"Thriller" safado e malvado do maestro Lucio Fuli. A direção e a edição são extremamente competentes na criação de suspense grosseiro e a fotografia, quando não impressiona no uso de um monocromatismo dantesco, consegue imprimir todo o clima neon decadende da Nova Iorque de fins dos anos 70 na tela. "The New York Ripper" é apelativo e brutal. O "gore" orgâncio satisfaz fãs mais exigentes e a trama não fica devendo muito se comparada a expoentes mais famosos do cinema policial. Certos detalhes, como
O fato do assassino usar luvas cor-de-rosa já diz algo sobre o filme. "Suor Omicidi" é uma espécie de "giallo" encontra o "nunsploitation". Acontece que a violência comum aos dois subgêneros cinematográficos é deveras sublimada. Em suas particularidades, o suspense é parco para um "giallo", enquanto as atrocidades afins e a abordagem do lesbianismo passam longe do que se espera de um "nunsploitation" regular. Uma boa cena aqui e outra acolá não fazem um bom filme. A experiência só é válida de verdade pra quem tem a curiosidade de ver o garanhão de Andy Warhol e Paul Morrissey interpretando um médico canastrão e/ou a musa felliniana da fonte que, mesmo na decadência de uma freira drogada, continua magneticamente mesmerizante.
O primeiro filme de Lamberto Bava na direção é uma pérola fedida. Apesar de ser de 1980, "Macabro" traz a espécie de perfeccionismo que permeou o bom cinema setentista de terror italiano onde, na grande maioria das vezes, o orçamento limitado andava de mãos dadas com a criatividade borbulhante: a escolha certeira dos figurinos, a iluminação que dá formas ao cenário e destaca as cores e as sombras de maneira naturalmente pontual; isto tudo somado aos movimentos clássicos e sempre atentos das câmeras, que tornam os detalhes escolhidos relevantes para o espectador, dá uma idéia do espectro de preconcepção minucioso que envolveu esta obra. E o êxito do filme não para em seus méritos técnicos. A representação alegórica do sexo como algo velado, que não pode ser visto, é muito bem elaborada. E os atores, com suas interpretações justas, só elevam tais intenções que, claramente, partiram de um ótimo roteiro. Outra questão de destaque na estória, na qual o elenco também ajuda a dar um polimento especial, é a forma como a projeção de uma filha na figura materna pode se dar de maneira surrealmente bizarra - se esta relação tivesse sido colocada exatamente desta forma numa peça de Nelson Rodrigues, todo mundo ia ovacionar de pé. Como se não bastasse, o primogênito de Lamberto Bava também é diversão garantida para fãs de um horror mais gráfico e absurdo. Nota 10.
Não é um filme que faz parte do "blaxploitation" - se muito, faz lembrar o movimento, como numa homenagem cabível. "Black Devil Doll" é uma produção relativamente nova com um senso politicamente incorreto e de uma independência bem pouco usuais no cenário cinematográfico contemporâneo do qual faz (contra)parte - sublinhe-se o "CINEMATOGRÁFICO", pois para chegar a tal conclusão, o espectador não deve levar em conta as inúmeras obras audiovisuais destinadas à veiculação pela e para a internet. O resultado é em parte saudosista: o quê meio Chucky, a heroína "russ meyeriana" e até a arte de promoção e divulgação com moldes "grindhouse" falam por si. Já as "péssimas" atuações das strippers, os efeitos digitais toscos, o sangue extremamente malfeito, a imagem geral irritantemente límpida, a montagem por vezes videoclíptica e a trilha sonora, às vezes muito ruim, às vezes muito boa; tudo isso somado ao escracho das piadas diretas dá um tom de escrotice plenamente atual ao filme. E isso é um grande mérito. Sangueira e mulher pelada em estado bruto e quase artesanal é sempre bom. No fim das contas, só fica difícil de entender o motivo pelo qual ninguém cita o clássico insubstituível e inacreditável "Black Devil Doll from Hell", de Chester Novell Turner, tendo em vista que o filme acima comentado é quase (se não totalmente) um releitura do mesmo. Fica a dica: pra quem curtiu "Black Devil Doll" por suas "transgressões", "Balck Devil Doll from Hell" é mais do que imperdível, é uma experiência obrigatória.
Quem curte “exploitation” vê neste tipo de filme mais do que uma categorização que define certas expectativas no espectador. O movimento de detonar limites, ou ampliá-los, num contexto de orçamento limitado, faz com que a idéia de “cinema exploitation”, por si só, seja um conceito crítico. Ao esfregar o proibido na tela, sublinhando questões reais que habitam as sombras da sociedade ocidental moderna, tal “gênero” atinge um resultado positivo em quem o acompanha: a ambigüidade como resposta. Sendo que uma audiência capaz de encarar o desconforto de uma obra sem lições de moral parece mais apta a questionar quaisquer concepções, aprendendo mais sobre si mesma e seu próximo. Dito isso, “The House on the Edge of the Park” se coloca como um ótimo representante de tal vertente. Afinal, estamos falando da parceria entre o diretor italiano Ruggero Deodato, de “Cannibal Holocaust”, e o ator David Hess, protagonista do primeiro “The Last House on the Left”. Aliás, as comparações entre este último e “The House on...” são inevitáveis: em ambos Hess interpreta um sociopata e a trama dos dois é permeada, de maneira direta, por desejo de vingança. Com “Canibal Holocausto” o filme tem em comum o estranho uso da trilha sonora que, em sua calmaria, cria uma espécie de diálogo dialético com os acontecimentos brutais do enredo. Um elemento importante nesta obra é o conflito de classes: Alex e seu amigo doidinho, representando a classe mais baixa, versus os ricos anfitriões da festa. O próprio Deodato, com uma visão quase socialista um tanto questionável, falou sobre o assunto: “Consegui fazer o que queria: um filme em favor dos oprimidos”. Talvez isso explique, em parte, a estranha empatia que o espectador tem pelos “vilões”. Os ricos são retratados como zumbis que perambulam sem razão, procurando motivos para não morrerem de tédio; enquanto os pobres, ao menos, estão vivos – constatação suficiente para uma relutante identificação com eles de quem acompanha a estória. Neste filme, rodado em três semanas durante o período noturno, ainda há a controversa e sugerida relação homossexual entre Alex e Ricky. Mas a ação mais controversa e emblemática da obra se dá quando acontece o assédio sexual extremamente violento sofrido
pela angelical Cindy. A edição, que faz cortes alternados entre Alex passando a navalha pelo corpo de Cindy e o sexo consensual entre uma mulher e Ricky no jardim erotiza o assédio sexual e o estupro?
Bem, tal questionamento é um prato cheio para os detratores de “The House on...”. Notório é que
serve para nivelar mais ainda os ricos e os pobres em termos de posturas duvidosas. Obviamente, os pobres - principalmente Alex - são do mal; mas os ricos, que até então estão ali
camufladamente no controle da situação, não se movem para salvar sua amiga imaculada, que nada tinha a ver com seu plano, quando esta começa a ser torturada.
A partir deste momento, todos que estão na casa merecem sofrer. No final, os ricos,
que sempre estiveram no comando do espetáculo, acabam por triunfar – o que não deixa de ser paradoxal quando se leva em consideração a intenção de Deodato.
Enfim, obra necessária por ser amoral e contraditória. Recomendável!
Sequência que desejava pegar carona no sucesso de bilheteria do "Blacula" de 1972, "Scream Blacula Scream" teve uma recepção ruim na época de seu lançamento. E, pelo visto, continua não fazendo muito a cabeça dos cinéfilos. Injustamente. Tal filme tem o charme setentista de qualquer blaxploitation. A impressão de um cinema quase de guerrilha continua na produção com tiras, tiros e muita ação. Tudo bem, muitas vezes o "soul funkeado", que quase sempre permeia filmes do tipo, aqui pode ser visto como demasiadamente substituido por uma trilha basicamente percussiva - o que faz muito sentido, levando-se em consideração que o tema do vodu se faz presente de uma maneira contundente e muito bem contextualizada na trama. Aliás, o vodu é uma tradição religiosa que muito tem a ver com as raízes negras nos E.U.A, nada mais justo que faça parte mística de um filme de horror inserido no movimento blaxpolitation. De resto, se Bob Kelljan erra na mão algumas vezes, transformando momentos que eram para ser de suspense em segundos de tédio para o espectador e deixando
a parte dos vampiros na mansão atacando os policias chega lembrar "filmes de zumbi"
em seu melhor estado. Pra completar, só a presença de William Marshall interpretando, mais uma vez, um dos vampiros mais galantes, másculos e dignos (talvez moralistas?) da história do cinema ao lado da estonteante musa Pam Grier já é, por si só, uma experiência mais do que válida de ser conferida.
"Blacula" é sangue e suingue. Absolutamente indispensável para fãs de filmes de horror, mesmo não figurando entre exponetes de maior qualidade cinematográfica do movimento blaxploitation como "Sweet Sweetback's Baadasssss Song" ou "Foxy Brown", só pra citar dois exemplos. O blaxploitation tem muita validade como manifestação estético-social traduzindo-se, discutivelmente, como cinema feito por negros para negros, destacando-se no mercado norte-americano principalmente durante os anos 70. E neste contexto Blacula tem a maior relevância por ser o primeiro filme de terror moldado em tais padrões "groovy". E por falar em "groovy", a trilha sonora, de Gene Page, merece uma menção como um personagem à parte, como ocorre na maioria destes filmes "black" - soul setentão da melhor qualidade que já confere a "Blacula" um tom distinto de filmes de horror em geral. Quem não tiver visto outros filmes que fazem parte do blaxploitation e ir direto para este por se tratar de um filme de terror, com certeza vai sentir, logo no começo, que uma experiência seminal está para se apresentar na tela. Aliás, o clima do filme e sua construção são bem "setentões" (iluminação, maquiagem, tiros, policiais, perseguições, investigações, lutas e suor... muito suor.). A linha entre o gênero de ação e horror aqui é tênue. Uma certa comédia charmosa também deve ser levada em consideração, seja pela maquiagem com um quê deslocado, seja pelos erros de continuidade ou pelas aparições repentinas de personagens em situações improváveis. Somando-se tudo, sobra para o espectador um resultado bem pouco usual. Bom, tirando as óbvias e válidas citações às questões raciais (e ao tratar de "minorias", o filme chega a mencionar a homofobia de uma maneira que, aos olhos do público atual, pode ser vista de um jeito diferente da provável intenção original), "Blacula" trouxe para as telas um dos vampiros mais dignos da história do cinema. Blacula, para o seu propósito magistralmente interpretado pelo garanhão William Marshall, não é apenas um parasita; ele é, antes e acima de tudo, o Príncipe Mamuwalde.
Quando tira a capa, faz amor com sua amada como um homem apaixonado; e quando percebe que a perdeu para sempre, e pela segunda vez, prefere se suicidar sob a luz do sol.
Um verdadeiro herói trágico, quase uma vítima das circunstâncias. Se isso tudo não bastar, é bom lembrar que algumas cenas causam arrepidos genuínos:
o que é aquela vampira negra correndo histericamente em "slow motion" pelo necrotério em direção à câmera?
Talvez o poder desta e de outras cenas tenham ajudado a garantir a ótima bilheteria que o filme teve em seu lançamento. Enfim, "Blacula" poderia ser resumido em uma frase: se o blaxploitation não vai para o horror, o horror vai para o blaxploitation.
Clássico da Universal dirigido por James Whale, que também fez os maravilhosos "Frankenstein", "A Noiva de Frankenstein" e "O Homem Invisível". "The Old Dark House" conta com a atuação apavorantemente vazia, embora pouco destacada, do monstruoso Boris Karloff. O filme, com forte influência do formato teatral, tem cenários e iluminação que em muito lembram os clássicos mudos do expressionismo alemão. As interações entre os personagens, complexos em certo grau e bem interpretados, servem para prender a atenção do espectador. Aliás, o contexto exposto, onde diferentes tipos têm que conviver num mesmo ambiente, desnudando seus âmagos aos poucos, chega a parecer, mesmo que superficialmente, com o "O Anjo Exterminador", de Buñuel. De resto, a sonoplastia é eficiente como um personagem à parte e os
irmãos anciões anfitriões sustentam uma relação tensa que ferve na química da obra
, indicando um estereótipo que se repetiria no que se refere a filmes em que famílias disfuncionais operam em conjunto na sua psicopatia em comum. Isso sem falar
no pai deles, que lá deitado, com aquele tom de voz fino e a maquiagem que bem ressalta sua deterioração
, repugna a qualquer um - seria mera coincidência alguma semelhança com o vovô do "Massacre da Serra Elétrica"? Ótimo e seminal exemplo de horror clássico.
Ótimo remake de Georges Franju para o clássico filme homônimo de 1916 dirigido pelo genial Louis Feuillade. Franju, diretor, entre outros, da obra-prima "Os Olhos Sem Rosto", aqui constrói um thriler dramático com tons surrealistas, explícitos em cenas como a do baile de máscaras, em que cada convidado é uma ave - referência direta à obra do cartunista J.J. Grandville. A trama principal, no entanto, não perde sua objetividade em meio ao clima onírico de "Judex", pois ajudada por competente edição e boas atuações, se desenrola numa linearidade clássica, prendendo a atenção do espectador mais careta. No mais, as intervenções estéticas que fazem a obra lembrar a linguagem do cinema mudo são interessantíssimas, trazendo certo senso de honestidade à adaptação. Justa homenagem de um grande diretor a um doas maiores cineastas franceses de todos os tempos.
Mais um bom exemplar de cinema extremo japonês lembrando Takashi Miike na sua melhor forma, em filmes como "Audition". Aliás, nunca é demais repetir, sobra talento a estes orientais quando o assunto é construir brutais thrillers dramáticos que giram em torno do tema vingança. Tudo bem que "Strange Circus" é menos direto que outros exemplares do gênero com relação a esta questão, mas isso combina com seu tom geral que, através de recursos fotográficos e cenográficos, traz certo clima onírico ao espectador (
o palco circense quase felliniano e os corredores cobertos de sangue ilustram bem tal idéia
). O "porém" poderia estar no desfecho da obra, que se utiliza de uma estratégia narrativa mais do que batida nos mais diversos campos ficcionais; mesmo assim, seu conduzir excessivo lhe confere uma espécie de licença cabível em que a banalidade pode parecer interessante. Enfim, recomendado para quem curte testar limites cinematográficos, sendo avisado de que nunca mais verá um músico portando um case de violoncelo da mesma maneira. Ps: a sinopse aqui não tá meio zoada?
Mais um clássico filme de terror da produtora inglesa Hammer dirigido pelo mega competente Terence Fisher. A cenografia de tom gótico é complementada pelos artifícios de laboratório de "cientista maluco" que, hoje em dia, dão um charme vintage às obras em que marcam presença. A trilha sonora, clássica como o horror da Hammer, pontua momentos de pavor e ajuda na construção de suspense. Se não há novidades na maneira como Fisher conduz a narrativa, que se desenrola sempre de maneira correta, desta vez alguns detalhes no roteiro fazem a diferença; e pra sublinhar tal diferença, lá estão eles: Peter Cushing e Christopher Lee. Cushing personifica, com todo o seu talento, um Barão Frankenstein que está longe de ser apenas um inconsequente gênio na busca por conhecimento e poder. Em "The Curse of Frankenstein",
o cientista leva à morte uma serviçal que ele mesmo talvez tenha engravidado e assassina um velhinho em prol de seus objetivos
, isso apenas para citar alguns exemplos; ou seja, neste filme, o Barão é um vilão com V. Pra completar, ainda se vê uma das criaturas mais repugnantes de todas as adaptações cinematográficas do famoso livro da Sra. Shelley. Christopher Lee, ajudado pela maquiagem em sua caracterização pútrida, às vezes chega a lembrar um zumbi de Romero. De resto, o dinamismo da obra se mostra cativante. Ótima opção para quem curte um clássico com C.
Alguns filmes são dotados de aura transcedental tão grande que qualquer coisa que se diga sobre eles é totalmente irrelevante diante da experiência de assisti-los. Este é o caso de "Bad Boy Bubby". De qualquer maneira, lá vai. O filme, de uma crueza impiedosa que às vezes lembra o posterior "Os Idiotas" de Lars von Trier e mais algumas outras obras de seus companheiros de Dogma 95, versa sobre o tema do "outsider" de uma maneira eficientemente artística; ou seja, mostrando o complexo da forma mais simples. Esta poética e forte obra australiana se ultiliza magistralmente de métodos técnicos não usuais para colocar o espectador no lugar do "não ajustado" representado por Bubby/Pop, tão convincentemente interpretado por Nicholas Hope. Dentre tais métodos está a gravação dos diálogos, que se dá por microfones colocados logo acima das orelhas de Hope, dentro de sua peruca, de modo que o audio seja exibido em relevo como uma de suas expressões subjetivas; outro recurso sui generis e eficaz na criação de empatia diz respeito a escolha por 31 diretores de fotografia, proibidos de verem o trabalho um do outro antes do resultado final, cada um filmando um ambiente diferente visto pela primeira vez por Bubby, sendo que cada experiência nova do protagonista ganha um grau de individualidade extrema que reverbera com força em quem o assiste. Em tal jornada, na qual tabus fazem explicita e despudoradamente parte da rotina, o espectador, esforçado e de coração partido, se pergunta até que ponto os humanos, assim como qualquer outro animal, são meros reflexos do que observam. Desiludido,
vê Bubby passar por outros grupos de "exluídos" (sejam mendigos, roqueiros drogados, gordos, deficientes físicos e/ou mentais...) sem conseguir pertencer a nenhum deles. Não há um ciclo social, como em "Freaks", de Tod Browning", que cante pra ele "We accept you,one of us". E o mais irônico em tudo isso é que ele não é nada que não seja os outros. Até aí, querer fazer do cara um artista admirado, cuja singularidade passe a ser a soma de suas experiências, tudo bem; mas o final feliz junto a uma família padrão já soa forçado. Nada contra "finais felizes", mas este parece fugir do contexto num filme em que a frase "Se o veneno não te matar, Deus vai" ganha tamanho peso. Enfim, talvez não. Talvez seja algo mais simples do tipo: filhos de famílias disfuncionais criam seu futuro de maneira mais satisfatória por evitarem os erros de seus pais. Ainda assim, usar uma solução tão óbvia, contrastando com o todo do filme, dá a impressão de que rolou uma apelação para um desfecho nas coxas, qualquer coisa para tirar a máscara contra gases tóxicos colocada na cara do espectador desde o começo da experiência, para que este possa voltar para sua realidade não tão sufocado.
Detalhes... apenas detalhes sobre um filme quase perfeito e, por isso, imperdível!
Sequências sempre sofrem o risco de serem comparadas com os filmes que lhes deram origem. Tudo se complica ainda mais para as continuações quando os originais são obras-primas de extraordinária qualidade. Esta é a situação em "A Câmara de Horrores do Dr. Phibes", obra que perde um pouco do seu brilho à sombra da sua precursora clássica "O Abominável Dr Phibes". Algo que contribui para a boa qualidade de "A Câmara..." é o fato de dispor do mesmo diretor e alguns atores de "O Abominável...". Aliás, pode-se dizer que o desempenho do elenco aqui está até relativamente melhor. Vincent Price se mantém um caricato e genial megalômano apaixonado, menos vingativo e mais sádico, ao passo que seu antagonista, interpretado por Robert Quarry, corresponde de maneira clássica e egocêntrica ao seu anseio pela vida eterna. No mais, o que dizer de um "casting" que se dá ao luxo de contar com Peter Cushing para fazer uma PONTA? Contudo, a colaboração mágica entre o diretor Robert Fuest e o cenógrafo Brian Eatwell perde um pouco das cores, metaforica e literalmente, que teve no primeiro filme. O monocromatismo azulado que se sustenta na tela não disfarça o pecado pela abrangência. Ao adicionar elementos da cultura árabe no cenário, o toque art déco, tão perfeitamente pontual em "O Abominável...", acaba por se dissipar, num clássico exemplo de como o excesso de informação pode transformar detalhes que uma vez foram essenciais em algo artificial e, até mesmo, superficial. Outro ponto negativo é a entrada e saída da personagem Vulnavia na trama, no que mais parece ser um furo de roteiro ou preguiça dos roteiristas - talvez alguma imposição louca do estúdio? Vá saber. Bom, voltando à comparação entre original e sequência: as mortes neste filme são tão engenhosas quanto as do primeiro, embora um tanto mais brutais (e isso sempre é bom); e as piadas são menos sutis, levando a questão "causa e consequência" tão presente na comédia a extremos - por exemplo: agora,
além de ver Phibes bebendo vinho pelo pescoço, o espectador também presencia o Doutor comendo e se engasgando com uma espinha de peixe, que retira da nuca
; ou seja, a ironia cede lugar ao pastelão, e isso também, às vezes, é bom. A trilha sonora é outro ponto bem legal, embora não se coloque como um personagem a parte, como acontece no filme anterior. Enfim, tudo isso pra dizer que "Dr. Phibes Rises Again" é um longa extremamente divertido e que, talvez, funcione bem melhor sem o fardo de ser uma sequência. Aliás, para você que acha que a canção "Somewhere Over The Rainbow" atinge sua ressonância e relevância emocional máxima em "O Mágico de Oz", "A Câmara de Horrores do Dr. Phibes" se faz uma obra imprescindível. Confiram!
Claudio Assis mantém coerência em sua obra cinematográfica. E é sempre legal ver um autêntico autor brasileiro atual se "sustentando" em um circuito nacional relativamente abrangente com um filme que não é uma "novela global" pra telona. Pra melhorar, "A Febre do Rato" é muito bom, no sentido de cumprir o que se propõe. Com tudo pra ser presunçoso, misturando poesia à fotografia em p&b, mas não apenas por causa disso, a obra consegue tocar no âmago do espectador, mesmo em meio a toda sua altivez visceral. Os retratos obtidos pelo mestre Walter Carvalho são lindamente inspirados e inspiradores; e os textos que fazem parte do roteiro também são excelentes, criando um exímio exemplo do diálogo entre a poesia literária e a cinematográfica. Enfim, se há algo de questionável neste cruzamento imagético entre Chico Science e Mikhail Bakunin, é o seu teor ideológico um tanto quanto ingênuo. Mas e daí? Uma certa dose de ingenuidade até que cairia bem na cinematografia nacional contemporânea de grande circuito.
Não há dúvidas: "O Abominável Dr. Phibes" é um clássico do horror. O primeiro aspecto a ter certo relevo é o uso da comicidade, neste caso um autêntico humor inglês quase "monty pytheano", que é inserido num contexto macabro de maneira muito natural. Aliás, grandes "clássicos" do gênero anteriores a "Phibes", como "A Noiva de Frankenstein", e posteriores a ele, como "Evil Dead II", também se utilizaram deste recurso do humor no terror de forma a criar uma narrativa autêntica, interessante e extremamente divertida em sentidos diversos. Em "Dr. Phibes",
morcegos pendurados por visíveis cordinhas e Vincent Price tomando vinho pelo pescoço
, só para citar alguns exemplos, deixam o espectador com a impressão de estar checando uma comédia, no mínimo, particular, onde o humor negro empresta tons surreais ao enredo. A atuação de Vincent Price é outro destaque.
pelas expressões facias do Sr. Price e pela maneira como ele mexe seu pomo-de-adão e papo num esforço de exprimir sentimentos através de palavras que não são pronunciadas pelos movimentos de sua boca, mas por meio de uma aparelhagem amalucada
- curiosamente engraçado e eficiente para as sitiuções colocadas. A cenografia é um personagem à parte. Estranha e vividamente colorida para um filme de terror inglês, até então geralmente estereotipado pelo padrão clássico Hammer de produção, também chama atenção por seus diversos ângulos que conferem múltiplos níveis de profundidade às cenas. Não é de se estranhar, o diretor Robert Fuest cursou a Hornsey Schools of Art e começou sua carreira no ramo cinematográfico como cenógrafo. Isto talvez explique certa influência do cineasta no "feeling" art-deco do cenário. Por último, mas não menos importante, a trilha sonora, que tem que ser forte e o é. Afinal, Dr. Phibes, entre outras coisas, é um grande organista que, quando toca seu instrumento, traduz seu interior provocando ondas de sentimentos sombrios, solitários e vibrantes nos ouvintes do outro lado da tela - impossível não traçar paralelos com outro clássico da história do cinema, "O Fantasma da Ópera". Pra completar, toda a (auto)exclusão do protagonista é escancarada na assutadora ou cômica, mas sem dúvida antológica e marcante cena em que
Ótimo filme extremamente subestimado. Talvez por ser sua segunda obra na direção, o mestre Samuel Fuller ainda não considerasse o cinema como "um campo de batalha", o que pode desagradar alguns de seus fãs. Mas mesmo parecendo não ter seus grandes e famosos problemas com o sistema de estúdios em tal momento, se engana quem pensa que Fuller deixa de ser questionador. Tudo bem, sua perspectiva redentora é um tanto otimista, ainda mais se comparada ao prisma de realidade fatídico e irremediável de filmes posteriores como os perfeitos "Paixões Que Alucinam" e "O Beijo Amargo". No entanto, o tom anárquico com o qual questões como a propriedade são postas em cheque, no enquadramento de um axioma que se mostra não mais que burocrático, não deixa de trazer o embrião não-conformista que permeia a obra do cineasta. Rodado com toda a pompa de um clássico drama histórico, "The Baron of Arizona" ainda conta com Vincent Price interpretando um canastrão de maneira canastrona; fato este que contribui para uma eficiente dinâmica dialética em que a verossimilhança se sobrepõe à "verdade". Deste modo, a parceria entre o Sr. Fuller e o Sr. Price é bem-sucedida no sentido de levar o espectador a se questionar sobre a validade de instituições e conceitos políticos comumente e frequentemente colocados acima do bem e do mal. Válido.
Exercício cinematográfico necessário para a primeira década do novo milênio no Brasil. Singular no contexto do cinema nacional, "Morgue Story - Sangue, Baiacu e Quadrinhos" lembra o clássico "Re-Animator" de Stuart Gordon, talvez por boa parte de sua trama se passar num necrotério, envolver zumbis, sexualidade aflorada e um certo tom humorístico. Aliás, por que o horror no cinema brasileiro, em sua maior parte, sempre anda de mãos dadas com a paródia? O "Terrir" do mestre Ivan Cardoso dá crias. Não que este seja o caso da obra do diretor e roteirista Paulo Biscaia Filho, pelo menos em partes. Passando longe do escracho, "Morgue Story", adaptada de uma peça de teatro, dialoga muito mais com a linguagem HQ, como seu título sugere: isto fica claro em opções narrativas adotadas pela edição, como o uso do recurso de divisão de tela colocando, inclusive, o desenho de um raio demarcando os limites entre quadros. Sobre as influências.... pode-se falar de Tarantino? A opção por um look mais vintage em uma imagem que simula ser a de um filme gasto com suas listras faz o espectador lembrar do projeto "Grindhouse" e os diálogos, que trazem referências à cultura pop, às vezes de um quê "moderninho" forçado, também recordam o diretor de "Pulp Fiction". Bom, o filme é cheio das melhores intenções. O roteiro é muito bem amarradinho, com um final delicioso, e o pessoal da pós-produção fez um trabalho de muito bom gosto. Até as atuações canhestras (Ana Argento é uma princesota) funcionam intencionalmente bem como um reforço da comédia mambembe que alivia aspectos mais sinistros da estória. Mas isto também pode ser considerado um problema. Muitas vezes, quando o exagero se faz necessário, "Morgue Story" recua, parecendo que está com medo de colocar o dedo na ferida que ela mesma abriu. Quando isso acontece, o espectador tem a impressão de que está assistindo a um filme de terror dirigido por Jorge Furtado - e ainda bem que tal impressão não é recorrente. Enfim, experiência mais do que válida. O DVD do filme é encontrado por um preço camarada na Livraria da Travessa no Rio de Janeiro. Maiores informações: www.vigormortis.com.br
Curiosa a concepção visual do punk neste filme mexicano: algo bem oitentão, sem chegar a ser "new wave", como se os Pistols e sua turma quisessem ser "kitsch". Não menos curiosa é a colocação dos punks como vilões de um filme de "Mad Max". "Intrépidos Punks" integra o panteão de experiências cinematográficas mais do que esquisitas. Esta produção mexicana é muito boa, dado seu contexto financeiro e histórico. Desde o seu início o espectador está em contato com muita ação que inclui
assalto a banco, tiroteios, perseguições e explosões de carro, estupros coletivos acompanhados por apresentação de banda de rock e gente pegando fogo
. Por isso, não se enganem: "Intrépidos Punks" é essencialmente um filme de ação. Até o seu vilão-mor, Tarzan, tem tudo, desde trejeitos e biotipo à ocultação da face, pra fazer lembrar praticantes de luta livre (aliás, protagonistas assíduos de tal gênero em determinado período da história do cinema mexicano, com nomes como Santo e Blue Demon registrados para a posteridade). Se há comédia, ela está na aura engraçadamente surreal que envolve o filme e no desempenho canastrão de seus atores, incluindo os heróis, detetives pra lá de pastelões. Mas, com certeza, este sopro palhaço não estava nas intenções de ninguém que realizou a obra, muito menos nas do diretor/roteirista Francisco Guerrero. No entanto, as risadas são inevitáveis. A música-tema, tocada diversas vezes, de um punk rock genérico e bizarramente honesto, adiciona ao aspecto de comicidade delirante. E nesta soma ainda cabem os números de “softcore” com mulheres “oitentamente” siliconadas. De resto, entre toda a maconha e cocaína do enredo, o filme dispõe de uma narrativa careta e correta com um apuro técnico surpreendente. Vale conferir.
Filme muito bom. É sempre impressionante a fantástica capacidade que os japonese têm de se utilizar do cinema extremo para construir alegorias do absurdo enraizado profundamente na pós-modernidade. Certo que algumas questões, como a inveja e a competitividade, têm se mostrado intrínsecas à natureza humana através dos tempos. Acontece que em determinados momentos históricos uma mesma tendência, por mais que tenha consequências iguais, assume particularidades distintas. E nisso a questão oriental/ocidental aqui carece de relevância. "2LDK" dá um tapa na cara do espectador escancarando toda a vaidade e egocentrismo que brotam do individualismo consumista nos tempos atuais e que, geralmente, são eclipsados pela rotina do cotidiano. Pra isso o diretor e roteirista Yukihiko Tsutsumi parte de uma ideia relativamente simples: duas atrizes que almejam determinado papel dividindo o mesmo teto. Como em "O Anjo exterminador", de Luis Buñuel, a fruta podre da existência vai brutalmente sendo descascada e os instintos básicos do homem, independentemente de virtudes, provocam gargalhadas nervosas em quem se sente refletido na sua exposição - ou seja, em qualquer pessoa com um grau mínimo de autoconhecimento. Enfim, o HOMEM destrói mesmo quando vislumbra a possibilidade de angariar algo se unindo ao outro. Se há um detalhe que não condiz com a competência da obra são os conflitos entre as personagens, que às vezes parecem mal desenvolvidos. Mas isto pode ser em prol de uma dinâmica narrativa mais objetiva. De resto, para um filme de estrutura basicamente teatral, no sentido estrito do termo, ele eficientemente se sustenta. Boa montagem, convincente maquiagem, ótimas atuações e cenografia condizente. Todo um trabalho bem-sucedido em causar choque hilário, como um despertador que toca "Death Metal". Ps: observações em voz-off necessárias, algo raro no cinema em geral.
Em "Ama-me Com Ternura" Elvis Presley não interpreta um garanhão cheio de autoestima. Muito pelo contrário. Em boa parte do filme seu personagem, Clint Reno, reflete uma ingenuidade até certo ponto irritante - e com certeza o fato deste ser o primeiro papel do Rei para o cinema ajudou na composição de tal característica. O enfoque aqui parece cair mais no contexto que envolve um de seus irmãos, Vance Reno, interpretado por Richard Egan, e sua
pela estonteante Cathy Reno, Debra Paget. O enredo capta a atenção do espectador numa tragédia familiar que, apresentada de maneira um tanto quanto direta para os filmes de grande circuito da época, parece trazer um toque genérico do melhor Elia Kazan, sempre no bom sentido. Para concluir, alguns números musicais antológicos com os movimentos pélvicos que escandalizaram o mundo ocidental e mais a curiosidade de ver um Elvis inseguro e passional
Sam Peckinpah faz um cinema viril. "A Cruz de Ferro" é um grande exemplo suado de um ótimo e autêntico Peckinpah. Muitas cenas de ação, extremamente bem elaboradas, são mostradas em câmera lenta, no que se pode considerar um recurso estilístico característico do diretor, usado de maneira a expor maior profundidade no sentido de causar impacto reverberante no espectador. De um prisma altamente pacifista, incomumente retratando "humanidade" do lado alemão das trincheiras durante a Segunda Guerra Mundial, o filme ataca a carnificina com o niilismo. No desenrolar de seu enredo, conforme se acompanha a curva de personalidade de seu protagonista, qualquer estrutura hierárquica é desintegrada no caos da guerra, que se percebe tão natural quanto sem propósito. Vale conferir. Aviso: a versão em dvd que está circulando no mercado nacional, do selo Spectra Nova, é péssima. A qualidade de imagem e som, que às vezes chega a ser dessincronizado, é horrível. Pra piorar, a legenda é de um português pífio. Não recomendada!
Delicioso documentário musical de inestimável valor para fãs de Elvis Presley. Uma espécie de "crônica viva construída a partir da série de concertos realizada em 1972 através de várias cidades americanas". O filme, vencedor do Globo de Ouro de Melhor Documentário, mostra a euforia dos fãs do Rei, alguns números musicais memoráveis e cenas de bastidores dos shows - sendo estas últimas as mais interessantes, pois menos usuais. Alguns espectadores atuais podem reclamar do excessivo uso do recurso de divisão de tela, mas não se deve esquecer que para a época esta opção narrativa era relativamente inovadora e sua aplicação supostamente deveria conferir dinamismo à obra. Se o processso é bem sucedido, ou não, é uma questão de gosto pessoal. Destaque para a interpretação de "Love Me Tender", que após ser anunciada como a música de seu primeiro filme, é permeada por um Elvis que a todo momento interrompe seu canto para dar bitocas na boca de suas fãs enquanto uma sequência paralela (uma das extras supervisionadas por Martin Scorcese) mostra galantes beijos retirados de cenas dos filmes da carreira do Rei.
Muito bom. Uma espécie de "produção da Hammer encontra Mario Bava e filmes giallo". A função metalinguistica é muito bem aplicada em "Madhouse". A questão do filme dentro do filme, auxiliada por um eficiente processo de montagem, potencializa situações e sentimentos importantes para a trama e chega, às vezes, a funcionar como uma verdadeira homenagem ao ator Vincent Price. E o cara está magnífico. Se por um lado a simpática maquiagem de um de seus personagens, o Dr. Morte, faz o espectador se perguntar até que ponto ela teria influenciado diretamente o "Horror Punk" e o "Black Metal"; por outro, a elegância de sua interpretação se esparrama em momentos como seu monólogo final,
confronto mortal entre dois outros ícones do cinema de horror, Bela Lugosi e Boris Karloff.
Talvez a sensação despertada por tais cenas seja a mais próxima da associada à expressão "duelo de titãs". No mais, se a autoria dos crimes em "Dr. Morte" sempre pareceu óbvia, ainda mais para fãs de filmes de terror, o
põe em cheque tudo que o precedeu conferindo a todos os conflitos passados distintos e abertos pontos de vista.
Destaque para a música dos créditos finais, que aparece em outro momento do filme, pois da maneira como é inserida em determinado contexto ela passa a assumir relevância surrealmente bizarra.
O Estripador de Nova York
3.4 65"Thriller" safado e malvado do maestro Lucio Fuli. A direção e a edição são extremamente competentes na criação de suspense grosseiro e a fotografia, quando não impressiona no uso de um monocromatismo dantesco, consegue imprimir todo o clima neon decadende da Nova Iorque de fins dos anos 70 na tela.
"The New York Ripper" é apelativo e brutal. O "gore" orgâncio satisfaz fãs mais exigentes e a trama não fica devendo muito se comparada a expoentes mais famosos do cinema policial. Certos detalhes, como
o assassino com voz de Pato Donald (aliás, o Sr. Fulci devia ter pesadelos nefastos com patos, vide "Don't Torture a Duckling", de 1972)
A Freira Assassina
2.8 13O fato do assassino usar luvas cor-de-rosa já diz algo sobre o filme. "Suor Omicidi" é uma espécie de "giallo" encontra o "nunsploitation". Acontece que a violência comum aos dois subgêneros cinematográficos é deveras sublimada.
Em suas particularidades, o suspense é parco para um "giallo", enquanto as atrocidades afins e a abordagem do lesbianismo passam longe do que se espera de um "nunsploitation" regular. Uma boa cena aqui e outra acolá não fazem um bom filme.
A experiência só é válida de verdade pra quem tem a curiosidade de ver o garanhão de Andy Warhol e Paul Morrissey interpretando um médico canastrão e/ou a musa felliniana da fonte que, mesmo na decadência de uma freira drogada, continua magneticamente mesmerizante.
Macabro
3.2 18O primeiro filme de Lamberto Bava na direção é uma pérola fedida. Apesar de ser de 1980, "Macabro" traz a espécie de perfeccionismo que permeou o bom cinema setentista de terror italiano onde, na grande maioria das vezes, o orçamento limitado andava de mãos dadas com a criatividade borbulhante: a escolha certeira dos figurinos, a iluminação que dá formas ao cenário e destaca as cores e as sombras de maneira naturalmente pontual; isto tudo somado aos movimentos clássicos e sempre atentos das câmeras, que tornam os detalhes escolhidos relevantes para o espectador, dá uma idéia do espectro de preconcepção minucioso que envolveu esta obra.
E o êxito do filme não para em seus méritos técnicos. A representação alegórica do sexo como algo velado, que não pode ser visto, é muito bem elaborada. E os atores, com suas interpretações justas, só elevam tais intenções que, claramente, partiram de um ótimo roteiro.
Outra questão de destaque na estória, na qual o elenco também ajuda a dar um polimento especial, é a forma como a projeção de uma filha na figura materna pode se dar de maneira surrealmente bizarra - se esta relação tivesse sido colocada exatamente desta forma numa peça de Nelson Rodrigues, todo mundo ia ovacionar de pé.
Como se não bastasse, o primogênito de Lamberto Bava também é diversão garantida para fãs de um horror mais gráfico e absurdo. Nota 10.
James Dean: Um Ídolo e Suas Paixões
3.2 3Meio constrangedor.
Black Devil Doll
2.5 7Não é um filme que faz parte do "blaxploitation" - se muito, faz lembrar o movimento, como numa homenagem cabível. "Black Devil Doll" é uma produção relativamente nova com um senso politicamente incorreto e de uma independência bem pouco usuais no cenário cinematográfico contemporâneo do qual faz (contra)parte - sublinhe-se o "CINEMATOGRÁFICO", pois para chegar a tal conclusão, o espectador não deve levar em conta as inúmeras obras audiovisuais destinadas à veiculação pela e para a internet.
O resultado é em parte saudosista: o quê meio Chucky, a heroína "russ meyeriana" e até a arte de promoção e divulgação com moldes "grindhouse" falam por si. Já as "péssimas" atuações das strippers, os efeitos digitais toscos, o sangue extremamente malfeito, a imagem geral irritantemente límpida, a montagem por vezes videoclíptica e a trilha sonora, às vezes muito ruim, às vezes muito boa; tudo isso somado ao escracho das piadas diretas dá um tom de escrotice plenamente atual ao filme. E isso é um grande mérito. Sangueira e mulher pelada em estado bruto e quase artesanal é sempre bom.
No fim das contas, só fica difícil de entender o motivo pelo qual ninguém cita o clássico insubstituível e inacreditável "Black Devil Doll from Hell", de Chester Novell Turner, tendo em vista que o filme acima comentado é quase (se não totalmente) um releitura do mesmo. Fica a dica: pra quem curtiu "Black Devil Doll" por suas "transgressões", "Balck Devil Doll from Hell" é mais do que imperdível, é uma experiência obrigatória.
A Casa no Fundo do Parque
3.1 20Quem curte “exploitation” vê neste tipo de filme mais do que uma categorização que define certas expectativas no espectador. O movimento de detonar limites, ou ampliá-los, num contexto de orçamento limitado, faz com que a idéia de “cinema exploitation”, por si só, seja um conceito crítico. Ao esfregar o proibido na tela, sublinhando questões reais que habitam as sombras da sociedade ocidental moderna, tal “gênero” atinge um resultado positivo em quem o acompanha: a ambigüidade como resposta. Sendo que uma audiência capaz de encarar o desconforto de uma obra sem lições de moral parece mais apta a questionar quaisquer concepções, aprendendo mais sobre si mesma e seu próximo.
Dito isso, “The House on the Edge of the Park” se coloca como um ótimo representante de tal vertente. Afinal, estamos falando da parceria entre o diretor italiano Ruggero Deodato, de “Cannibal Holocaust”, e o ator David Hess, protagonista do primeiro “The Last House on the Left”. Aliás, as comparações entre este último e “The House on...” são inevitáveis: em ambos Hess interpreta um sociopata e a trama dos dois é permeada, de maneira direta, por desejo de vingança. Com “Canibal Holocausto” o filme tem em comum o estranho uso da trilha sonora que, em sua calmaria, cria uma espécie de diálogo dialético com os acontecimentos brutais do enredo.
Um elemento importante nesta obra é o conflito de classes: Alex e seu amigo doidinho, representando a classe mais baixa, versus os ricos anfitriões da festa. O próprio Deodato, com uma visão quase socialista um tanto questionável, falou sobre o assunto: “Consegui fazer o que queria: um filme em favor dos oprimidos”. Talvez isso explique, em parte, a estranha empatia que o espectador tem pelos “vilões”. Os ricos são retratados como zumbis que perambulam sem razão, procurando motivos para não morrerem de tédio; enquanto os pobres, ao menos, estão vivos – constatação suficiente para uma relutante identificação com eles de quem acompanha a estória.
Neste filme, rodado em três semanas durante o período noturno, ainda há a controversa e sugerida relação homossexual entre Alex e Ricky. Mas a ação mais controversa e emblemática da obra se dá quando acontece o assédio sexual extremamente violento sofrido
pela angelical Cindy. A edição, que faz cortes alternados entre Alex passando a navalha pelo corpo de Cindy e o sexo consensual entre uma mulher e Ricky no jardim erotiza o assédio sexual e o estupro?
Notório é que
a entrada da virgem no enredo
camufladamente no controle da situação, não se movem para salvar sua amiga imaculada, que nada tinha a ver com seu plano, quando esta começa a ser torturada.
que sempre estiveram no comando do espetáculo, acabam por triunfar – o que não deixa de ser paradoxal quando se leva em consideração a intenção de Deodato.
Enfim, obra necessária por ser amoral e contraditória. Recomendável!
Os Gritos de Blácula
3.1 22Sequência que desejava pegar carona no sucesso de bilheteria do "Blacula" de 1972, "Scream Blacula Scream" teve uma recepção ruim na época de seu lançamento. E, pelo visto, continua não fazendo muito a cabeça dos cinéfilos. Injustamente.
Tal filme tem o charme setentista de qualquer blaxploitation. A impressão de um cinema quase de guerrilha continua na produção com tiras, tiros e muita ação. Tudo bem, muitas vezes o "soul funkeado", que quase sempre permeia filmes do tipo, aqui pode ser visto como demasiadamente substituido por uma trilha basicamente percussiva - o que faz muito sentido, levando-se em consideração que o tema do vodu se faz presente de uma maneira contundente e muito bem contextualizada na trama. Aliás, o vodu é uma tradição religiosa que muito tem a ver com as raízes negras nos E.U.A, nada mais justo que faça parte mística de um filme de horror inserido no movimento blaxpolitation.
De resto, se Bob Kelljan erra na mão algumas vezes, transformando momentos que eram para ser de suspense em segundos de tédio para o espectador e deixando
o final em aberto como para uma provável sequência vindoura que não se realizou
a parte dos vampiros na mansão atacando os policias chega lembrar "filmes de zumbi"
Pra completar, só a presença de William Marshall interpretando, mais uma vez, um dos vampiros mais galantes, másculos e dignos (talvez moralistas?) da história do cinema ao lado da estonteante musa Pam Grier já é, por si só, uma experiência mais do que válida de ser conferida.
Blacula, O Vampiro Negro
3.2 55"Blacula" é sangue e suingue. Absolutamente indispensável para fãs de filmes de horror, mesmo não figurando entre exponetes de maior qualidade cinematográfica do movimento blaxploitation como "Sweet Sweetback's Baadasssss Song" ou "Foxy Brown", só pra citar dois exemplos. O blaxploitation tem muita validade como manifestação estético-social traduzindo-se, discutivelmente, como cinema feito por negros para negros, destacando-se no mercado norte-americano principalmente durante os anos 70. E neste contexto Blacula tem a maior relevância por ser o primeiro filme de terror moldado em tais padrões "groovy".
E por falar em "groovy", a trilha sonora, de Gene Page, merece uma menção como um personagem à parte, como ocorre na maioria destes filmes "black" - soul setentão da melhor qualidade que já confere a "Blacula" um tom distinto de filmes de horror em geral. Quem não tiver visto outros filmes que fazem parte do blaxploitation e ir direto para este por se tratar de um filme de terror, com certeza vai sentir, logo no começo, que uma experiência seminal está para se apresentar na tela.
Aliás, o clima do filme e sua construção são bem "setentões" (iluminação, maquiagem, tiros, policiais, perseguições, investigações, lutas e suor... muito suor.). A linha entre o gênero de ação e horror aqui é tênue. Uma certa comédia charmosa também deve ser levada em consideração, seja pela maquiagem com um quê deslocado, seja pelos erros de continuidade ou pelas aparições repentinas de personagens em situações improváveis. Somando-se tudo, sobra para o espectador um resultado bem pouco usual.
Bom, tirando as óbvias e válidas citações às questões raciais (e ao tratar de "minorias", o filme chega a mencionar a homofobia de uma maneira que, aos olhos do público atual, pode ser vista de um jeito diferente da provável intenção original), "Blacula" trouxe para as telas um dos vampiros mais dignos da história do cinema. Blacula, para o seu propósito magistralmente interpretado pelo garanhão William Marshall, não é apenas um parasita; ele é, antes e acima de tudo, o Príncipe Mamuwalde.
Quando tira a capa, faz amor com sua amada como um homem apaixonado; e quando percebe que a perdeu para sempre, e pela segunda vez, prefere se suicidar sob a luz do sol.
Se isso tudo não bastar, é bom lembrar que algumas cenas causam arrepidos genuínos:
o que é aquela vampira negra correndo histericamente em "slow motion" pelo necrotério em direção à câmera?
Enfim, "Blacula" poderia ser resumido em uma frase: se o blaxploitation não vai para o horror, o horror vai para o blaxploitation.
A Casa Sinistra
3.4 43Clássico da Universal dirigido por James Whale, que também fez os maravilhosos "Frankenstein", "A Noiva de Frankenstein" e "O Homem Invisível". "The Old Dark House" conta com a atuação apavorantemente vazia, embora pouco destacada, do monstruoso Boris Karloff.
O filme, com forte influência do formato teatral, tem cenários e iluminação que em muito lembram os clássicos mudos do expressionismo alemão. As interações entre os personagens, complexos em certo grau e bem interpretados, servem para prender a atenção do espectador. Aliás, o contexto exposto, onde diferentes tipos têm que conviver num mesmo ambiente, desnudando seus âmagos aos poucos, chega a parecer, mesmo que superficialmente, com o "O Anjo Exterminador", de Buñuel.
De resto, a sonoplastia é eficiente como um personagem à parte e os
irmãos anciões anfitriões sustentam uma relação tensa que ferve na química da obra
no pai deles, que lá deitado, com aquele tom de voz fino e a maquiagem que bem ressalta sua deterioração
Ótimo e seminal exemplo de horror clássico.
Judex
3.8 11Ótimo remake de Georges Franju para o clássico filme homônimo de 1916 dirigido pelo genial Louis Feuillade. Franju, diretor, entre outros, da obra-prima "Os Olhos Sem Rosto", aqui constrói um thriler dramático com tons surrealistas, explícitos em cenas como a do baile de máscaras, em que cada convidado é uma ave - referência direta à obra do cartunista J.J. Grandville.
A trama principal, no entanto, não perde sua objetividade em meio ao clima onírico de "Judex", pois ajudada por competente edição e boas atuações, se desenrola numa linearidade clássica, prendendo a atenção do espectador mais careta.
No mais, as intervenções estéticas que fazem a obra lembrar a linguagem do cinema mudo são interessantíssimas, trazendo certo senso de honestidade à adaptação. Justa homenagem de um grande diretor a um doas maiores cineastas franceses de todos os tempos.
Strange Circus
3.8 73Mais um bom exemplar de cinema extremo japonês lembrando Takashi Miike na sua melhor forma, em filmes como "Audition". Aliás, nunca é demais repetir, sobra talento a estes orientais quando o assunto é construir brutais thrillers dramáticos que giram em torno do tema vingança. Tudo bem que "Strange Circus" é menos direto que outros exemplares do gênero com relação a esta questão, mas isso combina com seu tom geral que, através de recursos fotográficos e cenográficos, traz certo clima onírico ao espectador (
o palco circense quase felliniano e os corredores cobertos de sangue ilustram bem tal idéia
O "porém" poderia estar no desfecho da obra, que se utiliza de uma estratégia narrativa mais do que batida nos mais diversos campos ficcionais; mesmo assim, seu conduzir excessivo lhe confere uma espécie de licença cabível em que a banalidade pode parecer interessante. Enfim, recomendado para quem curte testar limites cinematográficos, sendo avisado de que nunca mais verá um músico portando um case de violoncelo da mesma maneira.
Ps: a sinopse aqui não tá meio zoada?
A Maldição de Frankenstein
3.7 37Mais um clássico filme de terror da produtora inglesa Hammer dirigido pelo mega competente Terence Fisher. A cenografia de tom gótico é complementada pelos artifícios de laboratório de "cientista maluco" que, hoje em dia, dão um charme vintage às obras em que marcam presença. A trilha sonora, clássica como o horror da Hammer, pontua momentos de pavor e ajuda na construção de suspense.
Se não há novidades na maneira como Fisher conduz a narrativa, que se desenrola sempre de maneira correta, desta vez alguns detalhes no roteiro fazem a diferença; e pra sublinhar tal diferença, lá estão eles: Peter Cushing e Christopher Lee. Cushing personifica, com todo o seu talento, um Barão Frankenstein que está longe de ser apenas um inconsequente gênio na busca por conhecimento e poder. Em "The Curse of Frankenstein",
o cientista leva à morte uma serviçal que ele mesmo talvez tenha engravidado e assassina um velhinho em prol de seus objetivos
De resto, o dinamismo da obra se mostra cativante. Ótima opção para quem curte um clássico com C.
Bad Boy Bubby
4.0 142Alguns filmes são dotados de aura transcedental tão grande que qualquer coisa que se diga sobre eles é totalmente irrelevante diante da experiência de assisti-los. Este é o caso de "Bad Boy Bubby". De qualquer maneira, lá vai.
O filme, de uma crueza impiedosa que às vezes lembra o posterior "Os Idiotas" de Lars von Trier e mais algumas outras obras de seus companheiros de Dogma 95, versa sobre o tema do "outsider" de uma maneira eficientemente artística; ou seja, mostrando o complexo da forma mais simples.
Esta poética e forte obra australiana se ultiliza magistralmente de métodos técnicos não usuais para colocar o espectador no lugar do "não ajustado" representado por Bubby/Pop, tão convincentemente interpretado por Nicholas Hope. Dentre tais métodos está a gravação dos diálogos, que se dá por microfones colocados logo acima das orelhas de Hope, dentro de sua peruca, de modo que o audio seja exibido em relevo como uma de suas expressões subjetivas; outro recurso sui generis e eficaz na criação de empatia diz respeito a escolha por 31 diretores de fotografia, proibidos de verem o trabalho um do outro antes do resultado final, cada um filmando um ambiente diferente visto pela primeira vez por Bubby, sendo que cada experiência nova do protagonista ganha um grau de individualidade extrema que reverbera com força em quem o assiste.
Em tal jornada, na qual tabus fazem explicita e despudoradamente parte da rotina, o espectador, esforçado e de coração partido, se pergunta até que ponto os humanos, assim como qualquer outro animal, são meros reflexos do que observam. Desiludido,
vê Bubby passar por outros grupos de "exluídos" (sejam mendigos, roqueiros drogados, gordos, deficientes físicos e/ou mentais...) sem conseguir pertencer a nenhum deles. Não há um ciclo social, como em "Freaks", de Tod Browning", que cante pra ele "We accept you,one of us". E o mais irônico em tudo isso é que ele não é nada que não seja os outros. Até aí, querer fazer do cara um artista admirado, cuja singularidade passe a ser a soma de suas experiências, tudo bem; mas o final feliz junto a uma família padrão já soa forçado. Nada contra "finais felizes", mas este parece fugir do contexto num filme em que a frase "Se o veneno não te matar, Deus vai" ganha tamanho peso.
Enfim, talvez não. Talvez seja algo mais simples do tipo: filhos de famílias disfuncionais criam seu futuro de maneira mais satisfatória por evitarem os erros de seus pais. Ainda assim, usar uma solução tão óbvia, contrastando com o todo do filme, dá a impressão de que rolou uma apelação para um desfecho nas coxas, qualquer coisa para tirar a máscara contra gases tóxicos colocada na cara do espectador desde o começo da experiência, para que este possa voltar para sua realidade não tão sufocado.
Detalhes... apenas detalhes sobre um filme quase perfeito e, por isso, imperdível!
A Volta do Dr. Phibes
3.6 42Sequências sempre sofrem o risco de serem comparadas com os filmes que lhes deram origem. Tudo se complica ainda mais para as continuações quando os originais são obras-primas de extraordinária qualidade. Esta é a situação em "A Câmara de Horrores do Dr. Phibes", obra que perde um pouco do seu brilho à sombra da sua precursora clássica "O Abominável Dr Phibes".
Algo que contribui para a boa qualidade de "A Câmara..." é o fato de dispor do mesmo diretor e alguns atores de "O Abominável...". Aliás, pode-se dizer que o desempenho do elenco aqui está até relativamente melhor. Vincent Price se mantém um caricato e genial megalômano apaixonado, menos vingativo e mais sádico, ao passo que seu antagonista, interpretado por Robert Quarry, corresponde de maneira clássica e egocêntrica ao seu anseio pela vida eterna. No mais, o que dizer de um "casting" que se dá ao luxo de contar com Peter Cushing para fazer uma PONTA?
Contudo, a colaboração mágica entre o diretor Robert Fuest e o cenógrafo Brian Eatwell perde um pouco das cores, metaforica e literalmente, que teve no primeiro filme. O monocromatismo azulado que se sustenta na tela não disfarça o pecado pela abrangência. Ao adicionar elementos da cultura árabe no cenário, o toque art déco, tão perfeitamente pontual em "O Abominável...", acaba por se dissipar, num clássico exemplo de como o excesso de informação pode transformar detalhes que uma vez foram essenciais em algo artificial e, até mesmo, superficial. Outro ponto negativo é a entrada e saída da personagem Vulnavia na trama, no que mais parece ser um furo de roteiro ou preguiça dos roteiristas - talvez alguma imposição louca do estúdio? Vá saber.
Bom, voltando à comparação entre original e sequência: as mortes neste filme são tão engenhosas quanto as do primeiro, embora um tanto mais brutais (e isso sempre é bom); e as piadas são menos sutis, levando a questão "causa e consequência" tão presente na comédia a extremos - por exemplo: agora,
além de ver Phibes bebendo vinho pelo pescoço, o espectador também presencia o Doutor comendo e se engasgando com uma espinha de peixe, que retira da nuca
Enfim, tudo isso pra dizer que "Dr. Phibes Rises Again" é um longa extremamente divertido e que, talvez, funcione bem melhor sem o fardo de ser uma sequência. Aliás, para você que acha que a canção "Somewhere Over The Rainbow" atinge sua ressonância e relevância emocional máxima em "O Mágico de Oz", "A Câmara de Horrores do Dr. Phibes" se faz uma obra imprescindível. Confiram!
Febre do Rato
4.0 657Claudio Assis mantém coerência em sua obra cinematográfica. E é sempre legal ver um autêntico autor brasileiro atual se "sustentando" em um circuito nacional relativamente abrangente com um filme que não é uma "novela global" pra telona. Pra melhorar, "A Febre do Rato" é muito bom, no sentido de cumprir o que se propõe. Com tudo pra ser presunçoso, misturando poesia à fotografia em p&b, mas não apenas por causa disso, a obra consegue tocar no âmago do espectador, mesmo em meio a toda sua altivez visceral. Os retratos obtidos pelo mestre Walter Carvalho são lindamente inspirados e inspiradores; e os textos que fazem parte do roteiro também são excelentes, criando um exímio exemplo do diálogo entre a poesia literária e a cinematográfica. Enfim, se há algo de questionável neste cruzamento imagético entre Chico Science e Mikhail Bakunin, é o seu teor ideológico um tanto quanto ingênuo. Mas e daí? Uma certa dose de ingenuidade até que cairia bem na cinematografia nacional contemporânea de grande circuito.
O Abominável Dr. Phibes
4.0 126Não há dúvidas: "O Abominável Dr. Phibes" é um clássico do horror. O primeiro aspecto a ter certo relevo é o uso da comicidade, neste caso um autêntico humor inglês quase "monty pytheano", que é inserido num contexto macabro de maneira muito natural. Aliás, grandes "clássicos" do gênero anteriores a "Phibes", como "A Noiva de Frankenstein", e posteriores a ele, como "Evil Dead II", também se utilizaram deste recurso do humor no terror de forma a criar uma narrativa autêntica, interessante e extremamente divertida em sentidos diversos. Em "Dr. Phibes",
morcegos pendurados por visíveis cordinhas e Vincent Price tomando vinho pelo pescoço
A atuação de Vincent Price é outro destaque.
Colocar as primeiras falas do protagonista não antes dos 30 primeiros minutos de filme
pelas expressões facias do Sr. Price e pela maneira como ele mexe seu pomo-de-adão e papo num esforço de exprimir sentimentos através de palavras que não são pronunciadas pelos movimentos de sua boca, mas por meio de uma aparelhagem amalucada
A cenografia é um personagem à parte. Estranha e vividamente colorida para um filme de terror inglês, até então geralmente estereotipado pelo padrão clássico Hammer de produção, também chama atenção por seus diversos ângulos que conferem múltiplos níveis de profundidade às cenas. Não é de se estranhar, o diretor Robert Fuest cursou a Hornsey Schools of Art e começou sua carreira no ramo cinematográfico como cenógrafo. Isto talvez explique certa influência do cineasta no "feeling" art-deco do cenário.
Por último, mas não menos importante, a trilha sonora, que tem que ser forte e o é. Afinal, Dr. Phibes, entre outras coisas, é um grande organista que, quando toca seu instrumento, traduz seu interior provocando ondas de sentimentos sombrios, solitários e vibrantes nos ouvintes do outro lado da tela - impossível não traçar paralelos com outro clássico da história do cinema, "O Fantasma da Ópera".
Pra completar, toda a (auto)exclusão do protagonista é escancarada na assutadora ou cômica, mas sem dúvida antológica e marcante cena em que
ele tira sua máscara revelando seu verdadeiro e deformado rosto
Bom demais.
O Barão Aventureiro
3.8 8 Assista AgoraÓtimo filme extremamente subestimado.
Talvez por ser sua segunda obra na direção, o mestre Samuel Fuller ainda não considerasse o cinema como "um campo de batalha", o que pode desagradar alguns de seus fãs. Mas mesmo parecendo não ter seus grandes e famosos problemas com o sistema de estúdios em tal momento, se engana quem pensa que Fuller deixa de ser questionador.
Tudo bem, sua perspectiva redentora é um tanto otimista, ainda mais se comparada ao prisma de realidade fatídico e irremediável de filmes posteriores como os perfeitos "Paixões Que Alucinam" e "O Beijo Amargo". No entanto, o tom anárquico com o qual questões como a propriedade são postas em cheque, no enquadramento de um axioma que se mostra não mais que burocrático, não deixa de trazer o embrião não-conformista que permeia a obra do cineasta.
Rodado com toda a pompa de um clássico drama histórico, "The Baron of Arizona" ainda conta com Vincent Price interpretando um canastrão de maneira canastrona; fato este que contribui para uma eficiente dinâmica dialética em que a verossimilhança se sobrepõe à "verdade". Deste modo, a parceria entre o Sr. Fuller e o Sr. Price é bem-sucedida no sentido de levar o espectador a se questionar sobre a validade de instituições e conceitos políticos comumente e frequentemente colocados acima do bem e do mal.
Válido.
Morgue Story: Sangue, Baiacu e Quadrinhos
3.8 45 Assista AgoraExercício cinematográfico necessário para a primeira década do novo milênio no Brasil. Singular no contexto do cinema nacional, "Morgue Story - Sangue, Baiacu e Quadrinhos" lembra o clássico "Re-Animator" de Stuart Gordon, talvez por boa parte de sua trama se passar num necrotério, envolver zumbis, sexualidade aflorada e um certo tom humorístico. Aliás, por que o horror no cinema brasileiro, em sua maior parte, sempre anda de mãos dadas com a paródia? O "Terrir" do mestre Ivan Cardoso dá crias.
Não que este seja o caso da obra do diretor e roteirista Paulo Biscaia Filho, pelo menos em partes. Passando longe do escracho, "Morgue Story", adaptada de uma peça de teatro, dialoga muito mais com a linguagem HQ, como seu título sugere: isto fica claro em opções narrativas adotadas pela edição, como o uso do recurso de divisão de tela colocando, inclusive, o desenho de um raio demarcando os limites entre quadros.
Sobre as influências.... pode-se falar de Tarantino? A opção por um look mais vintage em uma imagem que simula ser a de um filme gasto com suas listras faz o espectador lembrar do projeto "Grindhouse" e os diálogos, que trazem referências à cultura pop, às vezes de um quê "moderninho" forçado, também recordam o diretor de "Pulp Fiction".
Bom, o filme é cheio das melhores intenções. O roteiro é muito bem amarradinho, com um final delicioso, e o pessoal da pós-produção fez um trabalho de muito bom gosto. Até as atuações canhestras (Ana Argento é uma princesota) funcionam intencionalmente bem como um reforço da comédia mambembe que alivia aspectos mais sinistros da estória. Mas isto também pode ser considerado um problema. Muitas vezes, quando o exagero se faz necessário, "Morgue Story" recua, parecendo que está com medo de colocar o dedo na ferida que ela mesma abriu. Quando isso acontece, o espectador tem a impressão de que está assistindo a um filme de terror dirigido por Jorge Furtado - e ainda bem que tal impressão não é recorrente.
Enfim, experiência mais do que válida. O DVD do filme é encontrado por um preço camarada na Livraria da Travessa no Rio de Janeiro. Maiores informações: www.vigormortis.com.br
Intrepidos Punks
2.9 9Curiosa a concepção visual do punk neste filme mexicano: algo bem oitentão, sem chegar a ser "new wave", como se os Pistols e sua turma quisessem ser "kitsch". Não menos curiosa é a colocação dos punks como vilões de um filme de "Mad Max".
"Intrépidos Punks" integra o panteão de experiências cinematográficas mais do que esquisitas. Esta produção mexicana é muito boa, dado seu contexto financeiro e histórico. Desde o seu início o espectador está em contato com muita ação que inclui
assalto a banco, tiroteios, perseguições e explosões de carro, estupros coletivos acompanhados por apresentação de banda de rock e gente pegando fogo
Por isso, não se enganem: "Intrépidos Punks" é essencialmente um filme de ação. Até o seu vilão-mor, Tarzan, tem tudo, desde trejeitos e biotipo à ocultação da face, pra fazer lembrar praticantes de luta livre (aliás, protagonistas assíduos de tal gênero em determinado período da história do cinema mexicano, com nomes como Santo e Blue Demon registrados para a posteridade).
Se há comédia, ela está na aura engraçadamente surreal que envolve o filme e no desempenho canastrão de seus atores, incluindo os heróis, detetives pra lá de pastelões. Mas, com certeza, este sopro palhaço não estava nas intenções de ninguém que realizou a obra, muito menos nas do diretor/roteirista Francisco Guerrero. No entanto, as risadas são inevitáveis. A música-tema, tocada diversas vezes, de um punk rock genérico e bizarramente honesto, adiciona ao aspecto de comicidade delirante. E nesta soma ainda cabem os números de “softcore” com mulheres “oitentamente” siliconadas.
De resto, entre toda a maconha e cocaína do enredo, o filme dispõe de uma narrativa careta e correta com um apuro técnico surpreendente. Vale conferir.
2LDK
3.4 25Filme muito bom. É sempre impressionante a fantástica capacidade que os japonese têm de se utilizar do cinema extremo para construir alegorias do absurdo enraizado profundamente na pós-modernidade. Certo que algumas questões, como a inveja e a competitividade, têm se mostrado intrínsecas à natureza humana através dos tempos. Acontece que em determinados momentos históricos uma mesma tendência, por mais que tenha consequências iguais, assume particularidades distintas. E nisso a questão oriental/ocidental aqui carece de relevância.
"2LDK" dá um tapa na cara do espectador escancarando toda a vaidade e egocentrismo que brotam do individualismo consumista nos tempos atuais e que, geralmente, são eclipsados pela rotina do cotidiano. Pra isso o diretor e roteirista Yukihiko Tsutsumi parte de uma ideia relativamente simples: duas atrizes que almejam determinado papel dividindo o mesmo teto. Como em "O Anjo exterminador", de Luis Buñuel, a fruta podre da existência vai brutalmente sendo descascada e os instintos básicos do homem, independentemente de virtudes, provocam gargalhadas nervosas em quem se sente refletido na sua exposição - ou seja, em qualquer pessoa com um grau mínimo de autoconhecimento. Enfim, o HOMEM destrói mesmo quando vislumbra a possibilidade de angariar algo se unindo ao outro.
Se há um detalhe que não condiz com a competência da obra são os conflitos entre as personagens, que às vezes parecem mal desenvolvidos. Mas isto pode ser em prol de uma dinâmica narrativa mais objetiva. De resto, para um filme de estrutura basicamente teatral, no sentido estrito do termo, ele eficientemente se sustenta. Boa montagem, convincente maquiagem, ótimas atuações e cenografia condizente. Todo um trabalho bem-sucedido em causar choque hilário, como um despertador que toca "Death Metal".
Ps: observações em voz-off necessárias, algo raro no cinema em geral.
Ama-me Com Ternura
3.6 56 Assista AgoraEm "Ama-me Com Ternura" Elvis Presley não interpreta um garanhão cheio de autoestima. Muito pelo contrário. Em boa parte do filme seu personagem, Clint Reno, reflete uma ingenuidade até certo ponto irritante - e com certeza o fato deste ser o primeiro papel do Rei para o cinema ajudou na composição de tal característica. O enfoque aqui parece cair mais no contexto que envolve um de seus irmãos, Vance Reno, interpretado por Richard Egan, e sua
sóbria paixão
arrebentando a cara de uma mulher.
A Cruz de Ferro
4.0 70 Assista AgoraSam Peckinpah faz um cinema viril. "A Cruz de Ferro" é um grande exemplo suado de um ótimo e autêntico Peckinpah. Muitas cenas de ação, extremamente bem elaboradas, são mostradas em câmera lenta, no que se pode considerar um recurso estilístico característico do diretor, usado de maneira a expor maior profundidade no sentido de causar impacto reverberante no espectador.
De um prisma altamente pacifista, incomumente retratando "humanidade" do lado alemão das trincheiras durante a Segunda Guerra Mundial, o filme ataca a carnificina com o niilismo. No desenrolar de seu enredo, conforme se acompanha a curva de personalidade de seu protagonista, qualquer estrutura hierárquica é desintegrada no caos da guerra, que se percebe tão natural quanto sem propósito. Vale conferir.
Aviso: a versão em dvd que está circulando no mercado nacional, do selo Spectra Nova, é péssima. A qualidade de imagem e som, que às vezes chega a ser dessincronizado, é horrível. Pra piorar, a legenda é de um português pífio. Não recomendada!
Elvis Triunfal
4.4 12 Assista AgoraDelicioso documentário musical de inestimável valor para fãs de Elvis Presley. Uma espécie de "crônica viva construída a partir da série de concertos realizada em 1972 através de várias cidades americanas". O filme, vencedor do Globo de Ouro de Melhor Documentário, mostra a euforia dos fãs do Rei, alguns números musicais memoráveis e cenas de bastidores dos shows - sendo estas últimas as mais interessantes, pois menos usuais.
Alguns espectadores atuais podem reclamar do excessivo uso do recurso de divisão de tela, mas não se deve esquecer que para a época esta opção narrativa era relativamente inovadora e sua aplicação supostamente deveria conferir dinamismo à obra. Se o processso é bem sucedido, ou não, é uma questão de gosto pessoal.
Destaque para a interpretação de "Love Me Tender", que após ser anunciada como a música de seu primeiro filme, é permeada por um Elvis que a todo momento interrompe seu canto para dar bitocas na boca de suas fãs enquanto uma sequência paralela (uma das extras supervisionadas por Martin Scorcese) mostra galantes beijos retirados de cenas dos filmes da carreira do Rei.
Dr. Morte
3.7 33Muito bom. Uma espécie de "produção da Hammer encontra Mario Bava e filmes giallo". A função metalinguistica é muito bem aplicada em "Madhouse". A questão do filme dentro do filme, auxiliada por um eficiente processo de montagem, potencializa situações e sentimentos importantes para a trama e chega, às vezes, a funcionar como uma verdadeira homenagem ao ator Vincent Price. E o cara está magnífico. Se por um lado a simpática maquiagem de um de seus personagens, o Dr. Morte, faz o espectador se perguntar até que ponto ela teria influenciado diretamente o "Horror Punk" e o "Black Metal"; por outro, a elegância de sua interpretação se esparrama em momentos como seu monólogo final,
pouco antes de Paul Toombes tacar fogo no próprio corpo em cena angustiante.
E por falar em cena... o que dizer do embate entre
Price e o sempre necessário Peter Cushing?
confronto mortal entre dois outros ícones do cinema de horror, Bela Lugosi e Boris Karloff.
No mais, se a autoria dos crimes em "Dr. Morte" sempre pareceu óbvia, ainda mais para fãs de filmes de terror, o
prisma de loucura
como a morte de um diretor deitado numa cama por um toldo e seu parco desenrolar, que irritantemente aparentava carecer de verossimilhança
põe em cheque tudo que o precedeu conferindo a todos os conflitos passados distintos e abertos pontos de vista.
Destaque para a música dos créditos finais, que aparece em outro momento do filme, pois da maneira como é inserida em determinado contexto ela passa a assumir relevância surrealmente bizarra.