"Homem-Formiga" é uma divertida - porém enfadonha - recriação de Cinderela, sem a princesa, mas também com o homem comum, e sem a fada madrinha, mas também com um mentor de dotes especiais. E os animais fofinhos que ajudam a Gata-Borralheira a arrumar a cama foram trocados por insetos fofinhos com personalidades caninas, que também ajudam o Homem-Formiga a arrumar a cama e açucarar o café.
Nas primeiras décadas do século passado, Walter Benjamin já previa a massificação da sociedade de consumo num antro extremamente capitalista. Em era de selfies, smartphones e projeções holográficas, o futuro não tardou em chegar, e, aquilo que antes poderia ser visto como um pensamento revolucionário da ficção científica, aos poucos adentra o cotidiano de milhões de habitantes nessa massa terrestre. A ciência, ao lado da tecnologia, contribuiu para avanços indeléveis para uma melhor qualidade de vida, e, num passo maior que seu manipulador, o ser humano, cada vez prova a falta de proximidade da criação a um simples ato divino ou sobrenatural. A evolução de experiências genéticas, hoje em dia, comprovam que o homem tem o poder de criar, de dar a vida longe dos confins da natureza e inerente à espécie. O ser humano é o seu próprio deus. Em 1993, Spielberg nos mostrou em seu apocalíptico "Jurassic Park" um mundo onde a esperança nem sempre se coincide com a salvação. A natureza, que sempre existiu, seja em mínimas partículas, é que detém o total controle do mundo. O homem, visando sempre um status hegemônico, transforma seu potencial criativo em uma arma contra a própria espécie. Isso não só por recriar uma raça animal já extinta há milhões de anos, mas por gerar com isso um safari de violento interesse de capital. A chamada "indústria cultural", que vende ideologias a troco de molduras, de sensações irreais e longe da aproximação da quintessência de uma criação. Uma análise possível; embora num filme com igual propósito rentável, o consumo de cadeiras de divertimento e vendas de pipocas e refrigerantes. De qualquer forma, um propósito do qual o Cinema também sempre se apoderou. Paradoxalmente, "Jurassic Park", um filme realizado na última década do século passado, mesmo com essa visão negativa e urgente, tornou-se um clássico absoluto. Seu sucesso também se advém da criação, a criação cinematográfica. O filme pega a última fase dos bonecos, das maquetes, de toda uma construção criativa que hoje se perdeu - muito - com a facilidade do digital. Vinte e dois anos depois da primeira parte da franquia, "Jurassic World" reabre as portas de um parque que muito mexeu com o nosso imaginário. A verossimilhança alcançada com o primeiro filme se pagava, antes mesmo dos dinossauros críveis, com o desejo latente do homem em entender a sua origem e seu propósito de vida. Defrontar com o passado permite um encontro psicológico com a dúvida do "eu". Em contrapartida, "Jurassic World", que possivelmente dará espaço a uma nova série, deixa claro, por mais de uma vez proferido pelas bocas de seus próprios personagens, que "no Jurassic World, nada é natural". A falta de realismo se permite pelo desencanto do digital. Um interesse filosófico se dissipa com a falta de realismo. Em termos cinematográficos, "Jurassic World" nada traz de novo de seu legado de 1993. É praticamente um remake preguiçoso em que reforça a exploração do animal, e o animal aqui sendo o primitivo, o dinossauro, ou o homem. A novidade é a transformação genética em um das espécies de T-Rex, tornando-o um ser monstruoso com uma capacidade intelectual elevada. Em meio a isso, temos novamente crianças perdidas - em que o choque fraternal é inevitável - e arquétipos de personagens dos mais caricaturados. Talvez aí encontra-se uma outra novidade do filme: Jurassic World tem o Tarzan, rei da selva e amante dos bichos, e também Jane, a patricinha workaholic que rapidamente vira a rainha da selva e amante dos bichos. Um filme com tanta pretensão egocêntrica não dá espaço nem para um desenvolvimento interessante de seus personagens, interpretados por atores irregulares. O destaque vem do som, que, literalmente, transforma o passeio do espectador num espaço sensorial. A sala treme com os passos dos gigantes. Amedronta-nos e nos engole. Numa resolução banal e bastante clássica, envolvendo um duelo de Godzillas em proporções catastróficas como num filme de Rolland Emmerich, "Jurassic World" parece estar ciente de suas limitações e anseios monetários. O ingresso se paga, em parte, com momentos de mera diversão. Um preço caro, diga-se de passagem. Afinal, são R$14,00 numa meia-entrada, e isso graças a um cartão de banco (de plástico, advindo do petróleo, que só existe por causa de um fóssil, resquício de um dinossauro). Ah, os bancos, esses detentores de tantos parques de destruição.
Há espaço para a redenção no Cinema de Miller. Há espaço para Miller no chamado "Cinemão". Há Cinema, dos mais potentes, dentro do próprio Cinema de George Miller. Calou minha boca. GEORGE MILLER lacrou legal com esta obra-prima. O melhor filme de ação dos últimos... 30 anos? E parabéns aos envolvidos! É o mais próximo daquele termo "Cinema de Arte" que muita gente (talvez) use erroneamente. Para mim, MAD MAX: FURY ROAD é Arte bruta. Vale essaltar o grande trabalho sonoro! Fiquei surdo com Max umas 3 vezes. "Mad Max: Fury Road" resgata, numa porção de vezes, os sentidos no Cinema. A cena da tempestade de areia também, ó... E é lindo como o dia e a noite se transformam em quadros. Tem Salvador Dalí no Cinema de Miller. Tem Jim Henson no Cinema de Miller. Tem Rembrandt no Cinema de Miller. Tem até um Caravaggio na paisagem árida. E tem George Orwell num futuro incerto.
Caralho, que filmaço! Se Leos Carax, em 1986, fez de sua ficção científica "Mauvais Sang" uma alegoria à AIDS, agora foi a vez do jovem David Robert Mitchell abordar o tema com o terror. E um terror que não exatamente cria medo, mas um chamado "desespero". O desespero que poucos filmes de gênero conseguiram - quiçá a produção dos anos 80 seja absoluta neste quesito, unindo o desespero-mor com a diversão sádica. Pois bem, os superlativos aqui descritos se dão pela elegância na direção - uma clara influência do mestre John Carpenter - e pelo entusiasmo exótico/sexual/místico/profano/científico/alegórico de outro mestre, David Cronenberg. Posso dizer que "It Follows" é uma competente brincadeira-Cinema que perambula por "The Thing" e "Crash".
Cadê uma distribuidora brasileira?? Quero ver essa decupagem foda estourar numa tela de Cinema com a trilha igualmente perturbada!
"Já Visto Jamais Visto" é o apocalipse de Andrea Tonacci. Construído unicamente com imagens de arquivo pessoal do diretor e de fragmentos de seus filmes inacabados, Tonacci volta às origens, percorre suas memórias - que se confundem e se mesclam com a infância de seu filho, registrados com diversas texturas. É um filme de campo e contracampo das lembranças, e também um filme sobre Cinema. O potencial imagético, firmado pela montagem inteligente e não-linear, escancara um Cinema puro. Por vezes, a autonomia da imagem, sua organicidade, transforma a experiência em um terror, enquanto gênero, enquanto intima relação-identificação. Ao término da sessão, senti que o mundo havia acabado.
"A Margem", de Ozualdo Candeias, surpreende pela ousadia e hermetismo, uma obra de multi-interpretações, um documento extremamente atual sobre o homem e a (sua) natureza. Enquanto a primeira parte discorre um tipo de western-macumba, usando a câmera subjetiva de forma impressionante, surgem das margens - e de seus limites - duas histórias de amor, ao cabo em que as alegorias se fincam cada vez mais profundamente aos personagens, resultando numa poética ótica referente à deterioração urbana, o duelo do social e o reflexo narci-capitalista da espécie. É o "Ano Passado em Marienband" de Candeias, onde os corpos transitam, navegam, cospem fogo e dançam com a morte.
Cheio de boas intenções e com um uso do dispositivo bastante interessante. O suspense se sustentaria melhor não fosse a vertente moralista e careta do roteiro.
Novo trabalho do sueco Roy Andersson é a conclusão de sua trilogia sobre "ser um ser humano", iniciada com "Canções de Amor no Segundo Andar" e depois com "Vocês, os Vivos", dois trabalhos bastante autorais. Com este terceiro, é IMPRESSIONANTE como o diretor conseguiu subverter sua própria linguagem, alcançando uma síntese do Cinema. Daqueles filmes que você ri diante da genialidade e sente vontade de aplaudir durante sua exibição. E tudo muito simples, a tradicional câmera inerte, os enquadramentos abertos, a ausência de cortes e os personagens como clowns a la Buster Keaton, sempre maquiados, exagerados e pouco expressivos, que transitam séries de "esquetes" cômicas e existencialistas, divagando sobre o ambiente humano e profano, transcendendo tempo-espaço de forma singular. É Cinema. E com ele, Roy Andersson, irônico, só quer deixar um recado a essa sociedade que atira em pombos: "Estou feliz em saber que você está bem".
O cinema grego atual tem separado muitas opiniões. Particularmente, gosto muito de "Kynodantas", "Miss Violence" e "O Garoto que Come Alpiste", que nasceram do medo e opressão da situação financeira do país, sendo com pretensões de chocar, nem que para isso utilizem do mau gosto e do grotesco. Quando um filme me incomoda, já vejo como algo positivo. O incômodo gera a reflexão. De qualquer forma, "Antígona" me causou foi repulsa. Aqui, a pretensão falha e torna-se um teste de resistência. Não há uma explicação convincente ou crítica para os fatos, diferentemente dos outros filmes que citei. A submissão aqui é repulsiva e misógina.
Trama pouco interessante e personagens sem carisma marcam essa co-produção dos EUA e Argentina. Fotografia externa bonita, mas favorecida pela exorbitante paisagem. Contudo, a linda trilha-sonora é um deslumbre à parte. É ela que dá um clima delicado à obra, e, quando presente, sustenta as cenas. De resto, vazio.
Bennett Miller acerta mais uma vez com um filme biográfico e temático de esporte. Uma inteligente decupagem para um roteiro muito bem elaborado. Aquele tipo de filme que paira no ar um estranhamento quase perturbador. Fortes atuações e excelente trabalho de maquiagem constroem/desconstroem os personagens. Steve Carrell, irreconhecível e poderoso!!
Um filme curto, direto e funcional. O roteiro é curioso: um tipo de "retiro" para adolescentes grávidas, em que socializam-se ajudando uma as outras nos conflitos da gestação, e também tendo o auxílio de um acompanhamento porque não dizer psicológico. É simples, jovem, bonitinho... filme bem cara de "indie americano" saído de Sundance.
O turco Nuri Bilge Ceylan dessa vez parece ter evocado o iraniano Arghar Farhadi. "Winter Sleep" é formado por longos diálogos num antro quase teatral, lembrando bastante "A Separação". No entanto, Ceylan não coloca os seus personagens em frente ao juiz, mas sim à espreita do espectador, tornando-o um interlocutor e por si só juiz dos fatos dessa separação, que não limita-se à um problema conjugal, mas também ideológico. Dado momento do filme, a irmã recém separada do protagonista, sujeito erudito, cínico e pouco cordial, pergunta a ele: "É possível resistir ao mal?" O questionamento maior de "Winter Sleep" encontra-se nessa indagação. O mal, apenas vinculado à violência física, ou o mal sendo a ausência do "bem"? O homem, em pleno direito de cidadania, enclausurado no orgulho, na avareza e seu narcisismo. É louvável a direção de Ceylan, não só por conseguir sustentar as quase quatro horas de filme com difíceis diálogos (imagino como foi complexo para os atores!), mas maiormente pela síntese de mise-en-scéne. Seu Cinema flui como o sopro do vento de inverno. Sorrateiro e cortante.
Theo Angelopoulos e Marcelo Mastroiani. Theo Angelopoulos e Marcelo Mastroiani. Theo Angelopoulos e Marcelo Mastroiani... "Se alguém me perguntar, e provavelmente seja uma mulher, 'o que faz aqui?', eu responderei 'nada, estou apenas de passagem". O cineasta mais nostálgico do Cinema e seus personagens viajantes, sempre perdidos, sempre se perdendo, sempre passando aqui e ali, por nós. Passam e ficam eternamente em nossos pensamentos. Sexy, ardiloso, magistral. Filas de adjetivos a um filme feito para o Cinema, Cinema em sua pura essência. Ainda estupefato. Queridos amigos, tive a chance de ver um Angelopoulos no Cinema. Só isso já mudou a minha vida.
Os irmãos Dardenne nunca haviam me decepcionado. Num grau avaliativo, seus filmes nunca são menos do que "ótimo". Mas... Mas... Ai, que dor no coração! Dardennes dessa vez entregaram um trabalho mediano, preso em sua forma, batida e sintetizada numa jornada fabulística com destino a uma moral. Aliás, durante o filme tive uma sensação maluca. Percebi que os Dardenne sempre utilizam uma estrutura de alguns filmes iranianos. Uma criança vitimada pela sociedade, submissa, perde algo que para ela tem um imenso valor, assim vagando num "feetmovie", filme de jornada a pé pelos arredores, onde concentram-se os adultos hostis, e em que a índole e o caráter do homem são julgados. Se pararmos para pensar, os Dardenne fizeram exatamente isso em "A Promessa", "A Criança" e "Rosetta", por exemplo. Gosto disso, e do campo que eles sempre optam por cavoucar: a vida do homem simples, comum, e o poderio opressor do "senhor burguês". "Dois Dias, Uma Noite" parte de uma mais uma perda, embora não física, mas que é sempre material, perturbando o emocional. O roteiro simples e os atores competentes não conseguem transformar este trabalho em nada menos fundamentalista. Uma pena. Uma hora isso ia acontecer.
Mais um documentário sobre lembranças. Mais um relato bastante íntimo de uma relação com o tempo. O diretor acompanha os seus pais, juntos há 62 anos, num tipo de registro que funciona como uma carta de "acerto de contas". Direção criativa, que opta por mesclar essas imagens "triviais" do cotidiano com bonecos de fantoches, representando seus próprios pais, mas como coelhos. Lembrei muito dos quadrinhos de Art Spiegelman, "Maus", que curiosamente são constituídos de entrevistas com o pai do quadrinhista, perseguido na 2ª Guerra Mundial, em que os judeus são retratados literalmente como ratos, enquanto Hitler, um gato. O documentário de Peter Liechti também passa por esse assunto rapidamente, mas sempre muito focado nos aspectos religiosos e dogmáticos de uma geração dominada pelo conservadorismo e o preconceito. É de se pensar os limites éticos aqui presentes, pois a gravação transforma-se invasiva gradativamente.
Um desses filmes "obscuros" que provavelmente passará despercebido na Mostra, e vai ser uma pena, porque já é um dos meus preferidos! Sou suspeito para falar de filmes que lidam com a "memória". A viagem através das recordações sempre me fascinou. Esse belo documentário espanhol parte de um registro simplista e intimista de um casal, passando pelas lembranças de uma tia do diretor e autor das imagens. Com isso, mostra-se posteriormente o que o tempo pode criar, unir e evocar. Um poético ensaio do físico e psíquico. É a vida e o sexo. A natureza em seu potencial de criação.
Curioso e autêntico western, mas da Alemanha! Todo o arquétipo do "forasteiro misterioso" que chega no vilarejo trazendo consigo um rio de sangue. A direção é competente e, quando não clássica, flerta com a cultura pop. É como se víssemos a violência estetizada de Tarantino e a elegância, por vezes irônica, dos Coen.
Filme esquisitíssimo e por vezes surreal. Produção polonesa encanta pela simplicidade e delicadeza das imagens. Um filme sobre obsessões, com personagens divertidos e bastante improváveis, mas não menos deliciosos! A trilha traz toda uma mística quase onírica, muito condizente. Imperdível!
Assayas tem uma linguagem acima dos padrões. Seu Cinema é autêntico, moderno, mundano-humano. É isso. Assayas faz aqui seu filme bergmaniano, que conversa diretamente com o também excelente "Maps to the Stars" do Cronenberg. Acima das nuvens ficam as estrelas. É isso. Um filme do estrelismo, da depravação midiática e dos fantasmas do palco, palco enquanto arte, enquanto a existência. Cinema de reflexos.
Pseudo-road-movie do Paquistão que perde a chance da premissa interessante do roteiro, tornando-se um melodramático e previsível filme de moldes americanos. O mais bonito é ver as cores vibrantes do figurino das protagonistas na paisagem árida.
Homem-Formiga
3.7 2,0K Assista Agora"Homem-Formiga" é uma divertida - porém enfadonha - recriação de Cinderela, sem a princesa, mas também com o homem comum, e sem a fada madrinha, mas também com um mentor de dotes especiais. E os animais fofinhos que ajudam a Gata-Borralheira a arrumar a cama foram trocados por insetos fofinhos com personalidades caninas, que também ajudam o Homem-Formiga a arrumar a cama e açucarar o café.
É a Marvel mais Disney do que nunca!
Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros
3.6 3,0K Assista AgoraNas primeiras décadas do século passado, Walter Benjamin já previa a massificação da sociedade de consumo num antro extremamente capitalista. Em era de selfies, smartphones e projeções holográficas, o futuro não tardou em chegar, e, aquilo que antes poderia ser visto como um pensamento revolucionário da ficção científica, aos poucos adentra o cotidiano de milhões de habitantes nessa massa terrestre. A ciência, ao lado da tecnologia, contribuiu para avanços indeléveis para uma melhor qualidade de vida, e, num passo maior que seu manipulador, o ser humano, cada vez prova a falta de proximidade da criação a um simples ato divino ou sobrenatural. A evolução de experiências genéticas, hoje em dia, comprovam que o homem tem o poder de criar, de dar a vida longe dos confins da natureza e inerente à espécie. O ser humano é o seu próprio deus.
Em 1993, Spielberg nos mostrou em seu apocalíptico "Jurassic Park" um mundo onde a esperança nem sempre se coincide com a salvação. A natureza, que sempre existiu, seja em mínimas partículas, é que detém o total controle do mundo. O homem, visando sempre um status hegemônico, transforma seu potencial criativo em uma arma contra a própria espécie. Isso não só por recriar uma raça animal já extinta há milhões de anos, mas por gerar com isso um safari de violento interesse de capital. A chamada "indústria cultural", que vende ideologias a troco de molduras, de sensações irreais e longe da aproximação da quintessência de uma criação. Uma análise possível; embora num filme com igual propósito rentável, o consumo de cadeiras de divertimento e vendas de pipocas e refrigerantes. De qualquer forma, um propósito do qual o Cinema também sempre se apoderou.
Paradoxalmente, "Jurassic Park", um filme realizado na última década do século passado, mesmo com essa visão negativa e urgente, tornou-se um clássico absoluto. Seu sucesso também se advém da criação, a criação cinematográfica. O filme pega a última fase dos bonecos, das maquetes, de toda uma construção criativa que hoje se perdeu - muito - com a facilidade do digital. Vinte e dois anos depois da primeira parte da franquia, "Jurassic World" reabre as portas de um parque que muito mexeu com o nosso imaginário. A verossimilhança alcançada com o primeiro filme se pagava, antes mesmo dos dinossauros críveis, com o desejo latente do homem em entender a sua origem e seu propósito de vida. Defrontar com o passado permite um encontro psicológico com a dúvida do "eu". Em contrapartida, "Jurassic World", que possivelmente dará espaço a uma nova série, deixa claro, por mais de uma vez proferido pelas bocas de seus próprios personagens, que "no Jurassic World, nada é natural". A falta de realismo se permite pelo desencanto do digital. Um interesse filosófico se dissipa com a falta de realismo.
Em termos cinematográficos, "Jurassic World" nada traz de novo de seu legado de 1993. É praticamente um remake preguiçoso em que reforça a exploração do animal, e o animal aqui sendo o primitivo, o dinossauro, ou o homem. A novidade é a transformação genética em um das espécies de T-Rex, tornando-o um ser monstruoso com uma capacidade intelectual elevada. Em meio a isso, temos novamente crianças perdidas - em que o choque fraternal é inevitável - e arquétipos de personagens dos mais caricaturados. Talvez aí encontra-se uma outra novidade do filme: Jurassic World tem o Tarzan, rei da selva e amante dos bichos, e também Jane, a patricinha workaholic que rapidamente vira a rainha da selva e amante dos bichos. Um filme com tanta pretensão egocêntrica não dá espaço nem para um desenvolvimento interessante de seus personagens, interpretados por atores irregulares.
O destaque vem do som, que, literalmente, transforma o passeio do espectador num espaço sensorial. A sala treme com os passos dos gigantes. Amedronta-nos e nos engole.
Numa resolução banal e bastante clássica, envolvendo um duelo de Godzillas em proporções catastróficas como num filme de Rolland Emmerich, "Jurassic World" parece estar ciente de suas limitações e anseios monetários. O ingresso se paga, em parte, com momentos de mera diversão. Um preço caro, diga-se de passagem. Afinal, são R$14,00 numa meia-entrada, e isso graças a um cartão de banco (de plástico, advindo do petróleo, que só existe por causa de um fóssil, resquício de um dinossauro).
Ah, os bancos, esses detentores de tantos parques de destruição.
Mad Max: Estrada da Fúria
4.2 4,7K Assista AgoraHá espaço para a redenção no Cinema de Miller. Há espaço para Miller no chamado "Cinemão". Há Cinema, dos mais potentes, dentro do próprio Cinema de George Miller. Calou minha boca. GEORGE MILLER lacrou legal com esta obra-prima.
O melhor filme de ação dos últimos... 30 anos?
E parabéns aos envolvidos! É o mais próximo daquele termo "Cinema de Arte" que muita gente (talvez) use erroneamente. Para mim, MAD MAX: FURY ROAD é Arte bruta.
Vale essaltar o grande trabalho sonoro! Fiquei surdo com Max umas 3 vezes. "Mad Max: Fury Road" resgata, numa porção de vezes, os sentidos no Cinema. A cena da tempestade de areia também, ó... E é lindo como o dia e a noite se transformam em quadros. Tem Salvador Dalí no Cinema de Miller. Tem Jim Henson no Cinema de Miller. Tem Rembrandt no Cinema de Miller. Tem até um Caravaggio na paisagem árida. E tem George Orwell num futuro incerto.
Corrente do Mal
3.2 1,8K Assista AgoraCaralho, que filmaço! Se Leos Carax, em 1986, fez de sua ficção científica "Mauvais Sang" uma alegoria à AIDS, agora foi a vez do jovem David Robert Mitchell abordar o tema com o terror. E um terror que não exatamente cria medo, mas um chamado "desespero". O desespero que poucos filmes de gênero conseguiram - quiçá a produção dos anos 80 seja absoluta neste quesito, unindo o desespero-mor com a diversão sádica. Pois bem, os superlativos aqui descritos se dão pela elegância na direção - uma clara influência do mestre John Carpenter - e pelo entusiasmo exótico/sexual/místico/profano/científico/alegórico de outro mestre, David Cronenberg. Posso dizer que "It Follows" é uma competente brincadeira-Cinema que perambula por "The Thing" e "Crash".
Cadê uma distribuidora brasileira?? Quero ver essa decupagem foda estourar numa tela de Cinema com a trilha igualmente perturbada!
Verdades e Mentiras
4.3 69Vertigem.
Já Visto Jamais Visto
3.8 7"Já Visto Jamais Visto" é o apocalipse de Andrea Tonacci. Construído unicamente com imagens de arquivo pessoal do diretor e de fragmentos de seus filmes inacabados, Tonacci volta às origens, percorre suas memórias - que se confundem e se mesclam com a infância de seu filho, registrados com diversas texturas. É um filme de campo e contracampo das lembranças, e também um filme sobre Cinema. O potencial imagético, firmado pela montagem inteligente e não-linear, escancara um Cinema puro. Por vezes, a autonomia da imagem, sua organicidade, transforma a experiência em um terror, enquanto gênero, enquanto intima relação-identificação. Ao término da sessão, senti que o mundo havia acabado.
A Margem
4.0 28"A Margem", de Ozualdo Candeias, surpreende pela ousadia e hermetismo, uma obra de multi-interpretações, um documento extremamente atual sobre o homem e a (sua) natureza. Enquanto a primeira parte discorre um tipo de western-macumba, usando a câmera subjetiva de forma impressionante, surgem das margens - e de seus limites - duas histórias de amor, ao cabo em que as alegorias se fincam cada vez mais profundamente aos personagens, resultando numa poética ótica referente à deterioração urbana, o duelo do social e o reflexo narci-capitalista da espécie. É o "Ano Passado em Marienband" de Candeias, onde os corpos transitam, navegam, cospem fogo e dançam com a morte.
Monstros
3.0 315 Assista AgoraEstranhamento belo.
Assim na Terra Como no Inferno
3.2 1,0K Assista AgoraCheio de boas intenções e com um uso do dispositivo bastante interessante. O suspense se sustentaria melhor não fosse a vertente moralista e careta do roteiro.
Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência
3.6 267 Assista AgoraNovo trabalho do sueco Roy Andersson é a conclusão de sua trilogia sobre "ser um ser humano", iniciada com "Canções de Amor no Segundo Andar" e depois com "Vocês, os Vivos", dois trabalhos bastante autorais. Com este terceiro, é IMPRESSIONANTE como o diretor conseguiu subverter sua própria linguagem, alcançando uma síntese do Cinema. Daqueles filmes que você ri diante da genialidade e sente vontade de aplaudir durante sua exibição. E tudo muito simples, a tradicional câmera inerte, os enquadramentos abertos, a ausência de cortes e os personagens como clowns a la Buster Keaton, sempre maquiados, exagerados e pouco expressivos, que transitam séries de "esquetes" cômicas e existencialistas, divagando sobre o ambiente humano e profano, transcendendo tempo-espaço de forma singular. É Cinema. E com ele, Roy Andersson, irônico, só quer deixar um recado a essa sociedade que atira em pombos: "Estou feliz em saber que você está bem".
O Retorno de Antígona
3.1 3O cinema grego atual tem separado muitas opiniões. Particularmente, gosto muito de "Kynodantas", "Miss Violence" e "O Garoto que Come Alpiste", que nasceram do medo e opressão da situação financeira do país, sendo com pretensões de chocar, nem que para isso utilizem do mau gosto e do grotesco. Quando um filme me incomoda, já vejo como algo positivo. O incômodo gera a reflexão. De qualquer forma, "Antígona" me causou foi repulsa. Aqui, a pretensão falha e torna-se um teste de resistência. Não há uma explicação convincente ou crítica para os fatos, diferentemente dos outros filmes que citei. A submissão aqui é repulsiva e misógina.
Algum Lugar Belo
2.7 2Trama pouco interessante e personagens sem carisma marcam essa co-produção dos EUA e Argentina. Fotografia externa bonita, mas favorecida pela exorbitante paisagem. Contudo, a linda trilha-sonora é um deslumbre à parte. É ela que dá um clima delicado à obra, e, quando presente, sustenta as cenas. De resto, vazio.
Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo
3.3 809 Assista AgoraBennett Miller acerta mais uma vez com um filme biográfico e temático de esporte. Uma inteligente decupagem para um roteiro muito bem elaborado. Aquele tipo de filme que paira no ar um estranhamento quase perturbador. Fortes atuações e excelente trabalho de maquiagem constroem/desconstroem os personagens. Steve Carrell, irreconhecível e poderoso!!
Período de Gestação
3.3 1Um filme curto, direto e funcional. O roteiro é curioso: um tipo de "retiro" para adolescentes grávidas, em que socializam-se ajudando uma as outras nos conflitos da gestação, e também tendo o auxílio de um acompanhamento porque não dizer psicológico. É simples, jovem, bonitinho... filme bem cara de "indie americano" saído de Sundance.
O Segredo das Águas
3.8 64 Assista AgoraUma ópera da natureza, uma ode à vida e à morte. Fábula transcendental e mística sobre a adolescência e as primeiras descobertas sexuais. Lindo!
Sono de Inverno
4.0 133 Assista AgoraO turco Nuri Bilge Ceylan dessa vez parece ter evocado o iraniano Arghar Farhadi. "Winter Sleep" é formado por longos diálogos num antro quase teatral, lembrando bastante "A Separação". No entanto, Ceylan não coloca os seus personagens em frente ao juiz, mas sim à espreita do espectador, tornando-o um interlocutor e por si só juiz dos fatos dessa separação, que não limita-se à um problema conjugal, mas também ideológico. Dado momento do filme, a irmã recém separada do protagonista, sujeito erudito, cínico e pouco cordial, pergunta a ele: "É possível resistir ao mal?" O questionamento maior de "Winter Sleep" encontra-se nessa indagação. O mal, apenas vinculado à violência física, ou o mal sendo a ausência do "bem"? O homem, em pleno direito de cidadania, enclausurado no orgulho, na avareza e seu narcisismo. É louvável a direção de Ceylan, não só por conseguir sustentar as quase quatro horas de filme com difíceis diálogos (imagino como foi complexo para os atores!), mas maiormente pela síntese de mise-en-scéne. Seu Cinema flui como o sopro do vento de inverno. Sorrateiro e cortante.
O Apicultor
4.1 16Theo Angelopoulos e Marcelo Mastroiani. Theo Angelopoulos e Marcelo Mastroiani. Theo Angelopoulos e Marcelo Mastroiani...
"Se alguém me perguntar, e provavelmente seja uma mulher, 'o que faz aqui?', eu responderei 'nada, estou apenas de passagem".
O cineasta mais nostálgico do Cinema e seus personagens viajantes, sempre perdidos, sempre se perdendo, sempre passando aqui e ali, por nós. Passam e ficam eternamente em nossos pensamentos. Sexy, ardiloso, magistral. Filas de adjetivos a um filme feito para o Cinema, Cinema em sua pura essência. Ainda estupefato. Queridos amigos, tive a chance de ver um Angelopoulos no Cinema. Só isso já mudou a minha vida.
Dois Dias, Uma Noite
3.9 542Os irmãos Dardenne nunca haviam me decepcionado. Num grau avaliativo, seus filmes nunca são menos do que "ótimo". Mas... Mas... Ai, que dor no coração! Dardennes dessa vez entregaram um trabalho mediano, preso em sua forma, batida e sintetizada numa jornada fabulística com destino a uma moral. Aliás, durante o filme tive uma sensação maluca. Percebi que os Dardenne sempre utilizam uma estrutura de alguns filmes iranianos. Uma criança vitimada pela sociedade, submissa, perde algo que para ela tem um imenso valor, assim vagando num "feetmovie", filme de jornada a pé pelos arredores, onde concentram-se os adultos hostis, e em que a índole e o caráter do homem são julgados. Se pararmos para pensar, os Dardenne fizeram exatamente isso em "A Promessa", "A Criança" e "Rosetta", por exemplo. Gosto disso, e do campo que eles sempre optam por cavoucar: a vida do homem simples, comum, e o poderio opressor do "senhor burguês". "Dois Dias, Uma Noite" parte de uma mais uma perda, embora não física, mas que é sempre material, perturbando o emocional. O roteiro simples e os atores competentes não conseguem transformar este trabalho em nada menos fundamentalista. Uma pena. Uma hora isso ia acontecer.
O jardim do pai
3.5 1 Assista AgoraMais um documentário sobre lembranças. Mais um relato bastante íntimo de uma relação com o tempo. O diretor acompanha os seus pais, juntos há 62 anos, num tipo de registro que funciona como uma carta de "acerto de contas". Direção criativa, que opta por mesclar essas imagens "triviais" do cotidiano com bonecos de fantoches, representando seus próprios pais, mas como coelhos. Lembrei muito dos quadrinhos de Art Spiegelman, "Maus", que curiosamente são constituídos de entrevistas com o pai do quadrinhista, perseguido na 2ª Guerra Mundial, em que os judeus são retratados literalmente como ratos, enquanto Hitler, um gato. O documentário de Peter Liechti também passa por esse assunto rapidamente, mas sempre muito focado nos aspectos religiosos e dogmáticos de uma geração dominada pelo conservadorismo e o preconceito. É de se pensar os limites éticos aqui presentes, pois a gravação transforma-se invasiva gradativamente.
A Selva Interior
3.4 1Um desses filmes "obscuros" que provavelmente passará despercebido na Mostra, e vai ser uma pena, porque já é um dos meus preferidos! Sou suspeito para falar de filmes que lidam com a "memória". A viagem através das recordações sempre me fascinou. Esse belo documentário espanhol parte de um registro simplista e intimista de um casal, passando pelas lembranças de uma tia do diretor e autor das imagens. Com isso, mostra-se posteriormente o que o tempo pode criar, unir e evocar. Um poético ensaio do físico e psíquico. É a vida e o sexo. A natureza em seu potencial de criação.
O Vale Sombrio
3.6 52Curioso e autêntico western, mas da Alemanha! Todo o arquétipo do "forasteiro misterioso" que chega no vilarejo trazendo consigo um rio de sangue. A direção é competente e, quando não clássica, flerta com a cultura pop. É como se víssemos a violência estetizada de Tarantino e a elegância, por vezes irônica, dos Coen.
Pequenas Atrações
3.6 3Filme esquisitíssimo e por vezes surreal. Produção polonesa encanta pela simplicidade e delicadeza das imagens. Um filme sobre obsessões, com personagens divertidos e bastante improváveis, mas não menos deliciosos! A trilha traz toda uma mística quase onírica, muito condizente. Imperdível!
Acima das Nuvens
3.6 400Assayas tem uma linguagem acima dos padrões. Seu Cinema é autêntico, moderno, mundano-humano. É isso. Assayas faz aqui seu filme bergmaniano, que conversa diretamente com o também excelente "Maps to the Stars" do Cronenberg. Acima das nuvens ficam as estrelas. É isso. Um filme do estrelismo, da depravação midiática e dos fantasmas do palco, palco enquanto arte, enquanto a existência. Cinema de reflexos.
Filha
3.4 24Pseudo-road-movie do Paquistão que perde a chance da premissa interessante do roteiro, tornando-se um melodramático e previsível filme de moldes americanos. O mais bonito é ver as cores vibrantes do figurino das protagonistas na paisagem árida.