Vale como exercício de estilo ao filtrar o subgênero slasher americano (e por extensão, o giallo italiano) pela lente do cinema brasileiro, e ser de certa forma ousado em tentar comentar alguma coisa ou outra sobre o regime militar e o sistema dentro de uma história de terror, mesmo que não consiga articular tão bem seu discurso. Mas, de forma geral, é um filme que, mesmo curto, demora para chegar no ponto e, no momento que chega, não faz muito mais do que repetir ideias, não só na dinâmica entre as vítimas presas naquela situação, como nas próprias aparições e ataques do assassino, tudo de forma bem genérica mesmo.
Gosto demais da escalada que esse filme faz, que mesmo que parta de algumas premissas que a gente já sabe mais ou menos onde vão parar (e o uso do foreshadowing nesse sentido é muito significativo), explora gradativamente o constrangimento que se instaura entre os convidados do jantar, e aos poucos um desconforto que vai desaguar em desespero total – algumas sequências como a do jogo em que eles revelam um desejo pessoal são bons exemplos disso. O terceiro ato, para o qual se preparou tanto, me parece muito corrido, e isso dilui um bocado do impacto que teria, caso fosse cuidadoso em construi-lo que como nos dois momentos anteriores, mas é um pequeno grande filme, no geral.
O maior elogio que eu poderia fazer a essa refilmagem do Spielberg é que me deixou muito instigado a rever e dar uma nova chance ao filme original de 1961, do qual eu nunca fui fã, para falar a verdade – esse novo olhar sobre o clássico musical da Broadway pode até não ter a inocência romântica que pretende (e o casal principal, sem muita liga, também não colabora tanto), mas tem a força e urgência implícita no discurso social, relevante pós-Era Trump e sua política do ‘muro’, além de entregar algumas das sequências mais lindas que o diretor filmou em muito tempo.
Nem sempre o diálogo entre os dois filmes que meio que correm em paralelo – o melodrama das mães e suas crias; e a história das esposas e órfãs que querem enterrar dignamente seus entes desaparecidos – funciona de forma tão harmônica em tela quanto poderia parecer no papel, e confesso que o primeiro deles, novelesco e exagerado, dramaticamente me interessa bem mais. Penélope Cruz está muito bem, e a sua personagem, que ata as pontas do folhetim com o comentário político numa trajetória de altos e baixos emocionais, é mais uma daquelas criações inspiradas entre musa e artista.
Os conflitos dramáticos dos personagens (a protagonista, em especial), que se valem das mais diversas teorias para dar conta da situação em que se encontram num plano mais existencial, me interessa muito mais do que o joguinho de quebra-cabeça que tenta montar com o público. Essa dinâmica que vai se alterando e, com isso, as tensões que vão escalando conforme eles mergulham mais fundo nos próprios dilemas sustentam o filme, que teria potencial para ser melhor caso o elenco, como um todo, segurasse bem essa escalada e a direção, que me parece bem contida, embarcasse junto.
Essa mágica da dinâmica amorosa é uma coisa que Paul Thomas Anderson sempre conseguiu capturar com maestria, seja pela lente da ansiedade, em Embriagado de Amor, ou mesmo pela obsessão, como é o caso de Trama Fantasma, e nesse aqui não é muito diferente – os jogos de poder entre o casal de jovens são o que há de melhor nesse olhar cômico sobre o primeiro amor, embora a fileira de personagens excêntricos e as respectivas esquetes que atravessam a trama eventualmente quebrem um pouco o balanço do filme, a meu ver. Dito isso, quero muito ver mais do filho do Philip Seymour Hoffman pela frente, o menino é uma promessa.
Fiquei com vergonha na cena que a Sally pede ao Leatherface para dizer o nome dela, reconhecendo-a como vítima/sobrevivente, mas ele nem se lembra dela: entre todos os erros de concepção desse filme, acredito que o maior de todos é tentar ser o Halloween de 2018, na maior cara de pau; não só tentar dar conta do estresse pós-traumático das final girls, mas fazer sua mitologia, de algum modo, gravitar em torno desse e de “temas maiores” (Gentrificação! Controle de armas!). Poderia ser um daqueles que dá a volta e acaba sendo um “tão ruim que é bom”, mas acaba ficando só na ruindade mesmo.
Acho que não foge muito da estrutura de matéria estendida do Fantástico – apesar do dinamismo da edição, que simula a rotação de aplicativos de celular, é bem básico em como conduz a narrativa –, e é uma história que é ainda mais interessante pelo que está em segundo plano (a dinâmica das relações na era dos apps de encontro, o culto à imagem em mídias sociais, a culpabilização das vítimas) do que pelo modus operandi do estelionatário, embora isso não diminua o peso de toda a situação para aquelas mulheres, e o quão revoltante é ter noção de que ela não só não acabou, como, a julgar pelo desfecho e pelas últimas notícias, talvez tenha até se reposicionado.
Terror corporal servindo como um divã de psicanalista para expurgar traumas familiares que, literalmente, são transformados em cancros nefastos e bolhas de sangue, e passados de pais para filhos. Cronenberg resolve os entreveros de uma família disfuncional (e por extensão, da sua própria, a julgar pelo seu tumultuado divórcio e batalha de custódia à época) com a crueza e a intensidade de quem corta da própria carne e expõe as suas vísceras – o clímax desse filme, em sua catarse que envolve fluídos e placenta, é uma coisa totalmente insana. Em suma, é como assistir a versão atroz de Kramer vs. Kramer.
É uma comédia de farsas não apenas nas ações e na postura dos personagens diante delas – mesmo as sequências mais tensas, como a da ameaça de estupro, são desarmadas por um gracejo ou outro, geralmente a partir de um joguinho de expectativas –, mas na própria estrutura do filme, que vai se sobrepondo, se desmentindo, e é até divertida de acompanhar, em certa medida. Acredito que as duas horas de duração esgarçam um pouco a piada geral e não tem fôlego o suficiente para sustentar tantas e tantas viradas, que eventualmente acabam se anulando.
Talvez eu não tenha conseguido abrir mão do original, que ainda estava fresco na cabeça, ao assistir esse filme novo do Del Toro, que me pareceu até ousado em certa medida, na forma como lida com a zona cinzenta dos personagens, quando no geral seus trabalhos costumam investir mais no maniqueísmo mesmo. Como não poderia deixar de ser, em se tratando do diretor, é um deslumbre aos olhos, mas aqui esse gozo pelo visual custa um pouco ao filme – o longuíssimo primeiro ato no circo serve mais pra Del Toro refestelar em cenografia e design do que no contar da história em si –, que custa a engrenar e soa meio truncado o tempo todo; um problema de ritmo que a versão de 1947, mais dinâmica, conseguia escapar sem esforço.
Remete a uma novela do Gilberto Braga em seus melhores momentos, principalmente quando estabelece, na primeira parte, a dinâmica de uma relação baseada no alpinismo social (a personagem da Lady Gaga passa uma vibe meio Maria de Fátima querendo penetrar na família Roitman), mas nunca se assume no geral como uma opereta mesmo. É um filme que poderia render mais caso fosse mais enxuto e admitisse de uma vez sua cafonice; a impressão que dá é que os atores, em sua maioria, estão atuando em filmes diferentes – alguns mais num registro de sátira, outros mais contidos, e... Jared Leto... –, e esses filmes não necessariamente casam com a visão meio classuda que o diretor busca imprimir. Uma bagunça.
É quase uma versão de terror de Projeto Florida – aqui e lá, crianças que constroem juntas um universo de fantasia à parte do mundo dos adultos que as ajuda a compreender melhor a realidade em que vivem; ou pelo menos sobreviver a ela. Gosto como é um filme entregue ao olhar dos pequenos (os adultos são quase sempre filmados de longe, ou da cintura; e só existem em cena quando relacionados a alguma criança), o que faz as manifestações de poder surgirem e escalarem de uma forma quase natural, já que filtradas por uma perspectiva inocente, sem cinismos. Seria mais forte caso entregasse um clímax à altura da construção de expectativas dos minutos anteriores; ainda assim, uma bela surpresa, principalmente levando em conta ter sido um filme para o qual, à primeira vista, eu havia torcido o nariz.
É meio que a versão coreana do que por aqui seria um filme sobre a Loira do Banheiro. Eu até gosto da ideia de se apropriar de uma simples história de assombração em uma escola para tratar, num panorama mais geral, sobre a crueldade de todo um sistema educacional, e esse terrores (a presença de um fantasma e os abusos físicos e morais dos professores) se misturarem ao longo da narrativa, mas, apesar de algumas boas sacadas, é um filme muito enrolado, que monta um mosaico de personagens e transita por tramas paralelas que não se revolvem direito. O maior problema, no entanto, é a dificuldade que tem em construir cenas de terror, preparar o terreno de uma forma que vá além de apenas aumentar a trilha incidental – em seus piores momentos, remete a dramatização de lenda urbana do Gugu.
Uma bela de uma surpresa esse exploitation esquecido dos anos 80, que pega muito mais por uma violência psicológica do que pelo gore imediato, apesar de ter lá sua boa parcela ao final. Dá para tirar muito desse conto de horror incestuoso entre "tia" e sobrinho, que soa como uma versão ainda mais pervertida de uma história de Nelson Rodrigues, atravessado por questões que vão da repressão sexual à intolerância - confesso que não esperava o olhar empático sobre personagens queer e o desprezo pela figura moralista. Tem lá seus problemas de estrutura, mas é um filme, de forma geral, que merecia ser mais conhecido do que é.
É um filme de fãs para fãs, em todos os sentidos: nem sempre conseguir emular o estilo dinâmico que Wes Craven imprimiu à franquia e, por causa disso, tem mais dificuldade de criar grandes set pieces, mas em compensação propõe uma revitalização muito apaixonada da série, partindo de uma reverência ao cânone para tentar construir algo novo, sob um outro olhar e alinhado a outro clima cultural - mesmo que tenha o tom cínico dos anteriores, diria que esse é mais sensível e mais grave, no geral. O novo Pânico entende bem como jogar com as expectativas e a nostalgia do público, e fazer desse que já nasceu sendo seu maior desafio (lidar com o peso do próprio legado ao estabelecer um diálogo entre gerações), talvez a sua maior arma. Saí contente do cinema.
É como uma piada que perde a graça quando explicada – parte de uma linha geral até interessante, mas vai se diluindo à medida que vai descortinando seu mistério. Esse filme está tão, mas tão apegado às surpresas de seu enredo que negligencia qualquer construção de seus personagens (o papel da Helen Hunt, que eu creio que tenha sido escalada como cortina de fumaça, é um vexame) e das relações que eles estabelecem entre si, e isso prejudica demais na hora das reviravoltas surtirem qualquer efeito além do ‘ah, então era isso’. A forma como vai transitando entre gêneros, e meio que brincando com essas expectativas é até legal, mas não vai muito além dessas boas sacadinhas pontuais.
Há uma zona de conforto na forma como a Lana Wachowski concebe essas ideias metalinguísticas e joga com a expectativa e a nostalgia do público aqui, especialmente na primeira parte, mas existe também, sob essa carcaça meio cínica, um sentimento muito genuíno que sempre foi a tônica de Matrix: uma história de amor que, ainda que absorvida por divagações filosóficas, ousados efeitos cgi e marcante design cyberpunk, não deixa de ser uma história de amor. A simplicidade da missão dessa vez (unir Neo a Trinity através da escolha de eles quererem, mais uma vez, ficar juntos) reafirma os ideais libertários e românticos que acabaram sendo cooptados em algum momento, mas sempre estiveram presentes na série; e é muito bonito ver essa trajetória que, lá em 1999, partiu de uma guerra, de uma cisão entre mundos e conceitos, eventualmente transformar-se, hoje, numa fusão possível entre corpos, máquinas, ideias. Até entendo quem teve as expectativas frustradas, porque soa como ponto fora da curva, mas talvez tenha sido o filme de Matrix que, depois do original, melhor tenha falado comigo.
Revisão. Os personagens dos filmes de Pânico, com raras exceções, sempre tiveram a apatia e a egolatria como características muito claras sob essa superfície de jovens cínicos que descontroem filmes de terror, e a maneira como isso sempre refletiu certas observações culturais é um dos êxitos da série como um todo. Mas acho que nenhum outro como Pânico 4 foi tão no limite das ideias para elaborar esses conceitos de culto à celebridade, alienação, efeitos do cinema na sociedade etc. – talvez por isso, a meu ver, tenha o Ghostface com a revelação e o motivo mais mórbidos entre todos. Nem sempre consegue equilibrar o arco dramático dos personagens da velha guarda com o desenvolvimento da nova molecada e isso custa um certo foco ao filme, mas a julgar como quarto capítulo de uma série que parecia já ter dito o suficiente, esse capítulo ainda tem muita coisa boa a oferecer.
Revisão. O tom satírico que sempre permeou a série de filmes, e é um dos motivos pelos quais ela é tão marcante, está bastante carregado nesse terceiro capítulo, quase descambando pra comédia vez ou outra, o que meio que faz o clima de thriller tão bem executado nos primeiros se diluir em uma trama quase cartunesca – e não me refiro necessariamente às revelações finais, que sempre tiveram esse componente caricatural à lá Scooby-Doo evidente, mas às incursões sobrenaturais, ao entrecho investigativo amador, à enxurrada de gags etc. É um filme que, sim, parte de boas ideias, que seguem às obsessões da série com mídia, cultura pop e entretenimento e até expandem sua mitologia, não só a reconhecendo como a testando (a exemplo da ótima cena em que Sidney revive a perseguição do primeiro filme numa cidade cenográfica), embora nem sempre consiga articulá-las de forma consistente.
Há um milhão de coisas acontecendo entre as trocas de olhares, os gestos comedidos e a posição dos corpos no espaço que eles dividem; um milhão de coisas não ditas senão pelas belas e fortes imagens que Jane Campion concebe para essa história de amores e desamores, que vai além das primeiras impressões que podem causar uma trama que envolve cowboys, mulheres desamparadas e cidadezinhas do oeste perdidas no tempo – é, na verdade, uma desconstrução desses mitos e um novo olhar sobre o gênero em si. O elenco está esplêndido, com destaque pra Benedict Cumberbatch, em seu melhor momento até aqui. Dos melhores de seu ano e não duvido que venha até a crescer numa futura revisão.
Confesso que nunca fui fã de Matrix e nem me propus enxergar muito para além da superfície desse filme até me propor a revê-lo agora, muitos e muitos anos depois de tê-lo alugado na locadora, e ter contato com um trabalho que concebe uma mitologia muito consistente, que se impõe além das teorias filosóficas; está nas referências visuais, no design e nos fetiches, na coreografia da ação e na execução do que passou a ser outra forma de encarar as ficções científicas pós-virada do milênio. E, visto hoje em retrospecto, não deixa de ser inspiradora a forma como as irmãs Wachowski, que, nesse intervalo, fizeram uma transição em suas identidades, usaram esse filme para advogar por um mundo mais liberto de amarras e de conceitos limitantes – para o corpo e a mente.
É incrível a forma como Jefferson Smith, aos poucos, vai baixando nossa guarda e, a despeito de um ufanismo que pode parecer deslocado se visto com os olhos de hoje, nos faz torcer por ele com a mesma inocência que os pequenos escoteiros que o admiram, pela paixão, garra e credulidade com que defende seus ideais e não permite que se corrompam ao jogo político. Lá por volta do discurso interminável, já estamos completamente tomados, e dá até pra perdoar algumas conveniências aqui e ali. James Stewart, como de costume, está excelente. É de se assistir com os olhos brilhando.
O que eu acho que mais funciona aqui é a atmosfera do filme pautada por uma opressão muito mais emocional que qualquer outra coisa; a ambientação na cidadezinha americana atravessada pela floresta imponente e cheia de mitos é interessante, mas o que fica mesmo é essa melancolia que carrega e como ela ajuda a fomentar a tensão. Acho que não aproveita esse potencial como deveria (a trama de abuso e trauma familiar, apesar dos bons atores envolvidos, é tratada de forma banal) e tem um clímax atropelado demais, mas é um terror decente.
Shock
3.1 14Vale como exercício de estilo ao filtrar o subgênero slasher americano (e por extensão, o giallo italiano) pela lente do cinema brasileiro, e ser de certa forma ousado em tentar comentar alguma coisa ou outra sobre o regime militar e o sistema dentro de uma história de terror, mesmo que não consiga articular tão bem seu discurso. Mas, de forma geral, é um filme que, mesmo curto, demora para chegar no ponto e, no momento que chega, não faz muito mais do que repetir ideias, não só na dinâmica entre as vítimas presas naquela situação, como nas próprias aparições e ataques do assassino, tudo de forma bem genérica mesmo.
O Convite
3.3 1,1KGosto demais da escalada que esse filme faz, que mesmo que parta de algumas premissas que a gente já sabe mais ou menos onde vão parar (e o uso do foreshadowing nesse sentido é muito significativo), explora gradativamente o constrangimento que se instaura entre os convidados do jantar, e aos poucos um desconforto que vai desaguar em desespero total – algumas sequências como a do jogo em que eles revelam um desejo pessoal são bons exemplos disso. O terceiro ato, para o qual se preparou tanto, me parece muito corrido, e isso dilui um bocado do impacto que teria, caso fosse cuidadoso em construi-lo que como nos dois momentos anteriores, mas é um pequeno grande filme, no geral.
Amor, Sublime Amor
3.4 355 Assista AgoraO maior elogio que eu poderia fazer a essa refilmagem do Spielberg é que me deixou muito instigado a rever e dar uma nova chance ao filme original de 1961, do qual eu nunca fui fã, para falar a verdade – esse novo olhar sobre o clássico musical da Broadway pode até não ter a inocência romântica que pretende (e o casal principal, sem muita liga, também não colabora tanto), mas tem a força e urgência implícita no discurso social, relevante pós-Era Trump e sua política do ‘muro’, além de entregar algumas das sequências mais lindas que o diretor filmou em muito tempo.
Mães Paralelas
3.7 411Nem sempre o diálogo entre os dois filmes que meio que correm em paralelo – o melodrama das mães e suas crias; e a história das esposas e órfãs que querem enterrar dignamente seus entes desaparecidos – funciona de forma tão harmônica em tela quanto poderia parecer no papel, e confesso que o primeiro deles, novelesco e exagerado, dramaticamente me interessa bem mais. Penélope Cruz está muito bem, e a sua personagem, que ata as pontas do folhetim com o comentário político numa trajetória de altos e baixos emocionais, é mais uma daquelas criações inspiradas entre musa e artista.
Coerência
4.0 1,3K Assista AgoraOs conflitos dramáticos dos personagens (a protagonista, em especial), que se valem das mais diversas teorias para dar conta da situação em que se encontram num plano mais existencial, me interessa muito mais do que o joguinho de quebra-cabeça que tenta montar com o público. Essa dinâmica que vai se alterando e, com isso, as tensões que vão escalando conforme eles mergulham mais fundo nos próprios dilemas sustentam o filme, que teria potencial para ser melhor caso o elenco, como um todo, segurasse bem essa escalada e a direção, que me parece bem contida, embarcasse junto.
Licorice Pizza
3.5 598Essa mágica da dinâmica amorosa é uma coisa que Paul Thomas Anderson sempre conseguiu capturar com maestria, seja pela lente da ansiedade, em Embriagado de Amor, ou mesmo pela obsessão, como é o caso de Trama Fantasma, e nesse aqui não é muito diferente – os jogos de poder entre o casal de jovens são o que há de melhor nesse olhar cômico sobre o primeiro amor, embora a fileira de personagens excêntricos e as respectivas esquetes que atravessam a trama eventualmente quebrem um pouco o balanço do filme, a meu ver. Dito isso, quero muito ver mais do filho do Philip Seymour Hoffman pela frente, o menino é uma promessa.
O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface
2.2 697 Assista AgoraFiquei com vergonha na cena que a Sally pede ao Leatherface para dizer o nome dela, reconhecendo-a como vítima/sobrevivente, mas ele nem se lembra dela: entre todos os erros de concepção desse filme, acredito que o maior de todos é tentar ser o Halloween de 2018, na maior cara de pau; não só tentar dar conta do estresse pós-traumático das final girls, mas fazer sua mitologia, de algum modo, gravitar em torno desse e de “temas maiores” (Gentrificação! Controle de armas!). Poderia ser um daqueles que dá a volta e acaba sendo um “tão ruim que é bom”, mas acaba ficando só na ruindade mesmo.
O Golpista do Tinder
3.5 418Acho que não foge muito da estrutura de matéria estendida do Fantástico – apesar do dinamismo da edição, que simula a rotação de aplicativos de celular, é bem básico em como conduz a narrativa –, e é uma história que é ainda mais interessante pelo que está em segundo plano (a dinâmica das relações na era dos apps de encontro, o culto à imagem em mídias sociais, a culpabilização das vítimas) do que pelo modus operandi do estelionatário, embora isso não diminua o peso de toda a situação para aquelas mulheres, e o quão revoltante é ter noção de que ela não só não acabou, como, a julgar pelo desfecho e pelas últimas notícias, talvez tenha até se reposicionado.
Os Filhos do Medo
3.7 151Terror corporal servindo como um divã de psicanalista para expurgar traumas familiares que, literalmente, são transformados em cancros nefastos e bolhas de sangue, e passados de pais para filhos. Cronenberg resolve os entreveros de uma família disfuncional (e por extensão, da sua própria, a julgar pelo seu tumultuado divórcio e batalha de custódia à época) com a crueza e a intensidade de quem corta da própria carne e expõe as suas vísceras – o clímax desse filme, em sua catarse que envolve fluídos e placenta, é uma coisa totalmente insana. Em suma, é como assistir a versão atroz de Kramer vs. Kramer.
The Trip
3.5 181 Assista AgoraÉ uma comédia de farsas não apenas nas ações e na postura dos personagens diante delas – mesmo as sequências mais tensas, como a da ameaça de estupro, são desarmadas por um gracejo ou outro, geralmente a partir de um joguinho de expectativas –, mas na própria estrutura do filme, que vai se sobrepondo, se desmentindo, e é até divertida de acompanhar, em certa medida. Acredito que as duas horas de duração esgarçam um pouco a piada geral e não tem fôlego o suficiente para sustentar tantas e tantas viradas, que eventualmente acabam se anulando.
O Beco do Pesadelo
3.5 496 Assista AgoraTalvez eu não tenha conseguido abrir mão do original, que ainda estava fresco na cabeça, ao assistir esse filme novo do Del Toro, que me pareceu até ousado em certa medida, na forma como lida com a zona cinzenta dos personagens, quando no geral seus trabalhos costumam investir mais no maniqueísmo mesmo. Como não poderia deixar de ser, em se tratando do diretor, é um deslumbre aos olhos, mas aqui esse gozo pelo visual custa um pouco ao filme – o longuíssimo primeiro ato no circo serve mais pra Del Toro refestelar em cenografia e design do que no contar da história em si –, que custa a engrenar e soa meio truncado o tempo todo; um problema de ritmo que a versão de 1947, mais dinâmica, conseguia escapar sem esforço.
Casa Gucci
3.2 707 Assista AgoraRemete a uma novela do Gilberto Braga em seus melhores momentos, principalmente quando estabelece, na primeira parte, a dinâmica de uma relação baseada no alpinismo social (a personagem da Lady Gaga passa uma vibe meio Maria de Fátima querendo penetrar na família Roitman), mas nunca se assume no geral como uma opereta mesmo. É um filme que poderia render mais caso fosse mais enxuto e admitisse de uma vez sua cafonice; a impressão que dá é que os atores, em sua maioria, estão atuando em filmes diferentes – alguns mais num registro de sátira, outros mais contidos, e... Jared Leto... –, e esses filmes não necessariamente casam com a visão meio classuda que o diretor busca imprimir. Uma bagunça.
The Innocents
3.7 158É quase uma versão de terror de Projeto Florida – aqui e lá, crianças que constroem juntas um universo de fantasia à parte do mundo dos adultos que as ajuda a compreender melhor a realidade em que vivem; ou pelo menos sobreviver a ela. Gosto como é um filme entregue ao olhar dos pequenos (os adultos são quase sempre filmados de longe, ou da cintura; e só existem em cena quando relacionados a alguma criança), o que faz as manifestações de poder surgirem e escalarem de uma forma quase natural, já que filtradas por uma perspectiva inocente, sem cinismos. Seria mais forte caso entregasse um clímax à altura da construção de expectativas dos minutos anteriores; ainda assim, uma bela surpresa, principalmente levando em conta ter sido um filme para o qual, à primeira vista, eu havia torcido o nariz.
Whispering Corridors
2.9 17É meio que a versão coreana do que por aqui seria um filme sobre a Loira do Banheiro. Eu até gosto da ideia de se apropriar de uma simples história de assombração em uma escola para tratar, num panorama mais geral, sobre a crueldade de todo um sistema educacional, e esse terrores (a presença de um fantasma e os abusos físicos e morais dos professores) se misturarem ao longo da narrativa, mas, apesar de algumas boas sacadas, é um filme muito enrolado, que monta um mosaico de personagens e transita por tramas paralelas que não se revolvem direito. O maior problema, no entanto, é a dificuldade que tem em construir cenas de terror, preparar o terreno de uma forma que vá além de apenas aumentar a trilha incidental – em seus piores momentos, remete a dramatização de lenda urbana do Gugu.
Alerta Noturno
3.4 20Uma bela de uma surpresa esse exploitation esquecido dos anos 80, que pega muito mais por uma violência psicológica do que pelo gore imediato, apesar de ter lá sua boa parcela ao final. Dá para tirar muito desse conto de horror incestuoso entre "tia" e sobrinho, que soa como uma versão ainda mais pervertida de uma história de Nelson Rodrigues, atravessado por questões que vão da repressão sexual à intolerância - confesso que não esperava o olhar empático sobre personagens queer e o desprezo pela figura moralista. Tem lá seus problemas de estrutura, mas é um filme, de forma geral, que merecia ser mais conhecido do que é.
Pânico
3.4 1,1K Assista AgoraÉ um filme de fãs para fãs, em todos os sentidos: nem sempre conseguir emular o estilo dinâmico que Wes Craven imprimiu à franquia e, por causa disso, tem mais dificuldade de criar grandes set pieces, mas em compensação propõe uma revitalização muito apaixonada da série, partindo de uma reverência ao cânone para tentar construir algo novo, sob um outro olhar e alinhado a outro clima cultural - mesmo que tenha o tom cínico dos anteriores, diria que esse é mais sensível e mais grave, no geral. O novo Pânico entende bem como jogar com as expectativas e a nostalgia do público, e fazer desse que já nasceu sendo seu maior desafio (lidar com o peso do próprio legado ao estabelecer um diálogo entre gerações), talvez a sua maior arma. Saí contente do cinema.
À Espreita do Mal
3.6 898É como uma piada que perde a graça quando explicada – parte de uma linha geral até interessante, mas vai se diluindo à medida que vai descortinando seu mistério. Esse filme está tão, mas tão apegado às surpresas de seu enredo que negligencia qualquer construção de seus personagens (o papel da Helen Hunt, que eu creio que tenha sido escalada como cortina de fumaça, é um vexame) e das relações que eles estabelecem entre si, e isso prejudica demais na hora das reviravoltas surtirem qualquer efeito além do ‘ah, então era isso’. A forma como vai transitando entre gêneros, e meio que brincando com essas expectativas é até legal, mas não vai muito além dessas boas sacadinhas pontuais.
Matrix Resurrections
2.8 1,3K Assista AgoraHá uma zona de conforto na forma como a Lana Wachowski concebe essas ideias metalinguísticas e joga com a expectativa e a nostalgia do público aqui, especialmente na primeira parte, mas existe também, sob essa carcaça meio cínica, um sentimento muito genuíno que sempre foi a tônica de Matrix: uma história de amor que, ainda que absorvida por divagações filosóficas, ousados efeitos cgi e marcante design cyberpunk, não deixa de ser uma história de amor. A simplicidade da missão dessa vez (unir Neo a Trinity através da escolha de eles quererem, mais uma vez, ficar juntos) reafirma os ideais libertários e românticos que acabaram sendo cooptados em algum momento, mas sempre estiveram presentes na série; e é muito bonito ver essa trajetória que, lá em 1999, partiu de uma guerra, de uma cisão entre mundos e conceitos, eventualmente transformar-se, hoje, numa fusão possível entre corpos, máquinas, ideias. Até entendo quem teve as expectativas frustradas, porque soa como ponto fora da curva, mas talvez tenha sido o filme de Matrix que, depois do original, melhor tenha falado comigo.
Pânico 4
3.2 2,7K Assista AgoraRevisão. Os personagens dos filmes de Pânico, com raras exceções, sempre tiveram a apatia e a egolatria como características muito claras sob essa superfície de jovens cínicos que descontroem filmes de terror, e a maneira como isso sempre refletiu certas observações culturais é um dos êxitos da série como um todo. Mas acho que nenhum outro como Pânico 4 foi tão no limite das ideias para elaborar esses conceitos de culto à celebridade, alienação, efeitos do cinema na sociedade etc. – talvez por isso, a meu ver, tenha o Ghostface com a revelação e o motivo mais mórbidos entre todos. Nem sempre consegue equilibrar o arco dramático dos personagens da velha guarda com o desenvolvimento da nova molecada e isso custa um certo foco ao filme, mas a julgar como quarto capítulo de uma série que parecia já ter dito o suficiente, esse capítulo ainda tem muita coisa boa a oferecer.
Pânico 3
3.0 775 Assista AgoraRevisão. O tom satírico que sempre permeou a série de filmes, e é um dos motivos pelos quais ela é tão marcante, está bastante carregado nesse terceiro capítulo, quase descambando pra comédia vez ou outra, o que meio que faz o clima de thriller tão bem executado nos primeiros se diluir em uma trama quase cartunesca – e não me refiro necessariamente às revelações finais, que sempre tiveram esse componente caricatural à lá Scooby-Doo evidente, mas às incursões sobrenaturais, ao entrecho investigativo amador, à enxurrada de gags etc. É um filme que, sim, parte de boas ideias, que seguem às obsessões da série com mídia, cultura pop e entretenimento e até expandem sua mitologia, não só a reconhecendo como a testando (a exemplo da ótima cena em que Sidney revive a perseguição do primeiro filme numa cidade cenográfica), embora nem sempre consiga articulá-las de forma consistente.
Ataque dos Cães
3.7 933Há um milhão de coisas acontecendo entre as trocas de olhares, os gestos comedidos e a posição dos corpos no espaço que eles dividem; um milhão de coisas não ditas senão pelas belas e fortes imagens que Jane Campion concebe para essa história de amores e desamores, que vai além das primeiras impressões que podem causar uma trama que envolve cowboys, mulheres desamparadas e cidadezinhas do oeste perdidas no tempo – é, na verdade, uma desconstrução desses mitos e um novo olhar sobre o gênero em si. O elenco está esplêndido, com destaque pra Benedict Cumberbatch, em seu melhor momento até aqui. Dos melhores de seu ano e não duvido que venha até a crescer numa futura revisão.
Matrix
4.3 2,5K Assista AgoraConfesso que nunca fui fã de Matrix e nem me propus enxergar muito para além da superfície desse filme até me propor a revê-lo agora, muitos e muitos anos depois de tê-lo alugado na locadora, e ter contato com um trabalho que concebe uma mitologia muito consistente, que se impõe além das teorias filosóficas; está nas referências visuais, no design e nos fetiches, na coreografia da ação e na execução do que passou a ser outra forma de encarar as ficções científicas pós-virada do milênio. E, visto hoje em retrospecto, não deixa de ser inspiradora a forma como as irmãs Wachowski, que, nesse intervalo, fizeram uma transição em suas identidades, usaram esse filme para advogar por um mundo mais liberto de amarras e de conceitos limitantes – para o corpo e a mente.
A Mulher Faz o Homem
4.3 172 Assista AgoraÉ incrível a forma como Jefferson Smith, aos poucos, vai baixando nossa guarda e, a despeito de um ufanismo que pode parecer deslocado se visto com os olhos de hoje, nos faz torcer por ele com a mesma inocência que os pequenos escoteiros que o admiram, pela paixão, garra e credulidade com que defende seus ideais e não permite que se corrompam ao jogo político. Lá por volta do discurso interminável, já estamos completamente tomados, e dá até pra perdoar algumas conveniências aqui e ali. James Stewart, como de costume, está excelente. É de se assistir com os olhos brilhando.
Espíritos Obscuros
2.7 185 Assista AgoraO que eu acho que mais funciona aqui é a atmosfera do filme pautada por uma opressão muito mais emocional que qualquer outra coisa; a ambientação na cidadezinha americana atravessada pela floresta imponente e cheia de mitos é interessante, mas o que fica mesmo é essa melancolia que carrega e como ela ajuda a fomentar a tensão. Acho que não aproveita esse potencial como deveria (a trama de abuso e trauma familiar, apesar dos bons atores envolvidos, é tratada de forma banal) e tem um clímax atropelado demais, mas é um terror decente.