Revisto em preparação pro filme novo. Talvez esse aqui tenha saído quente demais do forno e tenha faltado mais tempo para aparar as arestas que tornam sua trama menos redonda que a do primeiro filme, mas a forma como essa sequência articula e expande os conceitos do anterior – não somente os comentários metalinguísticos acerca dos filmes de terror, mas, para além disso, uma observação sobre os reflexos da banalização da violência – é bem sagaz. O que eu mais gosto é como consegue conciliar esse humor de zombaria com um clima policialesco sem que um sabote o outro, como eventualmente acontece no terceiro filme, como se captasse esse cinismo geracional daquela década, mas sem perder de vista a imersão da experiência de ver um bom filme de terror.
Adoro como os finais felizes se desenham com tanta simplicidade nos contos morais de Frank Capra, em que pequenas boas ações iluminam não apenas os personagens e as relações que estabelecem entre si, como todo o mundo que os rodeia; e tô falando isso sem qualquer cinismo. Há tanto carinho por aqueles tipos excêntricos e tanta torcida para que eles se entendam, deem certo e sejam felizes que até nos desarma um pouco quando essas resoluções acontecem de um jeito meio fácil ou às vezes abrupto. Fica mais envolvente pelo conflito entre os dois homens do que propriamente pelo casal central, mas é, no geral, mais um feel good movie adorável do mestre.
Dá pra assistir numa boa porque tem um ritmo bem dinâmico e um jogo de referências que, se for fã de terror, vai gostar de ficar catando, mas, sei lá, achei bem esquecível. E o pior é isso, porque dá pra sentir que ele quer ser mais esperto e até um tantinho original nessa brincadeira, mas nunca arrisca tanto e fica ali sempre no campo do genérico. Funciona mais pelo humor referencial do que pelo gore em si, porque toda gravidade daquela situação do protagonista se esvazia com uma gag ou uma piadinha; às vezes legal, às vezes bem fora de hora.
O filme trending cujas reações exacerbadas – tanto de quem o defende quanto de quem o detona – estão mais divertidas de acompanhar do que o próprio filme. Dito isso, a maneira como os personagens assumem esses tipos muito reconhecíveis da atual conjuntura das coisas, seja nos EUA do governo Trump ou no Brasil dos anos Bolsonaro, funcionou bem demais comigo; acho até que o humor é mais afiado quanto parte dessas caricaturas imediatas (e o elenco está quase todo muito à vontade nessa brincadeira) do que dos jogos de edição que tiram onda com as representações sociais na era digital hiperconectada. Tivesse tirado mais ou menos uma meia hora de gordura ali, o saldo seria melhor.
Obs.: vi num tweet que um bolsonarista teria entendido que esse filme é, na verdade, sobre o regresso de Jesus Cristo ao mundo. Adorei.
É quase desconcertante assistir, hoje, a um filme como Harvey, que protesta pela gentileza com uma devoção quase infantil; parece fazer parte de um grupo de feel good movies que parecem um tanto deslocados no tempo, mas talvez por isso, soem quase como um oásis em meio a um estado de coisas tão cínico, no cinema e no mundo. Difícil tirar o sorriso bobo no rosto durante toda a projeção e o quentinho no coração que permanece depois. James Stewart em um de seus momentos mais adoráveis, sem dúvida alguma.
A escolha pra filme natalino esse ano foi essa adorável comédia romântica que, com sua premissa de troca de correspondências e seu econômico cenário de lojinha, onde basicamente toda a ação transcorre, nos permite afeiçoar com os personagens, participar dessa dinâmica de relações e compreender o que os move para além das primeiras impressões – o que é basicamente seria só a tônica do romance em que um se apaixona pelo outro sem saber sua identidade, mas aqui, se estende para os trabalhadores do lugar, que deixam de se entender só como colegas e passam a se ver como uma espécie de família.
Cada enquadramento desse filme poderia ser emoldurado e pendurado – uma encenação mergulhada em um jogo de sombras que não somente evoca a corrupção moral desse conto de horrores, mas concebe espetáculos visuais dos mais penetrantes. Uma tragédia em que os demônios são aquilo o que feito dos homens depois que eles são destituídos de qualquer sentimento e qualquer ilusão, e, sem resquício de humanidade, só lhes resta o nada – e, como filosofa um dos personagens, eles passam a ter tudo. Imagens difíceis de tirar da cabeça.
Parece ter sido feito na esteira de Corra!, no sentido de encenar um mal-estar social usando as convenções do filme de terror num discurso progressista, não à toa o início aqui remete muito ao debut de Jordan Peele, mas fica só aí mesmo, porque esse Retreat não faz muito ideia de como usar dessas convenções – tem muita dificuldade em criar tensão e, até uma boa parte de sua pequena duração, não parece muito saber pra onde ir ou o que fazer de seus personagens – e tampouco de como articular seus comentários a essa proposta. Ficou só na intenção mesmo.
Caixões, gatos pretos, almas penadas, cemitérios… todo um imaginário popular de terror numa só figura, profana e questionadora, que provoca os medos, os credos e as aflições de uma massa majoritariamente cristã e temente. É um filme que, a despeito de suas limitações, é certeiro na forma como cutuca o moralismo e os pânicos da população média, sem perder de vista as fórmulas do terror, que Mojica viria a explorar até mais intensamente em trabalhos posteriores.
Tem a malícia, o charme e o fatalismo dos grandes filmes noir de seu tempo, além de um estudo de personagem dos mais pungentes. O tipo vivido de forma brilhante por Tyrone Power é produto dos efeitos da Grande Depressão sobre a classe mais humilde; um sujeito cujo destino está traçado nas cartas, não necessariamente pelas escolhas que fez, mas por ser quem é, e por ter vindo de onde veio. Mesmo previsível, o final não deixa de ser desolador.
É o filme mais divertido de Rodrigo Aragão dentre os que eu vi até então; ainda acho que os problemas de outros trabalhos estão por aqui – é demasiadamente longo e bastante disperso em sua narrativa –, mas o prazer com que mistura referências e brinca com as próprias possibilidades (especialmente da metade pro final, quando dispiroca de uma vez) é bem contagiante.
Terror tailandês com ecos do coreano O Lamento, na maneira como elabora um conto de assombração a partir do folclore religioso local e captura os elementos do cenário natural de uma maneira sempre opressiva e cheia de significados – pela explicação dada no filme, há espíritos por trás de todas as coisas, mesmo as imateriais. É muito competente em criar uma atmosfera e apresentar os elementos de seu mistério na primeira metade, mas, quando acontece uma mudança de chave no segundo tempo, e o filme se torna mais explícito, fica também redundante e perde um pouco desse intrigante misticismo. O desfecho, com uma desgraceira digna de um Hereditário, apesar de tudo, tem seu valor.
É um coito interrompido, basicamente: não há qualquer clímax ou recompensa para toda a boa preparação de terreno da primeira parte. Evita sujar as mãos de sangue mesmo nos momentos mais cruciais e parece sempre mais interessado nessa estampa de “terror elevado”, embora fique a um passo de virar uma paródia dos filmes de terror cheios de pose da A24 – até mesmo nesses, é possível ver que chega uma hora em que a pompa é deixada um pouco de lado para o filme finalmente meter o louco e explorar suas potências.
Desconstrução de gêneros e de identidades sem qualquer demagogia em um filme que faz da inadequação e da fragilidade dos corpos e das noções dos papeis masculino e feminino um elemento visual e visceral – o corpo que é tortuosamente prensado, quebrado, rasgado e contorcido para se encaixar em lugares ou ideias. É uma fantasia de horror exagerada que surpreende, também, pela forma como se revela, aos poucos, um filme bastante afetivo; um pouco sobre romper o invólucro de metal e descobrir algo pulsante por baixo, enquanto tenta se encontrar no mundo e se fazer perceber pelo outro. Descobrir-se humano, enfim.
Queria ter gostado mais do que gostei, na verdade. É um daqueles filmes de terror psicológicos fervido em fogo baixo, que vai preparando o terreno aos poucos, bastante amparado pela performance de Rebecca Hall, e, nesse sentido, é até bem eficaz na primeira metade, em que carrega nas tintas dramáticas e entrega poucas peças do mistério, mas conforme vai revelando seus segredos, perde gradativamente a sua força - ao final, lança umas reflexões sobre o luto, suicídio e depressão, mas sem o impacto almejado.
É tão frustrante que seja um filme que parta de um conceito interessante e bastante possibilitador e a execução fique sempre aquém dessa premissa, não necessariamente pelos limitados valores de produção, mas, sim, pelas escolhas da narrativa, que aposta numa insistente narração em off e um didatismo que dilui todo o mistério e puxa o saldo muito para baixo. Uma pena.
Revisto pela enésima vez. O tradicional pega-pega dos filmes de terror que assume autoconsciência em um jogo metalinguístico que, para além do repertório de referências e da abordagem satírica que tornou essa série de filmes conhecida e influente, reflete muito sobre a maneira como enxergamos a violência como entretenimento. Acho que Pânico meio que registra, sem moralismos, essa anestesia à violência explícita de toda uma geração já versada por filmes de horror, reportagens sangrentas e coberturas sensacionalistas, e usa dessa noção cínica das regras instituídas pela mídia – algo que seria expandido pelas suas sequências, embora o original permaneça o mais afiado nesse ponto –, na forma de trazê-las para o delicioso jogo de sobrevivência de personagens calejados por narrativas de crime, mistério e sangue.
Quase três horas de um grandessíssimo prólogo que busca fazer a devida apresentação dos conceitos que formam àquele universo - o que eu acredito que deva ter dialogado bem com fãs detalhistas do livro - em um espetáculo de sons e imagens que até justifica a conferida em tela grande apesar de não tem o apelo emocional necessário para realmente envolver nessa mitologia, como parece aspirar. O elenco está bem e há um par de cenas muito bem executadas, embora não cheguem a compor um todo realmente orgânico, ou que realmente apele a um interesse de ver quais são as repercussões dos eventos nos destinos dos personagens ou na manutenção daquele(s) mundo(s). De forma geral, não me pegou.
Talvez haja uma dramaturgia mais consistente numa simulação do Linha Direta do que esse experimento aqui, de dois filmes que mais se anulam do que propõem uma contradição interessante de ficções, como parecia ser a intenção. Não está interessado em explorar contextos, relações entre os personagens, causas e consequências para jogar luz sobre as versões, ao invés disso foca apenas no maniqueísmo dos relatos (ou um é extremamente perverso ou o outro; e não há muitos elementos explorados para oferecer um olhar complementar aos depoimentos), o que resulta num produto sempre óbvio, em busca de efeitos idem.
É a subversão do tradicional documentário biográfico com a mesma ousadia que o diretor já havia girado ao contrário o gênero das biopics musicais em filmes como Velvet Goldmine e Não Estou Lá, que, a seu modo, são ficções imaginativas das vidas de artistas singulares como David Bowie e Bob Dylan, respectivamente. Aqui há um caleidoscópio que sobrepõe vozes narrativas, sons e imagens de arquivo, inspirado no cinema vanguardista da época, para remontar não necessariamente a trajetória da banda-título, mas de todo um período de efervescência artística na Nova York dos anos 60 – especialmente na brilhante primeira parte. A história do grupo musical, aqui, como de fato aconteceu, acaba se misturando ao próprio cenário da época, contestando velhas concepções e abrindo caminho para experimentações de toda natureza, cujos resultados estéticos inspiram até hoje. Hipnotizante.
Engraçado como esse filme meio que estoura vários fogos de artifício, para criar uma ilusão de que está acontecendo muita coisa ao mesmo tempo e que a história está realmente caminhando, quando, na verdade, não há um grande ponto de virada no enredo a não ser o que rola nos minutos finais mesmo – nesse ponto se parece muito com Halloween II, de 1981, que basicamente revolvia em Laurie passiva num quarto de hospital enquanto Michael fazia a festa do lado de fora. Acho que tem algumas ideias realmente muito boas mesmo, principalmente quando tenta incorporar a comunidade à concepção desse mal e conferir a ela a gerência para exterminá-lo, mas acaba no geral sendo óbvio demais no discurso, mais didático do que o necessário, para se mostrar relevante no atual clima político americano. A sequência da retirada da máscara, porém, é toda muito incrível.
Mesmo que parta de conceitos derivados de A Hora do Pesadelo, em especial o terceiro capítulo da franquia (homem carbonizado que parece atacar as vítimas em estado de inconsciência; aqui, numa clínica psiquiátrica), e seu material promocional aponte o contrário, esse filme surpreendentemente tem uma vida própria, parece interessado em construir uma mitologia e investir mais na tensão que no gore, como se espera da média dos slashers oitentistas – ao menos consegue entregar sequências fortes sem perder uma curiosa ambiguidade sobre seu mistério. Grata surpresa.
Um pouco mais de concisão faria um bem danado a esse filme – demora uma vida para preparar o terreno e introduzir os personagens e suas relações, naquela pegada episódica de produto feito para a TV, estabelecendo alguns padrões para boa parte das minisséries dos anos 80 e 90 baseadas em Stephen King. Tem muito de bom para se apontar aqui, em especial esse clima soturno que Tobe Hooper mantém com decência, mas não a colocaria entre as adaptações mais interessantes do autor.
Esse humor feito principalmente a partir de choques culturais entre os americanos e os londrinos e a própria visão do lobisomem que resolve a partir de uma mistura que associa essas duas perspectivas funciona melhor comigo hoje do que quando o vi pela primeira vez; talvez porque, naquela época, o status de clássico do horror particularmente pesasse muito sobre um filme que era mais cômico do que eu esperava. Ainda não fiz as pazes totalmente com o contorno dramático que o arco do protagonista ganha, mas é um filme cresceu para mim nesse intervalo de tempo. O que se mantém desde a primeira sessão até essa última é, claro, o êxtase diante dos efeitos práticos, poderosos mesmo 40 anos depois.
Pânico 2
3.2 819 Assista AgoraRevisto em preparação pro filme novo. Talvez esse aqui tenha saído quente demais do forno e tenha faltado mais tempo para aparar as arestas que tornam sua trama menos redonda que a do primeiro filme, mas a forma como essa sequência articula e expande os conceitos do anterior – não somente os comentários metalinguísticos acerca dos filmes de terror, mas, para além disso, uma observação sobre os reflexos da banalização da violência – é bem sagaz. O que eu mais gosto é como consegue conciliar esse humor de zombaria com um clima policialesco sem que um sabote o outro, como eventualmente acontece no terceiro filme, como se captasse esse cinismo geracional daquela década, mas sem perder de vista a imersão da experiência de ver um bom filme de terror.
Do Mundo Nada Se Leva
4.2 111 Assista AgoraAdoro como os finais felizes se desenham com tanta simplicidade nos contos morais de Frank Capra, em que pequenas boas ações iluminam não apenas os personagens e as relações que estabelecem entre si, como todo o mundo que os rodeia; e tô falando isso sem qualquer cinismo. Há tanto carinho por aqueles tipos excêntricos e tanta torcida para que eles se entendam, deem certo e sejam felizes que até nos desarma um pouco quando essas resoluções acontecem de um jeito meio fácil ou às vezes abrupto. Fica mais envolvente pelo conflito entre os dois homens do que propriamente pelo casal central, mas é, no geral, mais um feel good movie adorável do mestre.
Inferno Sangrento
3.3 116 Assista AgoraDá pra assistir numa boa porque tem um ritmo bem dinâmico e um jogo de referências que, se for fã de terror, vai gostar de ficar catando, mas, sei lá, achei bem esquecível. E o pior é isso, porque dá pra sentir que ele quer ser mais esperto e até um tantinho original nessa brincadeira, mas nunca arrisca tanto e fica ali sempre no campo do genérico. Funciona mais pelo humor referencial do que pelo gore em si, porque toda gravidade daquela situação do protagonista se esvazia com uma gag ou uma piadinha; às vezes legal, às vezes bem fora de hora.
Não Olhe para Cima
3.7 1,9K Assista AgoraO filme trending cujas reações exacerbadas – tanto de quem o defende quanto de quem o detona – estão mais divertidas de acompanhar do que o próprio filme. Dito isso, a maneira como os personagens assumem esses tipos muito reconhecíveis da atual conjuntura das coisas, seja nos EUA do governo Trump ou no Brasil dos anos Bolsonaro, funcionou bem demais comigo; acho até que o humor é mais afiado quanto parte dessas caricaturas imediatas (e o elenco está quase todo muito à vontade nessa brincadeira) do que dos jogos de edição que tiram onda com as representações sociais na era digital hiperconectada. Tivesse tirado mais ou menos uma meia hora de gordura ali, o saldo seria melhor.
Obs.: vi num tweet que um bolsonarista teria entendido que esse filme é, na verdade, sobre o regresso de Jesus Cristo ao mundo. Adorei.
Meu Amigo Harvey
4.2 131 Assista AgoraÉ quase desconcertante assistir, hoje, a um filme como Harvey, que protesta pela gentileza com uma devoção quase infantil; parece fazer parte de um grupo de feel good movies que parecem um tanto deslocados no tempo, mas talvez por isso, soem quase como um oásis em meio a um estado de coisas tão cínico, no cinema e no mundo. Difícil tirar o sorriso bobo no rosto durante toda a projeção e o quentinho no coração que permanece depois. James Stewart em um de seus momentos mais adoráveis, sem dúvida alguma.
A Loja da Esquina
4.2 70A escolha pra filme natalino esse ano foi essa adorável comédia romântica que, com sua premissa de troca de correspondências e seu econômico cenário de lojinha, onde basicamente toda a ação transcorre, nos permite afeiçoar com os personagens, participar dessa dinâmica de relações e compreender o que os move para além das primeiras impressões – o que é basicamente seria só a tônica do romance em que um se apaixona pelo outro sem saber sua identidade, mas aqui, se estende para os trabalhadores do lugar, que deixam de se entender só como colegas e passam a se ver como uma espécie de família.
Shura
4.2 10Cada enquadramento desse filme poderia ser emoldurado e pendurado – uma encenação mergulhada em um jogo de sombras que não somente evoca a corrupção moral desse conto de horrores, mas concebe espetáculos visuais dos mais penetrantes. Uma tragédia em que os demônios são aquilo o que feito dos homens depois que eles são destituídos de qualquer sentimento e qualquer ilusão, e, sem resquício de humanidade, só lhes resta o nada – e, como filosofa um dos personagens, eles passam a ter tudo. Imagens difíceis de tirar da cabeça.
The Retreat
2.7 24 Assista AgoraParece ter sido feito na esteira de Corra!, no sentido de encenar um mal-estar social usando as convenções do filme de terror num discurso progressista, não à toa o início aqui remete muito ao debut de Jordan Peele, mas fica só aí mesmo, porque esse Retreat não faz muito ideia de como usar dessas convenções – tem muita dificuldade em criar tensão e, até uma boa parte de sua pequena duração, não parece muito saber pra onde ir ou o que fazer de seus personagens – e tampouco de como articular seus comentários a essa proposta. Ficou só na intenção mesmo.
À Meia-Noite Levarei Sua Alma
3.9 288 Assista AgoraCaixões, gatos pretos, almas penadas, cemitérios… todo um imaginário popular de terror numa só figura, profana e questionadora, que provoca os medos, os credos e as aflições de uma massa majoritariamente cristã e temente. É um filme que, a despeito de suas limitações, é certeiro na forma como cutuca o moralismo e os pânicos da população média, sem perder de vista as fórmulas do terror, que Mojica viria a explorar até mais intensamente em trabalhos posteriores.
O Beco das Almas Perdidas
4.0 33 Assista AgoraTem a malícia, o charme e o fatalismo dos grandes filmes noir de seu tempo, além de um estudo de personagem dos mais pungentes. O tipo vivido de forma brilhante por Tyrone Power é produto dos efeitos da Grande Depressão sobre a classe mais humilde; um sujeito cujo destino está traçado nas cartas, não necessariamente pelas escolhas que fez, mas por ser quem é, e por ter vindo de onde veio. Mesmo previsível, o final não deixa de ser desolador.
A Noite do Chupacabras
3.4 284 Assista AgoraÉ o filme mais divertido de Rodrigo Aragão dentre os que eu vi até então; ainda acho que os problemas de outros trabalhos estão por aqui – é demasiadamente longo e bastante disperso em sua narrativa –, mas o prazer com que mistura referências e brinca com as próprias possibilidades (especialmente da metade pro final, quando dispiroca de uma vez) é bem contagiante.
A Médium
3.4 345 Assista AgoraTerror tailandês com ecos do coreano O Lamento, na maneira como elabora um conto de assombração a partir do folclore religioso local e captura os elementos do cenário natural de uma maneira sempre opressiva e cheia de significados – pela explicação dada no filme, há espíritos por trás de todas as coisas, mesmo as imateriais. É muito competente em criar uma atmosfera e apresentar os elementos de seu mistério na primeira metade, mas, quando acontece uma mudança de chave no segundo tempo, e o filme se torna mais explícito, fica também redundante e perde um pouco desse intrigante misticismo. O desfecho, com uma desgraceira digna de um Hereditário, apesar de tudo, tem seu valor.
Cordeiro
3.3 556 Assista AgoraÉ um coito interrompido, basicamente: não há qualquer clímax ou recompensa para toda a boa preparação de terreno da primeira parte. Evita sujar as mãos de sangue mesmo nos momentos mais cruciais e parece sempre mais interessado nessa estampa de “terror elevado”, embora fique a um passo de virar uma paródia dos filmes de terror cheios de pose da A24 – até mesmo nesses, é possível ver que chega uma hora em que a pompa é deixada um pouco de lado para o filme finalmente meter o louco e explorar suas potências.
Titane
3.5 392 Assista AgoraDesconstrução de gêneros e de identidades sem qualquer demagogia em um filme que faz da inadequação e da fragilidade dos corpos e das noções dos papeis masculino e feminino um elemento visual e visceral – o corpo que é tortuosamente prensado, quebrado, rasgado e contorcido para se encaixar em lugares ou ideias. É uma fantasia de horror exagerada que surpreende, também, pela forma como se revela, aos poucos, um filme bastante afetivo; um pouco sobre romper o invólucro de metal e descobrir algo pulsante por baixo, enquanto tenta se encontrar no mundo e se fazer perceber pelo outro. Descobrir-se humano, enfim.
A Casa Sombria
3.3 394 Assista AgoraQueria ter gostado mais do que gostei, na verdade. É um daqueles filmes de terror psicológicos fervido em fogo baixo, que vai preparando o terreno aos poucos, bastante amparado pela performance de Rebecca Hall, e, nesse sentido, é até bem eficaz na primeira metade, em que carrega nas tintas dramáticas e entrega poucas peças do mistério, mas conforme vai revelando seus segredos, perde gradativamente a sua força - ao final, lança umas reflexões sobre o luto, suicídio e depressão, mas sem o impacto almejado.
Devorador de Almas
2.0 7 Assista AgoraÉ tão frustrante que seja um filme que parta de um conceito interessante e bastante possibilitador e a execução fique sempre aquém dessa premissa, não necessariamente pelos limitados valores de produção, mas, sim, pelas escolhas da narrativa, que aposta numa insistente narração em off e um didatismo que dilui todo o mistério e puxa o saldo muito para baixo. Uma pena.
Pânico
3.6 1,6K Assista AgoraRevisto pela enésima vez. O tradicional pega-pega dos filmes de terror que assume autoconsciência em um jogo metalinguístico que, para além do repertório de referências e da abordagem satírica que tornou essa série de filmes conhecida e influente, reflete muito sobre a maneira como enxergamos a violência como entretenimento. Acho que Pânico meio que registra, sem moralismos, essa anestesia à violência explícita de toda uma geração já versada por filmes de horror, reportagens sangrentas e coberturas sensacionalistas, e usa dessa noção cínica das regras instituídas pela mídia – algo que seria expandido pelas suas sequências, embora o original permaneça o mais afiado nesse ponto –, na forma de trazê-las para o delicioso jogo de sobrevivência de personagens calejados por narrativas de crime, mistério e sangue.
Duna: Parte 1
3.8 1,6K Assista AgoraQuase três horas de um grandessíssimo prólogo que busca fazer a devida apresentação dos conceitos que formam àquele universo - o que eu acredito que deva ter dialogado bem com fãs detalhistas do livro - em um espetáculo de sons e imagens que até justifica a conferida em tela grande apesar de não tem o apelo emocional necessário para realmente envolver nessa mitologia, como parece aspirar. O elenco está bem e há um par de cenas muito bem executadas, embora não cheguem a compor um todo realmente orgânico, ou que realmente apele a um interesse de ver quais são as repercussões dos eventos nos destinos dos personagens ou na manutenção daquele(s) mundo(s). De forma geral, não me pegou.
A Menina que Matou os Pais
3.1 680 Assista AgoraTalvez haja uma dramaturgia mais consistente numa simulação do Linha Direta do que esse experimento aqui, de dois filmes que mais se anulam do que propõem uma contradição interessante de ficções, como parecia ser a intenção. Não está interessado em explorar contextos, relações entre os personagens, causas e consequências para jogar luz sobre as versões, ao invés disso foca apenas no maniqueísmo dos relatos (ou um é extremamente perverso ou o outro; e não há muitos elementos explorados para oferecer um olhar complementar aos depoimentos), o que resulta num produto sempre óbvio, em busca de efeitos idem.
The Velvet Underground
4.0 15 Assista AgoraÉ a subversão do tradicional documentário biográfico com a mesma ousadia que o diretor já havia girado ao contrário o gênero das biopics musicais em filmes como Velvet Goldmine e Não Estou Lá, que, a seu modo, são ficções imaginativas das vidas de artistas singulares como David Bowie e Bob Dylan, respectivamente. Aqui há um caleidoscópio que sobrepõe vozes narrativas, sons e imagens de arquivo, inspirado no cinema vanguardista da época, para remontar não necessariamente a trajetória da banda-título, mas de todo um período de efervescência artística na Nova York dos anos 60 – especialmente na brilhante primeira parte. A história do grupo musical, aqui, como de fato aconteceu, acaba se misturando ao próprio cenário da época, contestando velhas concepções e abrindo caminho para experimentações de toda natureza, cujos resultados estéticos inspiram até hoje. Hipnotizante.
Halloween Kills: O Terror Continua
3.0 684 Assista AgoraEngraçado como esse filme meio que estoura vários fogos de artifício, para criar uma ilusão de que está acontecendo muita coisa ao mesmo tempo e que a história está realmente caminhando, quando, na verdade, não há um grande ponto de virada no enredo a não ser o que rola nos minutos finais mesmo – nesse ponto se parece muito com Halloween II, de 1981, que basicamente revolvia em Laurie passiva num quarto de hospital enquanto Michael fazia a festa do lado de fora. Acho que tem algumas ideias realmente muito boas mesmo, principalmente quando tenta incorporar a comunidade à concepção desse mal e conferir a ela a gerência para exterminá-lo, mas acaba no geral sendo óbvio demais no discurso, mais didático do que o necessário, para se mostrar relevante no atual clima político americano. A sequência da retirada da máscara, porém, é toda muito incrível.
Sonho Mortal
3.2 27 Assista AgoraMesmo que parta de conceitos derivados de A Hora do Pesadelo, em especial o terceiro capítulo da franquia (homem carbonizado que parece atacar as vítimas em estado de inconsciência; aqui, numa clínica psiquiátrica), e seu material promocional aponte o contrário, esse filme surpreendentemente tem uma vida própria, parece interessado em construir uma mitologia e investir mais na tensão que no gore, como se espera da média dos slashers oitentistas – ao menos consegue entregar sequências fortes sem perder uma curiosa ambiguidade sobre seu mistério. Grata surpresa.
Os Vampiros de Salem
3.3 78Um pouco mais de concisão faria um bem danado a esse filme – demora uma vida para preparar o terreno e introduzir os personagens e suas relações, naquela pegada episódica de produto feito para a TV, estabelecendo alguns padrões para boa parte das minisséries dos anos 80 e 90 baseadas em Stephen King. Tem muito de bom para se apontar aqui, em especial esse clima soturno que Tobe Hooper mantém com decência, mas não a colocaria entre as adaptações mais interessantes do autor.
Um Lobisomem Americano em Londres
3.7 612Esse humor feito principalmente a partir de choques culturais entre os americanos e os londrinos e a própria visão do lobisomem que resolve a partir de uma mistura que associa essas duas perspectivas funciona melhor comigo hoje do que quando o vi pela primeira vez; talvez porque, naquela época, o status de clássico do horror particularmente pesasse muito sobre um filme que era mais cômico do que eu esperava. Ainda não fiz as pazes totalmente com o contorno dramático que o arco do protagonista ganha, mas é um filme cresceu para mim nesse intervalo de tempo. O que se mantém desde a primeira sessão até essa última é, claro, o êxtase diante dos efeitos práticos, poderosos mesmo 40 anos depois.