a cada uma das intermináveis vezes em que o filme forçava uma cena do tipo 'como nasceu o hit', eu sentia vontade de morrer. em cenas como a reconstrução do clipe de 'i want to break free', é vexaminoso perceber que o freddie mercury era um ator melhor do que o malek, que não atua, mas faz uma imitação estilo stand-up comedy. isso entra em sintonia com a bem sucedida empreitada do filme de não fugir de um único cliché ou um único estereótipo de gay, estrela do rock ou gênio incompreendido. tudo pra arrancar uma lágrima ou uma dancinha. pra um 'melhores momentos' do queen, teria sido bem melhor ligar a reprodução automática no youtube do que dar dinheiro nisso.
mesmo a premissa não é tão original assim, mas podia ser bem melhor desenvolvida. uma acumulação infinita de diálogos rasos, personagens estereotipados e a necessidade abominável do audiovisual americano de atenuar tudo com alívios cômicos incessantes. se vale como alegoria desse inominável do sofrimento contemporâneo e dessa aceitação de horizontes de expectativa rebaixados, isso é soterrado sob tanta superficialidade que o filme fica abaixo da crítica que ele próprio se propõe a realizar. pior que um filme que é obviamente burro, só um filme que convence as pessoas que é inteligente mas é burro.
como lidar criticamente com o camp? o filme passa na sessão da tarde como um musical pastelão, mas na real é uma exposição pornográfica da dinâmica libidinal do capitalismo tardio, o próprio "catalogo das pulsões" do neoliberalismo. sinceramente não sei o que é ideologicamente pior,
o final 'oficial', em que eles se casam e seguem a vida como se nada houvesse ocorrido, com a plantinha-capital marcando sua presença ali como necessidade ou o final explícito em que o sujeito automático do processo devora todo mundo.
é verdadeiramente bizarra e enigmática esta filmagem do espetáculo teatral dirigido por rossellini. mas creio que, para além dos reducionismos biográficos, algumas observações sobre o que é propriamente imanente à obra podem ser feitas.
o esquisitíssimo processo de colorização do filme não pode ser tomado como simples limitação técnica. a fotografia sombria e dividida entre azul e vermelho, assim como os enquadramentos oblíquos do filme, estabelecem um claro diálogo não apenas com o barroco italiano e seus contrastes e paradoxos insolúveis, mas com a fotografia estonteantemente clara e colorida e os enquadramentos avassaladoramente abertos do filme espetacular (no duplo sentido) de victor flemming. se, para este último, o ponto de vista da canonização de joana d'arc serve como reconciliador da desdita da heroína, começando e terminando com o livro ricamente adornado do qual nos é apresentada sua história como a memória de um mártir, a versão de rossellini começa e termina com a fogueira vista desde o céu, colocando o espectador no ponto de vista do divino. abstraídos os sentidos que damos à memória da santa, a trajetória de joana no filme, desde a fogueira até a sua recapitulação das desventuras no sombrio purgatório e de novo para a fogueira se torna, por si mesmo, um martírio infinito porque injustificado. em primeiro lugar, é como se o olhar impassível de Deus diante da crueldade irreconciliada de seu sofrimento só pudesse ser um olhar cruel; mas, mais ainda, é como se a justificação que nós mesmos fazemos de seu martírio constituísse uma usurpação dessa posição julgadora de Deus.
o estonteante espetáculo (em todos os sentidos da palavra) que constitui um filme de victor flemming nunca fica abaixo de si mesmo nesse quesito. no entanto, é preciso ter em conta que o êxtase religioso é, aqui, irreversivelmente transformado pela idealização de um passado cultural de identificação irrefletida no interior do mito. esse é um traço recorrente nos filmes de flamming: a fotografia impossivelmente intensa e, nesse filme, quase expressionista em alguns momentos é o recurso que busca borrar a distância cultural realmente existente entre nós e o mundo devocional que o filme nos apresenta, numa admissão tácita de que a devoção não se sustenta mais por si mesma. o papel de suas heroínas, joana d'arc sendo a mais impossivelmente altiva e resiliente de todas, queimada na fogueira por sua identificação inquestionada com o cristianismo, é então o de insistir na possibilidade da pureza e da sinceridade numa cultura irreversivelmente torcida pelo cinismo. para que isso esteja bem assegurado, contudo, é preciso que já saibamos desde o princípio que todo seu esforço valeu a pena, e assim, entre nossa desesperança e a intensidade da desdita da protagonista brilhantemente interpretada por bergman precisa ser interposta desde o início o artifício de que a história está sendo contada desde o ponto de vista da canonização de joana d'arc. além do discurso do padre sobre a persistência de sua memória e a luz divina que desce dos céus para abençoá-la, logo após a dor orgástica da cena da fogueira, vemos de novo o livro do qual a história é lida: the end.
não faz mais que coletar o imaginário popular sobre os "homens das cavernas" e condensá-lo em duas horas infernalmente entediantes. no máximo um exercício interessante de roteirização sem diálogo, mas de uma forma quase pueril.
steve vai, vergonhosamente, é o melhor ator do filme. e infelizmente não se sustenta um filme inteiro apenas com uma premissa interessante e uma cena boa.
apesar do brilhante time de entrevistados, o documentário os explorou muito mal, com pouquíssimo desenvolvimento para além dos elogios banais que qualquer um podia fazer. vale mais a pena pela seleção eletrizante de performances ao vivo e pelo trabalho de documentar, ainda que de maneira medíocre, a história dessa imensa banda.
o filme se destaca pela fotografia ousadíssima para sua época. somente huston e sua visão de pintor poderia reproduzir as paletas de cores e repetir os enquadramentos e perspectivas oblíquas de toulouse-lautrec pintando sua vida com a câmera da forma que henri gostaria que o fizesse: sem choro nem vela e com a leveza ébria de uma vedete.
de que é um gayxploitation com um roteiro cliché, acho que só discordam os que não conseguem se separar do cativante filme que viram depois que ele acaba, o que é perfeitamente compreensível, aliás. agora, já ver qualquer filme numa checagem do quanto ele é "problemático", "reproduz", de quantos humilhados foram exaltados... é sinal de insensibilidade com as próprias questões que se reivindica. diz oscar wilde, apropriadamente: "aqueles que encontram sentidos feios em coisas bonitas são corrompidos sem serem charmosos. isso é um erro."
genial em muitos níveis! por baixo de uma farça em que é impossível decidir entre o estômago embrulhado pela sucessão estonteante de plot twists e o riso escancarado é possível ver o brilho de uma grande afirmação do poder da arte contra o avanço do nazismo e do reacionarismo. sempre hilário e sempre atualíssimo.
Bohemian Rhapsody
4.1 2,2K Assista Agoraa cada uma das intermináveis vezes em que o filme forçava uma cena do tipo 'como nasceu o hit', eu sentia vontade de morrer. em cenas como a reconstrução do clipe de 'i want to break free', é vexaminoso perceber que o freddie mercury era um ator melhor do que o malek, que não atua, mas faz uma imitação estilo stand-up comedy. isso entra em sintonia com a bem sucedida empreitada do filme de não fugir de um único cliché ou um único estereótipo de gay, estrela do rock ou gênio incompreendido. tudo pra arrancar uma lágrima ou uma dancinha. pra um 'melhores momentos' do queen, teria sido bem melhor ligar a reprodução automática no youtube do que dar dinheiro nisso.
Caixa de Pássaros
3.4 2,3K Assista Agoramesmo a premissa não é tão original assim, mas podia ser bem melhor desenvolvida. uma acumulação infinita de diálogos rasos, personagens estereotipados e a necessidade abominável do audiovisual americano de atenuar tudo com alívios cômicos incessantes. se vale como alegoria desse inominável do sofrimento contemporâneo e dessa aceitação de horizontes de expectativa rebaixados, isso é soterrado sob tanta superficialidade que o filme fica abaixo da crítica que ele próprio se propõe a realizar. pior que um filme que é obviamente burro, só um filme que convence as pessoas que é inteligente mas é burro.
Videodrome: A Síndrome do Vídeo
3.7 546 Assista Agoraesse é um filme sobre fake news, o plot mundial da extrema-direita e a pós-verdade. não tem como ter sido filmado em 1983.
a última cena, em que max vê a cena de sua auto-aniquilação filmada antes de concretizá-la é clara a esse respeito.
Duas Mulheres
4.3 69 Assista Agoraum filme bonito, mas nada comparado às obras primas do vittorio de sica.
A Pequena Loja dos Horrores
3.6 234 Assista Agoracomo lidar criticamente com o camp? o filme passa na sessão da tarde como um musical pastelão, mas na real é uma exposição pornográfica da dinâmica libidinal do capitalismo tardio, o próprio "catalogo das pulsões" do neoliberalismo. sinceramente não sei o que é ideologicamente pior,
o final 'oficial', em que eles se casam e seguem a vida como se nada houvesse ocorrido, com a plantinha-capital marcando sua presença ali como necessidade ou o final explícito em que o sujeito automático do processo devora todo mundo.
Joana d'Arc de Rossellini
3.6 8é verdadeiramente bizarra e enigmática esta filmagem do espetáculo teatral dirigido por rossellini. mas creio que, para além dos reducionismos biográficos, algumas observações sobre o que é propriamente imanente à obra podem ser feitas.
o esquisitíssimo processo de colorização do filme não pode ser tomado como simples limitação técnica. a fotografia sombria e dividida entre azul e vermelho, assim como os enquadramentos oblíquos do filme, estabelecem um claro diálogo não apenas com o barroco italiano e seus contrastes e paradoxos insolúveis, mas com a fotografia estonteantemente clara e colorida e os enquadramentos avassaladoramente abertos do filme espetacular (no duplo sentido) de victor flemming. se, para este último, o ponto de vista da canonização de joana d'arc serve como reconciliador da desdita da heroína, começando e terminando com o livro ricamente adornado do qual nos é apresentada sua história como a memória de um mártir, a versão de rossellini começa e termina com a fogueira vista desde o céu, colocando o espectador no ponto de vista do divino. abstraídos os sentidos que damos à memória da santa, a trajetória de joana no filme, desde a fogueira até a sua recapitulação das desventuras no sombrio purgatório e de novo para a fogueira se torna, por si mesmo, um martírio infinito porque injustificado. em primeiro lugar, é como se o olhar impassível de Deus diante da crueldade irreconciliada de seu sofrimento só pudesse ser um olhar cruel; mas, mais ainda, é como se a justificação que nós mesmos fazemos de seu martírio constituísse uma usurpação dessa posição julgadora de Deus.
Joana D'Arc
3.5 27 Assista Agorao estonteante espetáculo (em todos os sentidos da palavra) que constitui um filme de victor flemming nunca fica abaixo de si mesmo nesse quesito. no entanto, é preciso ter em conta que o êxtase religioso é, aqui, irreversivelmente transformado pela idealização de um passado cultural de identificação irrefletida no interior do mito. esse é um traço recorrente nos filmes de flamming: a fotografia impossivelmente intensa e, nesse filme, quase expressionista em alguns momentos é o recurso que busca borrar a distância cultural realmente existente entre nós e o mundo devocional que o filme nos apresenta, numa admissão tácita de que a devoção não se sustenta mais por si mesma. o papel de suas heroínas, joana d'arc sendo a mais impossivelmente altiva e resiliente de todas, queimada na fogueira por sua identificação inquestionada com o cristianismo, é então o de insistir na possibilidade da pureza e da sinceridade numa cultura irreversivelmente torcida pelo cinismo. para que isso esteja bem assegurado, contudo, é preciso que já saibamos desde o princípio que todo seu esforço valeu a pena, e assim, entre nossa desesperança e a intensidade da desdita da protagonista brilhantemente interpretada por bergman precisa ser interposta desde o início o artifício de que a história está sendo contada desde o ponto de vista da canonização de joana d'arc. além do discurso do padre sobre a persistência de sua memória e a luz divina que desce dos céus para abençoá-la, logo após a dor orgástica da cena da fogueira, vemos de novo o livro do qual a história é lida: the end.
A Guerra do Fogo
3.6 352não faz mais que coletar o imaginário popular sobre os "homens das cavernas" e condensá-lo em duas horas infernalmente entediantes. no máximo um exercício interessante de roteirização sem diálogo, mas de uma forma quase pueril.
A Encruzilhada
4.0 273 Assista Agorasteve vai, vergonhosamente, é o melhor ator do filme. e infelizmente não se sustenta um filme inteiro apenas com uma premissa interessante e uma cena boa.
We Jam Econo: The Story of the Minutemen
3.9 3apesar do brilhante time de entrevistados, o documentário os explorou muito mal, com pouquíssimo desenvolvimento para além dos elogios banais que qualquer um podia fazer. vale mais a pena pela seleção eletrizante de performances ao vivo e pelo trabalho de documentar, ainda que de maneira medíocre, a história dessa imensa banda.
Ladrão de Alcova
4.0 34lubitsch. com seus diálogos, suas transições e suas... portas!
Moulin Rouge
3.9 32 Assista Agorao filme se destaca pela fotografia ousadíssima para sua época. somente huston e sua visão de pintor poderia reproduzir as paletas de cores e repetir os enquadramentos e perspectivas oblíquas de toulouse-lautrec pintando sua vida com a câmera da forma que henri gostaria que o fizesse: sem choro nem vela e com a leveza ébria de uma vedete.
Me Chame Pelo Seu Nome
4.1 2,6K Assista Agorade que é um gayxploitation com um roteiro cliché, acho que só discordam os que não conseguem se separar do cativante filme que viram depois que ele acaba, o que é perfeitamente compreensível, aliás. agora, já ver qualquer filme numa checagem do quanto ele é "problemático", "reproduz", de quantos humilhados foram exaltados... é sinal de insensibilidade com as próprias questões que se reivindica. diz oscar wilde, apropriadamente: "aqueles que encontram sentidos feios em coisas bonitas são corrompidos sem serem charmosos. isso é um erro."
Ser ou Não Ser
4.4 68genial em muitos níveis! por baixo de uma farça em que é impossível decidir entre o estômago embrulhado pela sucessão estonteante de plot twists e o riso escancarado é possível ver o brilho de uma grande afirmação do poder da arte contra o avanço do nazismo e do reacionarismo. sempre hilário e sempre atualíssimo.
Intriga Internacional
4.1 348 Assista AgoraQuem achou que esse filme é sobre o roteiro de intriga de espiões, não entendeu nada. Revejam a última cena e "gozem" o filme com um outro olhar. rs