Eleanor 'Nell' Lance é uma insossa solteirona que viveu para cuidar da mãe que morreu recentemente. Desde então, Nell vem convivendo como um corpo estranho no seio da família de sua irmã. No convite para uma experiência numa casa "mal-assombrada", a infeliz mulher econtra a possibilidade de achar algum sentido para a sua vida. Sedenta por existência, ao depositar suas esperanças nos personagens que encontra no tal lugar, Nell se desilude por nunca ser querida como e quando desejava; mas isso só dura até ela e o espectador, não necessariamente nessa ordem temporal, começarem a perceber que a outra protagonista da estória é a sua alma gêmea. Este é o enredo de "Desafio do Além", uma pérola do cinema de terror. Robert Wise se mostra um diretor extremamente detalhista em todos os sentidos. Os movimentos de câmera e enquadramentos são muito criativos e cada objeto de cada take tem um porpósito, mesmo que subliminar. As composições dos personagens também são tão complexas quanto podem ser num filme sem que ele soe pedante, isto se revela tanto nas atuações quanto nos figurinos usados pelos atores. Para completar o tom de minúcia geral, há o perfeccionismo com que as convenções do bom cinema de horror são usadas. Os sustos não apelativos são construídos num suspense de alto nível. Este só faz crescer, desde que ocorrem as pontuais e assustadoras advertências dos guardiões dos portões do inferno, neste caso, os caseiros. Enfim, eis uma fantástica obra que ajudou a cimentar os padrões do subgênero "casa mal-assombarda" na história da sétima arte. Se há algo nela de não encantador, é o uso exagerado de monólogos em off, mas nem isso consegue tirar o seu estranho brilho.
Decepcionante filme de Fruit Chan. O diretor chinês, que teve destaque com seu ótimo "Dumplings" no projeto "Três Extremos" entre filmes dos famigerados cineastas Takashi Miike e Park Chan-Wook, teve seu juízo narrativo enfraquecido e perdeu os culhões. "Semente do Mal", refilmagem da produção japonesa "Joyû-rei", tem um roteiro superficial e clichê que em alguns pontos carece de sentido; e mesmo implantando aqui e acolá algumas poucas boas cenas de um horror colorido beirando o surreal, Chan não consegue salvá-lo. As atuações canastronas e as
O primeiro filme da série de Fred Vogel estabiliza padrões um tanto quanto viscerais que seriam resgatados, com mais ou menos sucesso, nas duas sequências seguintes. A captação amadora está aqui e o rascunho do retrato de um sadismo doentio também. Para um filme em que o grande mérito estaria no pseudo-realismo, "August Underground" peca por alguns efeitos de maquiagem obviamente fakes, mas isso não tira o estranho impacto da obra. Seus dois protagonistas, tanto o que está com a câmera quanto o que aparece diante dela a maior parte do tempo, convencem nas suas interpretações de seres desviantes que escrevem sua rotina com tinta de sangue e este fato por si só já faz a experiência valer. Destaque para a última sequência na qual duas mulheres se insinuam para eles tirando a roupa durante uma festinha privada: a trilha sonora é muito boa e seu decorrer é assustadoramente palpável sem que haja nenhuma violência gráfica. Bobo para uns, singular para outros.
Ao contrário do que alguns afirmam, "Calígula - A História Que Não Foi Contada" não é uma sequência do clássico de Tinto Brass e sim uma tentativa oportunista do guerreiro diretor Joe D'Amato de pegar carona no sucesso de seu conterrâneo. E nisso o filme foi bem sucedido. D'Amato é um curioso artista, que com orçamentos extremamente limitados, tinha o olfato aguçado para o êxito comercial. Se "Emannuelle" e "Canibal Holocausto" estavam fazendo sucesso, ele dava um jeito de misturar as duas coisas num filme seu, sendo que quase sempre o resultado de seus esforços apresentava uma originalidade orgânica, para o regozijo dos fãs de cinema extremo e tranqueiras afins. "Calígula - A História Que Não Foi Contada" está longe de ser o melhor trabalho de D'Amato, apesar de nele também ocorrer a parceria que se tornou notória entre o diretor italiano e a enigmática beleza de cobre da atriz Laura Gemser. Tudo bem que a cópia que está circulando no mercado, da gravadora "Cult Classic", também não ajuda. O produto é tratado com desleixo: falas erroneamente ora em inglês, ora em italiano, são muitas vezes repetidas no que fica parecendo um erro de pós-produção e a imagem está muito maltratada. O consolo é que a versão apresentada aqui é a mais longa, com as cenas de sexo explícito na suruba que são algumas das melhores de todo o filme, em contraposição ao softcore mal aproveitado pois registrado de maneira chatinha e encabulada. De resto, é no mínimo intrigante ver a última hora deste filme com um Calígula cheio de dúvidas existenciais que, por mais rasas que possam parecer, apresentam um prisma distinto do imaginário coletivo. Vale resslatar que esta "humanidade" não priva o espectador de algumas cenas de violência, como
"Eu vejo o ato de fazer cinema como um negócio e tenho pena de quem o considera como sendo uma forma de arte", com esta frase do diretor Herschell Gordon Lewis "Smash Cut" abre seus créditos. E é com uma ironia de emocionar fãs do cineasta que o filme fecha com uma dedicatória explícita "à vida e à arte" do mestre Lewis. Não é para menos: o artista americano, vendo sua obra popularizada nos circuitos de "drive-ins" das terras do Tio Sam a partir dos anos 60, na busca por bons resultados financeiros acabou criando toda uma estética cinematográfica própria que até hoje influencia e fala com determinadas pessoas ligadas de alguma maneira à sétima arte. Há de se considerar que o grupo que reverencia a obra do "mestre do gore" hoje em dia é bastante seleto e de uma familiaridade que chega a se refletir entre seus membros. Consciente disso, "Smash Cut" é uma comédia sanguinolenta que funciona para o SEU público. Desde a escolha do elenco - que conta com David Hess e Michael Barryman, ícones "cult" do cinema de horror; Sasha Grey, uma das melhores atrizes pornô de todos os tempos; e o próprio lendário Herschell Gordon Lewis - até as opções estéticas dos pôsteres que fazem parte da cenografia, tudo soa como uma piada interna. No fim, se há algo de errado com "Smash Cut" é o fato dele ser o tipo de filme que não se deixa ser escolhido, e sim que escolhe seus espectadores. E os escolhe de uma maneira um tanto quanto exclusiva, para a sorte e deleite de certos cinéfilos tortos.
Houve uma época em que várias produções de terror italianas se utilizavam do nome de Lucio Fulci para se autopromoverem, isso mesmo quando o diretor não tinha nada a ver com elas. Fulci geralmente entrava na justiça reivindicando seus direitos. Perdeu alguns casos e decidiu usá-los a seu favor, uma vez que passou a ter domínio sobre várias obras com as quais não tinha qualquer ligação real. Aí ele saiu recortando as melhores cenas de violência que encontrou nelas, fazendo o mesmo com alguns de seus próprios filmes anteriores, rodou mais algum horror gráfico e criou uma estória com um contexto no qual pudesse juntar tal sangueira. Por fim decidiu colocar-se atuando no filme, pois se a mera menção de seu nome poderia vender mais, o que dizer de sua aparição na tela? O resultado é uma autêntica obra Fulciana na qual o gore chafurda. É como se Herschel Gordon Lewis tivesse chegado aos anos 90 vendo pornochanchada numa sala dentro do Cinecittà enchendo a pança de espaguete com parmesão. A diversão é garantida para quem vê no carnaval da repugnância uma alegoria da comicidade. Em alguns momentos, vozes de lamento agonizante que fazem parte da trilha lembram Mojica Marins. E, continuando no campo de comparação, determinada cena de "A Cat in the Brain" que é uma homenagem direta ao assassinato no banheiro de "Psicose", acaba por dar a dimensão exata do que seria o legado do autor italiano: cinema de açougueiro para "filmívaros". Direto, explícito, sem firulas e desculpas. Dê a seus fãs o que eles desejam, por mais grotesco que possa parecer. Viva Lucio Fulci!
uma vez que sua personagem morre na metade do filme
, "Grotesque" é de um trash não intencional e pobre. Todos os elementos comuns aos filmes de horror dos anos 80 aqui são abordados de maneira superficial: não há peitinhos, nem sangueira abundante, muito menos suspense e as mortes são muito pouco criativas. Alguns risos até podem ser extraídos do espectador quando este percebe as atuações histéricas da gangue de punks, dignas da Troma Films, embora o filme não pretenda ser engraçadinho com isso. Certos figurinos também são hilários, mas isso se deve mais à época em que a obra foi rodada do que a qualquer outra coisa. Aliás, os momentos em que acontece um esforço claro no sentido de haver comédia soam forçados e deslocados, acabando por causar a sensação de vergonha alheia. No mais, o uso recorrente do recurso metalinguístico parece, num todo, como a escolha mais fácil num contexto de falta de opção narrativa. Pra não dizer que a experiência não vale, com todos os seus deslizes, nela há sim a aura charmosa dos filmes de horror dos anos 80, embora um tanto rarefeita. Uma vez que o espectador não deve esperar originalidade, mas ao menos o mínimo de diversão numa viagem dessas, quem sabe se com umas cachaças numa noite fria "Grotesque" não desceria melhor. De repente
Documentário extremamente envolvente. Nele explora-se o significado da técnica de produção denominada por Spector de "Wall of Sound". O espectador também entra em contato com o Phil Spector executivo, músico e compositor; facetas do artista menos conhecidas do grande público. Interessante também são as várias estórias que o produtor conta sobre suas relações com figuras importantes da música pop: numa delas está John Lennon afirmando que, após Elvis Presley ter ido para o exército, quem teria salvado o rock'n'roll nos E.U.A. teria sido Phil Spector; noutra está Brian Wilson, enlouquecendo na ânsia de imitar, sem sucesso, a sonoridade da belíssima "Be My Baby", das supremas "Ronettes", grupo feminino cuja vocalista principal foi casada com Spector. De resto, o filme procura abordar a progressão das perspectivas do crime pelo qual ele foi condenado. O assunto é bem interessante, mas menor diante do enorme talento de uma das figuras mais subjacentemente influentes da música pop do século passado.
É atribuída a Roger Corman a seguinte frase: dê-me dois figurantes e um arbusto que sou capaz de filmar a "Ascensão e Queda do Império Romano". O cinema deste genial cineasta e produtor americano representa bem tal máxima, onde o impossível fazia-se possível em busca de grana. É óbvio que obras do tipo das de Corman só poderiam ser construídas obtendo sucesso comercial no contexto histórico de sua época. Atualmente a maioria de seus filmes traz um gosto nostalgicamente ingênuo e divertido às almas ávidas do cinéfilo deslocado. Este é o caso de "Teenage Caveman". É caricata a maneira como o "ato de questionar" é relacionado ao rito de passagem da adolescência para a idade adulta. Tudo em volta disto é muito exagerado na busca por ação em cenas onde maquetes malfeitas se misturam a animais de verdade simulando lutas entre monstros pré-históricos. Os figurinos são baratos e previsíveis; as atuações não são lá "essas coisas";
e gente fantasiada de feras nunca é assustador, mas quase sempre hilário.
No entanto, nos idos tempos do reinado do Sr. Corman, parece que para obter lucro o cineasta independente precisava ousar de verdade - como exemplo de tal hipótese apresenta-se este filme que busca retratar era tão distinta dispondo de tão poucos recursos financeiros e técnicos.
E mais, para você que acha que o final de "O Planeta dos Macacos", feito 10 anos após a obra de Corman, é fantástico e/ou revelador e/ou original, "O Adolescente Homem das Cavernas" é altamente recomendado. O desfecho do filme de 1958 vai além de mostrar o futuro como sendo fruto da destruição humana, pois ainda implica a este processo caráter cíclico.
Muito bacana. Como diz a letra da música homônima do grupo de rock Beat Happening, "Teenage Caveman" é o "clamor do selvagem" de uma longínqua estação em que o primitivismo de um cinema de guerrilha podia dar as mãos ao comercial e industrial sem que isso parecesse contraditório. Válido demais. O único pesar é que a versão para download na internet parece ter as extremidades direita e esquerda do quadro cortadas; mas mesmo assim, dependendo do juízo de cada um, é melhor ver algo do que não ver nada.
Provavelmente o filme que David Lynch sempre quis fazer, "Carnival of Souls" é mais um exemplo de como um orçamento baixo pode beneficamente aguçar a criatividade. A obra, que já começa com uma pancada, a posteriori vai se desnudando como um clima, uma sensação. Talvez nela esteja um dos enfoques mais despretensiosamente poderosos dados à paranoia de um pesadelo. Sublinhando a etérea viagem do espectador está a incrível e fantasmagórica trilha sonora composta para órgão por Gene Moore - a protagonista da estória é uma organista de igreja - que se faz pontual. Outro destaque é para a fotografia economicamente bela, num jogo de contrastes de uma classe quase expressionista. De resto, se há algum problema com o ritmo da narrativa que às vezes parece truncada, ele é eclipsado pelo resultado final do todo.
"Por isso eu nunca fui uma atriz. Nunca estive apaixonada por mim" - esta é uma das frases ditas por Louise Brooks nesta longa entrevista que cumpre o que se propõe, trazendo mais humanidade ao mito numa viagem por uma parte da história do cinema. Vale conferir.
Ótimo filme. Imperdível para amantes da sétima arte. As contribuições entre Louise Brooks e G.W. Pabst têm caráter icônico na história do cinema. E nem há um explicação lógica para isso. Certos acontecimentos são dotados de uma espécie de convergência que do acaso criam magia. Certamente "Pandora's Box" está à frente do seu tempo no tratamento usual de temas, uns mais e outros menos diretamente, muito espinhosos pra época como o homosexualismo, a prostituição, o incesto e a luxúria exacerbada. Não se deve esquecer que apesar de seus fins, há sim um ar de espírito livre para a posição da mulher na sociedade, levando-se em conta o machismo vigente. Também há uma certa complexidade na concepção dos personagens;
como no caso do velho bêbado, meio pai, meio amante de Lulu.
Nesta obra a sugestão, e não a certeza, é a regra. No entanto, muito embora Pabst se mostre um exímio diretor de atores, extremamente detalhista com relaçao às questões que envolvem o cenário como um todo, isso incluindo figurinos, sombras e até fumaça em cena; deve-se considerar que ele está longe de ser um inovador e experimentador de técnicas cinematográficas da época, como é o caso do Murnau, por exemplo. A própria Louise Brooks não era uma grande atriz. E quem disse que se precisa ser uma grande atriz para se fazer história? Clara Bow, Marilyn Monroe, Jayne Mansfield e Brigitte Bardot estão aí eternamente para corroborar com a teoria de que a criação de mitos é algo para além da compreensão humana. O carisma destas figuras na tela, a maneira como a atenção do espectador é dragada para elas é algo divino que faz das questões profissionais meramente burocráticas. E a figura representada por Brooks, aquela da menina de cabelo chanel, de uma beleza pura e sexualidade andrógina que está no imaginário de todo cinéfilo, presumivelmente estará ligada ao trabalho de Georg Wilhelm Pabst para sempre. Fato. Para fãs da eterna moçoila e do diretor alemão recomenda-se uma checada no documentário "Lulu in Berlin" que está divido em quatro partes no youtube.
Bom filme de Lucio Fulci que consegue dar a sua versão de um conto de Edgar Allan Poe. O horror despudorado, áspero e grosseiro pelo qual o diretor italiano é notório aqui se faz presente nas cenas de morte e nos ataques do gato preto. Em tais momentos de ação,
que incluem batida de carro, incêndio, queda seguida de perfuração e morcegos ávidos por sangue
; o gore sobressalente junto à presença de dublês e bonecos dão ao filme uma aura artesanal e raçuda, com charmosos efeitos especiais canastrões. O exagero também está presente na obra por meio das atuações. Contudo, surpreendente mesmo é o apuro técnico no uso das câmeras durante o desenrolar da trama. As mudanças sobre os objetos em foco e fora de foco num mesmo plano conduzem com maestria a atenção do espectador. Os closes abundantes nos rostos e olhos dos personagens cumprem seu papel sublinhando sentimentos e colocando em evidência a questão do domínio da mente. Os próprios movimentos das câmeras, com tomadas de ângulos inusitados e inúmeras subjetivas inspiradoras, são extremamente eficazes. Pra completar, há o uso do recurso narrativo do flash como numa homenagem aos clássicos "A Tortura do Medo" e "Janela Indiscreta". Dá pra perder?
Aqui Elvis Presley é Johnny Tyronne, herói de ação nas grandes telas e fora delas também. Basta considerar tal premissa para concluir que "Feriado no Harém" não é um filme para ser levado a sério. Para aumentar o clima caricatural, além de um cultura árabe retratada de maneira estereotipada e pasteurizada, fator condizente com os padrões gerais hollywoodianos, os números musicais, que contam com algumas cações muito boas, são bem deslocados. Aquela atitude tão comum a personagens do gênero musical, de sair cantando de repente do nada, que às vezes tanto incomoda, aqui é mais presente que em outros filmes com o Rei onde suas apresentações são melhor contextualizadas. Nestes filmes, por exemplo, o personagem de Elvis seria um músico chamado ao palco para cantar com uma banda: esta criação de atmosfera aumenta a verossimilhança e credibilidade da obra. Enfim, credibilidade não é algo para se levar em consideração ao assistir "Harum Scarum". A grande sacada é se deixar levar pela curiosidade com relação à maneira como introduziram Elvis Presley no "mundo árabe", preparar pipoca e refrigerante, não esquecendo de reservar um espaço para dançar. E pronto. O filme vai ser aproveitado como deve e merece. O resto é a conclusão de que o Rei se sai melhor com um pé fincado em James Dean e outro em Marlon Brando do que tentando encostá-los em Rodolfo Valentino.
Por que fala-se tão bem de "Naboer"? O filme traz a idéia de mostrar a estória sob a perspectiva doentia de um de seus personagens, opção que causaria no espectador vontade crescente por um desfecho numa realidade mais objetiva. Questionável é até que ponto esta produção nórdica tem êxito. Não há dúvidas de que a inserção na realidade alheia é bem-sucedida. Cenário e iluminação conferem clima labiríntico e sombrio à obra de aura paranóica. Acontece que a paranóia se dilui no ritmo falho da narrativa, pois o processo de montagem, tão importante na criação de um thriller, dá brechas para a atenção de quem tenta acompanhar os acontecimentos se perder. Tal atenção tem seus picos em poucas cenas marcantes para logo voltar a cair na indiferença mancando junto à edição. Aliás, o filme todo é válido apenas por uma cena marcante que acontece por volta de seus trinta minutos de duração. Nela o espectador é brindado com uma captação extremamente pungente e vigorosa de um casal fazendo sexo com uma violência surrealmente realista. Enfim, o motivo de falarem tão bem de "Naboer" não seria tão indefinido se ele acabasse em seus primeiros trinta e quatro minutos.
Apesar de às vezes soar um pouco ingênuo para um filme de 2005 por adotar alegorias um tanto óbvias em relação às representações dos seres humanos, "Sílení" é um filme bom. Muito embora um tanto megalômano no propósito alardeado por seu diretor durante o prólogo, o de retratar o manicômio em que todos vivemos hoje, talvez seja um dos melhores filmes a lidar com universo sadeano de maneira não literal. Também há Poe nele, mas menos. Esta obra da República Checa, de uma perspectiva cinematográfica e temática, traz uma abordagem que está mais para um Buñuel ou um Ferreri do que para um filme de horror convencional. O terror aqui é a paranóia e o inferno do eterno retorno. De um senso humorístico quase sisudo, pois assumidamente pessimista, não recomendado para quem quer esquecer da natureza da própria condição de sua existência.
Este filme é uma verdadeira relíquia para fãs do cinema extremo. Ele é pra você, fã de torture porn, gênero que discutivelmente teria começado com o primeiro "Jogos Mortais". Se alguém compartilha desta opinião, pode-se dizer que "Shogun's Sadism" definitivamente faz parte da linha evolutiva do gênero. Este filme também é para você, fã do cinema grotesco japonês, que quando é grotesco realmente o é, remontando as suas raízes. Durante as cenas realistas de tortura é impossível não lembrar de Salò, de Pier Paolo Pasolini. Inclusive, a primeira estória compartilha deveras da filosofia sadeana, onde os mais fortes prevalecem sobre os mais fracos, a virtude é motivo de troça e há a total "coisificação" do corpo humano. O único fato que corta esta vertente são os poucos segundo finais que sugerem um final feliz em outro plano metafísico. Já o segundo episódio é menos tenso. Além de um maior desenvolvimento das personalidades dos personagens, movimento que cria uma certa empatia com o espectador, há inclusive momentos de comédia que proporcionam certas pausas de alívio. Mesmo assim, num todo, a obra é extremamente impiedosa. "Shogun's Sadism" é bem dirigido e filmado. A classe do cinema japonês, na maioria das vezes soberana, se mantém como geralmente acontece nos filmes nipônicos de época. Os atores cumprem seu papel e a trilha sonora pouco usual está de acordo com o incômodo causado por este exercício sanguinolento. Se o filme de Yûji Makiguchi pretende exercer alguma crítica com relação à época em que foi feito, ela pode ser sublinhada com as imagens de horror real que aparecem nos créditos. O ponto negativo fica para o embaçamento sobre as genitálias dos personagens quando estas deveriam aparecer, procedimento que ocorre, inclusive, nos filmes pornôs japoneses atuais. E isto também é uma questão aqui no ocidente, mais velada mas válida para discussão. É estranho e parece hipócrita que a violência extrema tenha mais aceitação do que certas partes do corpo, mas isso já é outro papo que não cabe aqui. Enfim, confiram esta experiência.
É uma verdadeira delícia a maneira como o diretor Stuart Gordon perverte a obra de H.P. Lovecraft. "Do Além" é um dos melhores exemplos de tal máxima. O foco aqui não está no universo paralelo e obscuro, escondido e atemporal, pronto para emergir a qualquer momento; e sim nos possíveis efeitos causados por ele. Num típico exemplar de bom filme de horror americano dos anos 80 com orçamento moderado, as consequências das experimentações do cientista maluco que tenta entrar em contato com um mundo até então invisível incluem muito gore e conotações sexuais. O roteiro não deixa furos, as atuações são críveis e os efeitos especiais não têm nada daquele excesso de computação gráfica que às vezes é tão incômodo no cinema atual. Os monstros e as mutações são mesmo maquetes e robôs ou fruto de figurino e maquiagem até certo ponto convincentes; os atores tinham mesmo que se sujar com gosma e sangue artificial. E por falar em atores, a dobradinha Stuart Gordon/Jeffrey Combs já é um clássico da canastrice. E não há nada de trash em ver Barbara Crampton num figurino sadomasoquista e com peitinhos a mostra. Diversão garantida.
Por mais que na análise de um filme a dissociação com relação à obra que lhe deu origem seja saudavelmente necessária, tal movimento fica difícil em "The Call of Cthulhu". O filme foi produzido pela "H. P. Lovecraft Historical Society", uma instituição gerada por e para fãs do grande escritor americano de horror. Desta maneira, o média-metragem é mais do que simplesmente baseado na estória mais famosa de Lovecraft, se colocando como uma homenagem a ela; singela, mas ainda assim celebrativa. O tom referencial e reverencial se mantém nas escolhas estéticas e narativas. Um filme de terror moderno em preto e branco, mudo e que faz uso de Stop Motion - a lista de elementos comuns a eras passadas do cinema poderia continuar - é metalinguístico. E, neste caso, tal articulação parece ter muito a ver com a possibilidade de se conceber para as telas a estória de Lovecraft com elegância dependendo de um orçamento limitado; afinal, recursos técnicos atuais discretos também são usados visando a praticidade. O resultado é bem preciosinho. A boa trilha sonora dá o arremate vintage na obra. Fica a dúvida: pessoas que não são familiares com a obra de Lovecraft e/ou com o cinema mudo apreciariam este "The Call of Cthulhu"?
Como é seu senso de humor? Dependendo da resposta é extremamente necessário que você veja o inacreditável "Padre Pedro e a Revolta das Crianças". Autêntico exemplar do cinema popular da "Boca do Lixo" esta fita, dirigida pelo curioso cineasta Francisco Cavalcanti, traz um elenco que por si só já vale a conferida: Pedro de Lara, José Mojica Marins, Gugu (ele mesmo, o apresentador), Wilza Carla e Ivo Holanda plus Carlinhos Aguiar (aqueles das "pegadinhas"). Como se as infinitas probabilidades inusitadas já não estivessem suficientemente sugeridas, eis que o argumento e roteiro da obra, assim como as músicas, são de autoria dele, que também é o protagonista da trama, o humorista Pedro de Lara. Se alguma expectativa deve se criar num contexto desses é a de dar boas gargalhadas. E elas rolam. Muitos erros do ponto de vista técnico. E daí? Alguém estava esperando um primor de edição ou um trabalho competente do continuísta quando pensou em ver esta obra? Será que alguém ansiava por alguma mensagem séria que não fosse clichê? Por favor! O que se vê na tela é uma relíquia divertidamente despretensiosa, muito embora este resultado provavelmente não fosse a intenção de seus executores, de uma época do cinema brasileiro em que um trabalho artesanal atingia o povão em cheio. Legal.
"Pusher" tem maior relevância quando colocado dentro do contexto geral da obra de Nicolas Winding Refn. O diretor dinamarquês, aos 24 anos, em seu primeiro longa já apresenta elementos centrais do que lhe confere, questionavelmente, o título de um dos cineastas mais autorais da atualidade. A distinção no trato da violência sobressalta aos olhos do espectador. O recorte que se faz da constante tensão que atravessa a obra é sublinhado por câmeras inquietas e tremidas que acompanham os personagens numa espécie de proximidade voyeurística pessoal que cria grande empatia. A narrativa é envolvente, mas "paradona"; nisso, a agressividade que subjaz no silêncio que faísca explode naturalmente e, por isso mesmo, choca em um nível maior. Este é o paradoxo que vem se fazendo assinatura do trabalho de Winding Refn e se mostra mais forte em exemplares posteriores de seu cinema como "Bronson" e "Drive", de maneira que "Pusher" parece um rascunho válido para tais obras maestrais. Destaque para o uso da trilha sonora. Esta geralmente faz parte do ambiente; ou seja, tem sua fonte dentro do espaço onde a ação se desenrola. Um pingo de música pauleira aqui e outro ali, no meio de extensos silêncios, contribuindo para gerar aflição crescente; mais um tantinho de música árabe em ápices de adrenalina conferindo uma sensação toda peculiar e estranha às cenas.
Divine: A Musa do Underground
4.0 3Divino!
Desafio do Além
3.7 138 Assista AgoraEleanor 'Nell' Lance é uma insossa solteirona que viveu para cuidar da mãe que morreu recentemente. Desde então, Nell vem convivendo como um corpo estranho no seio da família de sua irmã. No convite para uma experiência numa casa "mal-assombrada", a infeliz mulher econtra a possibilidade de achar algum sentido para a sua vida. Sedenta por existência, ao depositar suas esperanças nos personagens que encontra no tal lugar, Nell se desilude por nunca ser querida como e quando desejava; mas isso só dura até ela e o espectador, não necessariamente nessa ordem temporal, começarem a perceber que a outra protagonista da estória é a sua alma gêmea.
Este é o enredo de "Desafio do Além", uma pérola do cinema de terror. Robert Wise se mostra um diretor extremamente detalhista em todos os sentidos. Os movimentos de câmera e enquadramentos são muito criativos e cada objeto de cada take tem um porpósito, mesmo que subliminar. As composições dos personagens também são tão complexas quanto podem ser num filme sem que ele soe pedante, isto se revela tanto nas atuações quanto nos figurinos usados pelos atores.
Para completar o tom de minúcia geral, há o perfeccionismo com que as convenções do bom cinema de horror são usadas. Os sustos não apelativos são construídos num suspense de alto nível. Este só faz crescer, desde que ocorrem as pontuais e assustadoras advertências dos guardiões dos portões do inferno, neste caso, os caseiros. Enfim, eis uma fantástica obra que ajudou a cimentar os padrões do subgênero "casa mal-assombarda" na história da sétima arte. Se há algo nela de não encantador, é o uso exagerado de monólogos em off, mas nem isso consegue tirar o seu estranho brilho.
A Semente do Mal
1.6 87Decepcionante filme de Fruit Chan. O diretor chinês, que teve destaque com seu ótimo "Dumplings" no projeto "Três Extremos" entre filmes dos famigerados cineastas Takashi Miike e Park Chan-Wook, teve seu juízo narrativo enfraquecido e perdeu os culhões. "Semente do Mal", refilmagem da produção japonesa "Joyû-rei", tem um roteiro superficial e clichê que em alguns pontos carece de sentido; e mesmo implantando aqui e acolá algumas poucas boas cenas de um horror colorido beirando o surreal, Chan não consegue salvá-lo. As atuações canastronas e as
"moscas digitais"
August Underground
2.5 27O primeiro filme da série de Fred Vogel estabiliza padrões um tanto quanto viscerais que seriam resgatados, com mais ou menos sucesso, nas duas sequências seguintes. A captação amadora está aqui e o rascunho do retrato de um sadismo doentio também.
Para um filme em que o grande mérito estaria no pseudo-realismo, "August Underground" peca por alguns efeitos de maquiagem obviamente fakes, mas isso não tira o estranho impacto da obra. Seus dois protagonistas, tanto o que está com a câmera quanto o que aparece diante dela a maior parte do tempo, convencem nas suas interpretações de seres desviantes que escrevem sua rotina com tinta de sangue e este fato por si só já faz a experiência valer.
Destaque para a última sequência na qual duas mulheres se insinuam para eles tirando a roupa durante uma festinha privada: a trilha sonora é muito boa e seu decorrer é assustadoramente palpável sem que haja nenhuma violência gráfica. Bobo para uns, singular para outros.
Calígula - A História Que Não Foi Contada
2.7 16Ao contrário do que alguns afirmam, "Calígula - A História Que Não Foi Contada" não é uma sequência do clássico de Tinto Brass e sim uma tentativa oportunista do guerreiro diretor Joe D'Amato de pegar carona no sucesso de seu conterrâneo. E nisso o filme foi bem sucedido. D'Amato é um curioso artista, que com orçamentos extremamente limitados, tinha o olfato aguçado para o êxito comercial. Se "Emannuelle" e "Canibal Holocausto" estavam fazendo sucesso, ele dava um jeito de misturar as duas coisas num filme seu, sendo que quase sempre o resultado de seus esforços apresentava uma originalidade orgânica, para o regozijo dos fãs de cinema extremo e tranqueiras afins.
"Calígula - A História Que Não Foi Contada" está longe de ser o melhor trabalho de D'Amato, apesar de nele também ocorrer a parceria que se tornou notória entre o diretor italiano e a enigmática beleza de cobre da atriz Laura Gemser. Tudo bem que a cópia que está circulando no mercado, da gravadora "Cult Classic", também não ajuda. O produto é tratado com desleixo: falas erroneamente ora em inglês, ora em italiano, são muitas vezes repetidas no que fica parecendo um erro de pós-produção e a imagem está muito maltratada. O consolo é que a versão apresentada aqui é a mais longa, com as cenas de sexo explícito na suruba que são algumas das melhores de todo o filme, em contraposição ao softcore mal aproveitado pois registrado de maneira chatinha e encabulada.
De resto, é no mínimo intrigante ver a última hora deste filme com um Calígula cheio de dúvidas existenciais que, por mais rasas que possam parecer, apresentam um prisma distinto do imaginário coletivo. Vale resslatar que esta "humanidade" não priva o espectador de algumas cenas de violência, como
a de empalamento
Smash Cut
2.5 23"Eu vejo o ato de fazer cinema como um negócio e tenho pena de quem o considera como sendo uma forma de arte", com esta frase do diretor Herschell Gordon Lewis "Smash Cut" abre seus créditos. E é com uma ironia de emocionar fãs do cineasta que o filme fecha com uma dedicatória explícita "à vida e à arte" do mestre Lewis. Não é para menos: o artista americano, vendo sua obra popularizada nos circuitos de "drive-ins" das terras do Tio Sam a partir dos anos 60, na busca por bons resultados financeiros acabou criando toda uma estética cinematográfica própria que até hoje influencia e fala com determinadas pessoas ligadas de alguma maneira à sétima arte.
Há de se considerar que o grupo que reverencia a obra do "mestre do gore" hoje em dia é bastante seleto e de uma familiaridade que chega a se refletir entre seus membros. Consciente disso, "Smash Cut" é uma comédia sanguinolenta que funciona para o SEU público. Desde a escolha do elenco - que conta com David Hess e Michael Barryman, ícones "cult" do cinema de horror; Sasha Grey, uma das melhores atrizes pornô de todos os tempos; e o próprio lendário Herschell Gordon Lewis - até as opções estéticas dos pôsteres que fazem parte da cenografia, tudo soa como uma piada interna.
No fim, se há algo de errado com "Smash Cut" é o fato dele ser o tipo de filme que não se deixa ser escolhido, e sim que escolhe seus espectadores. E os escolhe de uma maneira um tanto quanto exclusiva, para a sorte e deleite de certos cinéfilos tortos.
O Trapalhão na Arca de Noé
3.5 21 Assista Agora"Papangu papa melancia
papa paçoca
papa rapadura
quem quer ver
como ele é
vem comigo pra Arca de Noé"
Um gato no Cérebro
3.5 37Houve uma época em que várias produções de terror italianas se utilizavam do nome de Lucio Fulci para se autopromoverem, isso mesmo quando o diretor não tinha nada a ver com elas. Fulci geralmente entrava na justiça reivindicando seus direitos. Perdeu alguns casos e decidiu usá-los a seu favor, uma vez que passou a ter domínio sobre várias obras com as quais não tinha qualquer ligação real. Aí ele saiu recortando as melhores cenas de violência que encontrou nelas, fazendo o mesmo com alguns de seus próprios filmes anteriores, rodou mais algum horror gráfico e criou uma estória com um contexto no qual pudesse juntar tal sangueira. Por fim decidiu colocar-se atuando no filme, pois se a mera menção de seu nome poderia vender mais, o que dizer de sua aparição na tela?
O resultado é uma autêntica obra Fulciana na qual o gore chafurda. É como se Herschel Gordon Lewis tivesse chegado aos anos 90 vendo pornochanchada numa sala dentro do Cinecittà enchendo a pança de espaguete com parmesão. A diversão é garantida para quem vê no carnaval da repugnância uma alegoria da comicidade.
Em alguns momentos, vozes de lamento agonizante que fazem parte da trilha lembram Mojica Marins. E, continuando no campo de comparação, determinada cena de "A Cat in the Brain" que é uma homenagem direta ao assassinato no banheiro de "Psicose", acaba por dar a dimensão exata do que seria o legado do autor italiano: cinema de açougueiro para "filmívaros".
Direto, explícito, sem firulas e desculpas. Dê a seus fãs o que eles desejam, por mais grotesco que possa parecer. Viva Lucio Fulci!
Grotesk
2.5 29Apesar da presença da musa Linda Blair, muito mal explorada em vários sentidos e insuficiente,
uma vez que sua personagem morre na metade do filme
Todos os elementos comuns aos filmes de horror dos anos 80 aqui são abordados de maneira superficial: não há peitinhos, nem sangueira abundante, muito menos suspense e as mortes são muito pouco criativas. Alguns risos até podem ser extraídos do espectador quando este percebe as atuações histéricas da gangue de punks, dignas da Troma Films, embora o filme não pretenda ser engraçadinho com isso. Certos figurinos também são hilários, mas isso se deve mais à época em que a obra foi rodada do que a qualquer outra coisa. Aliás, os momentos em que acontece um esforço claro no sentido de haver comédia soam forçados e deslocados, acabando por causar a sensação de vergonha alheia. No mais, o uso recorrente do recurso metalinguístico parece, num todo, como a escolha mais fácil num contexto de falta de opção narrativa.
Pra não dizer que a experiência não vale, com todos os seus deslizes, nela há sim a aura charmosa dos filmes de horror dos anos 80, embora um tanto rarefeita. Uma vez que o espectador não deve esperar originalidade, mas ao menos o mínimo de diversão numa viagem dessas, quem sabe se com umas cachaças numa noite fria "Grotesque" não desceria melhor. De repente
o monstrengo
The Agony and the Ecstasy of Phil Spector
3.5 2Documentário extremamente envolvente. Nele explora-se o significado da técnica de produção denominada por Spector de "Wall of Sound". O espectador também entra em contato com o Phil Spector executivo, músico e compositor; facetas do artista menos conhecidas do grande público.
Interessante também são as várias estórias que o produtor conta sobre suas relações com figuras importantes da música pop: numa delas está John Lennon afirmando que, após Elvis Presley ter ido para o exército, quem teria salvado o rock'n'roll nos E.U.A. teria sido Phil Spector; noutra está Brian Wilson, enlouquecendo na ânsia de imitar, sem sucesso, a sonoridade da belíssima "Be My Baby", das supremas "Ronettes", grupo feminino cuja vocalista principal foi casada com Spector.
De resto, o filme procura abordar a progressão das perspectivas do crime pelo qual ele foi condenado. O assunto é bem interessante, mas menor diante do enorme talento de uma das figuras mais subjacentemente influentes da música pop do século passado.
Teenage Cave Man
2.8 6Para download:
Teenage Cave Man
2.8 6É atribuída a Roger Corman a seguinte frase: dê-me dois figurantes e um arbusto que sou capaz de filmar a "Ascensão e Queda do Império Romano". O cinema deste genial cineasta e produtor americano representa bem tal máxima, onde o impossível fazia-se possível em busca de grana. É óbvio que obras do tipo das de Corman só poderiam ser construídas obtendo sucesso comercial no contexto histórico de sua época. Atualmente a maioria de seus filmes traz um gosto nostalgicamente ingênuo e divertido às almas ávidas do cinéfilo deslocado.
Este é o caso de "Teenage Caveman". É caricata a maneira como o "ato de questionar" é relacionado ao rito de passagem da adolescência para a idade adulta. Tudo em volta disto é muito exagerado na busca por ação em cenas onde maquetes malfeitas se misturam a animais de verdade simulando lutas entre monstros pré-históricos. Os figurinos são baratos e previsíveis; as atuações não são lá "essas coisas";
e gente fantasiada de feras nunca é assustador, mas quase sempre hilário.
No entanto, nos idos tempos do reinado do Sr. Corman, parece que para obter lucro o cineasta independente precisava ousar de verdade - como exemplo de tal hipótese apresenta-se este filme que busca retratar era tão distinta dispondo de tão poucos recursos financeiros e técnicos.
E mais, para você que acha que o final de "O Planeta dos Macacos", feito 10 anos após a obra de Corman, é fantástico e/ou revelador e/ou original, "O Adolescente Homem das Cavernas" é altamente recomendado. O desfecho do filme de 1958 vai além de mostrar o futuro como sendo fruto da destruição humana, pois ainda implica a este processo caráter cíclico.
Como diz a letra da música homônima do grupo de rock Beat Happening, "Teenage Caveman" é o "clamor do selvagem" de uma longínqua estação em que o primitivismo de um cinema de guerrilha podia dar as mãos ao comercial e industrial sem que isso parecesse contraditório. Válido demais.
O único pesar é que a versão para download na internet parece ter as extremidades direita e esquerda do quadro cortadas; mas mesmo assim, dependendo do juízo de cada um, é melhor ver algo do que não ver nada.
O Parque Macabro
3.8 142 Assista AgoraProvavelmente o filme que David Lynch sempre quis fazer, "Carnival of Souls" é mais um exemplo de como um orçamento baixo pode beneficamente aguçar a criatividade. A obra, que já começa com uma pancada, a posteriori vai se desnudando como um clima, uma sensação. Talvez nela esteja um dos enfoques mais despretensiosamente poderosos dados à paranoia de um pesadelo.
Sublinhando a etérea viagem do espectador está a incrível e fantasmagórica trilha sonora composta para órgão por Gene Moore - a protagonista da estória é uma organista de igreja - que se faz pontual. Outro destaque é para a fotografia economicamente bela, num jogo de contrastes de uma classe quase expressionista.
De resto, se há algum problema com o ritmo da narrativa que às vezes parece truncada, ele é eclipsado pelo resultado final do todo.
Lulu em Berlim
4.0 1"Por isso eu nunca fui uma atriz. Nunca estive apaixonada por mim" - esta é uma das frases ditas por Louise Brooks nesta longa entrevista que cumpre o que se propõe, trazendo mais humanidade ao mito numa viagem por uma parte da história do cinema. Vale conferir.
A Caixa de Pandora
4.2 88 Assista AgoraÓtimo filme. Imperdível para amantes da sétima arte. As contribuições entre Louise Brooks e G.W. Pabst têm caráter icônico na história do cinema. E nem há um explicação lógica para isso. Certos acontecimentos são dotados de uma espécie de convergência que do acaso criam magia. Certamente "Pandora's Box" está à frente do seu tempo no tratamento usual de temas, uns mais e outros menos diretamente, muito espinhosos pra época como o homosexualismo, a prostituição, o incesto e a luxúria exacerbada. Não se deve esquecer que apesar de seus fins, há sim um ar de espírito livre para a posição da mulher na sociedade, levando-se em conta o machismo vigente. Também há uma certa complexidade na concepção dos personagens;
como no caso do velho bêbado, meio pai, meio amante de Lulu.
No entanto, muito embora Pabst se mostre um exímio diretor de atores, extremamente detalhista com relaçao às questões que envolvem o cenário como um todo, isso incluindo figurinos, sombras e até fumaça em cena; deve-se considerar que ele está longe de ser um inovador e experimentador de técnicas cinematográficas da época, como é o caso do Murnau, por exemplo.
A própria Louise Brooks não era uma grande atriz. E quem disse que se precisa ser uma grande atriz para se fazer história? Clara Bow, Marilyn Monroe, Jayne Mansfield e Brigitte Bardot estão aí eternamente para corroborar com a teoria de que a criação de mitos é algo para além da compreensão humana. O carisma destas figuras na tela, a maneira como a atenção do espectador é dragada para elas é algo divino que faz das questões profissionais meramente burocráticas. E a figura representada por Brooks, aquela da menina de cabelo chanel, de uma beleza pura e sexualidade andrógina que está no imaginário de todo cinéfilo, presumivelmente estará ligada ao trabalho de Georg Wilhelm Pabst para sempre. Fato.
Para fãs da eterna moçoila e do diretor alemão recomenda-se uma checada no documentário "Lulu in Berlin" que está divido em quatro partes no youtube.
Gato Negro
3.4 23Bom filme de Lucio Fulci que consegue dar a sua versão de um conto de Edgar Allan Poe. O horror despudorado, áspero e grosseiro pelo qual o diretor italiano é notório aqui se faz presente nas cenas de morte e nos ataques do gato preto. Em tais momentos de ação,
que incluem batida de carro, incêndio, queda seguida de perfuração e morcegos ávidos por sangue
Contudo, surpreendente mesmo é o apuro técnico no uso das câmeras durante o desenrolar da trama. As mudanças sobre os objetos em foco e fora de foco num mesmo plano conduzem com maestria a atenção do espectador. Os closes abundantes nos rostos e olhos dos personagens cumprem seu papel sublinhando sentimentos e colocando em evidência a questão do domínio da mente. Os próprios movimentos das câmeras, com tomadas de ângulos inusitados e inúmeras subjetivas inspiradoras, são extremamente eficazes. Pra completar, há o uso do recurso narrativo do flash como numa homenagem aos clássicos "A Tortura do Medo" e "Janela Indiscreta". Dá pra perder?
Feriado no Harém
2.9 5 Assista AgoraAqui Elvis Presley é Johnny Tyronne, herói de ação nas grandes telas e fora delas também. Basta considerar tal premissa para concluir que "Feriado no Harém" não é um filme para ser levado a sério. Para aumentar o clima caricatural, além de um cultura árabe retratada de maneira estereotipada e pasteurizada, fator condizente com os padrões gerais hollywoodianos, os números musicais, que contam com algumas cações muito boas, são bem deslocados. Aquela atitude tão comum a personagens do gênero musical, de sair cantando de repente do nada, que às vezes tanto incomoda, aqui é mais presente que em outros filmes com o Rei onde suas apresentações são melhor contextualizadas. Nestes filmes, por exemplo, o personagem de Elvis seria um músico chamado ao palco para cantar com uma banda: esta criação de atmosfera aumenta a verossimilhança e credibilidade da obra.
Enfim, credibilidade não é algo para se levar em consideração ao assistir "Harum Scarum". A grande sacada é se deixar levar pela curiosidade com relação à maneira como introduziram Elvis Presley no "mundo árabe", preparar pipoca e refrigerante, não esquecendo de reservar um espaço para dançar. E pronto. O filme vai ser aproveitado como deve e merece. O resto é a conclusão de que o Rei se sai melhor com um pé fincado em James Dean e outro em Marlon Brando do que tentando encostá-los em Rodolfo Valentino.
Algumas Portas Nunca Deviam Ser Abertas
3.2 70Por que fala-se tão bem de "Naboer"? O filme traz a idéia de mostrar a estória sob a perspectiva doentia de um de seus personagens, opção que causaria no espectador vontade crescente por um desfecho numa realidade mais objetiva. Questionável é até que ponto esta produção nórdica tem êxito.
Não há dúvidas de que a inserção na realidade alheia é bem-sucedida. Cenário e iluminação conferem clima labiríntico e sombrio à obra de aura paranóica. Acontece que a paranóia se dilui no ritmo falho da narrativa, pois o processo de montagem, tão importante na criação de um thriller, dá brechas para a atenção de quem tenta acompanhar os acontecimentos se perder. Tal atenção tem seus picos em poucas cenas marcantes para logo voltar a cair na indiferença mancando junto à edição.
Aliás, o filme todo é válido apenas por uma cena marcante que acontece por volta de seus trinta minutos de duração. Nela o espectador é brindado com uma captação extremamente pungente e vigorosa de um casal fazendo sexo com uma violência surrealmente realista. Enfim, o motivo de falarem tão bem de "Naboer" não seria tão indefinido se ele acabasse em seus primeiros trinta e quatro minutos.
Insanidade
4.2 64Apesar de às vezes soar um pouco ingênuo para um filme de 2005 por adotar alegorias um tanto óbvias em relação às representações dos seres humanos, "Sílení" é um filme bom. Muito embora um tanto megalômano no propósito alardeado por seu diretor durante o prólogo, o de retratar o manicômio em que todos vivemos hoje, talvez seja um dos melhores filmes a lidar com universo sadeano de maneira não literal. Também há Poe nele, mas menos. Esta obra da República Checa, de uma perspectiva cinematográfica e temática, traz uma abordagem que está mais para um Buñuel ou um Ferreri do que para um filme de horror convencional. O terror aqui é a paranóia e o inferno do eterno retorno. De um senso humorístico quase sisudo, pois assumidamente pessimista, não recomendado para quem quer esquecer da natureza da própria condição de sua existência.
O Sadismo de Shogun 2: A Tortura Infernal
3.1 7Este filme é uma verdadeira relíquia para fãs do cinema extremo. Ele é pra você, fã de torture porn, gênero que discutivelmente teria começado com o primeiro "Jogos Mortais". Se alguém compartilha desta opinião, pode-se dizer que "Shogun's Sadism" definitivamente faz parte da linha evolutiva do gênero. Este filme também é para você, fã do cinema grotesco japonês, que quando é grotesco realmente o é, remontando as suas raízes.
Durante as cenas realistas de tortura é impossível não lembrar de Salò, de Pier Paolo Pasolini. Inclusive, a primeira estória compartilha deveras da filosofia sadeana, onde os mais fortes prevalecem sobre os mais fracos, a virtude é motivo de troça e há a total "coisificação" do corpo humano. O único fato que corta esta vertente são os poucos segundo finais que sugerem um final feliz em outro plano metafísico.
Já o segundo episódio é menos tenso. Além de um maior desenvolvimento das personalidades dos personagens, movimento que cria uma certa empatia com o espectador, há inclusive momentos de comédia que proporcionam certas pausas de alívio. Mesmo assim, num todo, a obra é extremamente impiedosa.
"Shogun's Sadism" é bem dirigido e filmado. A classe do cinema japonês, na maioria das vezes soberana, se mantém como geralmente acontece nos filmes nipônicos de época. Os atores cumprem seu papel e a trilha sonora pouco usual está de acordo com o incômodo causado por este exercício sanguinolento.
Se o filme de Yûji Makiguchi pretende exercer alguma crítica com relação à época em que foi feito, ela pode ser sublinhada com as imagens de horror real que aparecem nos créditos. O ponto negativo fica para o embaçamento sobre as genitálias dos personagens quando estas deveriam aparecer, procedimento que ocorre, inclusive, nos filmes pornôs japoneses atuais. E isto também é uma questão aqui no ocidente, mais velada mas válida para discussão. É estranho e parece hipócrita que a violência extrema tenha mais aceitação do que certas partes do corpo, mas isso já é outro papo que não cabe aqui.
Enfim, confiram esta experiência.
Do Além
3.5 158É uma verdadeira delícia a maneira como o diretor Stuart Gordon perverte a obra de H.P. Lovecraft. "Do Além" é um dos melhores exemplos de tal máxima. O foco aqui não está no universo paralelo e obscuro, escondido e atemporal, pronto para emergir a qualquer momento; e sim nos possíveis efeitos causados por ele. Num típico exemplar de bom filme de horror americano dos anos 80 com orçamento moderado, as consequências das experimentações do cientista maluco que tenta entrar em contato com um mundo até então invisível incluem muito gore e conotações sexuais.
O roteiro não deixa furos, as atuações são críveis e os efeitos especiais não têm nada daquele excesso de computação gráfica que às vezes é tão incômodo no cinema atual. Os monstros e as mutações são mesmo maquetes e robôs ou fruto de figurino e maquiagem até certo ponto convincentes; os atores tinham mesmo que se sujar com gosma e sangue artificial.
E por falar em atores, a dobradinha Stuart Gordon/Jeffrey Combs já é um clássico da canastrice. E não há nada de trash em ver Barbara Crampton num figurino sadomasoquista e com peitinhos a mostra. Diversão garantida.
O Chamado de Cthulhu
3.9 71Por mais que na análise de um filme a dissociação com relação à obra que lhe deu origem seja saudavelmente necessária, tal movimento fica difícil em "The Call of Cthulhu". O filme foi produzido pela "H. P. Lovecraft Historical Society", uma instituição gerada por e para fãs do grande escritor americano de horror. Desta maneira, o média-metragem é mais do que simplesmente baseado na estória mais famosa de Lovecraft, se colocando como uma homenagem a ela; singela, mas ainda assim celebrativa.
O tom referencial e reverencial se mantém nas escolhas estéticas e narativas. Um filme de terror moderno em preto e branco, mudo e que faz uso de Stop Motion - a lista de elementos comuns a eras passadas do cinema poderia continuar - é metalinguístico. E, neste caso, tal articulação parece ter muito a ver com a possibilidade de se conceber para as telas a estória de Lovecraft com elegância dependendo de um orçamento limitado; afinal, recursos técnicos atuais discretos também são usados visando a praticidade.
O resultado é bem preciosinho. A boa trilha sonora dá o arremate vintage na obra. Fica a dúvida: pessoas que não são familiares com a obra de Lovecraft e/ou com o cinema mudo apreciariam este "The Call of Cthulhu"?
Maiores informações sobre o filme:
Padre Pedro e a Revolta das Crianças
2.7 12Como é seu senso de humor? Dependendo da resposta é extremamente necessário que você veja o inacreditável "Padre Pedro e a Revolta das Crianças". Autêntico exemplar do cinema popular da "Boca do Lixo" esta fita, dirigida pelo curioso cineasta Francisco Cavalcanti, traz um elenco que por si só já vale a conferida: Pedro de Lara, José Mojica Marins, Gugu (ele mesmo, o apresentador), Wilza Carla e Ivo Holanda plus Carlinhos Aguiar (aqueles das "pegadinhas"). Como se as infinitas probabilidades inusitadas já não estivessem suficientemente sugeridas, eis que o argumento e roteiro da obra, assim como as músicas, são de autoria dele, que também é o protagonista da trama, o humorista Pedro de Lara.
Se alguma expectativa deve se criar num contexto desses é a de dar boas gargalhadas. E elas rolam. Muitos erros do ponto de vista técnico. E daí? Alguém estava esperando um primor de edição ou um trabalho competente do continuísta quando pensou em ver esta obra? Será que alguém ansiava por alguma mensagem séria que não fosse clichê? Por favor! O que se vê na tela é uma relíquia divertidamente despretensiosa, muito embora este resultado provavelmente não fosse a intenção de seus executores, de uma época do cinema brasileiro em que um trabalho artesanal atingia o povão em cheio. Legal.
Pusher
3.5 62"Pusher" tem maior relevância quando colocado dentro do contexto geral da obra de Nicolas Winding Refn. O diretor dinamarquês, aos 24 anos, em seu primeiro longa já apresenta elementos centrais do que lhe confere, questionavelmente, o título de um dos cineastas mais autorais da atualidade.
A distinção no trato da violência sobressalta aos olhos do espectador. O recorte que se faz da constante tensão que atravessa a obra é sublinhado por câmeras inquietas e tremidas que acompanham os personagens numa espécie de proximidade voyeurística pessoal que cria grande empatia.
A narrativa é envolvente, mas "paradona"; nisso, a agressividade que subjaz no silêncio que faísca explode naturalmente e, por isso mesmo, choca em um nível maior. Este é o paradoxo que vem se fazendo assinatura do trabalho de Winding Refn e se mostra mais forte em exemplares posteriores de seu cinema como "Bronson" e "Drive", de maneira que "Pusher" parece um rascunho válido para tais obras maestrais.
Destaque para o uso da trilha sonora. Esta geralmente faz parte do ambiente; ou seja, tem sua fonte dentro do espaço onde a ação se desenrola. Um pingo de música pauleira aqui e outro ali, no meio de extensos silêncios, contribuindo para gerar aflição crescente; mais um tantinho de música árabe em ápices de adrenalina conferindo uma sensação toda peculiar e estranha às cenas.