Dá para fazer uma analogia desse filme e suas intenções através de sua protagonista absoluta (sim, mais interessante que o Pinhead ou qualquer outro cenobita): a dona de casa, Julia, cuja busca insaciável por prazeres da carne a faz cruzar qualquer limite moral e se sujar de sangue, vísceras e esperma. O primeiro Hellraiser é bem isso aí, sobre esse estado limítrofe entre o que faz gozar e o que mata (e, como se espera de Clive Barker, uma mistura dos dois, no processo). Quando se torna um filme mais careta, ao acompanhar a mocinha lá pro final da história e resolver os conflitos armados, perde um pouco o tesão, mas até ali é uma viagem sem muito pudor a um mundo de fantasias desvairadas que pervertem a casa de uma boa e velha “família tradicional”.
Fica a ideia de que é filme melhor pelo que poderia ter sido do que pelo que findou sendo nesse corte de estúdio, porque parte do conceito que o torna interessante e de certa forma subverte um pouco o bê-á-bá de história de missão interplanetária fica pasteurizado nessa embalagem meio cinemão pipoca que a trilha, os cortes e a dinâmica dos personagens sempre evocam. Os ecos de Solaris e Alien estão ali, além de alusões a Hellraiser e O Príncipe das Sombras, de John Carpenter, mas o produto final não chega a responder à altura de suas ideias mais ousadas e de suas referências.
Daqui a um tempinho, não muito distante, vou acabar misturando na memória passagens desse filme com as de adaptações medianas recentes de filmes de Stephen King, do qual esse aqui não tenta estabelecer qualquer distância, diga-se. Gosto de Ethan Hawke como vilão e da menina, ainda que as tramas do serial killer e da “investigação” paranormal dela simplesmente não se intercalem bem; pega muito o fato de que, apesar de ser um assassino cruel, o tal do Grabber nunca se estabelece como ameaça concreta para além de um oponente alegórico do menino. Tem ótimas sequências e uma dinâmica de personagens que funciona, mas talvez eu esperasse mais do que acabei recebendo.
É sintomático que estejam saindo notícias de que esse filme viralizou no TikTok porque parece legitimamente uma preocupação dele se adaptar a uma linguagem interativa meio difusiva e supereditada de vídeos para YouTube ou aplicativos de mídia mais curtos – na verdade, a premissa faz até graça com essa ideia de compartilhamento e a própria protagonista, não por acaso, teve um canal de vídeos. Conceitualmente, é interessante a ideia de adaptar o terror de maldição, a que esse aqui se filia, a essa estética de ‘curta e compartilhe’, mas é uma narrativa bagunçada demais, com idas e vindas no tempo sem muita coesão, na tentativa de manter preservada uma revelação que não é muito difícil de catar antes do final propriamente dito. Como é um filme que depende um pouco do envolvimento emocional do espectador, já que a tragédia parte de um drama familiar, esse caos de imagens e tempos que se sobrepõem dificultam muito a interação. Tem lá seus bons momentos, mas é um filme que já me perdeu no trajeto.
Vi há alguns dias e ainda me pego coçando a mente com essa história de horror desconcertante que se apropria de um crime da vida real - o caso do massacre das enfermeiras de Chicago por um maníaco nos anos 60 - para ilustrar em tela o que há de mais perturbador nele: a aleatoriedade de um ato de violência misógina por parte de um homem que não parece movido por algo senão ódio e prazer, numa mesma proporção. A categoria de pink film, a qual pertence esse título, até sugere uma exploração discutível sobre os corpos femininos, muito embora a intenção dessa exposição aqui, como é feita, me pareça mais distante do erotismo e mais próxima a uma iconoclastia cruel de imagens “sagradas”.
Digamos que seja Um Drink no Inferno sem a energia de um Robert Rodriguez e a sagacidade de um Quentin Tarantino, porque, apesar de ter algumas ótimas sacadas e ter lá seus momentos de um nonsense bastante refrescante para o que se espera de uma produção da Dimension com cara de produção direto para homevideo, não oferece muito para além de uma dinâmica de filme de sobrevivência espertinho que, eventualmente, vai esgarçando as piadas de tanto que as estica.
Pense no que seria um episódio extremamente ruim de Black Mirror e esse filme consegue ser ainda menos imaginativo do que isso; impressionante como a premissa high-tech do aplicativo do mal não oferece qualquer insight mais interessante, qualquer frescor aos clichês de filme de maldição a que esse aqui se filia, e ainda enfia ali, no meio do pandemônio todo, uma subtrama de assédio sexual de fazer esconder a cara de vergonha.
Cidade Alerta – O Filme. É basicamente a versão extreme found footage de um desses programa mundo-cão cuja pretensão aparentemente é articular alguma ideia sobre segurança pública e o estado da violência nos centros urbanos, quando, na verdade, tudo não é mais que um papinho para justificar exploração e fetichização violência da forma mais sensacionalista, sem muita reflexão a partir das imagens que concebe – só o choque pelo choque mesmo, ainda que sob o pretexto de “colocar o dedo na ferida”.
Sei lá, pra mim esse filme tem uma energia forte daquele meme ‘feministo’ do Dado Dolabella: uma visão no mínimo distorcida de políticas de gênero que, ao tentar ser uma reflexão progressista, acaba caindo numa misoginia bem tosca, no fim das contas (metáfora sobre Jardim do Éden e o fruto proibido? Sério?). Tudo isso revestido, claro, por um invólucro posudo de um filme de “pós-horror” produzido pela A4 (ao menos, nesse sentido, é mais “explícito” e acaba entregando alguns momentos visualmente interessantes), o que só faz com que as coisas aqui beirem à autoparodia involuntária.
Ainda há de surgir um filme de terror que consiga exorcizar muito das ansiedades e paranoias contidas nesses anos de pandemia, coisa que esse The Sadness até parece tentar fazer, de forma mais óbvia e direta, embora nem sempre bem sucedida. Adoro como na primeira metade o filme trabalha muito bem com essa iminência de perigo, introduz tudo naturalmente, e extrai o choque e o horror de uma certa aleatoriedade na forma como o surto escala descontroladamente (o ataque na lanchonete e no metrô!), mas lá pela segunda parte se torna meio repetitivo e pouco empolgante (até o gore, que parecia parte de uma construção eficaz de tensão e clímax, soa só exibicionista). Poderia ser melhor, mas ainda há muito de bom pra se destacar daqui.
Há algo de muito empolgante nessa emoção e dedicação com a qual esse material é coletado e organizado a ponto de fazer mais de cinco horas de documentário tradicional, com pequenos clipes, fotos e entrevistas exclusivas (o que eu mais gosto é como passeia por produções mais conhecidas até as mais conhecidas e malhadas, e abre espaço para profissionais que vão dos cineastas aos atores sob as próteses, para ampliar mais o painel), soarem fluídas mesmo para quem, como eu, nunca foi tão fã de ficções científicas de forma geral quanto de terror, por exemplo, e entregar algo que não deve aos capítulos do In Search of Darkness.
É um filme da A24 com a alma de um filme da Blumhouse, e digo isso da forma mais elogiosa. Chega a ser revigorante como X abre mão de uma pegada mais elevada e meditativa de horror atual para oferecer um negócio muito mais direto, que faz referência aos clássicos e eventualmente brinca com algumas normas do slasher (isso é bem claro na maneira como a percepção sobre as personagens de Mia Goth e Jenna Ortega se invertem), às vezes de forma mais inventiva que o novo Pânico, por exemplo. Tudo bem que a homenagem soa limpinha demais para um filme que parte dessa premissa e com essas alusões, mas a forma direta e objetiva como apela às convenções do gênero é sempre empolgante.
Sei lá se esse filme já foi bom algum dia ou se fez algum sentido mesmo nesse cenário de slasher teen pós-Pânico, mas a verdade é que isso aqui era uma fita que mal saía do meu videocassete lá no início dos anos 2000. Revisto muito tempo depois, a historinha se arrasta em flashbacks repetitivos e um jogo de gato e rato pouco estimulante. As mortes e a estranha figura do palhaço, pontualmente, levantam um pouco as coisas, mas não é suficiente. Há um pouco de memória afetiva envolvida, mas, no geral, não tem muito o que se defender do resultado.
Não me surpreenderia saber que o Kubrick teria tomado esse giallo esquecido como uma das inspirações para a obra-prima De Olhos Bem Fechados, principalmente no que se refere à marcante atmosfera de thriller erótico conspiratório – os becos e ruelas europeus que o protagonista percorre em busca de sua namorada desaparecida aqui têm um pouco da onírica noite novaiorquina que Tom Cruise atravessa naquele filme. Adoro o ponto de partida e a resolução de tudo (o desfecho é de uma crueldade muito marcante), embora ali no meio haja uma trama policial um tanto perdida entre o comentário sociopolítico e o horror sobrenatural, que se sugere mais por conta da trilha de Ennio Morricone do que por qualquer outra sacada mais inspirada de roteiro ou direção.
Tem um clima muito bom mesmo, que remete à atmosfera clássica dos filmes de monstro antigos, além dos elementos mais tradicionais que devolvem essa ideia mais primitiva da história de lobisomem (a maldição, a floresta, a bala de prata), só que poderia se beneficiar caso fosse mais enxuto em sua duração e segurasse melhor os seus mistérios – não precisa de muito mais que mais hora aqui para que já tenha entregado todos os seus segredos, a ponto de seu desfecho, que se apresenta como uma epifania das cenas iniciais, seja só mais uma constatação do que já tínhamos sacado com alguma antecedência.
Fábula de horror que se vale de elementos de cena muito básicos mesmo (três atores, duas malocas de palha, um terreno assombrado pelo farfalhar das plantas e pela armadilha em forma de buraco) para trazer algo de primitivo à sua narrativa, e que me parece mais como sintoma de ressaca pós tragédia da Segunda Guerra Mundial. Assim como viria a fazer em O Gato Preto, Kaneto Shindo, resgata o folclore oral e situa em um período de conflitos como uma parábola para seu tempo: aqui, a perda de humanidade que vem como consequência do combate irracional que arrasa territórios, famílias, indivíduos – uma mulher, em meio a isso e buscando sobreviver a todo custo, perdendo de vista quem é, e simbolicamente, tornando-se um demônio. Os minutos finais são difíceis de sair da memória.
Belo estudo de personagem que funciona muito mais como uma espécie de drama silencioso e intimista do que propriamente como um filme de zumbis – não é à toa que parece ter muito mais tesão em criar essas cenas em que precisa traduzir no corpo do ator e em sua relação com o espaço os sentimentos daquele homem cuja solidão não é mais uma escolha, e sim uma imposição cruel, do que em desenvolver uma tensão mais direta a partir dos lugares comuns do terror de sobrevivência e apocalipse de mortos. Acredito que poderia fluir melhor esses dois gêneros do que acabou conseguindo ao todo, mas a forma como discretamente subverte as expectativas que criamos não deixa de ser bem interessante.
Tudo que envolve essa revisão e essa avaliação tem um inegável quê de afetivo, porque essa era uma daquelas fitas esquecidas da locadora que eu via direto lá no iniciozinho dos anos 2000 e agora pude reassistir numa cópia decente com a mesma dublagem pelo YouTube. Essa propaganda antimilitar que não é nada mais do que uma versão direto para vídeo de Maniac Cop é algo que eu só saco melhor agora com a idade e as referências, mas eu ainda me diverti com essa sátira meio absurda, que não tenta amarrar suas pontas para fazer qualquer sentido, e só está interessada em zoar o ufanismo americano, profanando essas imagens meio sagradas do imaginário patriótico de 4 de julho.
Tentativa de deslanchar uma nova franquia de horror aos moldes de A Hora do Pesadelo que, embora tenha saído pela culatra, tem umas ideias muito fortes ali no meio. Talvez a pretensão tenha deixado a coisa toda meio caótica (parece jogar com vários conceitos propositalmente mal explicados, que soam como se fossem para ser desenvolvidos em sequências posteriores), e por isso soa como se alguns filmes diferentes tentassem se encontrar, num mesmo delírio pop de horror. Mesmo que muita coisa não se alinhe, ainda há muito o que curtir aqui, do ótimo vilão ao delirante clímax de perseguição pelos canais de TV – algo que resume bem o que é Shocker, essa salada imaginativa que, para o bem e para o mal, só poderia ter saído da cabeça de Wes Craven e possibilitada por esse momento louco da década de 80.
O fato de dispensar figuras fáceis, como a de um vilão, e entregar um acerto de contas em certa medida anticlimático, pela “simplicidade” de seu mistério, é até uma certa ousadia em se tratando de mais uma animação com o padrão visual e narrativo Disney. Isso puxa o filme um pouco para cima, considerando como essa escolha permite que desenvolva com mais cuidado os personagens (ou ao menos, sua protagonista), embora, de forma geral, não chegue a ser propriamente envolvente ou ter momentos muito inspirados, para além de uma sacada ou outra – mesmo os números musicais, que costumam ser um ponto forte, não saltam tanto os olhos aqui.
Ponto de partida instigante em sua mistura irônica de terror espacial com comentário sociocultural sobre a geração do consumo dos anos 80 – para falar a verdade, curto tudo o que envolve o entrecho da família típica americana alucinada pela gosma viciante e o menino lutando contra o vício dos parentes que acaba eventualmente se perdendo quando o filme passa a se dedicar mais na investigação galhofeira do ex-agente e do exército, cujo humor não tem a mesma acidez e desenvoltura do primeiro ato, com suas sacadas contra mídia televisiva e publicidade.
Tudo o que se refere ao primeiro ato, eu diria que é irretocável – uma trama policial sórdida que vai gradativamente consumindo um homem-morcego meio anestesiado e alheio a tudo até obrigá-lo a tomar as rédeas, enquanto introduz sem muita pressa os personagens de sempre que o circulam, só que em novas possíveis dinâmicas –, mas o filme nem sempre consegue segurar as pontas pelo tanto de subtramas que correm em paralelo, e, ao tentar dar conta de todas em suas três horas, ocasionalmente perde o fôlego aqui ou ali (essa divisão de entrechos faz passar a sensação de que tem vários ‘falsos finais’, conforme vai dando uma resolução possível aos conflitos que estabelece). Dito isso, acho que essa é a melhor investida no personagem desde 2008, ou quiçá até mais, quando o filme respirar melhor fora do hype e crescer numa revisão, como parece ser sua tendência. Uma grande volta às raízes.
Revendo hoje ainda fico muito impressionado que esse filme tenha sido produzido e distribuído como foi, trinta anos atrás: um pesadelo expressionista disfarçado de blockbuster familiar. Não há qualquer moralidade em Gotham City, a dinâmica aqui é ver qual dos três maníacos fantasiados, incluindo o heroico morcego, consegue disfarçar melhor suas intenções enquanto lida com seus traumas, ansiedades e, claro, taras sexuais – não consigo lembrar de outro filme de herói em que tanta piada de duplo sentido seja incluída não só em basicamente toda troca de diálogo, como na performance dos atores e nas escolhas visuais (o que só torna ainda mais divertido imaginar o McDonald’s desfazendo sua publicidade infantil para esse filme quando viu o resultado). Danny DeVito e, especialmente, Michelle Pfeiffer destroem. De tudo que foi feito do Batman nas telonas, esse aqui deve ser o que eu mais gosto.
Fazia mais ou menos uma década que eu não revia esse filme, e não mudou tanto as impressões que eu sempre tive sobre ele: o que injeta vida a essa trama de burocratas é a figura desnorteadora desse palhaço do mal que sempre dá um chacoalhão em tudo quando irrompe na tela em alguma aparição, por menor que seja; e talvez a falta de passado, presente e futuro do personagem seja a escolha mais certeira que Nolan fez a frente dos filmes do homem-morcego, junto com a escalação. Tudo o que envolve a dualidade entre os cavaleiros, Bruce e Harvey/Batman e Duas-Caras, acaba invariavelmente encolhendo, tendo papel coadjuvante – e a escalada do último vilão, no terceiro ato, inclusive soa apressada demais. Mesmo tendo minhas ressalvas, ainda acho que é, sem muita comparação, a melhor contribuição do diretor à jornada do morcegão nas telonas.
Hellraiser: Renascido do Inferno
3.5 858 Assista AgoraDá para fazer uma analogia desse filme e suas intenções através de sua protagonista absoluta (sim, mais interessante que o Pinhead ou qualquer outro cenobita): a dona de casa, Julia, cuja busca insaciável por prazeres da carne a faz cruzar qualquer limite moral e se sujar de sangue, vísceras e esperma. O primeiro Hellraiser é bem isso aí, sobre esse estado limítrofe entre o que faz gozar e o que mata (e, como se espera de Clive Barker, uma mistura dos dois, no processo). Quando se torna um filme mais careta, ao acompanhar a mocinha lá pro final da história e resolver os conflitos armados, perde um pouco o tesão, mas até ali é uma viagem sem muito pudor a um mundo de fantasias desvairadas que pervertem a casa de uma boa e velha “família tradicional”.
O Enigma do Horizonte
3.2 310 Assista AgoraFica a ideia de que é filme melhor pelo que poderia ter sido do que pelo que findou sendo nesse corte de estúdio, porque parte do conceito que o torna interessante e de certa forma subverte um pouco o bê-á-bá de história de missão interplanetária fica pasteurizado nessa embalagem meio cinemão pipoca que a trilha, os cortes e a dinâmica dos personagens sempre evocam. Os ecos de Solaris e Alien estão ali, além de alusões a Hellraiser e O Príncipe das Sombras, de John Carpenter, mas o produto final não chega a responder à altura de suas ideias mais ousadas e de suas referências.
O Telefone Preto
3.5 1,0K Assista AgoraDaqui a um tempinho, não muito distante, vou acabar misturando na memória passagens desse filme com as de adaptações medianas recentes de filmes de Stephen King, do qual esse aqui não tenta estabelecer qualquer distância, diga-se. Gosto de Ethan Hawke como vilão e da menina, ainda que as tramas do serial killer e da “investigação” paranormal dela simplesmente não se intercalem bem; pega muito o fato de que, apesar de ser um assassino cruel, o tal do Grabber nunca se estabelece como ameaça concreta para além de um oponente alegórico do menino. Tem ótimas sequências e uma dinâmica de personagens que funciona, mas talvez eu esperasse mais do que acabei recebendo.
Marcas da Maldição
3.2 208 Assista AgoraÉ sintomático que estejam saindo notícias de que esse filme viralizou no TikTok porque parece legitimamente uma preocupação dele se adaptar a uma linguagem interativa meio difusiva e supereditada de vídeos para YouTube ou aplicativos de mídia mais curtos – na verdade, a premissa faz até graça com essa ideia de compartilhamento e a própria protagonista, não por acaso, teve um canal de vídeos. Conceitualmente, é interessante a ideia de adaptar o terror de maldição, a que esse aqui se filia, a essa estética de ‘curta e compartilhe’, mas é uma narrativa bagunçada demais, com idas e vindas no tempo sem muita coesão, na tentativa de manter preservada uma revelação que não é muito difícil de catar antes do final propriamente dito. Como é um filme que depende um pouco do envolvimento emocional do espectador, já que a tragédia parte de um drama familiar, esse caos de imagens e tempos que se sobrepõem dificultam muito a interação. Tem lá seus bons momentos, mas é um filme que já me perdeu no trajeto.
Violated Angels
3.4 1Vi há alguns dias e ainda me pego coçando a mente com essa história de horror desconcertante que se apropria de um crime da vida real - o caso do massacre das enfermeiras de Chicago por um maníaco nos anos 60 - para ilustrar em tela o que há de mais perturbador nele: a aleatoriedade de um ato de violência misógina por parte de um homem que não parece movido por algo senão ódio e prazer, numa mesma proporção. A categoria de pink film, a qual pertence esse título, até sugere uma exploração discutível sobre os corpos femininos, muito embora a intenção dessa exposição aqui, como é feita, me pareça mais distante do erotismo e mais próxima a uma iconoclastia cruel de imagens “sagradas”.
Banquete no Inferno
2.9 189Digamos que seja Um Drink no Inferno sem a energia de um Robert Rodriguez e a sagacidade de um Quentin Tarantino, porque, apesar de ter algumas ótimas sacadas e ter lá seus momentos de um nonsense bastante refrescante para o que se espera de uma produção da Dimension com cara de produção direto para homevideo, não oferece muito para além de uma dinâmica de filme de sobrevivência espertinho que, eventualmente, vai esgarçando as piadas de tanto que as estica.
A Hora da Sua Morte
2.5 558Pense no que seria um episódio extremamente ruim de Black Mirror e esse filme consegue ser ainda menos imaginativo do que isso; impressionante como a premissa high-tech do aplicativo do mal não oferece qualquer insight mais interessante, qualquer frescor aos clichês de filme de maldição a que esse aqui se filia, e ainda enfia ali, no meio do pandemônio todo, uma subtrama de assédio sexual de fazer esconder a cara de vergonha.
Atroz
2.7 51Cidade Alerta – O Filme. É basicamente a versão extreme found footage de um desses programa mundo-cão cuja pretensão aparentemente é articular alguma ideia sobre segurança pública e o estado da violência nos centros urbanos, quando, na verdade, tudo não é mais que um papinho para justificar exploração e fetichização violência da forma mais sensacionalista, sem muita reflexão a partir das imagens que concebe – só o choque pelo choque mesmo, ainda que sob o pretexto de “colocar o dedo na ferida”.
Men: Faces do Medo
3.2 412 Assista AgoraSei lá, pra mim esse filme tem uma energia forte daquele meme ‘feministo’ do Dado Dolabella: uma visão no mínimo distorcida de políticas de gênero que, ao tentar ser uma reflexão progressista, acaba caindo numa misoginia bem tosca, no fim das contas (metáfora sobre Jardim do Éden e o fruto proibido? Sério?). Tudo isso revestido, claro, por um invólucro posudo de um filme de “pós-horror” produzido pela A4 (ao menos, nesse sentido, é mais “explícito” e acaba entregando alguns momentos visualmente interessantes), o que só faz com que as coisas aqui beirem à autoparodia involuntária.
A Tristeza
3.4 230Ainda há de surgir um filme de terror que consiga exorcizar muito das ansiedades e paranoias contidas nesses anos de pandemia, coisa que esse The Sadness até parece tentar fazer, de forma mais óbvia e direta, embora nem sempre bem sucedida. Adoro como na primeira metade o filme trabalha muito bem com essa iminência de perigo, introduz tudo naturalmente, e extrai o choque e o horror de uma certa aleatoriedade na forma como o surto escala descontroladamente (o ataque na lanchonete e no metrô!), mas lá pela segunda parte se torna meio repetitivo e pouco empolgante (até o gore, que parecia parte de uma construção eficaz de tensão e clímax, soa só exibicionista). Poderia ser melhor, mas ainda há muito de bom pra se destacar daqui.
In Search of Tomorrow
3.9 9Há algo de muito empolgante nessa emoção e dedicação com a qual esse material é coletado e organizado a ponto de fazer mais de cinco horas de documentário tradicional, com pequenos clipes, fotos e entrevistas exclusivas (o que eu mais gosto é como passeia por produções mais conhecidas até as mais conhecidas e malhadas, e abre espaço para profissionais que vão dos cineastas aos atores sob as próteses, para ampliar mais o painel), soarem fluídas mesmo para quem, como eu, nunca foi tão fã de ficções científicas de forma geral quanto de terror, por exemplo, e entregar algo que não deve aos capítulos do In Search of Darkness.
X: A Marca da Morte
3.4 1,2K Assista AgoraÉ um filme da A24 com a alma de um filme da Blumhouse, e digo isso da forma mais elogiosa. Chega a ser revigorante como X abre mão de uma pegada mais elevada e meditativa de horror atual para oferecer um negócio muito mais direto, que faz referência aos clássicos e eventualmente brinca com algumas normas do slasher (isso é bem claro na maneira como a percepção sobre as personagens de Mia Goth e Jenna Ortega se invertem), às vezes de forma mais inventiva que o novo Pânico, por exemplo. Tudo bem que a homenagem soa limpinha demais para um filme que parte dessa premissa e com essas alusões, mas a forma direta e objetiva como apela às convenções do gênero é sempre empolgante.
O Palhaço Assassino
2.4 42Sei lá se esse filme já foi bom algum dia ou se fez algum sentido mesmo nesse cenário de slasher teen pós-Pânico, mas a verdade é que isso aqui era uma fita que mal saía do meu videocassete lá no início dos anos 2000. Revisto muito tempo depois, a historinha se arrasta em flashbacks repetitivos e um jogo de gato e rato pouco estimulante. As mortes e a estranha figura do palhaço, pontualmente, levantam um pouco as coisas, mas não é suficiente. Há um pouco de memória afetiva envolvida, mas, no geral, não tem muito o que se defender do resultado.
A Breve Noite das Bonecas de Vidro
3.8 33Não me surpreenderia saber que o Kubrick teria tomado esse giallo esquecido como uma das inspirações para a obra-prima De Olhos Bem Fechados, principalmente no que se refere à marcante atmosfera de thriller erótico conspiratório – os becos e ruelas europeus que o protagonista percorre em busca de sua namorada desaparecida aqui têm um pouco da onírica noite novaiorquina que Tom Cruise atravessa naquele filme. Adoro o ponto de partida e a resolução de tudo (o desfecho é de uma crueldade muito marcante), embora ali no meio haja uma trama policial um tanto perdida entre o comentário sociopolítico e o horror sobrenatural, que se sugere mais por conta da trilha de Ennio Morricone do que por qualquer outra sacada mais inspirada de roteiro ou direção.
A Maldição
3.1 62 Assista AgoraTem um clima muito bom mesmo, que remete à atmosfera clássica dos filmes de monstro antigos, além dos elementos mais tradicionais que devolvem essa ideia mais primitiva da história de lobisomem (a maldição, a floresta, a bala de prata), só que poderia se beneficiar caso fosse mais enxuto em sua duração e segurasse melhor os seus mistérios – não precisa de muito mais que mais hora aqui para que já tenha entregado todos os seus segredos, a ponto de seu desfecho, que se apresenta como uma epifania das cenas iniciais, seja só mais uma constatação do que já tínhamos sacado com alguma antecedência.
Onibaba: A Mulher Demônio
4.1 117Fábula de horror que se vale de elementos de cena muito básicos mesmo (três atores, duas malocas de palha, um terreno assombrado pelo farfalhar das plantas e pela armadilha em forma de buraco) para trazer algo de primitivo à sua narrativa, e que me parece mais como sintoma de ressaca pós tragédia da Segunda Guerra Mundial. Assim como viria a fazer em O Gato Preto, Kaneto Shindo, resgata o folclore oral e situa em um período de conflitos como uma parábola para seu tempo: aqui, a perda de humanidade que vem como consequência do combate irracional que arrasa territórios, famílias, indivíduos – uma mulher, em meio a isso e buscando sobreviver a todo custo, perdendo de vista quem é, e simbolicamente, tornando-se um demônio. Os minutos finais são difíceis de sair da memória.
A Noite Devorou o Mundo
3.2 363 Assista AgoraBelo estudo de personagem que funciona muito mais como uma espécie de drama silencioso e intimista do que propriamente como um filme de zumbis – não é à toa que parece ter muito mais tesão em criar essas cenas em que precisa traduzir no corpo do ator e em sua relação com o espaço os sentimentos daquele homem cuja solidão não é mais uma escolha, e sim uma imposição cruel, do que em desenvolver uma tensão mais direta a partir dos lugares comuns do terror de sobrevivência e apocalipse de mortos. Acredito que poderia fluir melhor esses dois gêneros do que acabou conseguindo ao todo, mas a forma como discretamente subverte as expectativas que criamos não deixa de ser bem interessante.
O Mensageiro da Morte
2.3 20 Assista AgoraTudo que envolve essa revisão e essa avaliação tem um inegável quê de afetivo, porque essa era uma daquelas fitas esquecidas da locadora que eu via direto lá no iniciozinho dos anos 2000 e agora pude reassistir numa cópia decente com a mesma dublagem pelo YouTube. Essa propaganda antimilitar que não é nada mais do que uma versão direto para vídeo de Maniac Cop é algo que eu só saco melhor agora com a idade e as referências, mas eu ainda me diverti com essa sátira meio absurda, que não tenta amarrar suas pontas para fazer qualquer sentido, e só está interessada em zoar o ufanismo americano, profanando essas imagens meio sagradas do imaginário patriótico de 4 de julho.
Shocker: 100.000 Volts de Terror
2.7 112Tentativa de deslanchar uma nova franquia de horror aos moldes de A Hora do Pesadelo que, embora tenha saído pela culatra, tem umas ideias muito fortes ali no meio. Talvez a pretensão tenha deixado a coisa toda meio caótica (parece jogar com vários conceitos propositalmente mal explicados, que soam como se fossem para ser desenvolvidos em sequências posteriores), e por isso soa como se alguns filmes diferentes tentassem se encontrar, num mesmo delírio pop de horror. Mesmo que muita coisa não se alinhe, ainda há muito o que curtir aqui, do ótimo vilão ao delirante clímax de perseguição pelos canais de TV – algo que resume bem o que é Shocker, essa salada imaginativa que, para o bem e para o mal, só poderia ter saído da cabeça de Wes Craven e possibilitada por esse momento louco da década de 80.
Encanto
3.8 805O fato de dispensar figuras fáceis, como a de um vilão, e entregar um acerto de contas em certa medida anticlimático, pela “simplicidade” de seu mistério, é até uma certa ousadia em se tratando de mais uma animação com o padrão visual e narrativo Disney. Isso puxa o filme um pouco para cima, considerando como essa escolha permite que desenvolva com mais cuidado os personagens (ou ao menos, sua protagonista), embora, de forma geral, não chegue a ser propriamente envolvente ou ter momentos muito inspirados, para além de uma sacada ou outra – mesmo os números musicais, que costumam ser um ponto forte, não saltam tanto os olhos aqui.
A Coisa
2.9 371Ponto de partida instigante em sua mistura irônica de terror espacial com comentário sociocultural sobre a geração do consumo dos anos 80 – para falar a verdade, curto tudo o que envolve o entrecho da família típica americana alucinada pela gosma viciante e o menino lutando contra o vício dos parentes que acaba eventualmente se perdendo quando o filme passa a se dedicar mais na investigação galhofeira do ex-agente e do exército, cujo humor não tem a mesma acidez e desenvoltura do primeiro ato, com suas sacadas contra mídia televisiva e publicidade.
Batman
4.0 1,9K Assista AgoraTudo o que se refere ao primeiro ato, eu diria que é irretocável – uma trama policial sórdida que vai gradativamente consumindo um homem-morcego meio anestesiado e alheio a tudo até obrigá-lo a tomar as rédeas, enquanto introduz sem muita pressa os personagens de sempre que o circulam, só que em novas possíveis dinâmicas –, mas o filme nem sempre consegue segurar as pontas pelo tanto de subtramas que correm em paralelo, e, ao tentar dar conta de todas em suas três horas, ocasionalmente perde o fôlego aqui ou ali (essa divisão de entrechos faz passar a sensação de que tem vários ‘falsos finais’, conforme vai dando uma resolução possível aos conflitos que estabelece). Dito isso, acho que essa é a melhor investida no personagem desde 2008, ou quiçá até mais, quando o filme respirar melhor fora do hype e crescer numa revisão, como parece ser sua tendência. Uma grande volta às raízes.
Batman: O Retorno
3.4 852 Assista AgoraRevendo hoje ainda fico muito impressionado que esse filme tenha sido produzido e distribuído como foi, trinta anos atrás: um pesadelo expressionista disfarçado de blockbuster familiar. Não há qualquer moralidade em Gotham City, a dinâmica aqui é ver qual dos três maníacos fantasiados, incluindo o heroico morcego, consegue disfarçar melhor suas intenções enquanto lida com seus traumas, ansiedades e, claro, taras sexuais – não consigo lembrar de outro filme de herói em que tanta piada de duplo sentido seja incluída não só em basicamente toda troca de diálogo, como na performance dos atores e nas escolhas visuais (o que só torna ainda mais divertido imaginar o McDonald’s desfazendo sua publicidade infantil para esse filme quando viu o resultado). Danny DeVito e, especialmente, Michelle Pfeiffer destroem. De tudo que foi feito do Batman nas telonas, esse aqui deve ser o que eu mais gosto.
Batman: O Cavaleiro das Trevas
4.5 3,8K Assista AgoraFazia mais ou menos uma década que eu não revia esse filme, e não mudou tanto as impressões que eu sempre tive sobre ele: o que injeta vida a essa trama de burocratas é a figura desnorteadora desse palhaço do mal que sempre dá um chacoalhão em tudo quando irrompe na tela em alguma aparição, por menor que seja; e talvez a falta de passado, presente e futuro do personagem seja a escolha mais certeira que Nolan fez a frente dos filmes do homem-morcego, junto com a escalação. Tudo o que envolve a dualidade entre os cavaleiros, Bruce e Harvey/Batman e Duas-Caras, acaba invariavelmente encolhendo, tendo papel coadjuvante – e a escalada do último vilão, no terceiro ato, inclusive soa apressada demais. Mesmo tendo minhas ressalvas, ainda acho que é, sem muita comparação, a melhor contribuição do diretor à jornada do morcegão nas telonas.