Craven um pouco mais contido na violência, só que melhor narrativamente do que no "The Last House on the Left" ao trabalhar uma tese não tão diferente de seu filme anterior.
O diretor continua neste embate entre o civilizado e o primitivo que despedaça qualquer inocência e idealização da família americana. O embate entre os EUA desenvolvido e o inóspito interior do país esquecido pela família média.
Formalmente consolida uma câmera frenética que pouco consegue capturar o que acontece no espaço filmado, muito dos confrontos e das ações acontecem no extracampo, potencializando o frenesi junto da trilha sonora estridente. Alguns planos que soam realmente amadores e uma edição confusa são chaves para criar esta fricção entre o ideal e o caos do embate entre os mundos opostos. Ao fim soa tudo como um grande pesadelo que traumatiza a família americana.
Aparentemente todo diretor da época tem seu filme de abordar diretamente a farsa entre a família feliz que cozinha e troca sorrisos a todo momento e a podridão que acontece no mundo real. Junta isso com o pessimismo destes tempos pós hippies nos anos 70 e chegamos no que Craven esboça aqui.
Impossível não relacionar com o que Tobe Hooper viria a fazer - com qualidade incomparável - em seu clássico da serra elétrica, pois a visão de mundo é tão parecida e as estéticas deste submundo estadunidense conversam tanto entre si que soa como o mesmo universo.
É a ótica perdida de quem viu alguns de seus ideais perderem a disputa, alguns ídolos morrerem e uma guerra acontecendo no outro lado do mundo. Tudo contaminado pela violência.
Green força e reforça a ideia de Myers como algo sobre-humano, uma energia maligna destinada a assombrar aquele pequeno subúrbio que Carpenter tão bem imaginou no filme de 1978. E como consequência dessa sua eterna iminência de reaparecer e aniquilar mais alguns corpos genéricos daquela cidade, o diretor se interessa em desenvolver as pessoas que vivem presas neste trauma e neste medo da próxima volta de Myers.
Fazer um filme de Halloween focado no sentimento do subúrbio como um todo e não em um personagem em específico não é algo inovador nem necessariamente ruim - apesar de achar a abordagem de Zombie em H2 uma conciliação perfeita destas duas ideias, pois se interessava por uma personagem em específico ao mesmo tempo que criava sua cosmologia ao redor do estresse pós traumático de sua protagonista.
Ao encarar Michael Myers como a materialização do medo sob a ótica de um tempo e de um autor, Green traz a sua leitura de qual seria o medo da atualidade. Para Carpenter, por exemplo, Myers era, claro, a repressão sexual e também o extermínio dos que não acreditaram no Boogieman, no sobrenatural (tema recorrente do diretor, inclusive). Aqui, é impossível desviar do comentário político que o diretor tenta esboçar com sua proposta. O medo contemporâneo, então, - compartimentado em Myers - seria os traumas da geração passada somados ao sentimento de insegurança dos jovens, junto da falência da autoridade das instituições. Todo o recorte do outro fugitivo do sanatório vem para desenhar sua tese em cima dos justiceiros sociais de um EUA trumpista. Eu realmente gosto da ideia de se utilizar Myers desta forma, proporcionando que cada autor discuta sua concepção de medo - algo tão primordial do horror - de acordo com o tempo em que filma e de sua visão de mundo. Isso que faz Halloween tão gigante, é a universalização de um personagem em algo tão abstrato e relativo que é o medo.
Sobre o Myers em si, o problema é obviamente a banalização de seus atos e a inexistência de impacto que o diretor não consegue extrair dos atos de seu serial killer. O poder sobrenatural de Myers exige pouca exposição dos seus atos, pois a ideia é muito mais poderosa do que o que se pode mostrar em tela. Carpenter foi cirúrgico no fim do seu filme original quando mostra Myers no chão e depois desaparecido do local. Diz muito mais sobre a força de Myers do que qualquer assassinato que podemos ver ele cometer.
Aí Green vai pelo caminho oposto, empilha corpos, mata de diversos modos e, assim, vemos dissipar a "magia" do assassino. O que é justamente o oposto do que se deseja quando sua tese é transformá-lo em um super vilão superior(!!!). Sua excessiva exposição o humaniza, enquanto sua invencibilidade o superioriza. Não consigo conciliar as duas propostas em um só filme.
Já em relação à inexistência de impacto nas mortes em que filma, bom, isso é o sinal concreto de um diretor limitado em suas encenações. Não tem gore que sustente a falta de criatividade de Green, o que, dentro de um Slasher, é o básico para funcionar.
É inacreditável a aula de decupagem que é este filme, como o Carpenter consegue materializar a consciência da Christine em suas ações mesmo e não somente com os relatos de terceiros. A cena do engasgo dentro do carro continua uma das minhas favoritas justamente pela sua decupagem e edição, o modo como ele dá ritmo àquela interação carro/Leigh e cria tensão pelos planos detalhe do carro: o pino da porta, o rádio, as luzes acendendo, a maçaneta que não abre etc.
Inclusive seria tão pouco efetivo (e criativo) se Carpenter focasse em criar o "mito" de Christine apenas pelos relatos das personagens que se envolvem com a entidade; conseguir gerar este perigo vindo do carro - de um maneira bem maneirista mesmo, linda - dá outro tom pro filme, cada parte do carro sofre uma humanização que carrega um perigo diferente. São as luzes, o capô, o rádio, sua velocidade, sua invencibilidade, tudo isso sendo visto frontalmente, sem muita trucagem, é verdadeiramente Cinema Maneirista e ainda carrega uma estética de terror b que faz muito bem pra película.
O filme todo tem aspectos técnicos e de narrativa que são realmente aulas de Cinema e com um nível bem prático de percepção, fácil de notar habilidades geniais que Carpenter tem como poucos. Pra quem está iniciando em Cinema, Christine é um prato cheio para reconhecer a genialidade de um diretor e entender um pouco mais de encenação. Carpenter encenando um carro como uma entidade maligna e conseguindo transparecer a intenção de cada ato de um C-A-R-R-O é absolutamente incrível.
Inclusive, algo que notei nesta revisão de hoje e nunca vi ninguém comentando é como a primeira metade de "Christine" se relaciona tão bem com o curta The Red Balloon de 1956 (e não somente pela cor do objeto de fixação). Um protagonista que se hipnotiza por um bem material - deveras fútil - mas que no contexto da idade do personagem é um símbolo máximo de encanto e superioridade. Até que chega o clímax de pessimismo destes personagens com o mundo, a destruição deste símbolo como uma violência sexual mesmo (em "Christine" implícito mais diretamente pelo caráter feminino do carro, mas em The Red Balloon também é bem entendível o subtexto). O curta termina neste anti-clímax de destruição, enquanto o filme de Carpenter ruma por uma jornada bem incel que faz sentido com o desenvolvimento de Arnie.
Já vi o Carpenter dizer em entrevistas que não gosta muito do resultado que alcançou em Christine porque, segundo ele, ele não conseguiu criar este medo que o carro deve transparecer, mas eu discordo completamente. Nesta minha jornada de assistir sua filmografia cronologicamente e revisitar alguns de seus filmes que havia visto separadamente, "Christine" é minha obra favorita. Dizer que não é um filme carpenterniano é maluquice. Seu maneirismo está aqui. Seus personagens estão aqui. Sua visão sobre terror apoiada nas suas referências cinquentistas estão aqui. Uma trilha sonora primorosa está aqui.
Filme que carrega uma sensação de história sendo contada ao redor de uma fogueira mesmo, tem uma abordagem que engrandece as narrativas orais (a radialista então, está neste papel de velho que conta história de terror para as crianças na fogueira só que na versão moderna. Ela quem navega os adultos da cidade pelo relato da névoa - não existe diferença para o velho que abre o filme - e isso é muito, muito lindo de se pensar).
Mas o principal aqui ainda é como todos os personagens em nenhum momento realmente duvidam da capacidade desta névoa, não existe muito aquela abordagem de duvidar do sobrenatural ou tentar sempre levar para o lado científico da coisa e ir sendo sabotado e morto pelo incompreensível. Tem muito de um Cinema de horror pré-Psicose aqui, algo que inclusive o Carpenter sempre reforça nas entrevistas, que é seu encantamento pelos filmes de terror de 40/50 com aquela abordagem gótica/Romântica menos pé no chão. O que brilha meu olho aqui é justamente isso, como o filme e aquele universo da Baía abraça o ficcional tal qual um conto macabro contado entre amigos. Um povo que cresce ouvindo lendas não poderia duvidar de algo assim. Logo, é o oposto do subúrbio de Halloween que ignora as crianças que alertam sobre o Boogieman e por isso acabam mortos.
É um pensamento bem de Shyamalan premiar com a vida os personagens que abraçam o mítico e se preparam para enfrenta-lo, enquanto observamos os céticos sucumbirem. Incrível como seu filme de 1978 e The Fog se opõem em diversos aspectos e se completam como tese carpenterniana.
Terceira vez que assisto a Halloween. Cada sessão a experiência melhorava drasticamente, desta vez chegamos no ápice. Que absurdo é Carpenter, que absurdo é Halloween.
O olhar desesperado do psiquiatra ao final. A revisita aos lugares onde a Entidade Myers passou e sua respiração ao fundo. É a vigilância do Mal (incrível como Rob Zombie entendeu tão bem isso no seu 2º filme, por sinal) eternizada. A diluição da figura "humana" do assassino em um medo irracional que passa a ocupar todos os espaços daquele subúrbio. A construção de uma nova mitologia do Boogieman moderno.
O capítulo final da trilogia de Linklater - e seu melhor filme(!!!) - é a queda do véu de idealização romântica que, principalmente o primeiro capítulo, atinge de maneira formidável. E dentre os diversos aspectos em que podemos observar esta virada de chave, como o próprio conflito que permeia a trama, a fisicalidade dos protagonistas deturpada pelo tempo e a maturidade de suas relações, o que mais me chama a atenção para este novo tipo de olhar que Linklater capta o casal é a relação destes com a geografia com qual interagem.
Quem tem o 1º filme bem lembrado na memória, deve se recordar da importância de cada cenário na trajetória deles dois, cada atividade que desempenham em Praga remodela o espaço da cidade e deixa em si uma assinatura da passagem e da construção amorosa de Jesse e Celine. O diretor faz questão de consolidar esta ressignificação do espaço ao final do episódio, revisitando cada localidade após a utopia daquele encontro, captando o bar, a loja de discos, o parque, entre outros, sem a presença dos protagonistas. O vazio que vimos já possui outro significado, cada cadeira, mesa e objeto carregam outra dimensão, são resquícios de um amor que foi elaborado lá e foram eternizados pela vivência dos dois. Um bondinho deixa de ser um bondinho e se transforma no "lugar do primeiro beijo", o parque então, o local que concretiza o ápice daquele romance. A estação de trem, símbolo gigante no Cinema Americano, cheio de seus simbolismos, é a materialização do quão utópica e passageira foram aquelas 24h.
Enfim, em Before Midnight, mesmo estando em uma belíssima Grécia (que traz com si o peso da Tragédia), não há este tom de interação com o espaço, o tal sul do Peloponeso é irrelevante dentro da interação destes dois. Mesmo a pausa em uma conversa para comentar sobre as cabras, a admiração ao por do sol e a visita a uma igreja bizantina não são suficientes para se firmarem como momentos relevantes dentro da jornada dos dois. Sob um olhar idealista, como o do primeiro filme, aqueles momentos se tornariam ápices da paixão e cada detalhe na interação de Jesse e Celine seria captado com uma delicadeza que encontra o drama no mais singelo dos gestos.
Porém, este idealismo de 1994 - da juventude e da descoberta - ficou para trás e o cotidiano, o corriqueiro, é , ao mesmo tempo, a força motriz e a força destrutiva da relação de um casal. A discussão que planta a discórdia é fruto do mais simples dos conflitos, nada grandioso, extremo, mas uma decisão casual dentro da vida de duas pessoas. Ao mesmo que parece simples, é uma caixa de Pandora que coloca para fora todos os traumas e ressentimentos que cada um acumulou ao longo dos anos. O meio não possui mais nenhuma relevância para decidir a longevidade daqueles seres, apenas o modo como administrarão o dia a dia, essa faca de dois gumes, é que será o ponto crucial que colocará um ponto final ou não naquela vida.
Linklater traduz esta dinâmica em como olha aquela relação: Sai o olhar apurado em captar nuances de pequenos movimentos, olhadelas e toques, sai a contemplação ao espaço e o idealismo; entra um ponto de vista mais racional (olha ai a ironia com o que Jesse e Celine discutem) que traz um ultimato do diretor de como um relacionamento se sustenta. Não há viagem, amigos, hotéis e vinhos que garantam um relacionamento, senão um bom acordo e gestão destes ressentimentos que cada um guarda para si.
Pensando mais sobre como Linklater se interessa nisto aqui, gosto de divagar sobre como a abordagem do diretor sob corpos envelhecidos nos quais ele acompanhou por mais de duas décadas é tão pouco explorado - não que isso seja um problema. Mas já imaginaram como Claire Denis ou Clint Eastwood se interessariam em se debruçar neste aspecto e dissecar a passagem do tempo por meio de Jesse e Celine? Só um pensamento que me surgiu.
Por fim, acho que aqui Linklater se aproximou de um Pialat neste filme, pois filma com interesse a real matéria daqueles personagens, sem intermediações e maneirismos. Encontra um certo mal-estar intrínseco àquele mundo e tem um filme que começa e termina com a sensação de que há muito material fora da realidade daquele filme que não foi possível de ser captada.
Linklater tem uma visão muito bonita sobre o que deveria ser a juventude e seus filmes costumam abordar de algum modo situações que tentam blindar essa faixa etária do resto dos problemas do mundo - aqui facilmente representado como "The Man". Assim, seus personagens ficam livres para experienciar toda a beleza e liberdade de seu tempo de uma maneira bem hedonista, se libertando das imposições vindas dos adultos.
Essa definição serve exatamente bem para Dazed and Confused e até para Before Sunrise, aqui não é diferente. Linklater cria um microcosmo da sala de aula onde sua câmera flutua e aproveita toda a corporalidade do Jack Black e cada reação no rosto dos alunos para concretizar ali um sentimento que soa muito maior do que vemos em tela - exatamente como a festa em Dazed and Confused. Aquele lugar e cada causa e efeito que é gerada na interação entre professor e alunos é muito libertador e traz uma nostalgia que o Linklater faz como poucos. Os riffs reconhecíveis no instante que ouvimos, os CD's, os shows apresentados, cada referência ali é muito mais que um mero agrado ao espectador que se diverte em ver seus gostos culturais em tela, são símbolos que juntos constroem uma potência libertadora dentro daquela sala que representa muito do cinema do Linklater.
Rohmer, comparando Keaton com Chaplin, fala que as cenas do primeiro são tão autênticas no modo como se importam mais com o movimento em si do que com a significação psicológica que é quase impossível descreve-las para alguém e trazer junto sua dose de humor, pois ela esta toda contida em seu valor cinematográfico. Enquanto em Chaplin, a própria descrição da esquete já permite absorver um pouco do humor da cena e entender sua comédia mesmo sem ve-la.
A cena da bola de bilhar é a exemplificação perfeita para o que Rohmer argumenta, o que o Keaton constrói ali é digno de um Hitchcock. Há tempos que não ria genuinamente com uma cena.
No mais, o Cinema possibilita heróis, filma imaginários e educa homens que ainda não entenderam seu tempo.
Começa tão bem com o clima de aventura, um Goonies adulto, totalmente ingênuo e acreditando no potencial desta ideia, mas acaba tendendo para o mais genérico e batido efeito dos found footage de horror.
Interessante pensar o tal Cinema de gameplay aqui, as Go Pros na cabeça que viraram mais um facilitador para os found footage - como a Bruxa de Blair do Wingard - inserem o filme nesta lógica de jump cut de video game nos momentos de diálogo e game play ao passar pelos desafios de cada andar do subsolo (ou fases). Seria muito legal de ver o filme explorando um enredo apoiado na aventura e na fantasia abusando destes recursos, inserindo Alquimia, Templários e toda esta mitologia medieval de maneira tão verdadeira e empolgada como os primeiros momentos.
Tem alguns bons momentos que vão possibilitando o filme a continuar, a claustrofobia é bem presente naquele ambiente cheio de pedras, ossos e um bando de gente gritando. Mas, em resumo, me impressiona a incapacidade desses diretores em enquadrar uma maldita fresta - utilizam a câmera na mão mais como muleta para sua deficiência na linguagem do que como recurso autoral.
A mise-en-scène não morreu, ela se matou por causa desse bando de infeliz.
Otto Preminger é muito foda e o texto todo também. Muito sarcástico e ácido como o filme vai revelando o sistema político como algo maior que qualquer das figuras humanas que acompanhamos em tela, eles morrem e tudo continua como se nada tivesse acontecido, não há sequer um segundo de luto porque a roda tem que continuar girando. Enquanto seus atores estão rodando os quatro cantos em busca de articular seus interesses, dispostos a invadir a privacidade de seus rivais, a Política observa todos de cima, assim como o palanque que observa como um teatro toda a ação que ocorre entre os senadores. Os momentos de plongée de Preminger me soam justamente como esta visão superior do ~sistema que não sofre nenhum arranhão com tudo que está acontecendo. O próprio pano de fundo sobre o comunismo ou não do Secretário de Estado logo some e todo o enredo perde a "ideologia", a luta por uma ideia, e o que resta são só políticos querendo defender os seus e seus egos.
Entendo que seja um dos filmes menos apreciados do Linklater pela expectativa com que o espectador chega para ver um filme do diretor, esperamos aquele olhar naturalista sobre seus personagens, que mesmo dentro de uma decupagem bem formal, consegue transparecer uma sinceridade e um realismo sobre o que acontece em tela; queremos ver e ouvir conversas sobre assuntos banais, mas que pelas lentes do Linklater ganham um tom de filosofia do cotidiano que nos conquista justamente pela sua simplicidade.
Aqui em "Suburbia" é a bad trip de um Linklater mais convencional.
O filme é carregado de uma melancolia muito mais geral do que o contexto de subúrbio americano que o filme vai trabalhar, o sentimento que o diretor encontra aqui não está restrito a essa vivência de cidadezinha americana que parece deslocada de um mundo em desenvolvimento, serve para quase qualquer lugar e não só para os anos 90. É um coming of age que não parece muito com o gênero, mas ainda é. Seus personagens estão no baque de crescer e assumir responsabilidades, facilmente representada pelo confronto entre o paquistanês deslocado que tem objetivos de vida e um ex-militar que preso nesse limbo entre adolescência e vida adulta se perde no álcool. Personagens que já parecem crescidos, mas ainda não absorveram os comportamentos que se espera dessa sua fase, mas veem o resto do mundo mudar sem eles. Enquanto outros, soando como uma voz do próprio Linklater dentro do filme, buscam entender o valor de sua arte vindo desse interior, pairando entre aceitar essa vida pacata ou arriscar voos mais altos.
Eis que de repente o filme ganha uma camada de bad trip mesmo, uma confusão centralizada em Jeff que deixa toda aquela dinâmica - de inveja pelo sucesso alheio, tentativa de entendimento seu lugar no mundo e o valor da sua arte estando no meio do nada - de fundo e dá lugar a um susto muito mais tenso do que o que havia antes. Quase deslocado do resto do filme, é o ápice de confusão que a dinâmica de vida jovem e noturna poderia acarretar, é o sinal de alerta que as responsabilidades chegaram e o mundo continua evoluindo, os carros passando, a cidade crescendo e aquele grupo de pessoas precisando de uma vez se encontrar no mundo.
"Old" proporciona um pouco do gostinho que deve ter sido acompanhar a recepção de "A Vila" e "Fim dos Tempos" na época do lançamento, uma clara divisão em quem entende e embarca na ficção de Shyamalan e quem vai continuar se contorcendo para buscar incongruências e perguntas sem resposta.
Antes de entrar nos detalhes mais únicos de "Old", é fácil de afirmar que é completamente um filme do diretor. Quem acompanha sua carreira há algum tempo e conhece seus filmes anteriores, encontra basicamente todas suas "assinaturas" por aqui. A premissa possui o mais definitivo de seu Cinema: Família em pedaços introduzida em um conflito de compreensão inacessível por meio da razão, mas que por meio da crença na ficção consegue (re)enxergar suas semelhanças e alcançar a conciliação. Como dito, o poder da fantasia é basilar aqui, assim como o crítico de cinema que morre tentando entender o fantasioso em "Dama na Água" e o garoto que encontra a resposta em uma caixa de cereal, "Old" traz de novo estes mesmos arquétipos, os profissionais da Ciência tentando desvendar o misterioso, enquanto a resposta vem de uma brincadeira totalmente pueril. O conflito não existe para ser desvendando, mas para ser vivido.
Quando fiz um review de Dama, conclui o mesmo que concluo pós esta sessão: "...Só sobrevive quem acredita, não porque não questiona o que é dito, mas porque confia no poder da palavra e das histórias. Confia porque participa disso tudo e vê seu papel dentro da missão. Agora, quem se entende como leitor da realidade, que ao invés de participar, analisa, desconstrói a mensagem em busca de um significado escondido, termina morto por aquilo que buscou desmontar."
A cena noturna (aquela que deveria ser o final do filme) é o ponto alto de toda essa mitologia Shyamalaniana, na qual um dos protagonistas já idoso olha para o mar e pergunta "Por que queríamos sair desta praia mesmo? É tão bonita". Esta fala me pegou de um jeito muito forte, pois foram horas tentando controlar o incontrolável e ninguém se quer admirou a paisagem paradisíaca em que estavam. A gente luta tanto para não envelhecer e quando chegamos na velhice só gostaríamos de ter olhado as ondas do mar chegando em nosso pés. É até cafona, mas dentro desse Universo infantil, lúdico e completo de crença do Shya, um momento deste ganha toda a força do mundo, pois elucida um olhar perdido fora da ficção.
É menos um coming of age do Shya do que um estudo sobre nossa relação com o tempo. A esposa que trabalha com o passado e o marido que trabalha com o futuro, a criança que projeta sua vida adulta e a jovem bonita que luta para continuar com sua beleza juvenil. Ninguém ali simplesmente vivenciou os momentos que estavam presentes, até a viagem deslumbrante era apenas uma fuga para o casal decidir o que fazer no futuro em relação a doença e ao casamento. Por isso que aquele breve momento (bem irônico inclusive) em que as crianças brincavam de estátua na praia foi filmado com tanto vislumbre por Shyamalan, é o único momento em que o Agora era mais importante na dinâmica de seus personagens do que o tempo passado ou futuro.
O interesse não é tanto pela passagem para a vida adulta, mas sobre O QUE É a vida adulta, senão um arrependimento de não ter aproveitado melhor a vida quando alcançarmos a velhice.
Esta interação com o tempo não está somente dentro da premissa, mas é estimulada pela forma de "Old" também. As aparições do diretor em seus filmes, vez ou outra são mais que meros Cameos à Stan Lee. Em "Sinais", por exemplo, há um subtexto poderosíssimo de ser o diretor quem causou todo o mal na vida do pastor interpretado por Mel Gibson, o diálogo entre os dois é simplesmente incrível. Neste filme, o diretor ser quem leva seus personagens em direção à praia é basicamente seu papel como diretor, conduzindo suas criaturas pelo tempo, dilatando e comprimindo a experiência deles em sua criação. Observá-los de longe é dar vida a suas ideias e jogá-las ao mundo, entendendo como cada uma se comporta.
O diretor defende aqui, talvez mais diretamente do que em outros filmes seus, sua ideia de que o brilho infantil deve continuar sendo alimentado independente da idade; suas criaturas crianças e adultas ao mesmo tempo são o símbolo disto, às vezes vale dar uma pausa e fazer um castelo de areia enquanto o mundo a sua volta parece desabar. Você pode não gostar ou até achar bobo, mas é inegável como este homem sabe defender suas ideias e nos manipular tão bem para chegarmos até elas.
Cinema sobre uma época bem específica e que revela costumes e comportamentos que devem ter tido um impacto especial no momento em que foi lançado.
Filmando essa juventude pequena burguesa e culta pós-68 que em poucas frases referencia de Mick Jagger a Jorge Luis Borges, além de conhecer de cinema, teatro e música, Jean Eustache desnuda a liberdade que esses jovens pregavam abraçar e entra no íntimo de cada um de seus 3 personagens, explorando seus incômodos e as farpas de suas relações.
Como Luiz Oliveira Jr. contextualiza, Eustache existe neste recorte da pós-nouvelle vague, optando por uma recusa aos traços mais evidentes de encenação e buscando uma realidade mais direta e sem intermediações através da câmera, deixando de fora tudo que não fosse o mais necessário possível em sua mise en scene. Está entre um naturalismo livre de imposições do autor e um formalismo autoral que proporciona os personagens a terem estes momentos confrontando a câmera e o tempo.
É incrível como essa "otimização" da encenação proporciona tanto aprofundamento entre os 3 personagens; os diálogos tem seu tempo, deixam que cada costume panfletário da geração ganhe "poréns" e se mostre mais contraditório do que parece à primeira vista.
Ao final, Alexandre, Veronika e Marie estão desnudos em nossa frente, com todas suas fraquezas e inseguranças expostas, como ficaram boa parte do filme.
Ufa, continua tão encantador quanto da primeira vez, uns 5 anos atrás. Linklater, sem nenhuma grande "assinatura" no modo como maneja a linguagem, é um dos meus cineastas preferidos desde que descobri Cinema. Entendo que sua falta de julgamento, ironia ou qualquer mediação mais impositiva sobre seus personagens é o que mais conecta seus filmes com o público, resultado em sensações de como tudo em seu filme parece tão "real" e verdadeiro. Linklater é honesto e igualmente encantado pelo que retrata quanto nós, sua abordagem liberta cada personagem para soar maior do que aquilo que vemos em tela, circundados por um diretor que transforma essa potência em nostalgia(?), memória ou algo do tipo.
Dazed and Confused, em específico, é mais sobre um sentimento de época, tanto histórico, quanto de um período de vida, do que sobre seus personagens. É essa transição brusca da vida escolar e também o mundo de uma geração culturalmente confusa que paira entre o fim da psicodelia e a volta de um conservadorismo (representado pelos adultos) cultural/político. Desinteressados por qualquer discurso político mais forte, como a professora totalmente ignorada, e confusos a respeito do que acreditam e do que desejam para o futuro, este rompimento simbolizado pela escola é a fenda curtíssima para se apoiarem em um hedonismo regado a maconha e álcool.
Vai na calma e aproveita, esquece um pouco o futuro que vem depois do Aerosmith. Ser jovem é bom e Linklater sabe disso.
Magistral em tudo que se propõe a fazer. Sem necessitar de palavras, Murnau dá um valor tão representativo para um uniforme, traz a dualidade entre o Hotel da alta classe com o cortiço em que o funcionário vive apenas na montagem e utiliza a própria disposição do cenário para representar o trabalho no lavado como inferior, sendo necessário portas e escada para acessá-lo, descendo ao inferno do protagonista. Além de seus ângulos, closes, planos subjetivos, psicológicos e todo o dinamismo que entrega em momentos como o da fofoca entre as mulheres.
Diferente de muitos diretores que odeiam suas personagens, Murnau os ama e o epílogo é só uma leve redenção para alguém que em 90 minutos nos apegamos tanto.
Coisa rara ver um filme do Preminger com personagens com morais tão sólidas e com papéis de heróis e vilões tão estabelecidos. Seus filmes, muito pelo caráter noir, costumam trabalhar pessoas corrompidas e com atitudes dúbias que vão revelando debates morais enquanto traduzem suas personalidades em ações.
Aqui o enredo é mais simples e as posições bem mais evidentes. Personagem do Mitchum é o pagador de pecados que deseja a vida pacata e sem conflitos enquanto pode ensinar seus valores aofilho, enquanto Weston é a ganância do Velho Oeste que corrompe pessoas e as tornam sedentas pela riqueza. Com o conflito gerado, o herói do western precisa reforçar seus valores de lealdade e justiça e enfrentar a jornada contra o temível meio que o cerca.
Preminger utiliza muito bem do Cinemascope para mergulhar seus personagens na imensidão da geografia local, alternando os perigos entre natureza, bandidagem e o perigo indígena. A resolução é excelente ao reforçar este ciclo de ensinamentos que é feito ao filho e carrega uma melancolia de quem tenta se apegar a calmaria em uma terra que se move por conflitos.
Deixar esse trecho do Rivette (texto "The Essential") para consultar no meu estudo de Preminger:
"Preminger believes first in mise en scene, the creation of a precise complex of sets and characters, a network of relationships, an architecture of connections, an animated complex that seems suspended in space. What tempts him, if not the fashioning of a piece of crystal for transparency with ambiguous reflections and clear, sharp lines or the rendering audible of particular chords unheard and rare, in which the inexplicable beauty of the modulation suddenly justifies the ensemble of the phrase? This is probably the definition of a certain kind of preciosity, but its supreme and most secret form, since it does not come from the use of artifice, but from the determined and hazardous search for a note previously unheard; one can neither tire of hearing it, nor claim by deepening it to exhaust its enigma - the door to something beyond intellect, opening out on to the unknown."
Tão simples, mas tão provocador o modo como Preminger encena Whirpool. A conciliação do sombrio do Noir com o sobrenatural dos mind games do Korvo proporciona um obscuro e perigoso ambiente que o estilo noir já carrega em si ainda mais intensificado pelo modo como o sobrenatural opera de maneira sutil no filme. É esse casamento entre o olhar pessimista do noir com o misticismo que entra em cena que instiga tanto o espectador no filme de Preminger, remete demais ao que o Tourneur vinha fazendo em seus filmes Cat People e Leopard Man, pois os 3 filmes trabalham o perigo "sobrenatural" de canto, sem dar a ênfase que se espera a um elemento tão chamativo. O diretor insere esse "a mais" em sua trama e encara aquilo do mesmo modo que encena: às escondidas.
Além disso, o que mais gosto aqui é a dualidade Ciência (aqui a Psicanálise) vs Místico (aqui a hipnose) conflitando em cima da personagem de Gene Tierney.
Ainda lembrando de Tourneur, o conflito místico-científico é muito parecido com o que ele viria a fazer em Night of the Demon, lá mais diretamente nos próprios diálogos e nas intenções dos personagens, ao colocar em cheque a crença no místico e como suas personagens vão lidar com esse elemento ao solucionar seus casos.
Preminger parece muito interessado em trabalhar em seu cinema as divergências de pontos de vista que manipulam a narrativa a ser contada. Em "Whirpool" por colocar em cheque a autonomia das ações de Tierney, em "Laura" ao criar um mito pelo relato dos homens que se fascinam pela mulher, em "Bunny Lake" ao nos enganar durante o filme todo sem nunca manipular nada visualmente, só entregando pontos de vista e nos provocando a acreditar neles. São essas múltiplas visões de cada personagem que proporcionam o diretor a trabalhar a Moral de seu filme pelos seus personagens, cada um com perfis tão sólidos e representativos de um posicionamento interagem e criam situações que levam a assinatura de mise-en-scene do diretor, sua camera-stylo está na moral dos seus filmes, não é mesmo?
Filme que revela a consciência do próprio Cinema sobre os últimos respiros do gênero basilar do Cinema Americano. Era Uma Vez no Oeste é a poesia de olhar pela última vez um Universo tão explorado e manipulador das emoções de tanta gente por décadas, se confundindo com a própria história do país que localiza suas principais histórias.
E trazendo o anúncio dessa extinção da mitologia do Velho Oeste, vem o símbolo mor de toda esta história que se encerra, o trem chegando pela recém construída ferrovia, símbolo da modernidade e de uma nova era que chega ao lado menos desenvolvido do país.
Leone intermedia esse conto contemplativo no máximo de silêncio que consegue, aproveitando a própria diegese do filme para compor parte da trilha e aproveitando a genialidade de Morricone para assinar cada personagem com uma composição diferente. Os poucos diálogos são os necessários para contar esse embate entre Frank, um Henry Fonda todo de preto, sem escrúpulos e que já nos é apresentado com um dos piores dos crimes, e dois resquícios do faroeste, homens sem lei, rígidos e que sobrevivem pela moral ou pela ganância. Frutos da natureza que os cerca, árida e imensa, Bronson se confunde com a paisagem no meio daqueles canyons e por uma última vez age para defender a mitologia antes de ir sem rumo e sem volta.
Repensando em como o Preminger foi enganando a gente durante o filme todo, de início até parece que sua câmera atua em conjunto com os homens da trama para culpar Ann pelo desaparecimento da criança, mas logo me lembrei em como o diretor nos mostra os itens da criança quando a protagonista desencaixa seus pertences. Esse ponto é chave para reconhecer a qualidade do mistério que Preminger desenvolve aqui, pois quando voltamos no mesmo local e os itens desapareceram, a primeira coisa que me veio a mente foi de que a primeira vez que vimos os objetos de Bunny poderia ter sido uma perspectiva subjetiva de Ann e aqueles materiais, um delírio de sua cabeça. Quando na verdade, era muito mais simples do que isso, mas nós enquanto espectadores e membros dessa sociedade cogitamos primeiro duvidar da veracidade da imagem ao culpar Ann, assim como os outros personagens, do que questionar o que vimos anteriormente. Essas duas cenas funcionam como resumo perfeito do controle que Preminger obteve dos seus espectadores e de como conduziu por esses 110 minutos uma incógnita que nunca pareceu óbvia.
Não pesquisei, mas tenho a certeza que Brick deve ter aparecido muito para comparações com Under the Silver Lake na época de lançamento deste último. Dois filmes que renovam a abordagem Noir atual sem ser pastiche e sem se levar tão a sério, enquanto se assemelham muito na geografia, no perfil de protagonista e na estilização que dá vida a um Universo muito peculiar.
O filme do Mitchell é mais lisérgico que o do Johnson, explora a fundo a paranoia de seu personagem, a cultura pop e a busca por referências enquanto transita por uma Las Vegas que inevitavelmente remete a Cidade dos Sonhos e ao surrealismo que emana dessa estética que o filme consagrou. Johnson é mais pé no chão, opta por um maneirismo de encenação que aqui não leva tanto para a paranoia como Silver Lake, nem para um filme de detetive chapado à Vício Inerente, mas constrói um mundo de personagens e relações desprendidos de seriedade e simpáticos justamente por essa artificialidade.
Quando vi Knives Out fiquei encantado pelo controle de gênero que o diretor mostrou com o suspense de crime e a inventividade de dar uma cara nova pras convenções desse gênero em um filme que dialogava muito com a atualidade e fazia todo sentido dentro de um cinema mais pipoca. Brick só reforçou essa autoralidade do Johnson pra mim, o cara é um respiro pro blockbuster ao ser tão bom em encaixar traços tão pessoais de encenação com uma narrativa convencional de filme americano.
Brick já parte de uma ideia excelente que é repensar o noir em um cenário de colegial, colocando no lugar do detetive galã um nerdola desajustado que sempre parece estar há dias sem dormir, seu ajudante é outro nerd que nos é apresentando montando um cubo mágico, o chefe do crime é mais um desajeitado que mora com a mãe enquanto sustenta aquela marra de big boss e a femme fatale nem é tão fatale assim, mas conversa com o estereótipo de líder de torcida e garota popular da escola. Porém, só dá certo porque o Johnson controla bem a cadência dessa estilização ao decorrer do filme, suas ideias nunca se esgotam, nem soam repetitivas, seus planos vão sempre estimulando e funcionando como força motriz da excentricidade do Universo do filme. Não funcionaria se não fosse estimulante visualmente, tanto pelos planos instáveis e não convencionais, quanto pelo equilíbrio entre a seriedade de resolução do crime com o humor que nos relembrava que aquilo não passava de um experimento de gêneros.
E a conclusão é a mesma que tinha chego ao ver seu filme de 2019: Estamos vendo um diretor muito diferenciado dentro do cinema pop, pra mim Rian Johnson já está em um hall de promissores da sua geração. Ele tem muito a oferecer a este Cinema e acredito que ainda veremos algum clássicos saindo das mãos dele. Como tinha dito em Knives Out: "É um baita autor!".
Faz sentido o Wingard querer atualizar até que historicamente a relação dos personagens com os aparatos tecnológicos de sua época e repensar a dinâmica de Bruxa de Blair em um cenário onde as filmagens pessoais já são intrínsecas ao nosso cotidiano; alterando totalmente nossa relação com as imagens, registrando todas nossas reações e interações com o espaço e aumentando as possibilidades de ponto de vista que a modernidade permite.
O problema é como o recurso de câmera dispositivo, nesse caso, não embarca totalmente na premissa de found footage e se mostra no meio termo entre um formalismo de encenação e um caos do cinema de fluxo, onde a regra do dispositivo é acionada e o que vem depois soa imprevisível. Wingard aparelha seus personagens com tantos recursos de criação de imagens que faz com que seu leque de possibilidades em filmar esgote a premissa inicial de limitação de entendimento do espaço devido a subjetividade de quem filma. Sua disponibilidade em optar por usar a câmera próxima ao olho de cada um, o drone, as câmeras convencionais e tudo mais facilita demais seu trabalho, permite a mise-en-scène ser mais consciente e não convincente como dispositivo.
É complicado querer fazer um found footage quando se tem recursos suficientes para anular as limitações materiais e estéticas do conceito e transformar o que era pra ser claustrofóbico em algo formal. É diferente de "A Visita", por exemplo, que adere a uma decupagem mais clássica DENTRO da lógica do found footage, já que quem filma tem a pretensão de fazer daquilo um documentário de fato. Neste caso, as ideias que soam opostas, casam em uma encenação efetiva, aqui, soam opostas e anulam o potencial do material.
Mesmo assim, foi curioso como na minha experiência, o terror mais "anti" found footage funcionou mais do que o que convencionalmente se esperaria do gênero. O que se espera é que o horror nesse caso venha do não visto, do que não se é possível filmar, seja por que acontece fora do momento em que o agente da filmagem está atento, seja por ser mais sugestivo do que gráfico. Mas aqui o Wingard aposta mais no gráfico, tanto pelos seus recursos, quanto por escolha de construção dramática mesmo. Vemos frontalmente mais do que o comum, encaramos os horrores e monstros em confronto com a câmera, ao invés de se criar mais medo pela atmosfera de sugestão de perigo que o original faz tão bem. E a realidade é que esse enfrentamento mais próximo do slasher em primeira pessoa (com uma cara de jump cut de jogo de terror inclusive) funciona melhor pro meu tipo de horror do que o primitivo e homeopático terror que um found footage tradicional aposta.
Apesar de contraditório em sua proposta, como exercício de horror funcionou bem pra mim.
Filmaço que foge bastante das expectativas que são criadas logo no começo com a acidente fatal. Tudo ali parece bastante familiar e típico de um Slasher oitentista, o garoto popular e esportista, sua namorada bonita, os temas adolescentes e a ambientação de subúrbio americano. Esse ambiente comum da época nos leva a imaginar que haveria uma exploração maior sobre como os traumas da ausência dos pais interagem com esse fim de adolescência do Billy e sua relação bem desconfortável com a tia dominadora. Mas esse pano de fundo vai se sustentando como fio condutor do florescer da loucura da personagem da Susan Tyrell e acaba sendo absurdamente mais interessante do que um Slasher coming of age, ou algo do tipo. A atuação da Tyrell facilmente carrega esse filme com suas expressões e maneirismos totalmente alinhados com a proposta estética disso aqui: as câmeras lentas, os frames congelados, os closes nos momentos de assassinato e sua atuação exagerada constroem um horror muito mais atmosférico do que gráfico, como se esperaria do Slasher.
Gosto também como todos os personagens desse filme funcionam e acabam sendo muito interessantes de se acompanhar, ninguém ali soa esquecível. É a ambientação de subúrbio aproveitada ao máximo nesse sentido. Poucas pessoas na trama, todos se conhecem e interagem facilmente nesse clima de bairro pequeno e cada um com suas características - genéricas como precisam ser - complementam para esse cenário suburbano. Os minutos finais se conciliam com o subgênero como era iminente e concluem um horror de muita qualidade.
Quadrilha de Sádicos
3.4 205Um "Ataque dos Vermes Malditos" mais imundo.
Craven um pouco mais contido na violência, só que melhor narrativamente do que no "The Last House on the Left" ao trabalhar uma tese não tão diferente de seu filme anterior.
O diretor continua neste embate entre o civilizado e o primitivo que despedaça qualquer inocência e idealização da família americana. O embate entre os EUA desenvolvido e o inóspito interior do país esquecido pela família média.
Formalmente consolida uma câmera frenética que pouco consegue capturar o que acontece no espaço filmado, muito dos confrontos e das ações acontecem no extracampo, potencializando o frenesi junto da trilha sonora estridente. Alguns planos que soam realmente amadores e uma edição confusa são chaves para criar esta fricção entre o ideal e o caos do embate entre os mundos opostos. Ao fim soa tudo como um grande pesadelo que traumatiza a família americana.
Aniversário Macabro
3.1 233 Assista AgoraO "desmontando o American Dream" do Craven.
Aparentemente todo diretor da época tem seu filme de abordar diretamente a farsa entre a família feliz que cozinha e troca sorrisos a todo momento e a podridão que acontece no mundo real. Junta isso com o pessimismo destes tempos pós hippies nos anos 70 e chegamos no que Craven esboça aqui.
Impossível não relacionar com o que Tobe Hooper viria a fazer - com qualidade incomparável - em seu clássico da serra elétrica, pois a visão de mundo é tão parecida e as estéticas deste submundo estadunidense conversam tanto entre si que soa como o mesmo universo.
É a ótica perdida de quem viu alguns de seus ideais perderem a disputa, alguns ídolos morrerem e uma guerra acontecendo no outro lado do mundo. Tudo contaminado pela violência.
Halloween Kills: O Terror Continua
3.0 683 Assista AgoraGreen força e reforça a ideia de Myers como algo sobre-humano, uma energia maligna destinada a assombrar aquele pequeno subúrbio que Carpenter tão bem imaginou no filme de 1978. E como consequência dessa sua eterna iminência de reaparecer e aniquilar mais alguns corpos genéricos daquela cidade, o diretor se interessa em desenvolver as pessoas que vivem presas neste trauma e neste medo da próxima volta de Myers.
Fazer um filme de Halloween focado no sentimento do subúrbio como um todo e não em um personagem em específico não é algo inovador nem necessariamente ruim - apesar de achar a abordagem de Zombie em H2 uma conciliação perfeita destas duas ideias, pois se interessava por uma personagem em específico ao mesmo tempo que criava sua cosmologia ao redor do estresse pós traumático de sua protagonista.
Ao encarar Michael Myers como a materialização do medo sob a ótica de um tempo e de um autor, Green traz a sua leitura de qual seria o medo da atualidade. Para Carpenter, por exemplo, Myers era, claro, a repressão sexual e também o extermínio dos que não acreditaram no Boogieman, no sobrenatural (tema recorrente do diretor, inclusive). Aqui, é impossível desviar do comentário político que o diretor tenta esboçar com sua proposta. O medo contemporâneo, então, - compartimentado em Myers - seria os traumas da geração passada somados ao sentimento de insegurança dos jovens, junto da falência da autoridade das instituições. Todo o recorte do outro fugitivo do sanatório vem para desenhar sua tese em cima dos justiceiros sociais de um EUA trumpista. Eu realmente gosto da ideia de se utilizar Myers desta forma, proporcionando que cada autor discuta sua concepção de medo - algo tão primordial do horror - de acordo com o tempo em que filma e de sua visão de mundo. Isso que faz Halloween tão gigante, é a universalização de um personagem em algo tão abstrato e relativo que é o medo.
Sobre o Myers em si, o problema é obviamente a banalização de seus atos e a inexistência de impacto que o diretor não consegue extrair dos atos de seu serial killer. O poder sobrenatural de Myers exige pouca exposição dos seus atos, pois a ideia é muito mais poderosa do que o que se pode mostrar em tela. Carpenter foi cirúrgico no fim do seu filme original quando mostra Myers no chão e depois desaparecido do local. Diz muito mais sobre a força de Myers do que qualquer assassinato que podemos ver ele cometer.
Aí Green vai pelo caminho oposto, empilha corpos, mata de diversos modos e, assim, vemos dissipar a "magia" do assassino. O que é justamente o oposto do que se deseja quando sua tese é transformá-lo em um super vilão superior(!!!). Sua excessiva exposição o humaniza, enquanto sua invencibilidade o superioriza. Não consigo conciliar as duas propostas em um só filme.
Já em relação à inexistência de impacto nas mortes em que filma, bom, isso é o sinal concreto de um diretor limitado em suas encenações. Não tem gore que sustente a falta de criatividade de Green, o que, dentro de um Slasher, é o básico para funcionar.
Christine, O Carro Assassino
3.3 671 Assista AgoraFilme perfeito.
É inacreditável a aula de decupagem que é este filme, como o Carpenter consegue materializar a consciência da Christine em suas ações mesmo e não somente com os relatos de terceiros. A cena do engasgo dentro do carro continua uma das minhas favoritas justamente pela sua decupagem e edição, o modo como ele dá ritmo àquela interação carro/Leigh e cria tensão pelos planos detalhe do carro: o pino da porta, o rádio, as luzes acendendo, a maçaneta que não abre etc.
Inclusive seria tão pouco efetivo (e criativo) se Carpenter focasse em criar o "mito" de Christine apenas pelos relatos das personagens que se envolvem com a entidade; conseguir gerar este perigo vindo do carro - de um maneira bem maneirista mesmo, linda - dá outro tom pro filme, cada parte do carro sofre uma humanização que carrega um perigo diferente. São as luzes, o capô, o rádio, sua velocidade, sua invencibilidade, tudo isso sendo visto frontalmente, sem muita trucagem, é verdadeiramente Cinema Maneirista e ainda carrega uma estética de terror b que faz muito bem pra película.
O filme todo tem aspectos técnicos e de narrativa que são realmente aulas de Cinema e com um nível bem prático de percepção, fácil de notar habilidades geniais que Carpenter tem como poucos. Pra quem está iniciando em Cinema, Christine é um prato cheio para reconhecer a genialidade de um diretor e entender um pouco mais de encenação. Carpenter encenando um carro como uma entidade maligna e conseguindo transparecer a intenção de cada ato de um C-A-R-R-O é absolutamente incrível.
Inclusive, algo que notei nesta revisão de hoje e nunca vi ninguém comentando é como a primeira metade de "Christine" se relaciona tão bem com o curta The Red Balloon de 1956 (e não somente pela cor do objeto de fixação). Um protagonista que se hipnotiza por um bem material - deveras fútil - mas que no contexto da idade do personagem é um símbolo máximo de encanto e superioridade. Até que chega o clímax de pessimismo destes personagens com o mundo, a destruição deste símbolo como uma violência sexual mesmo (em "Christine" implícito mais diretamente pelo caráter feminino do carro, mas em The Red Balloon também é bem entendível o subtexto). O curta termina neste anti-clímax de destruição, enquanto o filme de Carpenter ruma por uma jornada bem incel que faz sentido com o desenvolvimento de Arnie.
Já vi o Carpenter dizer em entrevistas que não gosta muito do resultado que alcançou em Christine porque, segundo ele, ele não conseguiu criar este medo que o carro deve transparecer, mas eu discordo completamente. Nesta minha jornada de assistir sua filmografia cronologicamente e revisitar alguns de seus filmes que havia visto separadamente, "Christine" é minha obra favorita. Dizer que não é um filme carpenterniano é maluquice. Seu maneirismo está aqui. Seus personagens estão aqui. Sua visão sobre terror apoiada nas suas referências cinquentistas estão aqui. Uma trilha sonora primorosa está aqui.
A Bruma Assassina
3.3 194Filme que carrega uma sensação de história sendo contada ao redor de uma fogueira mesmo, tem uma abordagem que engrandece as narrativas orais (a radialista então, está neste papel de velho que conta história de terror para as crianças na fogueira só que na versão moderna. Ela quem navega os adultos da cidade pelo relato da névoa - não existe diferença para o velho que abre o filme - e isso é muito, muito lindo de se pensar).
Mas o principal aqui ainda é como todos os personagens em nenhum momento realmente duvidam da capacidade desta névoa, não existe muito aquela abordagem de duvidar do sobrenatural ou tentar sempre levar para o lado científico da coisa e ir sendo sabotado e morto pelo incompreensível. Tem muito de um Cinema de horror pré-Psicose aqui, algo que inclusive o Carpenter sempre reforça nas entrevistas, que é seu encantamento pelos filmes de terror de 40/50 com aquela abordagem gótica/Romântica menos pé no chão. O que brilha meu olho aqui é justamente isso, como o filme e aquele universo da Baía abraça o ficcional tal qual um conto macabro contado entre amigos. Um povo que cresce ouvindo lendas não poderia duvidar de algo assim. Logo, é o oposto do subúrbio de Halloween que ignora as crianças que alertam sobre o Boogieman e por isso acabam mortos.
É um pensamento bem de Shyamalan premiar com a vida os personagens que abraçam o mítico e se preparam para enfrenta-lo, enquanto observamos os céticos sucumbirem. Incrível como seu filme de 1978 e The Fog se opõem em diversos aspectos e se completam como tese carpenterniana.
Halloween: A Noite do Terror
3.7 1,2K Assista AgoraTerceira vez que assisto a Halloween. Cada sessão a experiência melhorava drasticamente, desta vez chegamos no ápice. Que absurdo é Carpenter, que absurdo é Halloween.
O olhar desesperado do psiquiatra ao final.
A revisita aos lugares onde a Entidade Myers passou e sua respiração ao fundo.
É a vigilância do Mal (incrível como Rob Zombie entendeu tão bem isso no seu 2º filme, por sinal) eternizada.
A diluição da figura "humana" do assassino em um medo irracional que passa a ocupar todos os espaços daquele subúrbio.
A construção de uma nova mitologia do Boogieman moderno.
Antes da Meia-Noite
4.2 1,5K Assista AgoraA utopia, a conciliação e o cotidiano.
O capítulo final da trilogia de Linklater - e seu melhor filme(!!!) - é a queda do véu de idealização romântica que, principalmente o primeiro capítulo, atinge de maneira formidável. E dentre os diversos aspectos em que podemos observar esta virada de chave, como o próprio conflito que permeia a trama, a fisicalidade dos protagonistas deturpada pelo tempo e a maturidade de suas relações, o que mais me chama a atenção para este novo tipo de olhar que Linklater capta o casal é a relação destes com a geografia com qual interagem.
Quem tem o 1º filme bem lembrado na memória, deve se recordar da importância de cada cenário na trajetória deles dois, cada atividade que desempenham em Praga remodela o espaço da cidade e deixa em si uma assinatura da passagem e da construção amorosa de Jesse e Celine. O diretor faz questão de consolidar esta ressignificação do espaço ao final do episódio, revisitando cada localidade após a utopia daquele encontro, captando o bar, a loja de discos, o parque, entre outros, sem a presença dos protagonistas. O vazio que vimos já possui outro significado, cada cadeira, mesa e objeto carregam outra dimensão, são resquícios de um amor que foi elaborado lá e foram eternizados pela vivência dos dois. Um bondinho deixa de ser um bondinho e se transforma no "lugar do primeiro beijo", o parque então, o local que concretiza o ápice daquele romance. A estação de trem, símbolo gigante no Cinema Americano, cheio de seus simbolismos, é a materialização do quão utópica e passageira foram aquelas 24h.
Enfim, em Before Midnight, mesmo estando em uma belíssima Grécia (que traz com si o peso da Tragédia), não há este tom de interação com o espaço, o tal sul do Peloponeso é irrelevante dentro da interação destes dois. Mesmo a pausa em uma conversa para comentar sobre as cabras, a admiração ao por do sol e a visita a uma igreja bizantina não são suficientes para se firmarem como momentos relevantes dentro da jornada dos dois. Sob um olhar idealista, como o do primeiro filme, aqueles momentos se tornariam ápices da paixão e cada detalhe na interação de Jesse e Celine seria captado com uma delicadeza que encontra o drama no mais singelo dos gestos.
Porém, este idealismo de 1994 - da juventude e da descoberta - ficou para trás e o cotidiano, o corriqueiro, é , ao mesmo tempo, a força motriz e a força destrutiva da relação de um casal. A discussão que planta a discórdia é fruto do mais simples dos conflitos, nada grandioso, extremo, mas uma decisão casual dentro da vida de duas pessoas. Ao mesmo que parece simples, é uma caixa de Pandora que coloca para fora todos os traumas e ressentimentos que cada um acumulou ao longo dos anos. O meio não possui mais nenhuma relevância para decidir a longevidade daqueles seres, apenas o modo como administrarão o dia a dia, essa faca de dois gumes, é que será o ponto crucial que colocará um ponto final ou não naquela vida.
Linklater traduz esta dinâmica em como olha aquela relação: Sai o olhar apurado em captar nuances de pequenos movimentos, olhadelas e toques, sai a contemplação ao espaço e o idealismo; entra um ponto de vista mais racional (olha ai a ironia com o que Jesse e Celine discutem) que traz um ultimato do diretor de como um relacionamento se sustenta. Não há viagem, amigos, hotéis e vinhos que garantam um relacionamento, senão um bom acordo e gestão destes ressentimentos que cada um guarda para si.
Pensando mais sobre como Linklater se interessa nisto aqui, gosto de divagar sobre como a abordagem do diretor sob corpos envelhecidos nos quais ele acompanhou por mais de duas décadas é tão pouco explorado - não que isso seja um problema. Mas já imaginaram como Claire Denis ou Clint Eastwood se interessariam em se debruçar neste aspecto e dissecar a passagem do tempo por meio de Jesse e Celine? Só um pensamento que me surgiu.
Por fim, acho que aqui Linklater se aproximou de um Pialat neste filme, pois filma com interesse a real matéria daqueles personagens, sem intermediações e maneirismos. Encontra um certo mal-estar intrínseco àquele mundo e tem um filme que começa e termina com a sensação de que há muito material fora da realidade daquele filme que não foi possível de ser captada.
Escola de Rock
3.7 1,2K Assista AgoraLinklater tem uma visão muito bonita sobre o que deveria ser a juventude e seus filmes costumam abordar de algum modo situações que tentam blindar essa faixa etária do resto dos problemas do mundo - aqui facilmente representado como "The Man". Assim, seus personagens ficam livres para experienciar toda a beleza e liberdade de seu tempo de uma maneira bem hedonista, se libertando das imposições vindas dos adultos.
Essa definição serve exatamente bem para Dazed and Confused e até para Before Sunrise, aqui não é diferente. Linklater cria um microcosmo da sala de aula onde sua câmera flutua e aproveita toda a corporalidade do Jack Black e cada reação no rosto dos alunos para concretizar ali um sentimento que soa muito maior do que vemos em tela - exatamente como a festa em Dazed and Confused. Aquele lugar e cada causa e efeito que é gerada na interação entre professor e alunos é muito libertador e traz uma nostalgia que o Linklater faz como poucos. Os riffs reconhecíveis no instante que ouvimos, os CD's, os shows apresentados, cada referência ali é muito mais que um mero agrado ao espectador que se diverte em ver seus gostos culturais em tela, são símbolos que juntos constroem uma potência libertadora dentro daquela sala que representa muito do cinema do Linklater.
É bom ser jovem.
Bancando o Águia
4.5 135 Assista AgoraRohmer, comparando Keaton com Chaplin, fala que as cenas do primeiro são tão autênticas no modo como se importam mais com o movimento em si do que com a significação psicológica que é quase impossível descreve-las para alguém e trazer junto sua dose de humor, pois ela esta toda contida em seu valor cinematográfico. Enquanto em Chaplin, a própria descrição da esquete já permite absorver um pouco do humor da cena e entender sua comédia mesmo sem ve-la.
A cena da bola de bilhar é a exemplificação perfeita para o que Rohmer argumenta, o que o Keaton constrói ali é digno de um Hitchcock. Há tempos que não ria genuinamente com uma cena.
No mais, o Cinema possibilita heróis, filma imaginários e educa homens que ainda não entenderam seu tempo.
Assim na Terra Como no Inferno
3.2 1,0K Assista AgoraComeça tão bem com o clima de aventura, um Goonies adulto, totalmente ingênuo e acreditando no potencial desta ideia, mas acaba tendendo para o mais genérico e batido efeito dos found footage de horror.
Interessante pensar o tal Cinema de gameplay aqui, as Go Pros na cabeça que viraram mais um facilitador para os found footage - como a Bruxa de Blair do Wingard - inserem o filme nesta lógica de jump cut de video game nos momentos de diálogo e game play ao passar pelos desafios de cada andar do subsolo (ou fases). Seria muito legal de ver o filme explorando um enredo apoiado na aventura e na fantasia abusando destes recursos, inserindo Alquimia, Templários e toda esta mitologia medieval de maneira tão verdadeira e empolgada como os primeiros momentos.
Tem alguns bons momentos que vão possibilitando o filme a continuar, a claustrofobia é bem presente naquele ambiente cheio de pedras, ossos e um bando de gente gritando. Mas, em resumo, me impressiona a incapacidade desses diretores em enquadrar uma maldita fresta - utilizam a câmera na mão mais como muleta para sua deficiência na linguagem do que como recurso autoral.
A mise-en-scène não morreu, ela se matou por causa desse bando de infeliz.
Tempestade Sobre Washington
4.1 16 Assista AgoraOtto Preminger é muito foda e o texto todo também. Muito sarcástico e ácido como o filme vai revelando o sistema político como algo maior que qualquer das figuras humanas que acompanhamos em tela, eles morrem e tudo continua como se nada tivesse acontecido, não há sequer um segundo de luto porque a roda tem que continuar girando. Enquanto seus atores estão rodando os quatro cantos em busca de articular seus interesses, dispostos a invadir a privacidade de seus rivais, a Política observa todos de cima, assim como o palanque que observa como um teatro toda a ação que ocorre entre os senadores. Os momentos de plongée de Preminger me soam justamente como esta visão superior do ~sistema que não sofre nenhum arranhão com tudo que está acontecendo. O próprio pano de fundo sobre o comunismo ou não do Secretário de Estado logo some e todo o enredo perde a "ideologia", a luta por uma ideia, e o que resta são só políticos querendo defender os seus e seus egos.
Suburbia
3.7 31Entendo que seja um dos filmes menos apreciados do Linklater pela expectativa com que o espectador chega para ver um filme do diretor, esperamos aquele olhar naturalista sobre seus personagens, que mesmo dentro de uma decupagem bem formal, consegue transparecer uma sinceridade e um realismo sobre o que acontece em tela; queremos ver e ouvir conversas sobre assuntos banais, mas que pelas lentes do Linklater ganham um tom de filosofia do cotidiano que nos conquista justamente pela sua simplicidade.
Aqui em "Suburbia" é a bad trip de um Linklater mais convencional.
O filme é carregado de uma melancolia muito mais geral do que o contexto de subúrbio americano que o filme vai trabalhar, o sentimento que o diretor encontra aqui não está restrito a essa vivência de cidadezinha americana que parece deslocada de um mundo em desenvolvimento, serve para quase qualquer lugar e não só para os anos 90. É um coming of age que não parece muito com o gênero, mas ainda é. Seus personagens estão no baque de crescer e assumir responsabilidades, facilmente representada pelo confronto entre o paquistanês deslocado que tem objetivos de vida e um ex-militar que preso nesse limbo entre adolescência e vida adulta se perde no álcool. Personagens que já parecem crescidos, mas ainda não absorveram os comportamentos que se espera dessa sua fase, mas veem o resto do mundo mudar sem eles. Enquanto outros, soando como uma voz do próprio Linklater dentro do filme, buscam entender o valor de sua arte vindo desse interior, pairando entre aceitar essa vida pacata ou arriscar voos mais altos.
Eis que de repente o filme ganha uma camada de bad trip mesmo, uma confusão centralizada em Jeff que deixa toda aquela dinâmica - de inveja pelo sucesso alheio, tentativa de entendimento seu lugar no mundo e o valor da sua arte estando no meio do nada - de fundo e dá lugar a um susto muito mais tenso do que o que havia antes. Quase deslocado do resto do filme, é o ápice de confusão que a dinâmica de vida jovem e noturna poderia acarretar, é o sinal de alerta que as responsabilidades chegaram e o mundo continua evoluindo, os carros passando, a cidade crescendo e aquele grupo de pessoas precisando de uma vez se encontrar no mundo.
Tempo
3.1 1,1K Assista Agora"Old" proporciona um pouco do gostinho que deve ter sido acompanhar a recepção de "A Vila" e "Fim dos Tempos" na época do lançamento, uma clara divisão em quem entende e embarca na ficção de Shyamalan e quem vai continuar se contorcendo para buscar incongruências e perguntas sem resposta.
Antes de entrar nos detalhes mais únicos de "Old", é fácil de afirmar que é completamente um filme do diretor. Quem acompanha sua carreira há algum tempo e conhece seus filmes anteriores, encontra basicamente todas suas "assinaturas" por aqui. A premissa possui o mais definitivo de seu Cinema: Família em pedaços introduzida em um conflito de compreensão inacessível por meio da razão, mas que por meio da crença na ficção consegue (re)enxergar suas semelhanças e alcançar a conciliação. Como dito, o poder da fantasia é basilar aqui, assim como o crítico de cinema que morre tentando entender o fantasioso em "Dama na Água" e o garoto que encontra a resposta em uma caixa de cereal, "Old" traz de novo estes mesmos arquétipos, os profissionais da Ciência tentando desvendar o misterioso, enquanto a resposta vem de uma brincadeira totalmente pueril. O conflito não existe para ser desvendando, mas para ser vivido.
Quando fiz um review de Dama, conclui o mesmo que concluo pós esta sessão: "...Só sobrevive quem acredita, não porque não questiona o que é dito, mas porque confia no poder da palavra e das histórias. Confia porque participa disso tudo e vê seu papel dentro da missão. Agora, quem se entende como leitor da realidade, que ao invés de participar, analisa, desconstrói a mensagem em busca de um significado escondido, termina morto por aquilo que buscou desmontar."
A cena noturna (aquela que deveria ser o final do filme) é o ponto alto de toda essa mitologia Shyamalaniana, na qual um dos protagonistas já idoso olha para o mar e pergunta "Por que queríamos sair desta praia mesmo? É tão bonita". Esta fala me pegou de um jeito muito forte, pois foram horas tentando controlar o incontrolável e ninguém se quer admirou a paisagem paradisíaca em que estavam. A gente luta tanto para não envelhecer e quando chegamos na velhice só gostaríamos de ter olhado as ondas do mar chegando em nosso pés. É até cafona, mas dentro desse Universo infantil, lúdico e completo de crença do Shya, um momento deste ganha toda a força do mundo, pois elucida um olhar perdido fora da ficção.
É menos um coming of age do Shya do que um estudo sobre nossa relação com o tempo. A esposa que trabalha com o passado e o marido que trabalha com o futuro, a criança que projeta sua vida adulta e a jovem bonita que luta para continuar com sua beleza juvenil. Ninguém ali simplesmente vivenciou os momentos que estavam presentes, até a viagem deslumbrante era apenas uma fuga para o casal decidir o que fazer no futuro em relação a doença e ao casamento. Por isso que aquele breve momento (bem irônico inclusive) em que as crianças brincavam de estátua na praia foi filmado com tanto vislumbre por Shyamalan, é o único momento em que o Agora era mais importante na dinâmica de seus personagens do que o tempo passado ou futuro.
O interesse não é tanto pela passagem para a vida adulta, mas sobre O QUE É a vida adulta, senão um arrependimento de não ter aproveitado melhor a vida quando alcançarmos a velhice.
Esta interação com o tempo não está somente dentro da premissa, mas é estimulada pela forma de "Old" também. As aparições do diretor em seus filmes, vez ou outra são mais que meros Cameos à Stan Lee. Em "Sinais", por exemplo, há um subtexto poderosíssimo de ser o diretor quem causou todo o mal na vida do pastor interpretado por Mel Gibson, o diálogo entre os dois é simplesmente incrível. Neste filme, o diretor ser quem leva seus personagens em direção à praia é basicamente seu papel como diretor, conduzindo suas criaturas pelo tempo, dilatando e comprimindo a experiência deles em sua criação. Observá-los de longe é dar vida a suas ideias e jogá-las ao mundo, entendendo como cada uma se comporta.
O diretor defende aqui, talvez mais diretamente do que em outros filmes seus, sua ideia de que o brilho infantil deve continuar sendo alimentado independente da idade; suas criaturas crianças e adultas ao mesmo tempo são o símbolo disto, às vezes vale dar uma pausa e fazer um castelo de areia enquanto o mundo a sua volta parece desabar. Você pode não gostar ou até achar bobo, mas é inegável como este homem sabe defender suas ideias e nos manipular tão bem para chegarmos até elas.
A Mãe e a Puta
4.3 95Cinema sobre uma época bem específica e que revela costumes e comportamentos que devem ter tido um impacto especial no momento em que foi lançado.
Filmando essa juventude pequena burguesa e culta pós-68 que em poucas frases referencia de Mick Jagger a Jorge Luis Borges, além de conhecer de cinema, teatro e música, Jean Eustache desnuda a liberdade que esses jovens pregavam abraçar e entra no íntimo de cada um de seus 3 personagens, explorando seus incômodos e as farpas de suas relações.
Como Luiz Oliveira Jr. contextualiza, Eustache existe neste recorte da pós-nouvelle vague, optando por uma recusa aos traços mais evidentes de encenação e buscando uma realidade mais direta e sem intermediações através da câmera, deixando de fora tudo que não fosse o mais necessário possível em sua mise en scene. Está entre um naturalismo livre de imposições do autor e um formalismo autoral que proporciona os personagens a terem estes momentos confrontando a câmera e o tempo.
É incrível como essa "otimização" da encenação proporciona tanto aprofundamento entre os 3 personagens; os diálogos tem seu tempo, deixam que cada costume panfletário da geração ganhe "poréns" e se mostre mais contraditório do que parece à primeira vista.
Ao final, Alexandre, Veronika e Marie estão desnudos em nossa frente, com todas suas fraquezas e inseguranças expostas, como ficaram boa parte do filme.
Jovens, Loucos e Rebeldes
3.7 447 Assista AgoraUfa, continua tão encantador quanto da primeira vez, uns 5 anos atrás. Linklater, sem nenhuma grande "assinatura" no modo como maneja a linguagem, é um dos meus cineastas preferidos desde que descobri Cinema. Entendo que sua falta de julgamento, ironia ou qualquer mediação mais impositiva sobre seus personagens é o que mais conecta seus filmes com o público, resultado em sensações de como tudo em seu filme parece tão "real" e verdadeiro. Linklater é honesto e igualmente encantado pelo que retrata quanto nós, sua abordagem liberta cada personagem para soar maior do que aquilo que vemos em tela, circundados por um diretor que transforma essa potência em nostalgia(?), memória ou algo do tipo.
Dazed and Confused, em específico, é mais sobre um sentimento de época, tanto histórico, quanto de um período de vida, do que sobre seus personagens. É essa transição brusca da vida escolar e também o mundo de uma geração culturalmente confusa que paira entre o fim da psicodelia e a volta de um conservadorismo (representado pelos adultos) cultural/político. Desinteressados por qualquer discurso político mais forte, como a professora totalmente ignorada, e confusos a respeito do que acreditam e do que desejam para o futuro, este rompimento simbolizado pela escola é a fenda curtíssima para se apoiarem em um hedonismo regado a maconha e álcool.
Vai na calma e aproveita, esquece um pouco o futuro que vem depois do Aerosmith. Ser jovem é bom e Linklater sabe disso.
A Última Gargalhada
4.2 102 Assista AgoraMagistral em tudo que se propõe a fazer. Sem necessitar de palavras, Murnau dá um valor tão representativo para um uniforme, traz a dualidade entre o Hotel da alta classe com o cortiço em que o funcionário vive apenas na montagem e utiliza a própria disposição do cenário para representar o trabalho no lavado como inferior, sendo necessário portas e escada para acessá-lo, descendo ao inferno do protagonista. Além de seus ângulos, closes, planos subjetivos, psicológicos e todo o dinamismo que entrega em momentos como o da fofoca entre as mulheres.
Diferente de muitos diretores que odeiam suas personagens, Murnau os ama e o epílogo é só uma leve redenção para alguém que em 90 minutos nos apegamos tanto.
O Rio das Almas Perdidas
3.5 86Coisa rara ver um filme do Preminger com personagens com morais tão sólidas e com papéis de heróis e vilões tão estabelecidos. Seus filmes, muito pelo caráter noir, costumam trabalhar pessoas corrompidas e com atitudes dúbias que vão revelando debates morais enquanto traduzem suas personalidades em ações.
Aqui o enredo é mais simples e as posições bem mais evidentes. Personagem do Mitchum é o pagador de pecados que deseja a vida pacata e sem conflitos enquanto pode ensinar seus valores aofilho, enquanto Weston é a ganância do Velho Oeste que corrompe pessoas e as tornam sedentas pela riqueza. Com o conflito gerado, o herói do western precisa reforçar seus valores de lealdade e justiça e enfrentar a jornada contra o temível meio que o cerca.
Preminger utiliza muito bem do Cinemascope para mergulhar seus personagens na imensidão da geografia local, alternando os perigos entre natureza, bandidagem e o perigo indígena. A resolução é excelente ao reforçar este ciclo de ensinamentos que é feito ao filho e carrega uma melancolia de quem tenta se apegar a calmaria em uma terra que se move por conflitos.
Alma em Pânico
3.8 25Deixar esse trecho do Rivette (texto "The Essential") para consultar no meu estudo de Preminger:
"Preminger believes first in mise en scene, the creation of a precise complex of sets and characters, a network of relationships, an architecture of connections, an animated complex that seems suspended in space. What tempts him, if not the fashioning of a piece of crystal for transparency with ambiguous reflections and clear, sharp lines or the rendering audible of particular chords unheard and rare, in which the inexplicable beauty of the modulation suddenly justifies the ensemble of the phrase? This is probably the definition of a certain kind of preciosity, but its supreme and most secret form, since it does not come from the use of artifice, but from the determined and hazardous search for a note previously unheard; one can neither tire of hearing it, nor claim by deepening it to exhaust its enigma - the door to something beyond intellect, opening out on to the unknown."
A Ladra
3.7 17Tão simples, mas tão provocador o modo como Preminger encena Whirpool. A conciliação do sombrio do Noir com o sobrenatural dos mind games do Korvo proporciona um obscuro e perigoso ambiente que o estilo noir já carrega em si ainda mais intensificado pelo modo como o sobrenatural opera de maneira sutil no filme. É esse casamento entre o olhar pessimista do noir com o misticismo que entra em cena que instiga tanto o espectador no filme de Preminger, remete demais ao que o Tourneur vinha fazendo em seus filmes Cat People e Leopard Man, pois os 3 filmes trabalham o perigo "sobrenatural" de canto, sem dar a ênfase que se espera a um elemento tão chamativo. O diretor insere esse "a mais" em sua trama e encara aquilo do mesmo modo que encena: às escondidas.
Além disso, o que mais gosto aqui é a dualidade Ciência (aqui a Psicanálise) vs Místico (aqui a hipnose) conflitando em cima da personagem de Gene Tierney.
Ainda lembrando de Tourneur, o conflito místico-científico é muito parecido com o que ele viria a fazer em Night of the Demon, lá mais diretamente nos próprios diálogos e nas intenções dos personagens, ao colocar em cheque a crença no místico e como suas personagens vão lidar com esse elemento ao solucionar seus casos.
Preminger parece muito interessado em trabalhar em seu cinema as divergências de pontos de vista que manipulam a narrativa a ser contada. Em "Whirpool" por colocar em cheque a autonomia das ações de Tierney, em "Laura" ao criar um mito pelo relato dos homens que se fascinam pela mulher, em "Bunny Lake" ao nos enganar durante o filme todo sem nunca manipular nada visualmente, só entregando pontos de vista e nos provocando a acreditar neles. São essas múltiplas visões de cada personagem que proporcionam o diretor a trabalhar a Moral de seu filme pelos seus personagens, cada um com perfis tão sólidos e representativos de um posicionamento interagem e criam situações que levam a assinatura de mise-en-scene do diretor, sua camera-stylo está na moral dos seus filmes, não é mesmo?
Era uma Vez no Oeste
4.4 730 Assista AgoraFilme que revela a consciência do próprio Cinema sobre os últimos respiros do gênero basilar do Cinema Americano. Era Uma Vez no Oeste é a poesia de olhar pela última vez um Universo tão explorado e manipulador das emoções de tanta gente por décadas, se confundindo com a própria história do país que localiza suas principais histórias.
E trazendo o anúncio dessa extinção da mitologia do Velho Oeste, vem o símbolo mor de toda esta história que se encerra, o trem chegando pela recém construída ferrovia, símbolo da modernidade e de uma nova era que chega ao lado menos desenvolvido do país.
Leone intermedia esse conto contemplativo no máximo de silêncio que consegue, aproveitando a própria diegese do filme para compor parte da trilha e aproveitando a genialidade de Morricone para assinar cada personagem com uma composição diferente. Os poucos diálogos são os necessários para contar esse embate entre Frank, um Henry Fonda todo de preto, sem escrúpulos e que já nos é apresentado com um dos piores dos crimes, e dois resquícios do faroeste, homens sem lei, rígidos e que sobrevivem pela moral ou pela ganância. Frutos da natureza que os cerca, árida e imensa, Bronson se confunde com a paisagem no meio daqueles canyons e por uma última vez age para defender a mitologia antes de ir sem rumo e sem volta.
Bunny Lake Desapareceu
4.1 48Repensando em como o Preminger foi enganando a gente durante o filme todo, de início até parece que sua câmera atua em conjunto com os homens da trama para culpar Ann pelo desaparecimento da criança, mas logo me lembrei em como o diretor nos mostra os itens da criança quando a protagonista desencaixa seus pertences. Esse ponto é chave para reconhecer a qualidade do mistério que Preminger desenvolve aqui, pois quando voltamos no mesmo local e os itens desapareceram, a primeira coisa que me veio a mente foi de que a primeira vez que vimos os objetos de Bunny poderia ter sido uma perspectiva subjetiva de Ann e aqueles materiais, um delírio de sua cabeça. Quando na verdade, era muito mais simples do que isso, mas nós enquanto espectadores e membros dessa sociedade cogitamos primeiro duvidar da veracidade da imagem ao culpar Ann, assim como os outros personagens, do que questionar o que vimos anteriormente. Essas duas cenas funcionam como resumo perfeito do controle que Preminger obteve dos seus espectadores e de como conduziu por esses 110 minutos uma incógnita que nunca pareceu óbvia.
A Ponta de um Crime
3.5 132 Assista AgoraNão pesquisei, mas tenho a certeza que Brick deve ter aparecido muito para comparações com Under the Silver Lake na época de lançamento deste último. Dois filmes que renovam a abordagem Noir atual sem ser pastiche e sem se levar tão a sério, enquanto se assemelham muito na geografia, no perfil de protagonista e na estilização que dá vida a um Universo muito peculiar.
O filme do Mitchell é mais lisérgico que o do Johnson, explora a fundo a paranoia de seu personagem, a cultura pop e a busca por referências enquanto transita por uma Las Vegas que inevitavelmente remete a Cidade dos Sonhos e ao surrealismo que emana dessa estética que o filme consagrou. Johnson é mais pé no chão, opta por um maneirismo de encenação que aqui não leva tanto para a paranoia como Silver Lake, nem para um filme de detetive chapado à Vício Inerente, mas constrói um mundo de personagens e relações desprendidos de seriedade e simpáticos justamente por essa artificialidade.
Quando vi Knives Out fiquei encantado pelo controle de gênero que o diretor mostrou com o suspense de crime e a inventividade de dar uma cara nova pras convenções desse gênero em um filme que dialogava muito com a atualidade e fazia todo sentido dentro de um cinema mais pipoca. Brick só reforçou essa autoralidade do Johnson pra mim, o cara é um respiro pro blockbuster ao ser tão bom em encaixar traços tão pessoais de encenação com uma narrativa convencional de filme americano.
Brick já parte de uma ideia excelente que é repensar o noir em um cenário de colegial, colocando no lugar do detetive galã um nerdola desajustado que sempre parece estar há dias sem dormir, seu ajudante é outro nerd que nos é apresentando montando um cubo mágico, o chefe do crime é mais um desajeitado que mora com a mãe enquanto sustenta aquela marra de big boss e a femme fatale nem é tão fatale assim, mas conversa com o estereótipo de líder de torcida e garota popular da escola. Porém, só dá certo porque o Johnson controla bem a cadência dessa estilização ao decorrer do filme, suas ideias nunca se esgotam, nem soam repetitivas, seus planos vão sempre estimulando e funcionando como força motriz da excentricidade do Universo do filme. Não funcionaria se não fosse estimulante visualmente, tanto pelos planos instáveis e não convencionais, quanto pelo equilíbrio entre a seriedade de resolução do crime com o humor que nos relembrava que aquilo não passava de um experimento de gêneros.
E a conclusão é a mesma que tinha chego ao ver seu filme de 2019: Estamos vendo um diretor muito diferenciado dentro do cinema pop, pra mim Rian Johnson já está em um hall de promissores da sua geração. Ele tem muito a oferecer a este Cinema e acredito que ainda veremos algum clássicos saindo das mãos dele. Como tinha dito em Knives Out: "É um baita autor!".
Bruxa de Blair
2.4 1,0K Assista AgoraFaz sentido o Wingard querer atualizar até que historicamente a relação dos personagens com os aparatos tecnológicos de sua época e repensar a dinâmica de Bruxa de Blair em um cenário onde as filmagens pessoais já são intrínsecas ao nosso cotidiano; alterando totalmente nossa relação com as imagens, registrando todas nossas reações e interações com o espaço e aumentando as possibilidades de ponto de vista que a modernidade permite.
O problema é como o recurso de câmera dispositivo, nesse caso, não embarca totalmente na premissa de found footage e se mostra no meio termo entre um formalismo de encenação e um caos do cinema de fluxo, onde a regra do dispositivo é acionada e o que vem depois soa imprevisível. Wingard aparelha seus personagens com tantos recursos de criação de imagens que faz com que seu leque de possibilidades em filmar esgote a premissa inicial de limitação de entendimento do espaço devido a subjetividade de quem filma. Sua disponibilidade em optar por usar a câmera próxima ao olho de cada um, o drone, as câmeras convencionais e tudo mais facilita demais seu trabalho, permite a mise-en-scène ser mais consciente e não convincente como dispositivo.
É complicado querer fazer um found footage quando se tem recursos suficientes para anular as limitações materiais e estéticas do conceito e transformar o que era pra ser claustrofóbico em algo formal. É diferente de "A Visita", por exemplo, que adere a uma decupagem mais clássica DENTRO da lógica do found footage, já que quem filma tem a pretensão de fazer daquilo um documentário de fato. Neste caso, as ideias que soam opostas, casam em uma encenação efetiva, aqui, soam opostas e anulam o potencial do material.
Mesmo assim, foi curioso como na minha experiência, o terror mais "anti" found footage funcionou mais do que o que convencionalmente se esperaria do gênero. O que se espera é que o horror nesse caso venha do não visto, do que não se é possível filmar, seja por que acontece fora do momento em que o agente da filmagem está atento, seja por ser mais sugestivo do que gráfico. Mas aqui o Wingard aposta mais no gráfico, tanto pelos seus recursos, quanto por escolha de construção dramática mesmo. Vemos frontalmente mais do que o comum, encaramos os horrores e monstros em confronto com a câmera, ao invés de se criar mais medo pela atmosfera de sugestão de perigo que o original faz tão bem. E a realidade é que esse enfrentamento mais próximo do slasher em primeira pessoa (com uma cara de jump cut de jogo de terror inclusive) funciona melhor pro meu tipo de horror do que o primitivo e homeopático terror que um found footage tradicional aposta.
Apesar de contraditório em sua proposta, como exercício de horror funcionou bem pra mim.
Alerta Noturno
3.4 20Filmaço que foge bastante das expectativas que são criadas logo no começo com a acidente fatal. Tudo ali parece bastante familiar e típico de um Slasher oitentista, o garoto popular e esportista, sua namorada bonita, os temas adolescentes e a ambientação de subúrbio americano. Esse ambiente comum da época nos leva a imaginar que haveria uma exploração maior sobre como os traumas da ausência dos pais interagem com esse fim de adolescência do Billy e sua relação bem desconfortável com a tia dominadora. Mas esse pano de fundo vai se sustentando como fio condutor do florescer da loucura da personagem da Susan Tyrell e acaba sendo absurdamente mais interessante do que um Slasher coming of age, ou algo do tipo. A atuação da Tyrell facilmente carrega esse filme com suas expressões e maneirismos totalmente alinhados com a proposta estética disso aqui: as câmeras lentas, os frames congelados, os closes nos momentos de assassinato e sua atuação exagerada constroem um horror muito mais atmosférico do que gráfico, como se esperaria do Slasher.
Gosto também como todos os personagens desse filme funcionam e acabam sendo muito interessantes de se acompanhar, ninguém ali soa esquecível. É a ambientação de subúrbio aproveitada ao máximo nesse sentido. Poucas pessoas na trama, todos se conhecem e interagem facilmente nesse clima de bairro pequeno e cada um com suas características - genéricas como precisam ser - complementam para esse cenário suburbano. Os minutos finais se conciliam com o subgênero como era iminente e concluem um horror de muita qualidade.