparecer, Nelly fica com o pai (Stéphane Varupenne) e faz amizade com uma vizinha, Marion (Gabrielle Sanz), que parece guardar um segredo.
Sciamma desenvolve o tema de forma sintética e sensível, com uma fotografia excepcional de Claire Mathon, o mesmo de "Retrato de uma jovem...", fazendo com que a casa na qual transcorre boa parte da história se sinta um espaço lúdico, capaz de ser outro personagem. A floresta que fica ao lado da casa é, ao mesmo tempo, um lugar para brincar e de encontro da menina consigo mesma e com o afeto de sua mãe.
Sciamma nos anos 2000 fez o ótimo "Lírios-d'água", naquela vez retratando a entrada na adolescência, capturando certa música eletrônica daquela época; aqui ela basicamente usa o silêncio para, ao final, trazer uma batida musical de descoberta para essas meninas. Essa música ganha muita intensidade porque, de modo geral, a narrativa é feita de momentos silenciosos e mesmo poéticos, com pouquíssimos diálogos, mas um grande vínculo entre os personagens e as paisagens das quais fazem parte.
O diretor Pablo Larraín lançou há alguns anos o interessante "Jackie", sobre a esposa de JFK, com uma atuação impecável de Natalie Portman. Desta vez, ele volta seu olhar para a Princesa Diana, interpretada por Kristen Stewart, cujo nome de nascimento é Diana Frances Spencer. A história se passa no final de 1992, no período em que começou a se separar do príncipe Charles (Jack Farthing), cuja amante é Camilla Parker Bowles (Emma Darwall-Smith).
Larraín consegue extrair uma grande atuação de Stewart, lembrada de forma justa pelo Oscar. Ele já começa mostrando ela perdida na área de Norfolk, em uma área rural, onde Diana descobre um espantalho da casa de sua infância.
Larraín mostra a proximidade dela com os filhos, William (Jack Nielen) e Harry (Freddie Spry), e sua angústia com a vigia do major Alistar Gregory (Timothy Spall). Tudo acontece num ambiente claustrofóbico, lembrando por vezes um filme de suspense ou terror, quando Diana caminha desabalada nos corredores da mansão inglesa como se pudesse se deparar com Jack Torrance de "O iluminado", o que cresce com a trilha sonora impecável de Jonny Greenwood. A iluminação da fotografia de Claire Mathon para as cenas é de uma riqueza exuberante, tanto nas cenas internas quanto nas externas, em campos esverdeados ou uma praia sob um céu azul.
Ao elaborar uma narrativa baseada num bom roteiro de Steven Knight de maneira elegante, Larraín conduz os personagens a lugares inesperados, começando com Diana em situações nas quais transparece sua infelicidade, o que é registrado pelo desempenho com nuances de Stewart, atenuada pela alegria com os filhos e a amizade com a empregada e amiga Maggie (Sally Hawkins). Em muitos momentos, os figurinos usados lembram os de "Jackie", assim como certa influência de Malick em sequências que têm Diana com sentimento desamparado, caminhando sem um rumo definido. É uma obra autêntica, sobre os fantasmas de uma mulher que estava sempre sendo vigiada, mas que tentava nunca esquecer sua origem em meio a uma certa grandiosidade familiar.
"King Richard - Criando campeãs", é um filme que se mantém pelas boas atuações, sobretudo de Will Smith, e pelo otimismo saudável na narrativa, mostrando uma história que enaltece o talento, o esforço e a superação. A história do pai Richard, interpretado por Smith, que tenta transformar as filhas Venus e Serena Williams em grandes tenistas, tem momentos propícios para as indicações ao Oscar que recebeu, inclusive de melhor filme. Jon Bernthal, como o treinador no segundo ato do filme, também se destaca, depois de sua ótima participação em "O lobo de Wall Street". Há um encadeamento de situações que parece, por vezes, um pouco forçado, no que diz respeito a cláusulas de contratos, por exemplo (o que, por outro lado, traz uma boa cena no ato final, que remete a "Jerry Maguire", mas sob outro ângulo), no entanto o diretor Reinaldo Marcus Green torna tudo muito fluido e obtém o interesse do espectador. A maneira como ele filma os treinamentos é exitosa, obtendo emoção de cenas cotidianas e colocando Richard como aquele que aposta na dedicação para que o objetivo seja alcançado.
Depois de Batman vs Superman e Liga da Justiça, ambos de Zack Snyder, um dos filmes que continuariam o universo estendido da DC seria The Batman, dirigido e atuado por Ben Affleck. No entanto, o ator teve problemas pessoais e a recepção crítica em geral aos projetos de Snyder acabou por afastá-lo da DC, embora tenha havido outras explicações. Para substituí-lo, a Warner apostou em Matt Reeves, que havia feito o segundo e terceiro filmes da franquia Planeta dos macacos.
Sem pertencer ao universo compartilhado da DC, Batman é um filme capaz de entregar uma nova visão narrativa sobre o personagem. Desde o início, mostrando uma narração do próprio super-herói e um clima de investigação, cerca de dois anos depois de ele aparecer como justiceiro, Reeves tenta trabalhar o personagem sob um ângulo distinto, em situações mais parecidas com as de um filme de suspense ou policial, com fotografia excepcional de Greig Fraser, de Rogue One e Duna, e grande atmosfera em geral. O Batman de Reeves, com sua faceta de detetive e seus diários, lembra muito o Rorschach de Watchmen – O filme, também de Snyder, movendo-se lentamente numa Gotham City sempre dominada pela criminalidade e sujeira nas ruas. Reeves emprega nela uma atmosfera noir, ao mesmo tempo com certa invasão da tecnologia – elementos que funcionam em conjunto sem soar forçado.
Em nenhum momento ele emprega aquela Gotham City mais clara de Nolan, principalmente em O cavaleiro das trevas, com suas sequências de assaltos a bancos em plena luz do dia, mas vai buscar inspiração na história em quadrinhos O longo dia as bruxas. O fato de o homem-morcego buscar o Charada (Paul Dano), que vem causando problemas na cidade, traz um roteiro com várias homenagens a Seven – uma vez ou outra incômoda, pois menos orgânica – e mesmo a Hammett, de Wim Wenders, dos anos 80. Essa caçada, que começa já sob uma chuva pesada, envolvendo o prefeito Don Mitchell Jr. (Rupert Penry-Jones), o leva a outros personagens, como Carmine Falcone (John Turturro), Pinguim (Colin Farrell), Gil Colson (Peter Sarsgaard), mas, principalmente, a Selina Kyle (Zoë Kravitz). As ações de Batman são mais próximas do Comissário Gordon (Jeffrey Wright), atuando quase como um detetive, coletando pistas de maneira atenta numa Gotham em que policiais e políticos estão envolvidos em grande corrupção.
Robert Pattinson é, sem dúvida, o ator que encarna Batman por mais tempo num filme, outro traço original de Reeves, fazendo a persona de Bruce Wayne quase desaparecer por trás da máscara. Affleck é o Batman mais parecido com as HQs, Pattinson o que melhor atua com o olhar. Em momentos como Wayne, ele não funciona como poderia (e em Cosmópolis fazia uma espécie de milionário perturbado com talento e até bom humor), também um pouco prejudicado pela maquiagem que remete a Lisbeth de Millennium – Os homens que não amavam as mulheres, o que desvia um pouco o foco do personagem. De qualquer modo, sua interação (breve, é verdade) com Alfred funciona, com boa atuação de Andy Serkis, que se mostra aqui melhor do que em outros momentos, extremamente concentrado, sobretudo numa sequência na qual está numa situação delicada.
Batman tem uma trilha sonora impactante de Michael Giacchino, embora a melodia principal lembre o tema do Darth Vader de Star Wars, e o design de produção remete a algumas obras de David Fincher, não apenas Seven e Millennium, mas Zodíaco, Clube da luta e Garota exemplar em especial (numa cena em que Batman encontra um grupo de desabrigados e junkies numa construção abandonada). Se fizesse parte do universo compartilhado da DC, Batman, de Matt Reeves, estaria ao lado das obras de Snyder, no qual vai buscar referências visuais por todos os lados. Tem traços do Coringa de Todd Phillips também, sobretudo no uso de efeitos sonoros no metrô. E, claro, de Nolan, sobretudo no tratamento visual de determinados trechos, como aqueles passados na delegacia e no Asilo Arkham. Ademais, pode-se dizer que numa batida de Batman em um clube noturno tem muito o clima do RoboCop de Paul Verhoeven, assim como a maneira que ele observa uma festa por meio de Selina Kyle.
Do mesmo modo, há elementos de terror que Reeves trabalhou em sua versão de Deixe-me entrar, com sua riqueza visual. Existe uma tentativa de tornar o super-herói mais presente de modo realista nos cenários, já a partir do início, quando se encontra com Gordon e policiais na cena de um crime a ser investigado, e nos equipamentos que ele usa, como uma moto e um carro que parecem resultado de um trabalho apurado na caverna onde se esconde com certo estilo underground. Em igual sintonia, as lutas soam verdadeiras. A maneira como Reeves filma sua entrada em cena remete a alguém humano com os demais presentes. A sua direção é segura, recuperando alguns traços de Nolan igualmente nos movimentos de câmera, mas com uma elegância que remete principalmente a Ridley Scott e um de seus alunos no cinema contemporâneo, Denis Villeneuve. O uso que faz de cores, como o céu alaranjado ou o vermelho de uma tocha que Batman acende em determinado momento, acompanhado do design de abajures em vários cenários, é notável. Os cenários chuvosos antecipam um clima fúnebre, que revela o estado deste Bruce Wayne mais introspectivo. Há, com isso, uma sequência numa catedral que remete à série O poderoso chefão em todos os detalhes, principalmente de iluminação, e a descoberta de Bruce de um detalhe familiar o leva a pensar se estaria sempre vivendo numa família de aparências, temática própria da trilogia de Coppola. Falcone e Pinguim intensificam uma atmosfera de obra sobre a máfia.
O que mais surpreende em Batman, no entanto, é como Reeves fez um longa de quase três horas de duração com poucas cenas de ação, uma característica já de sua obra-prima Planeta dos macacos – A guerra, o que não tira o entusiasmo do espectador em acompanhar uma linha de investigação elaborada e funcional, apesar de alguns dos diálogos escritos pelo diretor com Peter Craig tragam pouco desenvolvimento em alguns trechos, como num determinado encontro entre Wayne e Alfred, cuja psicologia não consegue ser a mais adequada, prendendo-se a conceitos como o de “medo”, já explorado devidamente por Nolan em sua trilogia. Em determinadas cenas com concentração em diálogos, parece mais um filme de Paul Thomas Anderson, nos moldes de um O mestre, do que um filme de super-heróis, com certo impacto nos closes. Não por acaso, Reeves inclui Dano, que estava em Sangue negro, para jogar contra Batman, indo na linha totalmente contrária daquela adotada por Jim Carrey para o Charada em Batman eternamente. Os encontros de Batman e Selina possuem também uma disposição interessante de argumentos, fazendo uma aproximação entre os personagens que era bem trabalhada nas versões de Burton e Nolan, mas encontra aqui um elemento de sensibilidade e se liga à infância de ambos os personagens talvez mais instigante. E é difícil saber quem atua melhor no filme, todos em ótimo momento, e Farrell irreconhecível debaixo da maquiagem.
Se cada filme do Batman conta um pouco do seu tempo, o de Matt Reeves vai na linha de um personagem que busca investigar linhas que levem à verdade de um caso sem ultrapassar limites e com uma base melancólica que dialoga muito com a melodia pesarosa de “Something in the way”, a canção do Nirvana usada para abrir parte importante da narrativa, sem nenhum traço de humor que se via em versões anteriores, como as de Michael Keaton e Christian Bale, e mesmo na de Ben Affleck. Pattinson encarna muito bem um indivíduo que busca encontrar sua personalidade, mesclando certa loucura de O farol com um afastamento da realidade notado em Cosmópolis, assim como Kravitz. Há uma tentativa de mostrá-lo como um justiceiro que não foge à lei e como uma espécie de esperança para Gotham de modo mais enfático. É preciso, com isso, viver respeitando a memória dos mortos. Ao mesmo tempo, seu apego ao passado, pelo que aconteceu com seus pais, dialoga de forma eficiente com a vida de Selina, o que cresce com a atuação dedicada de Kravitz. A fotografia de Fraser captura este momento do personagem em toda a sua relevância. E Reeves consegue, mesmo apanhando várias referências de outros cineastas, elevar seu filme a uma obra de fato com marca própria.
Diretor que vem apresentando uma trajetória única no cinema desde 1996, quando estreou com Jogada de risco, Paul Thomas Anderson é um dos nomes mais inventivos de qualquer época e se torna muito interesse acompanhar sua obra sendo feita, aos poucos. Depois de Boogie Nights e Magnólia, filmes que apresentam microcosmos interessantes, sobre os filmes pornôs dos anos 70, e sobre caminhos de inúmeros personagens se cruzando, respectivamente, Anderson enveredou pela comédia romântica agridoce com Embriagado de amor. Os elementos deste filme (fotografia com luminosidade contemporânea de neons) ele não chegaria a apresentar em seus ótimos Sangue negro, O mestre, Vício inerente e Trama fantasma, mas ele de certo modo os recupera em Licorice Pizza.
Desde o início, quando Alana Kane (Alana Haim) recruta jovens para tirar fotos para o colégio, andando pelo corredor, Anderson tenta recriar algumas características de Embriagado de amor, mas desta vez localizando a história na Los Angeles dos anos 70, com uma aura de Loucuras de verão e de Era uma vez em… Hollywood, este talvez a sua maior influência recente. Desta vez adotando um tom mais despretensioso, do seu mestre Robert Altman, Anderson mostra a amizade entre Alana, que tem 25 anos, com um jovem de 15 anos, Gary Valentine (Cooper Hoffman). A distância de idade impede que ele possa namorá-la e, a partir disso, Anderson traça um retrato substancial de época, usando o orçamento para levar o espectador a uma viagem, com design de produção e figurino irretocáveis. Sem poder namorar, Alana se associa a ele como uma espécie de assessora em suas participações como ator e depois como vendedora num de seus negócios, e passa a sair com Lance (Skyler Gisondo, muito bem como sempre), parceiro de atuações de Gary.
Alana faz parte de uma família de origem judaica – e suas irmãs e pais são da família Haim, que realmente existe. No filme, eles formam a família Kane, mas, como Alana, suas irmãs são chamadas pelo prenome verdadeiro, Danielle e Este. Nesse sentido, Paul Thomas Anderson estende agora a parceria que tinha dirigindo os videoclipes da banda delas, Haim, para o cinema. Esses videoclipes possuem exatamente parte deste estilo setentista de Licorice Pizza e Anderson utiliza a fotografia que dirige ao lado de Michael Bauman e a trilha sonora de Jonny Greenwood para mostrar uma visão vibrante da cidade dos sonhos com a arte.
Se Gary é um jovem que inicia o filme querendo ser ator, participando de programas de TV e testes, com a mãe (Mary Elizabeth Ellis) como agente, Anderson mostra sutilmente como ele, aos poucos, vai deixando este sonho (a cena do teste em que ele está em meio a crianças assinala essa mudança) para ingressar em negócios mais cotidianos – e comprar a premissa de que o jovem é um talentoso negociador é necessário para não ver a trama como descartável, afinal, como o Barry de Embriagado de amor, feita por Sandler, este é um jovem fora do seu contexto real de mundo, o que se determina na sua amizade com o dono de restaurante Jerry Frick (John Michael Higgins). Ele mostra, mais uma vez, o interesse de Anderson em mostrar alguém que pretende ingressar no sistema, mas está sempre à margem. Já Alana é uma moça que não tem grandes sonhos e vê em Gary uma maneira de tentar ampliar sua perspectiva. Ela é vista pelo jovem como se fosse uma espécie de amor impossível, devido à distância da idade. E há uma sequência que parece determinar esta sensação, quando Gary está tentando vender uma linha de colchões e é confundido com um criminoso. A prisão que sofre, que lembra a do personagem de Phillip Seymour Hoffman em O mestre, se transforma, depois, num encontro com a liberdade, na corrida principalmente dos personagens por uma rua, como se os perigos da vida adulta fossem instantaneamente esquecidos e toda a alegria da juventude se consolidasse.
De certo modo, Anderson utiliza os dois personagens como símbolos de uma época. É claro que o cineasta sabe o que o espectador espera de um filme de jovens, algo na linha de Quase famosos, de Cameron Crowe, ou Jovens, loucos e rebeldes, de Richard Linklater, sem nenhum demérito para essas obras. No entanto, ele subverte esta expectativa, depois dos diálogos um pouco engessados e teatralizados no início, lançando mão de uma característica muito usada por Altman em seus filmes dos anos 70: uma aparente desconexão entre fatos e algumas conversas absurdas. Se em Vício inerente Anderson mostrou essa época de modo fascinante, em Licorice Pizza ele a apresenta de maneira até ingênua e nostálgica, mesmo nas participações de Sean Penn, Tom Waits e Bradley Cooper. Alguns personagens entram e saem de cena sem dizer muito a que vieram, no entanto, caso se preste mais atenção, a maior parte deles representa uma faceta de Hollywood, certa loucura mesclada com onirismo. A arte, para esses jovens, é tudo, e o que eles fazem no seu cotidiano é tentar alcançá-la, mesmo sem um objetivo claro para isso.
Anderson visualiza o período da Guerra do Vietnã como aquele de certa paranoia na convivência e uma certa estranheza nos motivos de “paz e amor” dos hippies ao revelar quase todos os homens, aqui, em busca de um relacionamento com uma mulher jovem, no caso Alana. O diretor, deste modo, reproduz parte dos conceitos de Vício inerente, mas desta vez com um encadeamento de histórias às vezes dispersas. Cada parte dialoga com filmes destacados dos anos 70. O trecho em que Penn e Waits aparecem remete bastante a Nashville, de Altman, enquanto a participação de Cooper lembra o clima de Shampoo, de Hal Ashby, com Warren Beatty (também presente na figura de Jon Peters, interpretado no filme por Bradley Cooper, em ótima participação), e o terceiro ato mostra Alana numa atmosfera capaz de evocar Taxi Driver, de Scorsese. Há, igualmente, alguns traços de Short Cuts, A longa noite e referências interessantes a Um violinista no telhado, sobretudo por meio da família judaica de Alana, além de, evidentemente, Era uma vez em… Hollywood, sobretudo nos ambientes noturnos e na captação de ruas, carros em movimento e cinemas de rua.
Anderson confirma novamente seu talento em filmar com um estilo rigoroso e, ao mesmo tempo, despretensioso, nos movimentos de câmera. Numa cena em que Gary liga para Alana e fica mudo, a câmera alterna entre ele e ela, bastante instável, como se reproduzisse a insegurança do que pode existir entre ambos. As atuações de Cooper (filho do grande Phillip Seymou Hoffman, que fez com Anderson quatro filmes) e de Alana são excepcionais, cada uma a seu modo. Na sequência em que Gary está num programa de TV, há uma atmosfera que remete tanto O mestre quanto a Trama fantasma, como se os personagens estivessem inseridos em molduras de época – no primeiro, quando Freddie fotografa seus clientes, no segundo quando o personagem de Day-Lewis tira fotos com mulheres e seus vestidos. Anderson também associa cores de figurinos ao que já havia mostrado principalmente no excepcional Vício inerente, mas também em Boogie nights. E, com o requinte visual que lhe é peculiar, pode-se dizer que, em termos de roteiro, ele parece cada vez mais voltado a um nicho pouco comercial de Hollywood. Não há mais diálogos longos como em Magnólia e Boogie nights, apenas fragmentos de personagens, de ações, deixando a critério do espectador amarrar tudo, seja qual for seu ponto de vista. E, ao contrário dos seus outros filmes, Licorice Pizza é mais solar, mais bem-humorado e sem pretensão a tratar de temas que se aproximam mais de um lado filosófico, como existia em O mestre e Sangue negro, embora ele tenha uma visão muito particular dos relacionamentos. É a prova de que Anderson é um dos maiores cineastas autorais em atividade no cinema, o que não é pouco
A Netflix tem lançado algumas obras ao final de cada ano com o intuito de colocá-las na corrida para o Oscar. Enquanto Não olhe para cima é a faceta polêmica desse recurso, Ataque dos cães, de Jane Campion, traz elementos mais de cinema underground. Do mesmo modo, parece estranha a mistura que ele apresenta. Seria um drama? Um faroeste intimista? Um suspense sobre a descoberta da sensualidade? Talvez ele seja uma mescla de tudo isso.
Lançado no Festival de Veneza, Ataque dos cães mostra os irmãos Burbank, Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), que vivem numa fazenda em Montana, criando gado. George se apaixona por uma viúva, que tem uma posada, Rose Gordon (Kirsten Dunst). Phil logo entra em embate com a possibilidade, implicando com o filho dela, Peter (Kodi Smit-McPhee), que possui características que ele considera afeminadas.
George e Rose se casam, contra a sua vontade, e a partir daí começa uma espécie de encontro entre pessoas radicalmente opostas. Phil julga que ela está interessada no dinheiro do irmão, além de ter problemas com o álcool. Para piorar, o filho dela vai morar com eles na fazenda. A princípio, bastante contrário, Phil começa a ter afeição pelo jovem, o que vai trazer o mote principal para a narrativa de Campion. A diretora de origem neozelandesa já fez um trabalho muito destacado nos anos 90, O piano, que deu o Oscar tanto à Holly Hunter como à pequena Anna Pequin como atriz coadjuvante. Ela possui um estilo muito hábil na construção de personagens. Ataque dos cães parece, a princípio, muito simples, mas a maneira como ela apresenta a narrativa oferece ao espectador traços complexos sobre como os indivíduos se mostram quando ameaçados ou se escondem quando são estranhos num determinado ambiente. Rose, tocando piano num encontro em que estão a mãe (Frances Conroy) dos irmãos Burbank e o governador (Keith Carradine), é um exemplo de conflito interno com a sua própria escolha. E a figura do “cão” do título original se mostra concreta ao longo de algumas situações apresentadas, em que personagens a princípios inocentes ou ingênuos se mostram estranhos.
Há um clima de suspense na ação dos personagens, principalmente de Phil e Peter, e quando ele recorda um antigo mestre dele, Bronco Henry, na arte de lidar com o gado parece que Campion o mostra como uma tradição perpetuada. É uma pena somente que Thomasin McKenzie, boa atriz, seja desperdiçada como Lola, uma ajudante da fazenda. Baseado em romance de Thomas Savage, o filme tem ótimas atuações, principalmente de Benedict Cumberbatch e Kodi Smit-McPhee, e consegue ser eficiente na maior parte do tempo. Por sua vez, Plemons e Dunst estão impecavelmente tímidos. A fotografia de Ari Wegner e a trilha entre a opressão e a beleza harmônica de Jonny Greenwood remetem a Paul Thomas Anderson, uma boa referência de Campion, e há uma certa grandeza no visual que também evoca O portal do paraíso, de Cimino. Quando Campion filma a fazenda, por exemplo, ela sempre procura uma extensão emocional com as montanhas ao fundo, o que acontecia no clássico de Cimino. Também quando mostra George e Rose indo para a fazenda numa estrada deserta e inalcançável. É uma espécie de faroeste mais íntimo nos moldes do que já fez Clint Eastwood em Os imperdoáveis, por exemplo.
Também existe um bom desenvolvimento de personagens, principalmente por meio de lacunas que nunca se preenchem ao longo da narrativa, passando exatamente o vazio existencial que a diretora pretende focar. Os personagens, mesmo Phil e suas botas com esporas se fazendo presentes no chão do ambiente da fazenda, parecem nunca estar à vontade em seus lugares, o que dá ao filme uma sensação contínua de deslocamento, o que se encontra plenamente realizado. O cowboy interpretado por Cumberbatch é a reunião simbólica de diversos temas: a tentativa de coordenar uma família, a busca pelo domínio em relação a outras figuras que passam a fazer parte de sua rotina e a sexualidade encoberta por atitudes que parecem opostas a ela. Ataque dos cães tem uma lentidão que se estabelece aos poucos como bastante impressionante, principalmente em seu surpreendente terceiro ato. É nele que Campion consegue eclodir o suspense que se desenvolve nos dois primeiros atos com uma habilidade ao mesmo tempo clássica e contemporânea, tornando seu filme uma peça complexa sobre os relacionamentos humanos.
O diretor Ridley Scott tem se mostrado, com 84 anos, um dos nomes mais profícuos da história do cinema. Em 2017, ele já havia lançado dois filmes, Alien: Covenant e Todo o dinheiro do mundo, além de ter sido produtor de Blade Runner 2049. Agora, em 2021, volta a mostrar um par de projetos, O último duelo e Casa Gucci, ambos praticamente com a mesma equipe principal. Ambos os filmes mostram como se trata de um cineasta multifacetado. Se O último duelo apresenta elementos de sua fascinação pela história, a exemplo de Gladiador, Cruzada e Robin Hood, Casa Gucci tem mais elementos de sua aproximação com a cultura italiana, o que já se mostrava em Hannibal e Todo o dinheiro do mundo.
O último duelo traz roteiro de Ben Affleck e Matt Damon, repetindo a parceria de Gênio indomável, com o acréscimo de Nicole Holofcener. A narrativa mostra dois cavaleiros amigos, Jean de Carrouges (Matt Damon) e o escudeiro Jacques Le Gris (Adam Driver), que servem ao conde Pierre d’Alençon (Ben Affleck, surpreendente), nomeado senhor supremo de Jean por seu primo, o rei Carlos VI, na França, por volta de 1386. Jacques, no entanto, comete um ato contra a mulher de Jean, Marguerite de Thibouville (Jodie Comer), o que vai acarretar o dilema moral da história, muito bem trabalhado sob determinados pontos de vista.
Scott extrai de Affleck e Damon duas atuações que estão entre as melhores dos dois – particularmente Damon tinha atuações precárias nos últimos anos. Do mesmo modo, Driver é muito enigmático, como o seu personagem requer, e Comer uma atriz excepcional na sua discrição. O filme tem uma história sob diferentes pontos de vista, o que remete a Rashomon, com grande qualidade nas suas intenções e apresenta um design de produção e figurino espetaculares, como era de se esperar num filme de Scott. Por meio desses olhares distintos, Scott estabelece sua tentativa de mostrar toda uma textura social de época e, apesar de conseguir na maior parte do tempo, há um certo excesso na duração, o que faz com que alguns momentos não se estabeleçam com tanta fluidez. Mesmo assim, os diálogos e a presença ambígua de Jacques e conde Pierre estabelecem uma segurança para a narrativa em todos os pontos desenvolvidos, assim como há uma visão crua desse embate dos homens.
Casa Gucci mostra a paixão de Maurizio Gucci (novamente Adam Driver) e Patrizia Reggiani (Lady Gaga). Ele é filho de Rodolfo (Jeremy Irons), responsável pela marca Gucci, ao lado do irmão Aldo (Al Pacino), e não quer ver o filho envolvido com uma mulher de outra classe social. No entanto, o filho gosta de Patrizia e decide se casar com ela. Com um toque de Todo o dinheiro do mundo nos cenários e nas situações, Ridley Scott traça um conflito familiar entre Maurizio e seu pai, e de Aldo com seu atrapalhado filho Paolo (Jared Leto). Driver emana bem um homem simples e que não quer se consagrar como o pai e Lady Gaga é efetivamente uma mulher ambiciosa, embora com toques de certa inocência e paixão irresolvível. A interação entre os dois é muito boa, assim como Irons é especial em conferir um toque de dramaticidade, e Pacino está num de seus melhores momentos. Mesmo o atacado Jared Leto, com uma excepcional maquiagem, atua de maneira que faz lembrar de certos filmes italianos dos anos 50 e 60, como Visconti e Fellini, com um personagem extremamente exagerado e que, estranhamente, pelo menos para mim, consegue ser a alma da obra, elevando as cenas em que aparece. É nesse sentido que Casa Gucci tem algo de Trapaça, de David O. Russell, com um exagero de época, mas é mais calibrado, por causa do roteiro acertado de Becky Johnston e Roberto Bentivegna, que não complica nem facilita demais a apresentação desse universo da moda.
Assim como O último duelo, Casa Gucci trabalha com personagens um pouco confusos e com dilemas morais a serem vividos. Se no primeiro Scott lança um tema existencial, de violação da inocência, em Casa Gucci ele trabalha com personagens que almejam o poder, no entanto não sabem bem o motivo nem como fazê-lo. Nesse sentido, Driver oferece nuances, assim como Gaga entrega falas de impacto e uma boa desenvoltura, embora não tão exitosa quanto a que mostrou em Nasce uma estrela. Scott consegue unir elenco e roteiro de modo que há um crescimento forte dessas figuras. A transformação de Maurizio é muito bem trabalhada, e seu envolvimento com Patrizia elaborado em minúcias, principalmente a partir da metade do filme, quando a relação entre eles é trabalhada de modo dúbio e eficiente e se insere outra personagem entre eles. A edição é ágil, com cenas compactas, tecendo uma espécie de miniépico nas relações entre esses personagens, remetendo a O siciliano, de Michael Cimino, e à trilogia dos Corleone de Coppola sobretudo em algumas paisagens e tons da espetacular fotografia de Dariusz Wolski, o mesmo de O último duelo. O filme também, pela trilha sonora, consegue uma atmosfera intensa de anos 70 e depois dos anos 80, remetendo, por vezes, a Wall Street, de Oliver Stone, sem nunca cansar em seus 158 minutos. É por isso um dos filmes mais subestimados de 2021, para mim superior a O último duelo e que continua mostrando o talento inesgotável de Scott em recriar seu estilo cinematográfico em cada detalhe, de verdadeiro amor ao cinema ainda baseado em imagens grandiosas, mesmo quando revela apenas a rotina de figuras que tentam se encontrar.
O mexicano Guillermo del Toro se mostrou capaz de se adequar ao que Hollywood espera de um diretor sem perder sua característica autoral. Desde seu início de trajetória, ele vem mostrando uma regularidade também no trato da fantasia num contexto capaz de dialogar com a história, como em O labirinto do fauno e no oscarizado A forma da água. No entanto, é A colina escarlate, um terror de origem gótica, que assinalou uma mudança na trajetória de Del Toro: a incorporação de um terror clássico no cenário mais popular de Hollywood.
Em O beco do pesadelo, nova versão de um filme de 1947 baseado no romance de William Lindsay Gresham, ele retoma elementos deste filme de 2015, mas com uma maturidade trazida por A forma da água. Passado nos anos 40, inicia acompanhando Stanton “Stan” Carlisle (Bradley Coooper), que, depois de incendiar sua casa com um corpo debaixo do assoalho, encontra um circo. O seu dono, Clem (Willem Dafoe), pede a sua ajuda para se livrar de um homem, que passou a agir como uma aberração, em prol de um determinado objetivo, depois de se viciar em ópio.
No lugar – uma maravilha visual que remete a trabalhos de Tim Burton, sobretudo Peixe grande e Dumbo, e de Jean-Pierre Jeunet, de forma mais destacada Ladrão de sonhos –, trabalham uma clarividente, Madame Zeena (Toni Collette), e seu marido, Pete (David Strathairn), que usam uma série de recursos para convencer a plateia sobre suas habilidades. Apesar de se aproximar de Zeena, Stan, no entanto, se sente mais atraído por uma outra colega, Molly (Rooney Mara), cujo protetor (Ron Perlman) a acompanha. É com ela que ele vai traçar um caminho que vai levá-lo a conhecer a Dra. Lilith Ritter (Cate Blanchett), com interesse em suas apresentações. Ele é abordado pelo juiz Kimball (Richard Jenkins), interessado em fazer com que ele e sua esposa possam ter contato com o filho morto. Esta parte de O beco do pesadelo parece remeter a O mestre, obra-prima de Paul Thomas Anderson, no qual o criador de uma seita tentava levar um pupilo a seguir seu caminho.
O beco do pesadelo tem muito do estilo de Del Toro: a riqueza visual, o design de produção exuberante e os figurinos magníficos. Soma-se a ele um grande diálogo com o noir dos anos 40 e 50, principalmente. A fotografia de Dan Laustsen e os próprios personagens dialogam muito com outra homenagem ao gênero deste século: Dália negra, de Brian De Palma. Nesse sentido, embora os temas se relacionem ao mistério da clarividência, O beco do pesadelo lida mais com o suspense, o horror e com o mistério que ronda um bom policial e suas referências discretas à história nunca sobrepujam a narrativa. Não apenas Blanchett consegue empregar de maneira exitosa uma personagem que deriva para a psicologia, como o relacionamento que ela desperta remete à femme fatale do cinema mais clássico possível – e Del Toro a coloca em cenários enigmáticos, cercados por cortinas. Ela está especialmente bem, uma atriz que melhorou muito depois das atuações em dois filmes de Terrence Malick, Cavaleiro de copas e De canção em canção. Sua interação com Bradley Cooper, outro ator que se tornou grande depois de O lado bom da vida, é oportuna para tornar O beco do pesadelo num acerto concreto em todos os níveis. Enquanto isso, Rooney Mara é adequadamente delicada e um tanto ingênua, situando-se entre dois extremos.
Se a narrativa na primeira parte mostra essencialmente um homem estranho num ambiente excêntrico, na segunda, quando ele tenta adequar seu interesse a uma realização pessoal, Del Toro amplia o entendimento da obra de maneira mais ampla, mostrando como o homem pode se tornar uma aberração por si próprio. Os homens, aqui, são a ameaça e as atrações não tão belas de um circo humano. Os cenários e figurinos belíssimos parecem sempre esconder algo mais obscuro, o que se percebia em A colina escarlate, outra obra subestimada do diretor. A atuação de Cooper conduz o personagem a um extremo em que o espectador não tem exatamente simpatia, mas interesse por seu projeto. Del Toro mostra uma evolução principalmente ao tratar da maneira como se investiga a capacidade de esse homem de ter determinadas habilidades vistas com desconfiança. Ele nunca resvala para algo mais popular, como fazia até mesmo em A forma da água, do mesmo modo que mostra a violência sem o seu exagero habitual, quase parte de seu estilo, mas de forma mais realista, o que também não é comum num filme distribuído pelos estúdios Disney. Desse modo, O beco do pesadelo se insere naquele grupo de filmes que apresentam uma curiosa inclinação para o retrato histórico que ganha muito com elementos fantásticos. Gostando-se ou não da narrativa, apresenta cinema de verdade.
"Drive my car", um dos indicados ao Oscar de melhor filme com quase 3 horas de duração, faz "Ataque dos cães" parecer um blockbuster, com cenas e diálogos estendidos. O diretor Ryusuke Hamaguchi é influenciado sobretudo por Hong Sang-soo, sem o mesmo humor, com uma longa dedicação a filmar interação entre pessoas, procurando dentro da rotina elementos até de suspense e guardando alguns caminhos para criar expectativas.
Seu filme é fascinante pela atuação de Hidetoshi Nishijima e pela atmosfera de vínculo entre vida e arte, nos moldes de Ceylan, mas não sei exatamente se tem o tempo de duração adequado, mesmo com a proposital lentidão. Em alguns pontos, a narrativa parece se perder ou dizer menos do que poderia. Ao mostrar em detalhes a vida de um professor de teatro e sua relação tanto com sua motorista quanto com um jovem aluno, Hamaguchi faz uma espécie de viagem interior e introspectiva. Não por acaso, a maior parte dos cenários do filme é deserta, desabitada, e há uma atração por túneis e ambientes que parecem resultar em nada. Esses ambientes parecem representar o próprio personagem central, sempre numa situação indefinida.
Por sua vez, em termos de recepção, "Drive my car" me lembra muito "Em chamas", de alguns anos atrás. É melhor, mas não parece, para mim, uma obra-prima, tal como vem sendo recebido. No entanto, pode crescer em novas sessões.
O diretor norueguês Joachim Trier se destacou bastante na década passada com "Oslo, 31 de agosto" e em "Mais forte que bombas" ingressou num estilo de homenagem aos anos 80, o que parece remeter, sobretudo, ao início de "A pior pessoa do mundo". Premiada no Festival de Cannes em 2021 como melhor atriz, Renate Reinsve interpreta Julie, estudante de medicina em Oslo que decide mudar radicalmente sua vida e, depois de passar pela psicologia, passa a querer ser fotógrafa. Ela começa a namorar Aksel Willman, um quadrinista mais velho que ela, interpretado por Anders Danielsen Lie, o ator preferido de Trier.
Dividido em capítulos como uma obra literária, com certa influência principalmente dos "fragmentos de um discurso amoroso" de Roland Barthes, "A pior pessoa do mundo" lida de forma muito consistente com emoções autênticas e uma necessidade de mostrar uma jovem em constante tentativa de mudar interiormente. Reinsve tem uma atuação espetacular, assim como Daniels Lie, representando bem a geração dos 30 anos contemporânea, em sua mobilidade cercada pela tecnologia. Já o personagem de Aksel mostra uma geração mais "antiga", o que desperta no filme bons diálogos sobre a "função da arte".
Há algo de doloroso aqui como em outros filmes de Trier, cineasta que não consegue se desvencilhar de certo pessimismo, no entanto mais ainda uma nostalgia bem-vinda em relação a sonhos concretizados de maneira indireta. Os personagens, nesse sentido, nunca se sentem apenas esboços de uma trama, e sim figuras reais, com emoções que correspondem a uma realidade. Trier os coloca em discussões sobre a arte, a vida e a morte de maneira muito pessoal, buscando não o conforto e sim diversas indagações sobre a existência. Por isso, enquanto o início é descontraído e quase uma comédia de costumes, o ato final é devastador, com um punhado de cenas tocantes. Há poucos filmes que falam de temas contemporâneos sem adotarem um discurso padronizado. "A pior pessoa do mundo" consegue, por meio de personagens simples, trabalhar a ideia de como as pessoas se influenciam entre si, não apenas no comportamento, como também na busca de sonhos. É, de certo modo, a obra mais reconfortante de Trier.
O diretor Denis Villeneuve encerrou a década passada como um dos grandes nomes da Ficção Científica por causa de dois filmes: A chegada e Blade Runner 2049. Embora tenha construído sua trajetória com filmes variando temas, da tragédia escolar de Polytechnique, passando pelo policial em Os suspeitos e Sicario - Terra de ninguém, ou pela psicologia em O homem duplicado, ele conseguiu mesclar seu estilo à fantasia e ao futurismo. Na virada de década, não por acaso seu nome se associa novamente a um universo fantástico, desta vez baseado no fascinante romance de Frank Herbert. Depois da versão de 1984 de David Lynch, houve algumas tentativas para levar novamente os personagens de Herbert à grande tela, mas sem efetivo sucesso. Desta vez, no entanto, com o apoio da Warner, Villeneuve foi chamado para movimentar um projeto que é arriscado em todos os pontos.
Logo numa primeira impressão, este me pareceu um dos filmes mais fracos de Edgar Wright, ao lado de "Heróis de ressaca", mas, quanto mais penso nele, mais cresce, principalmente sua tentativa de mesclar elementos do cinema de Dario Argento e de Refn, com a atmosfera de investigação londrina. Eu gosto de Anya Taylor‑Joy, também de Thomasin McKenzie e de Matt Smith. Funcionam bem juntos, assim como a fotografia linda e a trilha sonora capturando uma certa época. É uma narrativa com certos sobressaltos, não muita fluência em alguns pontos, no entanto suas viradas são boas, assim como a presença de Terence Stamp. Acho que Wright não emprega sua edição criativa, como principalmente a de "Scott Pilgrim", mas talvez seja uma nova fase, mais padronizada, não totalmente fugindo às suas características. Espera-se, apenas, que ele não modifique totalmente sua maneira de filmar, como senti em alguns momentos, querendo se inserir numa espécie de cinema mais moderado e acessível. É um dos talentos raros das novas gerações e seu terceiro ato, que incomoda a alguns, me pareceu elaborado e efetivo.
Fiquei surpreso não com a qualidade de "A crônica francesa", o que sempre se espera de Wes Anderson, mas como ele oferece novos elementos dentro do seu universo. É uma das maiores homenagens à Nouvelle Vague. Benicio del Toro, Adrien Brody e Léa Seydoux estão fabulosos na primeira história de "A crônica francesa", ele como o artista "torturado" e preso Moses Rosenthaler, ela como Simone, uma guarda da cadeia; e Timothée Chalamet e Frances McDormand na segunda, ele no papel de um rapaz revolucionário, Zeffirelli, apaixonado por Juliette (Lyna Khoudri), ela como uma jornalista que analisa a juventude anárquica. O terceiro tem a história mais contida, embora calibrada e divertida como as demais, focando um grupo criminoso cujo líder (Edward Norton) enfrenta o comissário de polícia (Mathieu Amalric). Como elo de narrativa, o editor Arthur Howitzer Jr., interpretado por Bill Murray da publicação "A Crônica Francesa".
Está clara a admiração do diretor pelo cinema francês em cada momento. Ao mesclar imagens em preto e branco com coloridas, ele foge um pouco ao senso de fantasia de seus filmes anteriores, parecendo, às vezes, querer emular Godard, mas com estilo próprio.
A segunda parte tem muito dos filmes revolucionários dos anos 60, com a filosofia patética de Anderson tentando satirizar cada instante dessa época, com uma fidelidade impressionante a cada artista referenciado. Há também muito, principalmente no ciclista feito por Owen Wilson, alusões a Jacques Tati.
O filme de Anderson merecia muito mais a Palma de Ouro em Cannes do que "Titane", na minha opinião. Trata-se de um cinema ao mesmo tempo ousado e despretensioso. É talvez o filme mais experimental de Anderson e mesmo assim muito acessível para quem compartilha seu humor inusitado. Roteiro brilhante em todos os níveis, com diálogos que fluem de modo bem-humorado, além da narração muito perspicaz de Anjelica Huston, sobretudo pelas atuações espetaculares de todo o elenco. Nisso, apenas um reparo: parece que alguns nomes, como o de Elisabeth Moss, estão no filme apenas como adereço, já que não têm personagens minimamente desenvolvidos.
De modo geral, há mais aqui, na edição e obsessão com simetrias, uma semelhança com "O grande Hotel Budapeste", embora sua maneira de filmar seja ainda mais teatral e com movimentos encenados que remetem também ao cinema mudo. A fotografia de Robert D. Yeoman é, como de praxe, linda, assim como a trilha sonora de Alexandre Desplat tem exímia naturalidade. Não é um filme emocional como outros de Anderson, a exemplo de "Os excêntricos Tenembaums" e "Moonrise Kingdom", mas dentro da sua disposição de cenas incrivelmente conectadas ele se sente cinema de primeiro nível.
Alguns filmes acabam surgindo sem grande publicidade e surpreendem. Talvez Eu me importo seja um dos que mais se pronunciam na temporada de premiações de 2021. Indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz de comédia ou musical, Rosamund Pike interpreta Marla Grayson, uma mulher que tem como principal objetivo ficar atrás de idosos a fim de ser tutora legal deles e, assim, lucrar com possíveis heranças. Ela tem como parceira a médica Amos (Alicia Witt), que lhe indica as vítimas, o responsável por uma casa de repouso, Sam Rice (Damian Young), e costuma comparecer na seção do juiz Lomax (Isiah Whitlock Jr.), que simpatiza com ela. Ao seu lado, está sempre a amante Fran (Eiza González). A atriz Pike ficou conhecida principalmente por sua atuação com a esposa conturbada de Garota exemplar, de David Fincher. Se naquele filme ela utilizava uma certa frieza e Fincher extraía dela uma certa violência sociopata, em Eu me importo não é muito diferente. À medida que ela transita pela exploração a figuras idosas, o que já é imprestável, o diretor J Blakeson faz um paralelo com sua vida em academias de ginástica e um certo glamour pessoal, circulando por seu escritório como se tivesse um negócio muito respeitável.
Há alguns filmes muito interessantes sobre o blues, entre os quais se pode destacar uma comédia decisiva dos anos 80, Os irmãos cara de pau. Em seguida, temos Bird, de Clint Eastwood, Mais e melhores blues, de Spike Lee, com Denzel Washington, e A encruzilhada, com o jovem Ralph Macchio, de Karatê Kid, apenas para citar alguns exemplos. Este gênero é sempre explorado com a propriedade que lhe cabe. Lançado na temporada do Oscar certamente para concorrer a prêmios, A voz suprema do blues, é dirigido por George C. Wolfe, e traz a última atuação de Chadwick Boseman, conhecido por ter interpretado o Pantera Negra e bastante consistente também em Destacamento Blood, de Spike Lee, do início de 2020. Junto com ele reaparece Viola Davis, alguns anos depois da atuação exitosa em As viúvas. Pela origem teatral (uma peça de August Wilson), A voz suprema do blues guarda uma sequência ininterrupta de diálogos e lembra, nesse sentido, Um limite entre nós, que Viola fez com Denzel Washington anos atrás; esse ator é um dos produtores do filme. O cenário é ainda mais circunscrito, mas, de algum modo, não há nenhuma queda na frequência com que o espectador recebe o grande número de informações, com a ajuda da fotografia luminosa e detalhista de Tobias A. Schliessler.
Conhecido por narrativas complexas e uma tentativa de lidar com o tempo de modo pouco habitual, o diretor Christopher Nolan anunciou Tenet pouco tempo depois de Dunkirk, seu flme sobre um acontecimento decisivo da Segunda Guerra Mundial que melhora cada vez mais em revisões. O filme não tinha exatamente seu estilo, difundido amplamente por A origem, principalmente, com seu encadeamento de diálogos quase intermináveis. Dunkirk parecia um experimento mais na linha da concisão, de fazer tudo ser comunicado com o mínimo esboço de personagens e mais focado em situações. Tenet acabou sendo filmado com grande expectativa depois da primeira indicação de Nolan ao Oscar, mesmo depois da trilogia Batman e de Interestelar – ignorado pela Academia. E ganhou ainda mais destaque por causa de seu lançamento ter sido adiado várias vezes devido à pandemia. Nolan queria que seu filme simbolizasse a volta aos cinemas, o que Tenet acabou por desempenhar, ao lado de Os novos mutantes, este sem, evidentemente o mesmo destaque.
Inicialmente criador de documentários, como A vida secreta dos hipopótamos, ao lado de Maíra Bühler, e um dos roteiristas de Pendular, de Júlia Murat, o cineasta Matias Mariani estreia em longa de ficção com Cidade Pássaro, lançado no início deste ano no Festival de Berlim. É interessante este ponto de partida para uma obra que se constrói a partir do olhar estrangeiro. O filme mostra dois irmãos, Amadi e Ikenna, brincando num quarto da casa onde moram em Nsukka, na Nigéria, em 1988. Há um corte abrupto e estamos na São Paulo contemporânea, onde Amadi (OC Ukeje) está em busca do irmão (Chukwudi Iwuji), que veio para o Brasil trabalhar como professor numa universidade. Amadi para numa comunidade Igbo de imigrantes vindos exatamente da Nigéria, a fim de tentar descobrir o paradeiro do familiar. Parece haver uma série de pistas, desde anotações matemáticas até dados num computador, para que possa haver um possível encontro entre os dois. Na tentativa de descobrir o paradeiro de Ikenna, Amadi percorre longas escadarias, escadas rolantes, prédios. É a própria cidade de São Paulo que se põe em movimento mesmo na palavra pássaro, com a aliteração que permite entender que tudo guarda um subtexto. A proporção de tela 4:3 faz com que os personagens pareçam apertados ou deslocados, criando uma sensação de estranhamento ao fundo, e é justamente quando eles parecem se encontrar que as paisagens vão se tornando mais amplas.
Neste século, poucos cineastas apresentaram uma carreira tão exitosa quanto David Fincher, depois de seus primeiros filmes nos anos 90. Ele praticamente criou um estilo de filmagem e de fotografia desde Quarto do pânico, intensificado com Zodíaco, A rede social e O curioso caso de Benjamin Button. Desde Garota exemplar, em 2014, ele não fazia um filme novo, tendo se envolvido nos últimos anos com a extraordinária série Mindhunter, para a Netflix. É justamente para essa companhia de streaming que ele apresentou um projeto bastante particular, Mank, com roteiro do seu já falecido pai, Jack Fincher.
Há alguns filmes que captam a intensidade do universo da música, como o subestimado The Runaways, o retrato sobre Cobain em Últimos dias e o recente Her smell, com Elisabeth Moss, como uma cantora que sofre de desequilíbrio e problemas pessoais. O filme O som do silêncio é a estreia de Darius Marder como diretor com toda a atenção de um artesão, construído emocionalmente de forma lenta e discreta. O espectador começa acompanhando um baterista, Ruben (Riz Ahmed), de uma banda de heavy metal chamada Blackgammon com a namorada vocalista, Lou (Olivia Cooke), à frente do palco.
Há alguns temas que, por mais cotidianos, não têm muito espaço no cinema. O parto é um deles. Visto apenas de passagem em sequências de alguns filmes sobre relacionamentos, ele dificilmente é tratado com o enfoque que Pieces of a wqoman oferece com interesse. A narrativa inicia com Sean (Shia LaBeouf) um trabalhador da construção civil que participa da realização de uma ponte em Boston. Ele vai para casa porque sua esposa, Martha (Vanessa Kirby), está para dar à luz, e pretende fazer seu parto em casa. Ambos têm uma parteira definida, mas, no último momento, ela não pode atendê-los, porque já está realizando outro parto. Então, é recomendada Eva (Molly Parker), que chega à casa e tenta amparar o casal com tranquilidade em relação ao que está acontecendo. No entanto, acontece algo inesperado, o que vai definir o direcionamento da trama.
Dirigido por Pete Docter, o mesmo de Divertida mente, Soul! é a nova empreitada da parceria Disney/Pixar depois do exitoso Toy Story 4, no ano passado, e de várias peças antes dele, que ilustram o uso de uma animação por vezes experimental. A história, assinada por Docter, Mike Jones e Kemp Powers, mostra Joe Gardner (Jamie Foxx), que ensina música no ensino médio, mas está descontente com o rumo de sua vida, pois não tem alunos que considera à altura de seu talento. Um ex-aluno, Curly (Questlove), avisa que uma grande estrela de jazz Dorothea Williams (Angela Bassett), está fazendo testes para seu próximo show. No entanto, depois do teste, há um imprevisto: Joe acaba se acidentando e indo para o Grande Além. De lá, no entanto, ele consegue sair, para cair no Grande Antes, onde vários conselheiros, todos de nome Jenny (uma delas, a 22, com a voz de Tina Fet), tenta conscientizar almas ainda apegadas à vida. Ela recebe a ajuda de Moonwind (Graham Norton ) para que Joe possa ter uma nova oportunidade na Terra, mas seguidos de perto por Terry (Rachel House), um contador de almas no Grande Além.
Godzilla: Minus One
4.0 362Sugiro vídeo sobre "Godzilla minus one":
https://www.youtube.com/watch?v=2TJ9fB-jdkw
Duna: Parte 1
3.8 1,6K Assista AgoraO diretor Denis Villeneuve encerrou a década passada como um dos grandes nomes da Ficção Científica por causa de dois filmes: A chegada e Blade Runner 2049. Embora tenha construído sua trajetória com filmes variando temas, da tragédia escolar de Polytechnique, passando pelo policial em Os suspeitos e Sicario – Terra de ninguém, ou pela psicologia em O homem duplicado, ele conseguiu mesclar seu estilo à fantasia e ao futurismo.
Na virada de década, não por acaso seu nome se associa novamente a um universo fantástico, desta vez baseado no fascinante romance de Frank Herbert.
Depois da versão de 1984 de David Lynch, houve algumas tentativas para levar novamente os personagens de Herbert à grande tela, mas sem efetivo sucesso. Desta vez, no entanto, com o apoio da Warner, Villeneuve foi chamado para movimentar um projeto que é arriscado em todos os pontos.
Cheguei ao romance por meio do filme de David Lynch e é comum se dizer que este não conseguiu explicar direito o romance de Herbert por meio de seu roteiro. Trata-se de uma injustiça, que é confirmada pela tentativa de Villeneuve facilitar para o grande público, nunca tentando inserir muito os nomes mais herméticos do universo do livro.
A história se passa em 10.191 e começa mostrando Paul Atreides (Timothée Chalamet), no planeta Caladan, tomado de mares, que se prepara para ir com sua família para o planeta desértico de Arrakis, do qual os Harkonnen, inimigos de sua família, foram expulsos pelo Imperador Shaddam IV, aqui invisível. Paul vem tendo sonhos com os fremen, habitantes de Arrakis, principalmente com uma moça, Chani (Zendaya). O pai de Paul, Duque Leto Atreides (Oscar Isaac), possui um anel de poder cobiçado, e Lady Jessica (Rebecca Ferguson), sua mulher, é da linhagem de sacerdotistas Bene Gesserit, que tenta impedir a chegada de um messias a Arrakis, querendo sempre resguardar uma magia estranha. Gaius Helen Mohiam (Charlote Rampling), que serve ao Imperador, lembra que Jessica não podia ter gerado um filho, pois ele pode ser o Kwisatz Haderach, aquele que pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ao lado de Paul, estão Gurney Halleck (Josh Brolin), Wellington Yueh (Chang Chen) e Thufir Hawat (Stephen Henderson).
O vilão é o Barão Vladimir Harkonnen (Stellan Skarsgård), que tem Rabban (Dave Bautista) a seu lado e outros ajudantes estranhos, como Piter de Vries (David Dastmalchian), todos interessados na especiaria existente em Arrakis, que ajuda na locomoção das naves no espaço e pode representar o domínio do universo.
Comenta-se que o filme de Lynch nos anos 80 era confuso por já começar explicando o que aconteceria dali em diante, o que trouxe ao filme uma aura de inadaptável (o que já acontecera com a versão sonhada de Alejandro Jodorowsky). Cria-se o movimento de que entende mais o filme quem leu o livro, o que não confere nas versões para o cinema – ambos até didáticos. O curioso é que o Duna original é mais interessante, mesmo com sua exposição. A nova versão, desde o início, faz uma exposição, mas mais por meio de imagens, procurando se desvencilhar do texto de Herbert, como já referido, em termos de nomes – como na entrega que faz desde o início dos fremen, sem desenvolver nenhum tipo de mistério. É evidente que Villeneuve viu o filme de Lynch várias vezes e extraiu boa parte da visão que Lynch trouxe desses personagens, fazendo até uma referência inicial aos “sonhos”. Nesse sentido, é um pouco decepcionante que um dos roteiristas seja Eric Roth, que fez um trabalho tão apurado no desenvolvimento de personagens em Forrest Gump e O curioso caso de Benjamin Button. Ainda assim, a maneira como consegue sintetizar uma trama complexa tem seus méritos, antes de tudo porque Villeneuve sempre consegue traduzir palavras por meio de imagens de maneira muito conveniente e particular nos seus tons. Apenas se lamenta que ele conte até a metade do primeiro romance deste universo de Herbert, quando poderia ter contado mais (ou talvez por cause de decisões que fugiram a seu controle). Com isso, ele aplica seu estilo lento e minucioso em muitas passagens, o que, como em suas outras obras, tem eficácia surpreendente.
Villeneuve tem a necessidade, em sua versão, o que funciona porque dá uma noção de continuidade de sua obra, num escopo mais abrangente, de imprimir imagens que remetam a Blade Runner 2049, principalmente, com o uso de maquetes, quando os Atreides estão chegando a Arrakis, lembrando também a entrada dos policiais no México em Sicario. Ao mesmo tempo, quando surge uma nave gigantesca saindo do fundo do oceano de Caladan, remete imediatamente ao seu filme A chegada, assim como aquela nave que aterrissa antes do aviso aos Atreides de que eles irão para Arrakis. E, em determinado momento, surge uma aranha que remete a O homem duplicado.
Como o filme de Lynch, o de Villeneuve quase não há ação ou humor – costuma-se comparar O senhor dos anéis com Duna, porém são, afora o universo mitológico, muito distintos, cada um possuindo qualidades específicas –, embora tragam diálogos sobre intrigas de poder e política. O livro tem até um viés ecológico e religioso, que é evitado por Lynch e agora por Villeneuve.
Já alguns personagens têm suas características acentuadas, como o do próprio Barão, que no livro não parece ter toda a perversidade imaginada por Lynch e Villeneuve. No Duna atual, o ator Stellan Skarsgård tem uma grande atuação, mas quase sem nenhum roteiro à mão para trabalhar. E Villeneuve utiliza bem Jason Momoa como Duncan Idaho, personagem que pouco aparecia no filme de Lynch. Ele serve como uma ponte de Paul Atreides com o universo adulto e seu bom humor funciona como um elemento humano numa história mais densa. Ao lado dele, também é um destaque Sharon Duncan-Brewster como a Dra. Liet-Kynes, com uma presença vibrante.
É interessante, aliás, como Villeneuve faz uma ficção científica por meio quase apenas de imagens, remetendo, no início, a Tarkovsky, de Solaris, sendo sob certo aspecto até experimental. No entanto, sua maior influência é, sem dúvida, o estilo adotado por Zack Snyder desde Batman vs Superman, e incrivelmente os Atreides têm muitos elementos dos Wayne de Snyder, com um certo tom soturno familiar. A caminhada que Paul e Duque Leto fazem numa colina à beira-mar lembra muito o Wayne de Affleck caminhando ao redor da mansão. Também a estética das naves remete ao que Snyder apresenta principalmente em sua versão finalizada de Liga da Justiça. Em termos de design de produção e figurinos, o filme não tem a inventividade do filme de Lynch, lembrando um pouco, em termos de iluminação, os filmes mais soturnos da saga Harry Potter, mas compensa com efeitos visuais notáveis e uma boa noção de naves espaciais inovadoras. Visualmente, porém, é monocromático, desértico mesmo, fazendo às vezes ecoar um A hora mais escura, de Kathryn Bigelow, sobretudo com a analogia entre Arrakis e um país do oriente médio, sendo que o diretor de fotografia Greig Fraser é o mesmo. E, se a versão dos anos 80 tinha a trilha de Toto, aqui Villeneuve conta com a de Hans Zimmer, com acordes que remetem à de Alexandre Desplat, igualmente do filme de Bigelow.
O novo Duna, como o antigo, é em grande parte fascinante, com um estilo europeu muito bem dosado numa plataforma blockbuster. É assim mesmo onde é falho: nos diálogos dispersos e reduzidos, no pouco desenvolvimento de qualquer personagem, nas atuações competentes, no entanto com raros diálogos, como as de Isaac, Brolin e Ferguson. Chalamet continua se mostrando em parte uma incógnita, embora se revele carismático, depois de se mostrar um ator incrível em Querido menino. Ele não é exatamente verossímil num filme de ação, como já havia se mostrado em O rei, mas o roteiro também não o ajuda. Ainda assim, os 155 minutos de Duna passam voando, criando uma estranha sensação de material que poderia ser melhor aproveitado e, ao mesmo tempo, encanta com a condução de Villeneuve, diretor de raro talento. A própria maneira como ele filma os vermes gigantes de Arrakis, com um senso de realismo, mostra essa percepção. Nesse sentido, pela expectativa criada, Duna talvez não corresponda a tudo que se esperava dele. Mesmo assim, é um dos grandes filmes lançados este ano, e isso conta muito.
Pequena Mamãe
3.8 87Este novo filme de Céline Sciamma, que em 2019 entregou uma obra-prima, "Retrato de uma jovem em chamas", parece retomar algumas características do seu ótimo "Tomboy", de 2012. Aqui, ele mostra Nelly (Joséphine Sanz), uma menina que acabou de perder sua avó materna. Ela acompanha os pais até a casa de infância da mãe (Nina Meurisse). Depois de a mãe desaparecer, Nelly fica com o pai (Stéphane Varupenne) e faz amizade com uma vizinha, Marion (Gabrielle Sanz), que parece guardar um segredo.
Sciamma desenvolve o tema de forma sintética e sensível, com uma fotografia excepcional de Claire Mathon, o mesmo de "Retrato de uma jovem...", fazendo com que a casa na qual transcorre boa parte da história se sinta um espaço lúdico, capaz de ser outro personagem. A floresta que fica ao lado da casa é, ao mesmo tempo, um lugar para brincar e de encontro da menina consigo mesma e com o afeto de sua mãe.
Sciamma nos anos 2000 fez o ótimo "Lírios-d'água", naquela vez retratando a entrada na adolescência, capturando certa música eletrônica daquela época; aqui ela basicamente usa o silêncio para, ao final, trazer uma batida musical de descoberta para essas meninas. Essa música ganha muita intensidade porque, de modo geral, a narrativa é feita de momentos silenciosos e mesmo poéticos, com pouquíssimos diálogos, mas um grande vínculo entre os personagens e as paisagens das quais fazem parte.
Spencer
3.7 569 Assista AgoraO diretor Pablo Larraín lançou há alguns anos o interessante "Jackie", sobre a esposa de JFK, com uma atuação impecável de Natalie Portman. Desta vez, ele volta seu olhar para a Princesa Diana, interpretada por Kristen Stewart, cujo nome de nascimento é Diana Frances Spencer. A história se passa no final de 1992, no período em que começou a se separar do príncipe Charles (Jack Farthing), cuja amante é Camilla Parker Bowles (Emma Darwall-Smith).
Larraín consegue extrair uma grande atuação de Stewart, lembrada de forma justa pelo Oscar. Ele já começa mostrando ela perdida na área de Norfolk, em uma área rural, onde Diana descobre um espantalho da casa de sua infância.
Larraín mostra a proximidade dela com os filhos, William (Jack Nielen) e Harry (Freddie Spry), e sua angústia com a vigia do major Alistar Gregory (Timothy Spall). Tudo acontece num ambiente claustrofóbico, lembrando por vezes um filme de suspense ou terror, quando Diana caminha desabalada nos corredores da mansão inglesa como se pudesse se deparar com Jack Torrance de "O iluminado", o que cresce com a trilha sonora impecável de Jonny Greenwood. A iluminação da fotografia de Claire Mathon para as cenas é de uma riqueza exuberante, tanto nas cenas internas quanto nas externas, em campos esverdeados ou uma praia sob um céu azul.
Ao elaborar uma narrativa baseada num bom roteiro de Steven Knight de maneira elegante, Larraín conduz os personagens a lugares inesperados, começando com Diana em situações nas quais transparece sua infelicidade, o que é registrado pelo desempenho com nuances de Stewart, atenuada pela alegria com os filhos e a amizade com a empregada e amiga Maggie (Sally Hawkins). Em muitos momentos, os figurinos usados lembram os de "Jackie", assim como certa influência de Malick em sequências que têm Diana com sentimento desamparado, caminhando sem um rumo definido. É uma obra autêntica, sobre os fantasmas de uma mulher que estava sempre sendo vigiada, mas que tentava nunca esquecer sua origem em meio a uma certa grandiosidade familiar.
King Richard: Criando Campeãs
3.8 409"King Richard - Criando campeãs", é um filme que se mantém pelas boas atuações, sobretudo de Will Smith, e pelo otimismo saudável na narrativa, mostrando uma história que enaltece o talento, o esforço e a superação. A história do pai Richard, interpretado por Smith, que tenta transformar as filhas Venus e Serena Williams em grandes tenistas, tem momentos propícios para as indicações ao Oscar que recebeu, inclusive de melhor filme. Jon Bernthal, como o treinador no segundo ato do filme, também se destaca, depois de sua ótima participação em "O lobo de Wall Street". Há um encadeamento de situações que parece, por vezes, um pouco forçado, no que diz respeito a cláusulas de contratos, por exemplo (o que, por outro lado, traz uma boa cena no ato final, que remete a "Jerry Maguire", mas sob outro ângulo), no entanto o diretor Reinaldo Marcus Green torna tudo muito fluido e obtém o interesse do espectador. A maneira como ele filma os treinamentos é exitosa, obtendo emoção de cenas cotidianas e colocando Richard como aquele que aposta na dedicação para que o objetivo seja alcançado.
Batman
4.0 1,9K Assista AgoraDepois de Batman vs Superman e Liga da Justiça, ambos de Zack Snyder, um dos filmes que continuariam o universo estendido da DC seria The Batman, dirigido e atuado por Ben Affleck. No entanto, o ator teve problemas pessoais e a recepção crítica em geral aos projetos de Snyder acabou por afastá-lo da DC, embora tenha havido outras explicações. Para substituí-lo, a Warner apostou em Matt Reeves, que havia feito o segundo e terceiro filmes da franquia Planeta dos macacos.
Sem pertencer ao universo compartilhado da DC, Batman é um filme capaz de entregar uma nova visão narrativa sobre o personagem. Desde o início, mostrando uma narração do próprio super-herói e um clima de investigação, cerca de dois anos depois de ele aparecer como justiceiro, Reeves tenta trabalhar o personagem sob um ângulo distinto, em situações mais parecidas com as de um filme de suspense ou policial, com fotografia excepcional de Greig Fraser, de Rogue One e Duna, e grande atmosfera em geral. O Batman de Reeves, com sua faceta de detetive e seus diários, lembra muito o Rorschach de Watchmen – O filme, também de Snyder, movendo-se lentamente numa Gotham City sempre dominada pela criminalidade e sujeira nas ruas. Reeves emprega nela uma atmosfera noir, ao mesmo tempo com certa invasão da tecnologia – elementos que funcionam em conjunto sem soar forçado.
Em nenhum momento ele emprega aquela Gotham City mais clara de Nolan, principalmente em O cavaleiro das trevas, com suas sequências de assaltos a bancos em plena luz do dia, mas vai buscar inspiração na história em quadrinhos O longo dia as bruxas. O fato de o homem-morcego buscar o Charada (Paul Dano), que vem causando problemas na cidade, traz um roteiro com várias homenagens a Seven – uma vez ou outra incômoda, pois menos orgânica – e mesmo a Hammett, de Wim Wenders, dos anos 80. Essa caçada, que começa já sob uma chuva pesada, envolvendo o prefeito Don Mitchell Jr. (Rupert Penry-Jones), o leva a outros personagens, como Carmine Falcone (John Turturro), Pinguim (Colin Farrell), Gil Colson (Peter Sarsgaard), mas, principalmente, a Selina Kyle (Zoë Kravitz). As ações de Batman são mais próximas do Comissário Gordon (Jeffrey Wright), atuando quase como um detetive, coletando pistas de maneira atenta numa Gotham em que policiais e políticos estão envolvidos em grande corrupção.
Robert Pattinson é, sem dúvida, o ator que encarna Batman por mais tempo num filme, outro traço original de Reeves, fazendo a persona de Bruce Wayne quase desaparecer por trás da máscara. Affleck é o Batman mais parecido com as HQs, Pattinson o que melhor atua com o olhar. Em momentos como Wayne, ele não funciona como poderia (e em Cosmópolis fazia uma espécie de milionário perturbado com talento e até bom humor), também um pouco prejudicado pela maquiagem que remete a Lisbeth de Millennium – Os homens que não amavam as mulheres, o que desvia um pouco o foco do personagem. De qualquer modo, sua interação (breve, é verdade) com Alfred funciona, com boa atuação de Andy Serkis, que se mostra aqui melhor do que em outros momentos, extremamente concentrado, sobretudo numa sequência na qual está numa situação delicada.
Batman tem uma trilha sonora impactante de Michael Giacchino, embora a melodia principal lembre o tema do Darth Vader de Star Wars, e o design de produção remete a algumas obras de David Fincher, não apenas Seven e Millennium, mas Zodíaco, Clube da luta e Garota exemplar em especial (numa cena em que Batman encontra um grupo de desabrigados e junkies numa construção abandonada). Se fizesse parte do universo compartilhado da DC, Batman, de Matt Reeves, estaria ao lado das obras de Snyder, no qual vai buscar referências visuais por todos os lados. Tem traços do Coringa de Todd Phillips também, sobretudo no uso de efeitos sonoros no metrô. E, claro, de Nolan, sobretudo no tratamento visual de determinados trechos, como aqueles passados na delegacia e no Asilo Arkham. Ademais, pode-se dizer que numa batida de Batman em um clube noturno tem muito o clima do RoboCop de Paul Verhoeven, assim como a maneira que ele observa uma festa por meio de Selina Kyle.
Do mesmo modo, há elementos de terror que Reeves trabalhou em sua versão de Deixe-me entrar, com sua riqueza visual. Existe uma tentativa de tornar o super-herói mais presente de modo realista nos cenários, já a partir do início, quando se encontra com Gordon e policiais na cena de um crime a ser investigado, e nos equipamentos que ele usa, como uma moto e um carro que parecem resultado de um trabalho apurado na caverna onde se esconde com certo estilo underground. Em igual sintonia, as lutas soam verdadeiras. A maneira como Reeves filma sua entrada em cena remete a alguém humano com os demais presentes. A sua direção é segura, recuperando alguns traços de Nolan igualmente nos movimentos de câmera, mas com uma elegância que remete principalmente a Ridley Scott e um de seus alunos no cinema contemporâneo, Denis Villeneuve. O uso que faz de cores, como o céu alaranjado ou o vermelho de uma tocha que Batman acende em determinado momento, acompanhado do design de abajures em vários cenários, é notável. Os cenários chuvosos antecipam um clima fúnebre, que revela o estado deste Bruce Wayne mais introspectivo. Há, com isso, uma sequência numa catedral que remete à série O poderoso chefão em todos os detalhes, principalmente de iluminação, e a descoberta de Bruce de um detalhe familiar o leva a pensar se estaria sempre vivendo numa família de aparências, temática própria da trilogia de Coppola. Falcone e Pinguim intensificam uma atmosfera de obra sobre a máfia.
O que mais surpreende em Batman, no entanto, é como Reeves fez um longa de quase três horas de duração com poucas cenas de ação, uma característica já de sua obra-prima Planeta dos macacos – A guerra, o que não tira o entusiasmo do espectador em acompanhar uma linha de investigação elaborada e funcional, apesar de alguns dos diálogos escritos pelo diretor com Peter Craig tragam pouco desenvolvimento em alguns trechos, como num determinado encontro entre Wayne e Alfred, cuja psicologia não consegue ser a mais adequada, prendendo-se a conceitos como o de “medo”, já explorado devidamente por Nolan em sua trilogia. Em determinadas cenas com concentração em diálogos, parece mais um filme de Paul Thomas Anderson, nos moldes de um O mestre, do que um filme de super-heróis, com certo impacto nos closes. Não por acaso, Reeves inclui Dano, que estava em Sangue negro, para jogar contra Batman, indo na linha totalmente contrária daquela adotada por Jim Carrey para o Charada em Batman eternamente. Os encontros de Batman e Selina possuem também uma disposição interessante de argumentos, fazendo uma aproximação entre os personagens que era bem trabalhada nas versões de Burton e Nolan, mas encontra aqui um elemento de sensibilidade e se liga à infância de ambos os personagens talvez mais instigante. E é difícil saber quem atua melhor no filme, todos em ótimo momento, e Farrell irreconhecível debaixo da maquiagem.
Se cada filme do Batman conta um pouco do seu tempo, o de Matt Reeves vai na linha de um personagem que busca investigar linhas que levem à verdade de um caso sem ultrapassar limites e com uma base melancólica que dialoga muito com a melodia pesarosa de “Something in the way”, a canção do Nirvana usada para abrir parte importante da narrativa, sem nenhum traço de humor que se via em versões anteriores, como as de Michael Keaton e Christian Bale, e mesmo na de Ben Affleck. Pattinson encarna muito bem um indivíduo que busca encontrar sua personalidade, mesclando certa loucura de O farol com um afastamento da realidade notado em Cosmópolis, assim como Kravitz. Há uma tentativa de mostrá-lo como um justiceiro que não foge à lei e como uma espécie de esperança para Gotham de modo mais enfático. É preciso, com isso, viver respeitando a memória dos mortos. Ao mesmo tempo, seu apego ao passado, pelo que aconteceu com seus pais, dialoga de forma eficiente com a vida de Selina, o que cresce com a atuação dedicada de Kravitz. A fotografia de Fraser captura este momento do personagem em toda a sua relevância. E Reeves consegue, mesmo apanhando várias referências de outros cineastas, elevar seu filme a uma obra de fato com marca própria.
Licorice Pizza
3.5 598Diretor que vem apresentando uma trajetória única no cinema desde 1996, quando estreou com Jogada de risco, Paul Thomas Anderson é um dos nomes mais inventivos de qualquer época e se torna muito interesse acompanhar sua obra sendo feita, aos poucos. Depois de Boogie Nights e Magnólia, filmes que apresentam microcosmos interessantes, sobre os filmes pornôs dos anos 70, e sobre caminhos de inúmeros personagens se cruzando, respectivamente, Anderson enveredou pela comédia romântica agridoce com Embriagado de amor. Os elementos deste filme (fotografia com luminosidade contemporânea de neons) ele não chegaria a apresentar em seus ótimos Sangue negro, O mestre, Vício inerente e Trama fantasma, mas ele de certo modo os recupera em Licorice Pizza.
Desde o início, quando Alana Kane (Alana Haim) recruta jovens para tirar fotos para o colégio, andando pelo corredor, Anderson tenta recriar algumas características de Embriagado de amor, mas desta vez localizando a história na Los Angeles dos anos 70, com uma aura de Loucuras de verão e de Era uma vez em… Hollywood, este talvez a sua maior influência recente. Desta vez adotando um tom mais despretensioso, do seu mestre Robert Altman, Anderson mostra a amizade entre Alana, que tem 25 anos, com um jovem de 15 anos, Gary Valentine (Cooper Hoffman). A distância de idade impede que ele possa namorá-la e, a partir disso, Anderson traça um retrato substancial de época, usando o orçamento para levar o espectador a uma viagem, com design de produção e figurino irretocáveis. Sem poder namorar, Alana se associa a ele como uma espécie de assessora em suas participações como ator e depois como vendedora num de seus negócios, e passa a sair com Lance (Skyler Gisondo, muito bem como sempre), parceiro de atuações de Gary.
Alana faz parte de uma família de origem judaica – e suas irmãs e pais são da família Haim, que realmente existe. No filme, eles formam a família Kane, mas, como Alana, suas irmãs são chamadas pelo prenome verdadeiro, Danielle e Este. Nesse sentido, Paul Thomas Anderson estende agora a parceria que tinha dirigindo os videoclipes da banda delas, Haim, para o cinema. Esses videoclipes possuem exatamente parte deste estilo setentista de Licorice Pizza e Anderson utiliza a fotografia que dirige ao lado de Michael Bauman e a trilha sonora de Jonny Greenwood para mostrar uma visão vibrante da cidade dos sonhos com a arte.
Se Gary é um jovem que inicia o filme querendo ser ator, participando de programas de TV e testes, com a mãe (Mary Elizabeth Ellis) como agente, Anderson mostra sutilmente como ele, aos poucos, vai deixando este sonho (a cena do teste em que ele está em meio a crianças assinala essa mudança) para ingressar em negócios mais cotidianos – e comprar a premissa de que o jovem é um talentoso negociador é necessário para não ver a trama como descartável, afinal, como o Barry de Embriagado de amor, feita por Sandler, este é um jovem fora do seu contexto real de mundo, o que se determina na sua amizade com o dono de restaurante Jerry Frick (John Michael Higgins). Ele mostra, mais uma vez, o interesse de Anderson em mostrar alguém que pretende ingressar no sistema, mas está sempre à margem. Já Alana é uma moça que não tem grandes sonhos e vê em Gary uma maneira de tentar ampliar sua perspectiva. Ela é vista pelo jovem como se fosse uma espécie de amor impossível, devido à distância da idade. E há uma sequência que parece determinar esta sensação, quando Gary está tentando vender uma linha de colchões e é confundido com um criminoso. A prisão que sofre, que lembra a do personagem de Phillip Seymour Hoffman em O mestre, se transforma, depois, num encontro com a liberdade, na corrida principalmente dos personagens por uma rua, como se os perigos da vida adulta fossem instantaneamente esquecidos e toda a alegria da juventude se consolidasse.
De certo modo, Anderson utiliza os dois personagens como símbolos de uma época. É claro que o cineasta sabe o que o espectador espera de um filme de jovens, algo na linha de Quase famosos, de Cameron Crowe, ou Jovens, loucos e rebeldes, de Richard Linklater, sem nenhum demérito para essas obras. No entanto, ele subverte esta expectativa, depois dos diálogos um pouco engessados e teatralizados no início, lançando mão de uma característica muito usada por Altman em seus filmes dos anos 70: uma aparente desconexão entre fatos e algumas conversas absurdas. Se em Vício inerente Anderson mostrou essa época de modo fascinante, em Licorice Pizza ele a apresenta de maneira até ingênua e nostálgica, mesmo nas participações de Sean Penn, Tom Waits e Bradley Cooper. Alguns personagens entram e saem de cena sem dizer muito a que vieram, no entanto, caso se preste mais atenção, a maior parte deles representa uma faceta de Hollywood, certa loucura mesclada com onirismo. A arte, para esses jovens, é tudo, e o que eles fazem no seu cotidiano é tentar alcançá-la, mesmo sem um objetivo claro para isso.
Anderson visualiza o período da Guerra do Vietnã como aquele de certa paranoia na convivência e uma certa estranheza nos motivos de “paz e amor” dos hippies ao revelar quase todos os homens, aqui, em busca de um relacionamento com uma mulher jovem, no caso Alana. O diretor, deste modo, reproduz parte dos conceitos de Vício inerente, mas desta vez com um encadeamento de histórias às vezes dispersas. Cada parte dialoga com filmes destacados dos anos 70. O trecho em que Penn e Waits aparecem remete bastante a Nashville, de Altman, enquanto a participação de Cooper lembra o clima de Shampoo, de Hal Ashby, com Warren Beatty (também presente na figura de Jon Peters, interpretado no filme por Bradley Cooper, em ótima participação), e o terceiro ato mostra Alana numa atmosfera capaz de evocar Taxi Driver, de Scorsese. Há, igualmente, alguns traços de Short Cuts, A longa noite e referências interessantes a Um violinista no telhado, sobretudo por meio da família judaica de Alana, além de, evidentemente, Era uma vez em… Hollywood, sobretudo nos ambientes noturnos e na captação de ruas, carros em movimento e cinemas de rua.
Anderson confirma novamente seu talento em filmar com um estilo rigoroso e, ao mesmo tempo, despretensioso, nos movimentos de câmera. Numa cena em que Gary liga para Alana e fica mudo, a câmera alterna entre ele e ela, bastante instável, como se reproduzisse a insegurança do que pode existir entre ambos. As atuações de Cooper (filho do grande Phillip Seymou Hoffman, que fez com Anderson quatro filmes) e de Alana são excepcionais, cada uma a seu modo. Na sequência em que Gary está num programa de TV, há uma atmosfera que remete tanto O mestre quanto a Trama fantasma, como se os personagens estivessem inseridos em molduras de época – no primeiro, quando Freddie fotografa seus clientes, no segundo quando o personagem de Day-Lewis tira fotos com mulheres e seus vestidos. Anderson também associa cores de figurinos ao que já havia mostrado principalmente no excepcional Vício inerente, mas também em Boogie nights. E, com o requinte visual que lhe é peculiar, pode-se dizer que, em termos de roteiro, ele parece cada vez mais voltado a um nicho pouco comercial de Hollywood. Não há mais diálogos longos como em Magnólia e Boogie nights, apenas fragmentos de personagens, de ações, deixando a critério do espectador amarrar tudo, seja qual for seu ponto de vista. E, ao contrário dos seus outros filmes, Licorice Pizza é mais solar, mais bem-humorado e sem pretensão a tratar de temas que se aproximam mais de um lado filosófico, como existia em O mestre e Sangue negro, embora ele tenha uma visão muito particular dos relacionamentos. É a prova de que Anderson é um dos maiores cineastas autorais em atividade no cinema, o que não é pouco
Ataque dos Cães
3.7 933A Netflix tem lançado algumas obras ao final de cada ano com o intuito de colocá-las na corrida para o Oscar. Enquanto Não olhe para cima é a faceta polêmica desse recurso, Ataque dos cães, de Jane Campion, traz elementos mais de cinema underground. Do mesmo modo, parece estranha a mistura que ele apresenta. Seria um drama? Um faroeste intimista? Um suspense sobre a descoberta da sensualidade? Talvez ele seja uma mescla de tudo isso.
Lançado no Festival de Veneza, Ataque dos cães mostra os irmãos Burbank, Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), que vivem numa fazenda em Montana, criando gado. George se apaixona por uma viúva, que tem uma posada, Rose Gordon (Kirsten Dunst). Phil logo entra em embate com a possibilidade, implicando com o filho dela, Peter (Kodi Smit-McPhee), que possui características que ele considera afeminadas.
George e Rose se casam, contra a sua vontade, e a partir daí começa uma espécie de encontro entre pessoas radicalmente opostas. Phil julga que ela está interessada no dinheiro do irmão, além de ter problemas com o álcool. Para piorar, o filho dela vai morar com eles na fazenda. A princípio, bastante contrário, Phil começa a ter afeição pelo jovem, o que vai trazer o mote principal para a narrativa de Campion. A diretora de origem neozelandesa já fez um trabalho muito destacado nos anos 90, O piano, que deu o Oscar tanto à Holly Hunter como à pequena Anna Pequin como atriz coadjuvante. Ela possui um estilo muito hábil na construção de personagens. Ataque dos cães parece, a princípio, muito simples, mas a maneira como ela apresenta a narrativa oferece ao espectador traços complexos sobre como os indivíduos se mostram quando ameaçados ou se escondem quando são estranhos num determinado ambiente. Rose, tocando piano num encontro em que estão a mãe (Frances Conroy) dos irmãos Burbank e o governador (Keith Carradine), é um exemplo de conflito interno com a sua própria escolha. E a figura do “cão” do título original se mostra concreta ao longo de algumas situações apresentadas, em que personagens a princípios inocentes ou ingênuos se mostram estranhos.
Há um clima de suspense na ação dos personagens, principalmente de Phil e Peter, e quando ele recorda um antigo mestre dele, Bronco Henry, na arte de lidar com o gado parece que Campion o mostra como uma tradição perpetuada. É uma pena somente que Thomasin McKenzie, boa atriz, seja desperdiçada como Lola, uma ajudante da fazenda.
Baseado em romance de Thomas Savage, o filme tem ótimas atuações, principalmente de Benedict Cumberbatch e Kodi Smit-McPhee, e consegue ser eficiente na maior parte do tempo. Por sua vez, Plemons e Dunst estão impecavelmente tímidos. A fotografia de Ari Wegner e a trilha entre a opressão e a beleza harmônica de Jonny Greenwood remetem a Paul Thomas Anderson, uma boa referência de Campion, e há uma certa grandeza no visual que também evoca O portal do paraíso, de Cimino. Quando Campion filma a fazenda, por exemplo, ela sempre procura uma extensão emocional com as montanhas ao fundo, o que acontecia no clássico de Cimino. Também quando mostra George e Rose indo para a fazenda numa estrada deserta e inalcançável. É uma espécie de faroeste mais íntimo nos moldes do que já fez Clint Eastwood em Os imperdoáveis, por exemplo.
Também existe um bom desenvolvimento de personagens, principalmente por meio de lacunas que nunca se preenchem ao longo da narrativa, passando exatamente o vazio existencial que a diretora pretende focar. Os personagens, mesmo Phil e suas botas com esporas se fazendo presentes no chão do ambiente da fazenda, parecem nunca estar à vontade em seus lugares, o que dá ao filme uma sensação contínua de deslocamento, o que se encontra plenamente realizado. O cowboy interpretado por Cumberbatch é a reunião simbólica de diversos temas: a tentativa de coordenar uma família, a busca pelo domínio em relação a outras figuras que passam a fazer parte de sua rotina e a sexualidade encoberta por atitudes que parecem opostas a ela. Ataque dos cães tem uma lentidão que se estabelece aos poucos como bastante impressionante, principalmente em seu surpreendente terceiro ato. É nele que Campion consegue eclodir o suspense que se desenvolve nos dois primeiros atos com uma habilidade ao mesmo tempo clássica e contemporânea, tornando seu filme uma peça complexa sobre os relacionamentos humanos.
O Último Duelo
3.9 326O diretor Ridley Scott tem se mostrado, com 84 anos, um dos nomes mais profícuos da história do cinema. Em 2017, ele já havia lançado dois filmes, Alien: Covenant e Todo o dinheiro do mundo, além de ter sido produtor de Blade Runner 2049. Agora, em 2021, volta a mostrar um par de projetos, O último duelo e Casa Gucci, ambos praticamente com a mesma equipe principal. Ambos os filmes mostram como se trata de um cineasta multifacetado. Se O último duelo apresenta elementos de sua fascinação pela história, a exemplo de Gladiador, Cruzada e Robin Hood, Casa Gucci tem mais elementos de sua aproximação com a cultura italiana, o que já se mostrava em Hannibal e Todo o dinheiro do mundo.
O último duelo traz roteiro de Ben Affleck e Matt Damon, repetindo a parceria de Gênio indomável, com o acréscimo de Nicole Holofcener. A narrativa mostra dois cavaleiros amigos, Jean de Carrouges (Matt Damon) e o escudeiro Jacques Le Gris (Adam Driver), que servem ao conde Pierre d’Alençon (Ben Affleck, surpreendente), nomeado senhor supremo de Jean por seu primo, o rei Carlos VI, na França, por volta de 1386. Jacques, no entanto, comete um ato contra a mulher de Jean, Marguerite de Thibouville (Jodie Comer), o que vai acarretar o dilema moral da história, muito bem trabalhado sob determinados pontos de vista.
Scott extrai de Affleck e Damon duas atuações que estão entre as melhores dos dois – particularmente Damon tinha atuações precárias nos últimos anos. Do mesmo modo, Driver é muito enigmático, como o seu personagem requer, e Comer uma atriz excepcional na sua discrição. O filme tem uma história sob diferentes pontos de vista, o que remete a Rashomon, com grande qualidade nas suas intenções e apresenta um design de produção e figurino espetaculares, como era de se esperar num filme de Scott. Por meio desses olhares distintos, Scott estabelece sua tentativa de mostrar toda uma textura social de época e, apesar de conseguir na maior parte do tempo, há um certo excesso na duração, o que faz com que alguns momentos não se estabeleçam com tanta fluidez. Mesmo assim, os diálogos e a presença ambígua de Jacques e conde Pierre estabelecem uma segurança para a narrativa em todos os pontos desenvolvidos, assim como há uma visão crua desse embate dos homens.
Casa Gucci
3.2 707 Assista AgoraCasa Gucci mostra a paixão de Maurizio Gucci (novamente Adam Driver) e Patrizia Reggiani (Lady Gaga). Ele é filho de Rodolfo (Jeremy Irons), responsável pela marca Gucci, ao lado do irmão Aldo (Al Pacino), e não quer ver o filho envolvido com uma mulher de outra classe social. No entanto, o filho gosta de Patrizia e decide se casar com ela. Com um toque de Todo o dinheiro do mundo nos cenários e nas situações, Ridley Scott traça um conflito familiar entre Maurizio e seu pai, e de Aldo com seu atrapalhado filho Paolo (Jared Leto). Driver emana bem um homem simples e que não quer se consagrar como o pai e Lady Gaga é efetivamente uma mulher ambiciosa, embora com toques de certa inocência e paixão irresolvível. A interação entre os dois é muito boa, assim como Irons é especial em conferir um toque de dramaticidade, e Pacino está num de seus melhores momentos. Mesmo o atacado Jared Leto, com uma excepcional maquiagem, atua de maneira que faz lembrar de certos filmes italianos dos anos 50 e 60, como Visconti e Fellini, com um personagem extremamente exagerado e que, estranhamente, pelo menos para mim, consegue ser a alma da obra, elevando as cenas em que aparece. É nesse sentido que Casa Gucci tem algo de Trapaça, de David O. Russell, com um exagero de época, mas é mais calibrado, por causa do roteiro acertado de Becky Johnston e Roberto Bentivegna, que não complica nem facilita demais a apresentação desse universo da moda.
Assim como O último duelo, Casa Gucci trabalha com personagens um pouco confusos e com dilemas morais a serem vividos. Se no primeiro Scott lança um tema existencial, de violação da inocência, em Casa Gucci ele trabalha com personagens que almejam o poder, no entanto não sabem bem o motivo nem como fazê-lo. Nesse sentido, Driver oferece nuances, assim como Gaga entrega falas de impacto e uma boa desenvoltura, embora não tão exitosa quanto a que mostrou em Nasce uma estrela. Scott consegue unir elenco e roteiro de modo que há um crescimento forte dessas figuras. A transformação de Maurizio é muito bem trabalhada, e seu envolvimento com Patrizia elaborado em minúcias, principalmente a partir da metade do filme, quando a relação entre eles é trabalhada de modo dúbio e eficiente e se insere outra personagem entre eles. A edição é ágil, com cenas compactas, tecendo uma espécie de miniépico nas relações entre esses personagens, remetendo a O siciliano, de Michael Cimino, e à trilogia dos Corleone de Coppola sobretudo em algumas paisagens e tons da espetacular fotografia de Dariusz Wolski, o mesmo de O último duelo. O filme também, pela trilha sonora, consegue uma atmosfera intensa de anos 70 e depois dos anos 80, remetendo, por vezes, a Wall Street, de Oliver Stone, sem nunca cansar em seus 158 minutos. É por isso um dos filmes mais subestimados de 2021, para mim superior a O último duelo e que continua mostrando o talento inesgotável de Scott em recriar seu estilo cinematográfico em cada detalhe, de verdadeiro amor ao cinema ainda baseado em imagens grandiosas, mesmo quando revela apenas a rotina de figuras que tentam se encontrar.
O Beco do Pesadelo
3.5 496 Assista AgoraO mexicano Guillermo del Toro se mostrou capaz de se adequar ao que Hollywood espera de um diretor sem perder sua característica autoral. Desde seu início de trajetória, ele vem mostrando uma regularidade também no trato da fantasia num contexto capaz de dialogar com a história, como em O labirinto do fauno e no oscarizado A forma da água. No entanto, é A colina escarlate, um terror de origem gótica, que assinalou uma mudança na trajetória de Del Toro: a incorporação de um terror clássico no cenário mais popular de Hollywood.
Em O beco do pesadelo, nova versão de um filme de 1947 baseado no romance de William Lindsay Gresham, ele retoma elementos deste filme de 2015, mas com uma maturidade trazida por A forma da água. Passado nos anos 40, inicia acompanhando Stanton “Stan” Carlisle (Bradley Coooper), que, depois de incendiar sua casa com um corpo debaixo do assoalho, encontra um circo. O seu dono, Clem (Willem Dafoe), pede a sua ajuda para se livrar de um homem, que passou a agir como uma aberração, em prol de um determinado objetivo, depois de se viciar em ópio.
No lugar – uma maravilha visual que remete a trabalhos de Tim Burton, sobretudo Peixe grande e Dumbo, e de Jean-Pierre Jeunet, de forma mais destacada Ladrão de sonhos –, trabalham uma clarividente, Madame Zeena (Toni Collette), e seu marido, Pete (David Strathairn), que usam uma série de recursos para convencer a plateia sobre suas habilidades. Apesar de se aproximar de Zeena, Stan, no entanto, se sente mais atraído por uma outra colega, Molly (Rooney Mara), cujo protetor (Ron Perlman) a acompanha. É com ela que ele vai traçar um caminho que vai levá-lo a conhecer a Dra. Lilith Ritter (Cate Blanchett), com interesse em suas apresentações. Ele é abordado pelo juiz Kimball (Richard Jenkins), interessado em fazer com que ele e sua esposa possam ter contato com o filho morto. Esta parte de O beco do pesadelo parece remeter a O mestre, obra-prima de Paul Thomas Anderson, no qual o criador de uma seita tentava levar um pupilo a seguir seu caminho.
O beco do pesadelo tem muito do estilo de Del Toro: a riqueza visual, o design de produção exuberante e os figurinos magníficos. Soma-se a ele um grande diálogo com o noir dos anos 40 e 50, principalmente. A fotografia de Dan Laustsen e os próprios personagens dialogam muito com outra homenagem ao gênero deste século: Dália negra, de Brian De Palma. Nesse sentido, embora os temas se relacionem ao mistério da clarividência, O beco do pesadelo lida mais com o suspense, o horror e com o mistério que ronda um bom policial e suas referências discretas à história nunca sobrepujam a narrativa. Não apenas Blanchett consegue empregar de maneira exitosa uma personagem que deriva para a psicologia, como o relacionamento que ela desperta remete à femme fatale do cinema mais clássico possível – e Del Toro a coloca em cenários enigmáticos, cercados por cortinas. Ela está especialmente bem, uma atriz que melhorou muito depois das atuações em dois filmes de Terrence Malick, Cavaleiro de copas e De canção em canção. Sua interação com Bradley Cooper, outro ator que se tornou grande depois de O lado bom da vida, é oportuna para tornar O beco do pesadelo num acerto concreto em todos os níveis. Enquanto isso, Rooney Mara é adequadamente delicada e um tanto ingênua, situando-se entre dois extremos.
Se a narrativa na primeira parte mostra essencialmente um homem estranho num ambiente excêntrico, na segunda, quando ele tenta adequar seu interesse a uma realização pessoal, Del Toro amplia o entendimento da obra de maneira mais ampla, mostrando como o homem pode se tornar uma aberração por si próprio. Os homens, aqui, são a ameaça e as atrações não tão belas de um circo humano. Os cenários e figurinos belíssimos parecem sempre esconder algo mais obscuro, o que se percebia em A colina escarlate, outra obra subestimada do diretor. A atuação de Cooper conduz o personagem a um extremo em que o espectador não tem exatamente simpatia, mas interesse por seu projeto. Del Toro mostra uma evolução principalmente ao tratar da maneira como se investiga a capacidade de esse homem de ter determinadas habilidades vistas com desconfiança. Ele nunca resvala para algo mais popular, como fazia até mesmo em A forma da água, do mesmo modo que mostra a violência sem o seu exagero habitual, quase parte de seu estilo, mas de forma mais realista, o que também não é comum num filme distribuído pelos estúdios Disney. Desse modo, O beco do pesadelo se insere naquele grupo de filmes que apresentam uma curiosa inclinação para o retrato histórico que ganha muito com elementos fantásticos. Gostando-se ou não da narrativa, apresenta cinema de verdade.
Drive My Car
3.8 386 Assista Agora"Drive my car", um dos indicados ao Oscar de melhor filme com quase 3 horas de duração, faz "Ataque dos cães" parecer um blockbuster, com cenas e diálogos estendidos. O diretor Ryusuke Hamaguchi é influenciado sobretudo por Hong Sang-soo, sem o mesmo humor, com uma longa dedicação a filmar interação entre pessoas, procurando dentro da rotina elementos até de suspense e guardando alguns caminhos para criar expectativas.
Seu filme é fascinante pela atuação de Hidetoshi Nishijima e pela atmosfera de vínculo entre vida e arte, nos moldes de Ceylan, mas não sei exatamente se tem o tempo de duração adequado, mesmo com a proposital lentidão. Em alguns pontos, a narrativa parece se perder ou dizer menos do que poderia. Ao mostrar em detalhes a vida de um professor de teatro e sua relação tanto com sua motorista quanto com um jovem aluno, Hamaguchi faz uma espécie de viagem interior e introspectiva. Não por acaso, a maior parte dos cenários do filme é deserta, desabitada, e há uma atração por túneis e ambientes que parecem resultar em nada. Esses ambientes parecem representar o próprio personagem central, sempre numa situação indefinida.
Por sua vez, em termos de recepção, "Drive my car" me lembra muito "Em chamas", de alguns anos atrás. É melhor, mas não parece, para mim, uma obra-prima, tal como vem sendo recebido. No entanto, pode crescer em novas sessões.
A Pior Pessoa do Mundo
4.0 606 Assista AgoraO diretor norueguês Joachim Trier se destacou bastante na década passada com "Oslo, 31 de agosto" e em "Mais forte que bombas" ingressou num estilo de homenagem aos anos 80, o que parece remeter, sobretudo, ao início de "A pior pessoa do mundo". Premiada no Festival de Cannes em 2021 como melhor atriz, Renate Reinsve interpreta Julie, estudante de medicina em Oslo que decide mudar radicalmente sua vida e, depois de passar pela psicologia, passa a querer ser fotógrafa. Ela começa a namorar Aksel Willman, um quadrinista mais velho que ela, interpretado por Anders Danielsen Lie, o ator preferido de Trier.
Dividido em capítulos como uma obra literária, com certa influência principalmente dos "fragmentos de um discurso amoroso" de Roland Barthes, "A pior pessoa do mundo" lida de forma muito consistente com emoções autênticas e uma necessidade de mostrar uma jovem em constante tentativa de mudar interiormente. Reinsve tem uma atuação espetacular, assim como Daniels Lie, representando bem a geração dos 30 anos contemporânea, em sua mobilidade cercada pela tecnologia. Já o personagem de Aksel mostra uma geração mais "antiga", o que desperta no filme bons diálogos sobre a "função da arte".
Há algo de doloroso aqui como em outros filmes de Trier, cineasta que não consegue se desvencilhar de certo pessimismo, no entanto mais ainda uma nostalgia bem-vinda em relação a sonhos concretizados de maneira indireta. Os personagens, nesse sentido, nunca se sentem apenas esboços de uma trama, e sim figuras reais, com emoções que correspondem a uma realidade. Trier os coloca em discussões sobre a arte, a vida e a morte de maneira muito pessoal, buscando não o conforto e sim diversas indagações sobre a existência. Por isso, enquanto o início é descontraído e quase uma comédia de costumes, o ato final é devastador, com um punhado de cenas tocantes. Há poucos filmes que falam de temas contemporâneos sem adotarem um discurso padronizado. "A pior pessoa do mundo" consegue, por meio de personagens simples, trabalhar a ideia de como as pessoas se influenciam entre si, não apenas no comportamento, como também na busca de sonhos. É, de certo modo, a obra mais reconfortante de Trier.
Duna: Parte 1
3.8 1,6K Assista AgoraO diretor Denis Villeneuve encerrou a década passada como um dos grandes nomes da Ficção Científica por causa de dois filmes: A chegada e Blade Runner 2049. Embora tenha construído sua trajetória com filmes variando temas, da tragédia escolar de Polytechnique, passando pelo policial em Os suspeitos e Sicario - Terra de ninguém, ou pela psicologia em O homem duplicado, ele conseguiu mesclar seu estilo à fantasia e ao futurismo. Na virada de década, não por acaso seu nome se associa novamente a um universo fantástico, desta vez baseado no fascinante romance de Frank Herbert.
Depois da versão de 1984 de David Lynch, houve algumas tentativas para levar novamente os personagens de Herbert à grande tela, mas sem efetivo sucesso. Desta vez, no entanto, com o apoio da Warner, Villeneuve foi chamado para movimentar um projeto que é arriscado em todos os pontos.
Crítica completa: wp.me/p2lvhr-aDQ
Noite Passada em Soho
3.5 745 Assista AgoraLogo numa primeira impressão, este me pareceu um dos filmes mais fracos de Edgar Wright, ao lado de "Heróis de ressaca", mas, quanto mais penso nele, mais cresce, principalmente sua tentativa de mesclar elementos do cinema de Dario Argento e de Refn, com a atmosfera de investigação londrina. Eu gosto de Anya Taylor‑Joy, também de Thomasin McKenzie e de Matt Smith. Funcionam bem juntos, assim como a fotografia linda e a trilha sonora capturando uma certa época. É uma narrativa com certos sobressaltos, não muita fluência em alguns pontos, no entanto suas viradas são boas, assim como a presença de Terence Stamp. Acho que Wright não emprega sua edição criativa, como principalmente a de "Scott Pilgrim", mas talvez seja uma nova fase, mais padronizada, não totalmente fugindo às suas características. Espera-se, apenas, que ele não modifique totalmente sua maneira de filmar, como senti em alguns momentos, querendo se inserir numa espécie de cinema mais moderado e acessível. É um dos talentos raros das novas gerações e seu terceiro ato, que incomoda a alguns, me pareceu elaborado e efetivo.
A Crônica Francesa
3.5 287 Assista AgoraFiquei surpreso não com a qualidade de "A crônica francesa", o que sempre se espera de Wes Anderson, mas como ele oferece novos elementos dentro do seu universo. É uma das maiores homenagens à Nouvelle Vague. Benicio del Toro, Adrien Brody e Léa Seydoux estão fabulosos na primeira história de "A crônica francesa", ele como o artista "torturado" e preso Moses Rosenthaler, ela como Simone, uma guarda da cadeia; e Timothée Chalamet e Frances McDormand na segunda, ele no papel de um rapaz revolucionário, Zeffirelli, apaixonado por Juliette (Lyna Khoudri), ela como uma jornalista que analisa a juventude anárquica. O terceiro tem a história mais contida, embora calibrada e divertida como as demais, focando um grupo criminoso cujo líder (Edward Norton) enfrenta o comissário de polícia (Mathieu Amalric). Como elo de narrativa, o editor Arthur Howitzer Jr., interpretado por Bill Murray da publicação "A Crônica Francesa".
Está clara a admiração do diretor pelo cinema francês em cada momento. Ao mesclar imagens em preto e branco com coloridas, ele foge um pouco ao senso de fantasia de seus filmes anteriores, parecendo, às vezes, querer emular Godard, mas com estilo próprio.
A segunda parte tem muito dos filmes revolucionários dos anos 60, com a filosofia patética de Anderson tentando satirizar cada instante dessa época, com uma fidelidade impressionante a cada artista referenciado. Há também muito, principalmente no ciclista feito por Owen Wilson, alusões a Jacques Tati.
O filme de Anderson merecia muito mais a Palma de Ouro em Cannes do que "Titane", na minha opinião. Trata-se de um cinema ao mesmo tempo ousado e despretensioso. É talvez o filme mais experimental de Anderson e mesmo assim muito acessível para quem compartilha seu humor inusitado. Roteiro brilhante em todos os níveis, com diálogos que fluem de modo bem-humorado, além da narração muito perspicaz de Anjelica Huston, sobretudo pelas atuações espetaculares de todo o elenco. Nisso, apenas um reparo: parece que alguns nomes, como o de Elisabeth Moss, estão no filme apenas como adereço, já que não têm personagens minimamente desenvolvidos.
De modo geral, há mais aqui, na edição e obsessão com simetrias, uma semelhança com "O grande Hotel Budapeste", embora sua maneira de filmar seja ainda mais teatral e com movimentos encenados que remetem também ao cinema mudo. A fotografia de Robert D. Yeoman é, como de praxe, linda, assim como a trilha sonora de Alexandre Desplat tem exímia naturalidade. Não é um filme emocional como outros de Anderson, a exemplo de "Os excêntricos Tenembaums" e "Moonrise Kingdom", mas dentro da sua disposição de cenas incrivelmente conectadas ele se sente cinema de primeiro nível.
Eu Me Importo
3.3 1,2K Assista AgoraAlguns filmes acabam surgindo sem grande publicidade e surpreendem. Talvez Eu me importo seja um dos que mais se pronunciam na temporada de premiações de 2021. Indicada ao Globo de Ouro de melhor atriz de comédia ou musical, Rosamund Pike interpreta Marla Grayson, uma mulher que tem como principal objetivo ficar atrás de idosos a fim de ser tutora legal deles e, assim, lucrar com possíveis heranças.
Ela tem como parceira a médica Amos (Alicia Witt), que lhe indica as vítimas, o responsável por uma casa de repouso, Sam Rice (Damian Young), e costuma comparecer na seção do juiz Lomax (Isiah Whitlock Jr.), que simpatiza com ela. Ao seu lado, está sempre a amante Fran (Eiza González). A atriz Pike ficou conhecida principalmente por sua atuação com a esposa conturbada de Garota exemplar, de David Fincher. Se naquele filme ela utilizava uma certa frieza e Fincher extraía dela uma certa violência sociopata, em Eu me importo não é muito diferente. À medida que ela transita pela exploração a figuras idosas, o que já é imprestável, o diretor J Blakeson faz um paralelo com sua vida em academias de ginástica e um certo glamour pessoal, circulando por seu escritório como se tivesse um negócio muito respeitável.
Crítica completa: wp.me/p2lvhr-aq2
A Voz Suprema do Blues
3.5 540 Assista AgoraHá alguns filmes muito interessantes sobre o blues, entre os quais se pode destacar uma comédia decisiva dos anos 80, Os irmãos cara de pau. Em seguida, temos Bird, de Clint Eastwood, Mais e melhores blues, de Spike Lee, com Denzel Washington, e A encruzilhada, com o jovem Ralph Macchio, de Karatê Kid, apenas para citar alguns exemplos. Este gênero é sempre explorado com a propriedade que lhe cabe.
Lançado na temporada do Oscar certamente para concorrer a prêmios, A voz suprema do blues, é dirigido por George C. Wolfe, e traz a última atuação de Chadwick Boseman, conhecido por ter interpretado o Pantera Negra e bastante consistente também em Destacamento Blood, de Spike Lee, do início de 2020. Junto com ele reaparece Viola Davis, alguns anos depois da atuação exitosa em As viúvas. Pela origem teatral (uma peça de August Wilson), A voz suprema do blues guarda uma sequência ininterrupta de diálogos e lembra, nesse sentido, Um limite entre nós, que Viola fez com Denzel Washington anos atrás; esse ator é um dos produtores do filme. O cenário é ainda mais circunscrito, mas, de algum modo, não há nenhuma queda na frequência com que o espectador recebe o grande número de informações, com a ajuda da fotografia luminosa e detalhista de Tobias A. Schliessler.
Crítica completa: wp.me/p2lvhr-ahf
Tenet
3.4 1,3K Assista AgoraConhecido por narrativas complexas e uma tentativa de lidar com o tempo de modo pouco habitual, o diretor Christopher Nolan anunciou Tenet pouco tempo depois de Dunkirk, seu flme sobre um acontecimento decisivo da Segunda Guerra Mundial que melhora cada vez mais em revisões. O filme não tinha exatamente seu estilo, difundido amplamente por A origem, principalmente, com seu encadeamento de diálogos quase intermináveis. Dunkirk parecia um experimento mais na linha da concisão, de fazer tudo ser comunicado com o mínimo esboço de personagens e mais focado em situações.
Tenet acabou sendo filmado com grande expectativa depois da primeira indicação de Nolan ao Oscar, mesmo depois da trilogia Batman e de Interestelar – ignorado pela Academia. E ganhou ainda mais destaque por causa de seu lançamento ter sido adiado várias vezes devido à pandemia. Nolan queria que seu filme simbolizasse a volta aos cinemas, o que Tenet acabou por desempenhar, ao lado de Os novos mutantes, este sem, evidentemente o mesmo destaque.
Crítica completa: wp.me/p2lvhr-a1V
Cidade Pássaro
3.4 26 Assista AgoraInicialmente criador de documentários, como A vida secreta dos hipopótamos, ao lado de Maíra Bühler, e um dos roteiristas de Pendular, de Júlia Murat, o cineasta Matias Mariani estreia em longa de ficção com Cidade Pássaro, lançado no início deste ano no Festival de Berlim. É interessante este ponto de partida para uma obra que se constrói a partir do olhar estrangeiro.
O filme mostra dois irmãos, Amadi e Ikenna, brincando num quarto da casa onde moram em Nsukka, na Nigéria, em 1988. Há um corte abrupto e estamos na São Paulo contemporânea, onde Amadi (OC Ukeje) está em busca do irmão (Chukwudi Iwuji), que veio para o Brasil trabalhar como professor numa universidade. Amadi para numa comunidade Igbo de imigrantes vindos exatamente da Nigéria, a fim de tentar descobrir o paradeiro do familiar. Parece haver uma série de pistas, desde anotações matemáticas até dados num computador, para que possa haver um possível encontro entre os dois. Na tentativa de descobrir o paradeiro de Ikenna, Amadi percorre longas escadarias, escadas rolantes, prédios. É a própria cidade de São Paulo que se põe em movimento mesmo na palavra pássaro, com a aliteração que permite entender que tudo guarda um subtexto. A proporção de tela 4:3 faz com que os personagens pareçam apertados ou deslocados, criando uma sensação de estranhamento ao fundo, e é justamente quando eles parecem se encontrar que as paisagens vão se tornando mais amplas.
Crítica completa: wp.me/p2lvhr-acf
Mank
3.2 462 Assista AgoraNeste século, poucos cineastas apresentaram uma carreira tão exitosa quanto David Fincher, depois de seus primeiros filmes nos anos 90. Ele praticamente criou um estilo de filmagem e de fotografia desde Quarto do pânico, intensificado com Zodíaco, A rede social e O curioso caso de Benjamin Button. Desde Garota exemplar, em 2014, ele não fazia um filme novo, tendo se envolvido nos últimos anos com a extraordinária série Mindhunter, para a Netflix. É justamente para essa companhia de streaming que ele apresentou um projeto bastante particular, Mank, com roteiro do seu já falecido pai, Jack Fincher.
Crítica completa: wp.me/p2lvhr-ado
O Som do Silêncio
4.1 987 Assista AgoraHá alguns filmes que captam a intensidade do universo da música, como o subestimado The Runaways, o retrato sobre Cobain em Últimos dias e o recente Her smell, com Elisabeth Moss, como uma cantora que sofre de desequilíbrio e problemas pessoais. O filme O som do silêncio é a estreia de Darius Marder como diretor com toda a atenção de um artesão, construído emocionalmente de forma lenta e discreta. O espectador começa acompanhando um baterista, Ruben (Riz Ahmed), de uma banda de heavy metal chamada Blackgammon com a namorada vocalista, Lou (Olivia Cooke), à frente do palco.
Crítica completa: wp.me/p2lvhr-agK
Pedaços De Uma Mulher
3.8 544 Assista AgoraHá alguns temas que, por mais cotidianos, não têm muito espaço no cinema. O parto é um deles. Visto apenas de passagem em sequências de alguns filmes sobre relacionamentos, ele dificilmente é tratado com o enfoque que Pieces of a wqoman oferece com interesse. A narrativa inicia com Sean (Shia LaBeouf) um trabalhador da construção civil que participa da realização de uma ponte em Boston. Ele vai para casa porque sua esposa, Martha (Vanessa Kirby), está para dar à luz, e pretende fazer seu parto em casa. Ambos têm uma parteira definida, mas, no último momento, ela não pode atendê-los, porque já está realizando outro parto. Então, é recomendada Eva (Molly Parker), que chega à casa e tenta amparar o casal com tranquilidade em relação ao que está acontecendo. No entanto, acontece algo inesperado, o que vai definir o direcionamento da trama.
Crítica completa: wp.me/p2lvhr-amA
Soul
4.3 1,4KDirigido por Pete Docter, o mesmo de Divertida mente, Soul! é a nova empreitada da parceria Disney/Pixar depois do exitoso Toy Story 4, no ano passado, e de várias peças antes dele, que ilustram o uso de uma animação por vezes experimental. A história, assinada por Docter, Mike Jones e Kemp Powers, mostra Joe Gardner (Jamie Foxx), que ensina música no ensino médio, mas está descontente com o rumo de sua vida, pois não tem alunos que considera à altura de seu talento. Um ex-aluno, Curly (Questlove), avisa que uma grande estrela de jazz Dorothea Williams (Angela Bassett), está fazendo testes para seu próximo show.
No entanto, depois do teste, há um imprevisto: Joe acaba se acidentando e indo para o Grande Além. De lá, no entanto, ele consegue sair, para cair no Grande Antes, onde vários conselheiros, todos de nome Jenny (uma delas, a 22, com a voz de Tina Fet), tenta conscientizar almas ainda apegadas à vida. Ela recebe a ajuda de Moonwind (Graham Norton ) para que Joe possa ter uma nova oportunidade na Terra, mas seguidos de perto por Terry (Rachel House), um contador de almas no Grande Além.
Crítica completa: wp.me/p2lvhr-an0