De fato é um filme grandioso, seja em termos de escala, de conceito ou de imagética, mas isso é quase que sobrepujado pela narrativa insossa e, de certa forma, piegas de Villeneuve. O involucro audiovisual que ele desenvolve surpreende pela constante hipnose, e algumas imagens são inacreditáveis de um jeito raro, mas é muita cena de gente olhando pro horizonte e se levando a sério demais. E não existe nada mais broxante que essa obrigatoriedade de dividir as obras. É inerente, como vou me importar 100% com uma história que eu sei que vai continuar EM OUTRO momento, inibindo qualquer tom de verdadeira tragicidade?
"Ah Lucas, mas então você queria um filme de quatro horas e meia?"
O excesso de reviravoltas e, principalmente, a maneira como essas mesmas reviravoltas são transmitidas pela narrativa enfraquecem demais o filme. A lição de suspense dada por Hitchcock décadas atrás serviria perfeitamente a essa trama, por exemplo. Ainda sim bom de ver.
Sim, o Michael Bay se passa sempre que pode, e a trama não oferece absolutamente nada de minimamente novo, mas as perseguições são tão ricas em coordenação e execução que a obra como um todo sobe uma casinha no terreno do memorável.
Um filme extremamente misógino que exalta a masculinidade tóxica e comportamentos que apenas refletem a herança do patriarcado. Agora que sou um homem adulto percebo a pequenez dessa pífia ''obra de arte''. A partir de agora irei assistir apenas filmes de verdade (como Homem Elefante e Cinema Paradiso) e aposentar ''Martin Scorsese'' da minha vida. Obrigado.
(DEFINITIVAMENTE NÃO DEIXEM AS SUAS NAMORADAS TEREM SUAS SENHAS)
Todos os dias agradeço minha mulher por ter me apresentado filmes como esse, refinando meu gosto cinematográfico (antes eu achava que o suprassumo do cinema eram filmes de ação)
(EDIT: Um conselho: não dêem as senhas de suas redes sociais para vossas namoradas.)
Existe uma certa dualidade permeando o universo de Joias Brutas que também é refletida no caminho tortuoso protagonizado por Howard. Se a pedra que se torna a obsessão irracional de homens aparentemente velhos demais pra isso é obtida por meio de condições desumanas de trabalho, tal pedra é a mesma que, ao ser explorada internamente pela lente abstrata dos Safdie, ressaltando suas cores oníricas e sua textura ancestral, termina numa colonoscopia. Os dois internos se tornam um, o daquele que deseja com o do objeto desejado, numa amálgama mística que nos indica: o destino de ambos está interligado.
Howard é igual a joia, seu magnetismo atrai os desavisados para seu campo de gravidade da mesma forma que KG se sente atraído ao tocar o objeto. Mas se o atleta se torna incapaz ao não ter o amuleto por perto, criando uma espécie de vínculo nada saudável para sua carreira, aqueles que se envolvem com Howard também são afetados de forma negativa - emocional ou financeiramente. Howard é incapaz de formular um plano ou uma ideia a longo prazo, sua mente é pautada pela essência da vitória, pela sensação pungente do fio da navalha. Familiares o amam, mas são incapazes de ajudá-lo. Amigos se importam, mas são incapazes de confiar em um homem que nunca parece ter algo a perder. O habitat natural de Howard é o caos, a balburdia, e por isso que somos bombardeados por uma montagem demente e uma câmera frenética que, tal qual um trem desgovernado, nos atropela sem avisar e carrega nosso corpo por 135 minutos. Seu sucesso é também sua derrocada, suas vitórias também são sua derrota, mas, de uma forma torpe, o inverso também funciona, já que cada derrota capacita sua consciência para "tentar de novo". E é essa busca, essa ânsia, que resume sua vida. Por isso que seu único momento de calma e silêncio é na primeira vez que toca a pedra, num raro momento onde o mesmo se sente realizado (e a expressão de Sandler para seu funcionário, dizendo que irá gozar, é seu melhor momento como ator em décadas de carreira).
O mundo externo, aqui, possui pouca influência nas catástofres que circundam o filme. Se analisarmos, Howard nunca esteve sozinho ou sem saída, tendo a real chance de parar quando quisesse - objetivamente falando. Ele ganha apoio no leilão, ele recebe tempo extra para resolver as suas penhoras, ele não sofre nada muito definitivo quando desaparece com os relógios do seu parceiro. Há uma atmosfera de sorte e acolhimento, talvez provindas do seu carisma natural, que o blindam da maioria dos infortúnios. É por isso que sua tragédia repentina é tão desesperadora, porque ele é o grande causador da mesma. E quando eu digo “grande causador” é num nível doentio mesmo, quase como se ele desejasse (inconscientemente, que seja) a conclusão que teve. E a desgraça também atinge os que se enveredam pelos tentáculos sensoriais de Howard, como representado pelas figuras de seu filho mais velho (gerenciando apostas ainda adolescente) e do seu cunhado Arno, que começa como a grande cabeça do conflito mor da história, mas que sucumbe no final por ter se afeiçoado a sua pessoa. Os únicos que passam incólume à sua presença e não são comprados pelo seu magnetismo caótico são a sua futura ex-esposa e Phil, o gangster armado. Os únicos que permanecem no controle total de suas ações.
A dualidade persiste também na direção do longa, que alterna entre uma trilha sonora de execução tranquila, quase que budista, com a cacofonia que resume todas as relações que são vividas por Howard. Cada momento de tranquilidade é subjugado pela próxima decisão irresponsável que sabemos que ele irá tomar. Momentos de paz são interrompidos por transeuntes em berros, e cenas de afabilidade dão lugar ao frenesi irrespirável do seu cotidiano. A pedra, que a princípio tanto valia, no fim não vale tanto. A vitória final de Howard, no fim, não é tão vitoriosa, já que o projétil que atravessa sua cabeça o impede de aproveitar a sensação. Duas faces de uma mesma moeda que, tal qual as que sua filha vomita na peça, abençoaram e amaldiçoaram a sua vida. E eu, desde então, nunca mais falei mal de Adam Sandler em toda minha vida.
Praticamente uma declaração de amor à comida, Tampopo é um deslumbre audiovisual que obriga seu espectador a ficar com fome. A reação biológica talvez possa ser explicada pela devoção ao qual a câmera de Jûzô Itami enquadra e salienta alimentos, nos mais diferentes formatos e estilos, através de cores e texturas que, de verdade, dão água na boca, abrindo também espaço para as reações de quem se delicia e realiza os pratos. A estrutura é genial, alternando entre a narrativa principal, a história da fofíssima Tampopo e sua busca pela competência, com pequenos universos de personagens e situações independentes, unicamente atados pelo ato de comer, que servem a dois propósitos: contextualizar a importância da comida na cultura nipônica e nas relações humanas, e permitir o trabalho maníaco de Itami ao pular entre os mais diversos gêneros e estilos cenográficos. Uma obra deliciosa, literalmente.
Horroroso em todos os aspectos. Personagens execráveis, interpretes claramente de sacanagem, cenas que parecem propositalmente feitas para irritar - tudo é muito, muito ruim. O que mais me surpreende não é nem o fato de NENHUMA gag dar certo ao longo do filme (o que talvez seja até um recorde, se parar pra pensar), mas sim isso se perpetuar por 120 minutos. Torturante.
Uma coisa que se sobressaltou nessa revisão foi o fato de que Billy Costigan, de todos os personagens já cunhados por Martin Scorsese, é o mais solitário e trágico de todos. Ele tanto não tem ninguém em sua vida que sua última esperança, tudo pelo que ele tinha vivido há anos, é depositada na única pessoa que ele havia minimamente se conectado, sua ex-psicóloga. Sua posição o impedia de ter amigos, de ter parceiros, de ter em quem confiar. Sem parentes, Billy enxerga na polícia a chance de trazer uma mínima honra para o nome de sua família, e por isso que ele aceita a incumbência de se infiltrar. Toda aquela desonra e universo vil tinham um propósito. Por mais transtornado que fosse este mundo, a ponto de o viciar em remédios, Billy embarcou de corpo e alma (o cara passou meses na cadeia, pelo amor de deus) atrás de um objetivo que o colocava na pele do verdadeiro policial, quase que um de conto de fadas. Ser um cumpridor da lei era sua sina, e até por isso que seu fim é trágico. Este é um mundo de ratos e, como diz Costello em certo momento do filme, você precisa ganhar a força o que quer.
Surpreendentemente interessante, a biografia idealizada por Nolan não poderia ser diferente: alternando trechos de redundância óbvia (uns 30 minutos a menos e tudo ficaria bem), com cenas de exagerada grandiosidade (e isso não é um problema), o filme embarca em uma espiral de fatos pela vida de seu protagonista através de uma lógica estrutural que pode parecer até meio jogada de vez em quando (principalmente pela indução de um plot twist desnecessário em certo momento), mas que acerta nos seus instantes de tensão e de clímax, já que estamos observando os bastidores de uma história mundialmente batida e uma cronologia usual poderia soar cansativa. O uso do silêncio, ora para reforçar o pânico interno do personagem, ora para alavancar o suspense de toda uma comunidade de pessoas, foi um grande acerto, enquanto que o resto do trabalho de som já garantiu uns bons prêmios para o ano que vem. Esperava mais da cena da Experiência Trinity, sim, mas também esperava bem menos do elenco, cujo trabalho superou as expectativas associadas aos nomes de tanto engessamento.
Tudo bem que existem uns dois momentos em que o conteúdo do discurso se sobressai para além do esperado e a obra fica a centímetros de flertar com o lugar-comum, mas nada que afete de forma determinante o conjunto final. É perceptível que havia alguém com muita alma por trás do projeto, e isso se reflete no esmero em que é feita a construção dos mundos, o cuidado com cada passagem, com cada detalhe do design de produção, do figurino, as coreografias. A complexidade atribuída ao casal principal foi não apenas desenvolvida de forma a elevar o texto, já que são os seus conflitos pessoais que impulsionam a narrativa em caminhos opostos, mas também para dar palco a duas interpretações maravilhosas - Ryan Gosling principalmente, no seu provável auge como ator. Um filme lindo, tal qual a mente de sua realizadora.
Talvez a coisa que eu mais admire em MI, além da total falta de preguiça que a franquia aderiu em seus últimos capítulos, indo na contramão de tipo, sei lá, 80% do que é produzido em torno do gênero atualmente nos EUA, é a forma como a escalada de conflitos nunca parece ter fim. No momento do aeroporto, por exemplo, eles começam lidando com um único problema, que em questão de minutos se diluí em quatro problemas diferentes. O trecho final, no trem, chega a ser uma piada com qualquer cena que uma certa produtora por aí tenha feito na sua vida - o vagão se enchendo de gás, fogo, óleo de cozinha pelo chão, coisas caindo conforme o trem vai se inclinando, e naquele momento você, espectador, se transforma na personagem da Hayley Atwell, que olha ao redor e só vê desespero, morte e caos, até que Ethan Hunt olha pra você, ele, o agente do caos, e lhe diz para confiar nele, e você vê em seu olhar que a única coisa que o preocupa é salvar quem está com ele. É isso. Ethan Hunt é o maior herói que o cinema nos entregou nesse século. É impossível assistir a esse filme sem se contorcer de ansiedade na cadeira do cinema. E isso, pra mim, é um tremendo mérito.
A ação em seu estado mais puro. São 160 minutos de uma imagética que deslumbra e de sequências quase que inacreditáveis, tanto em termos de composição e coreografia, quanto de potenciais dramáticos. Se John Wick me deixa exausto, Chad Stahelski me deixa empolgado.
Que direção espetacular, pelo amor de deus. Dos movimentos de câmera à ambientação, da temática, quase que exclusiva, à intensidade projetada em cada cena, cada sequência. O plano sequência inicial meio que já desnuda o filme pro espectador: silêncio, frieza e carnificina. Inacreditável que a gente não fale sobre esse filme todo dia.
Um pouco me choca a facilidade com que Noah Baumbach evoca conflitos e sentimentos de intensa identificação, sem deixar de permeá-los por uma atmosfera de leveza e momentos de pura comicidade. A cena em que o clímax é obtido, por exemplo, só acontece devido a longuíssima (e divertida) sequência inteira dentro da casa. E Greta Gerwig, mais uma vez, está fantástica.
O monumento definitivo às histórias de máfia só poderia vir daquele que mais sintetizou o tema como um subgênero próprio. Para além da grandiosidade absoluta, dos movimentos de câmera enérgicos e do surreal roteiro, temos uma obra que exala nostalgia, que fala de arrependimentos e que nos permite pensar no tempo como o pior dos algozes. O elenco encerra qualquer debate assim que posto em evidência, mas eu gostaria de ressaltar o quão brilhante é o trabalho de Joe Pesci, que surge após um hiato de mais de 10 anos em sua carreira para uma atuação triunfal, e de Thelma Schoonmaker, talvez a melhor profissional do seu ramo desde a fundação do cinema. O filme mais tocante de Martin Scorsese é também o seu mais pessoal, e eu novamente me resigno a abaixar minha cabeça e ficar grato pela dádiva que é a existência desse homem.
Poucas vezes a Marvel foi tão genérica, tão insossa. Parece que nenhum dos envolvidos estava a fim de trabalhar. Fiquei com vergonha de ter assistido, e olha que foi de graça.
Absurdo demais. A cena da corrida meio que né, vou fazer o quê? Realmente vou ter que me contentar com o quê fazem hoje em dia? Complicado. Esse é um filme que no fim me desespera.
Pô gente, na boa mesmo, desculpa, mas isso aqui é gostosíssimo demais de se assistir. Pra cada momento exageradamente bizarro, um mote divertido/carismático, pra cada passagem que não faz o menor, fagulhas de uma decente tensão. Elizabeth Banks, faça mais filmes, por favor?
Apesar da premissa já bem batida, é uma obra que emana muita energia e grandiosidade, e eu gosto quando salta aos olhos certos exageros e esforços absurdos (mesmo que narrativamente inócuos) por parte do realizador, mas é perceptível como sofre a narrativa ao precisar de seus personagens, que não tiram o pé do raso em quase nenhum momento, e quando tenta emplacar seus discursos, fracos e, em sua maioria, dispensáveis. As passagens do "fazer cinema" me conquistaram, assim como Margot e a cativante trilha sonora, mas esse filme podia ser mais. Aliás, esse é um trabalho que CLAMAVA por mais, mas Chazelle preferiu falar ao invés de filmar. Megalomania e loucura dá pra aceitar, auto importância de esquina não dá.
De fato, é uma atuação excelente. Tem a maquiagem, tem os efeitos especiais, mas nós ainda somos impactados pela sinceridade de Fraser em seus olhares e falas. O ritmo até que é agradável, muito por conta da sensação de crescente emergência que vai se infiltrando tanto na vida física, quanto na vida emocional do protagonista, o que causa a expectativa ansiosa de imaginar pra onde caminha essa hecatombe. Mas, no fim, é um Oscar bait isso aqui, tá? Se tirar toda a pompa, toda a escolha narrativa da locação única (que eu adoro no geral, mas que aqui pouco surge efeito), todo o discurso prévio de um possível choque (não choca), toda a "polêmica" que o Aronofksy adora imprimir (ou achar que o fez) em sua obra, temos um filme de pai se reconectando com filha abandonada, pessoas buscando conclusões baseadas em "bom e mau", gente se negando a procurar ajuda, trilha sonora de novela e muitas, muitas lágrimas. 2023, porra!
Me desespera o quanto De Palma é genial em sua flutuação de estilos, criando aqui um exercício de classudez que até pode parecer fora de época num primeiro momento (tô falando pro Lucas de 2013 essa), mas que é tão perfeito em sua elegância, em seu ritmo próprio, que não tem como não ficar de joelhos pro homem. São diversas cenas inesquecíveis, passagens memoráveis (umas dez são só do Connery), De Niro insano mais uma vez, Morricone celestial como sempre. A canastrice de Costner não passa desapercebida, infelizmente, mas aí seria o quê, o melhor filme da história? Melhor assim mesmo.
Duna: Parte 1
3.8 1,6K Assista AgoraDe fato é um filme grandioso, seja em termos de escala, de conceito ou de imagética, mas isso é quase que sobrepujado pela narrativa insossa e, de certa forma, piegas de Villeneuve. O involucro audiovisual que ele desenvolve surpreende pela constante hipnose, e algumas imagens são inacreditáveis de um jeito raro, mas é muita cena de gente olhando pro horizonte e se levando a sério demais. E não existe nada mais broxante que essa obrigatoriedade de dividir as obras. É inerente, como vou me importar 100% com uma história que eu sei que vai continuar EM OUTRO momento, inibindo qualquer tom de verdadeira tragicidade?
"Ah Lucas, mas então você queria um filme de quatro horas e meia?"
Sim. E vai tomar no cu você também.
Os Bons Companheiros
4.4 1,2K Assista AgoraPosso ser sincero? Esse é o melhor filme já feito. Foda-se.
Saltburn
3.5 844O excesso de reviravoltas e, principalmente, a maneira como essas mesmas reviravoltas são transmitidas pela narrativa enfraquecem demais o filme. A lição de suspense dada por Hitchcock décadas atrás serviria perfeitamente a essa trama, por exemplo. Ainda sim bom de ver.
Ambulância: Um Dia de Crime
2.9 200 Assista AgoraSim, o Michael Bay se passa sempre que pode, e a trama não oferece absolutamente nada de minimamente novo, mas as perseguições são tão ricas em coordenação e execução que a obra como um todo sobe uma casinha no terreno do memorável.
Os Bons Companheiros
4.4 1,2K Assista AgoraUm filme extremamente misógino que exalta a masculinidade tóxica e comportamentos que apenas refletem a herança do patriarcado. Agora que sou um homem adulto percebo a pequenez dessa pífia ''obra de arte''. A partir de agora irei assistir apenas filmes de verdade (como Homem Elefante e Cinema Paradiso) e aposentar ''Martin Scorsese'' da minha vida. Obrigado.
(DEFINITIVAMENTE NÃO DEIXEM AS SUAS NAMORADAS TEREM SUAS SENHAS)
Cinema Paradiso
4.5 1,4K Assista AgoraTodos os dias agradeço minha mulher por ter me apresentado filmes como esse, refinando meu gosto cinematográfico (antes eu achava que o suprassumo do cinema eram filmes de ação)
(EDIT: Um conselho: não dêem as senhas de suas redes sociais para vossas namoradas.)
O Comboio do Medo
4.1 134William Friedkin era doente.
Joias Brutas
3.7 1,1K Assista AgoraExiste uma certa dualidade permeando o universo de Joias Brutas que também é refletida no caminho tortuoso protagonizado por Howard. Se a pedra que se torna a obsessão irracional de homens aparentemente velhos demais pra isso é obtida por meio de condições desumanas de trabalho, tal pedra é a mesma que, ao ser explorada internamente pela lente abstrata dos Safdie, ressaltando suas cores oníricas e sua textura ancestral, termina numa colonoscopia. Os dois internos se tornam um, o daquele que deseja com o do objeto desejado, numa amálgama mística que nos indica: o destino de ambos está interligado.
Howard é igual a joia, seu magnetismo atrai os desavisados para seu campo de gravidade da mesma forma que KG se sente atraído ao tocar o objeto. Mas se o atleta se torna incapaz ao não ter o amuleto por perto, criando uma espécie de vínculo nada saudável para sua carreira, aqueles que se envolvem com Howard também são afetados de forma negativa - emocional ou financeiramente. Howard é incapaz de formular um plano ou uma ideia a longo prazo, sua mente é pautada pela essência da vitória, pela sensação pungente do fio da navalha. Familiares o amam, mas são incapazes de ajudá-lo. Amigos se importam, mas são incapazes de confiar em um homem que nunca parece ter algo a perder. O habitat natural de Howard é o caos, a balburdia, e por isso que somos bombardeados por uma montagem demente e uma câmera frenética que, tal qual um trem desgovernado, nos atropela sem avisar e carrega nosso corpo por 135 minutos. Seu sucesso é também sua derrocada, suas vitórias também são sua derrota, mas, de uma forma torpe, o inverso também funciona, já que cada derrota capacita sua consciência para "tentar de novo". E é essa busca, essa ânsia, que resume sua vida. Por isso que seu único momento de calma e silêncio é na primeira vez que toca a pedra, num raro momento onde o mesmo se sente realizado (e a expressão de Sandler para seu funcionário, dizendo que irá gozar, é seu melhor momento como ator em décadas de carreira).
O mundo externo, aqui, possui pouca influência nas catástofres que circundam o filme. Se analisarmos, Howard nunca esteve sozinho ou sem saída, tendo a real chance de parar quando quisesse - objetivamente falando. Ele ganha apoio no leilão, ele recebe tempo extra para resolver as suas penhoras, ele não sofre nada muito definitivo quando desaparece com os relógios do seu parceiro. Há uma atmosfera de sorte e acolhimento, talvez provindas do seu carisma natural, que o blindam da maioria dos infortúnios. É por isso que sua tragédia repentina é tão desesperadora, porque ele é o grande causador da mesma. E quando eu digo “grande causador” é num nível doentio mesmo, quase como se ele desejasse (inconscientemente, que seja) a conclusão que teve. E a desgraça também atinge os que se enveredam pelos tentáculos sensoriais de Howard, como representado pelas figuras de seu filho mais velho (gerenciando apostas ainda adolescente) e do seu cunhado Arno, que começa como a grande cabeça do conflito mor da história, mas que sucumbe no final por ter se afeiçoado a sua pessoa. Os únicos que passam incólume à sua presença e não são comprados pelo seu magnetismo caótico são a sua futura ex-esposa e Phil, o gangster armado. Os únicos que permanecem no controle total de suas ações.
A dualidade persiste também na direção do longa, que alterna entre uma trilha sonora de execução tranquila, quase que budista, com a cacofonia que resume todas as relações que são vividas por Howard. Cada momento de tranquilidade é subjugado pela próxima decisão irresponsável que sabemos que ele irá tomar. Momentos de paz são interrompidos por transeuntes em berros, e cenas de afabilidade dão lugar ao frenesi irrespirável do seu cotidiano. A pedra, que a princípio tanto valia, no fim não vale tanto. A vitória final de Howard, no fim, não é tão vitoriosa, já que o projétil que atravessa sua cabeça o impede de aproveitar a sensação. Duas faces de uma mesma moeda que, tal qual as que sua filha vomita na peça, abençoaram e amaldiçoaram a sua vida. E eu, desde então, nunca mais falei mal de Adam Sandler em toda minha vida.
Tampopo: Os Brutos Também Comem Spaghetti
4.0 67Praticamente uma declaração de amor à comida, Tampopo é um deslumbre audiovisual que obriga seu espectador a ficar com fome. A reação biológica talvez possa ser explicada pela devoção ao qual a câmera de Jûzô Itami enquadra e salienta alimentos, nos mais diferentes formatos e estilos, através de cores e texturas que, de verdade, dão água na boca, abrindo também espaço para as reações de quem se delicia e realiza os pratos. A estrutura é genial, alternando entre a narrativa principal, a história da fofíssima Tampopo e sua busca pela competência, com pequenos universos de personagens e situações independentes, unicamente atados pelo ato de comer, que servem a dois propósitos: contextualizar a importância da comida na cultura nipônica e nas relações humanas, e permitir o trabalho maníaco de Itami ao pular entre os mais diversos gêneros e estilos cenográficos. Uma obra deliciosa, literalmente.
Heróis Muito Loucos
2.9 81 Assista AgoraHorroroso em todos os aspectos. Personagens execráveis, interpretes claramente de sacanagem, cenas que parecem propositalmente feitas para irritar - tudo é muito, muito ruim. O que mais me surpreende não é nem o fato de NENHUMA gag dar certo ao longo do filme (o que talvez seja até um recorde, se parar pra pensar), mas sim isso se perpetuar por 120 minutos. Torturante.
Os Infiltrados
4.2 1,7K Assista AgoraUma coisa que se sobressaltou nessa revisão foi o fato de que Billy Costigan, de todos os personagens já cunhados por Martin Scorsese, é o mais solitário e trágico de todos. Ele tanto não tem ninguém em sua vida que sua última esperança, tudo pelo que ele tinha vivido há anos, é depositada na única pessoa que ele havia minimamente se conectado, sua ex-psicóloga. Sua posição o impedia de ter amigos, de ter parceiros, de ter em quem confiar. Sem parentes, Billy enxerga na polícia a chance de trazer uma mínima honra para o nome de sua família, e por isso que ele aceita a incumbência de se infiltrar. Toda aquela desonra e universo vil tinham um propósito. Por mais transtornado que fosse este mundo, a ponto de o viciar em remédios, Billy embarcou de corpo e alma (o cara passou meses na cadeia, pelo amor de deus) atrás de um objetivo que o colocava na pele do verdadeiro policial, quase que um de conto de fadas. Ser um cumpridor da lei era sua sina, e até por isso que seu fim é trágico. Este é um mundo de ratos e, como diz Costello em certo momento do filme, você precisa ganhar a força o que quer.
Oppenheimer
4.0 1,0KSurpreendentemente interessante, a biografia idealizada por Nolan não poderia ser diferente: alternando trechos de redundância óbvia (uns 30 minutos a menos e tudo ficaria bem), com cenas de exagerada grandiosidade (e isso não é um problema), o filme embarca em uma espiral de fatos pela vida de seu protagonista através de uma lógica estrutural que pode parecer até meio jogada de vez em quando (principalmente pela indução de um plot twist desnecessário em certo momento), mas que acerta nos seus instantes de tensão e de clímax, já que estamos observando os bastidores de uma história mundialmente batida e uma cronologia usual poderia soar cansativa. O uso do silêncio, ora para reforçar o pânico interno do personagem, ora para alavancar o suspense de toda uma comunidade de pessoas, foi um grande acerto, enquanto que o resto do trabalho de som já garantiu uns bons prêmios para o ano que vem. Esperava mais da cena da Experiência Trinity, sim, mas também esperava bem menos do elenco, cujo trabalho superou as expectativas associadas aos nomes de tanto engessamento.
Barbie
3.9 1,6K Assista AgoraTudo bem que existem uns dois momentos em que o conteúdo do discurso se sobressai para além do esperado e a obra fica a centímetros de flertar com o lugar-comum, mas nada que afete de forma determinante o conjunto final. É perceptível que havia alguém com muita alma por trás do projeto, e isso se reflete no esmero em que é feita a construção dos mundos, o cuidado com cada passagem, com cada detalhe do design de produção, do figurino, as coreografias. A complexidade atribuída ao casal principal foi não apenas desenvolvida de forma a elevar o texto, já que são os seus conflitos pessoais que impulsionam a narrativa em caminhos opostos, mas também para dar palco a duas interpretações maravilhosas - Ryan Gosling principalmente, no seu provável auge como ator. Um filme lindo, tal qual a mente de sua realizadora.
Missão: Impossível 7 - Acerto De Contas - Parte 1
3.9 392 Assista AgoraTalvez a coisa que eu mais admire em MI, além da total falta de preguiça que a franquia aderiu em seus últimos capítulos, indo na contramão de tipo, sei lá, 80% do que é produzido em torno do gênero atualmente nos EUA, é a forma como a escalada de conflitos nunca parece ter fim. No momento do aeroporto, por exemplo, eles começam lidando com um único problema, que em questão de minutos se diluí em quatro problemas diferentes. O trecho final, no trem, chega a ser uma piada com qualquer cena que uma certa produtora por aí tenha feito na sua vida - o vagão se enchendo de gás, fogo, óleo de cozinha pelo chão, coisas caindo conforme o trem vai se inclinando, e naquele momento você, espectador, se transforma na personagem da Hayley Atwell, que olha ao redor e só vê desespero, morte e caos, até que Ethan Hunt olha pra você, ele, o agente do caos, e lhe diz para confiar nele, e você vê em seu olhar que a única coisa que o preocupa é salvar quem está com ele. É isso. Ethan Hunt é o maior herói que o cinema nos entregou nesse século. É impossível assistir a esse filme sem se contorcer de ansiedade na cadeira do cinema. E isso, pra mim, é um tremendo mérito.
John Wick 4: Baba Yaga
3.9 691 Assista AgoraA ação em seu estado mais puro. São 160 minutos de uma imagética que deslumbra e de sequências quase que inacreditáveis, tanto em termos de composição e coreografia, quanto de potenciais dramáticos. Se John Wick me deixa exausto, Chad Stahelski me deixa empolgado.
Vermelhos e Brancos
4.0 18Que direção espetacular, pelo amor de deus. Dos movimentos de câmera à ambientação, da temática, quase que exclusiva, à intensidade projetada em cada cena, cada sequência. O plano sequência inicial meio que já desnuda o filme pro espectador: silêncio, frieza e carnificina. Inacreditável que a gente não fale sobre esse filme todo dia.
Mistress America
3.5 210Um pouco me choca a facilidade com que Noah Baumbach evoca conflitos e sentimentos de intensa identificação, sem deixar de permeá-los por uma atmosfera de leveza e momentos de pura comicidade. A cena em que o clímax é obtido, por exemplo, só acontece devido a longuíssima (e divertida) sequência inteira dentro da casa. E Greta Gerwig, mais uma vez, está fantástica.
O Irlandês
4.0 1,5K Assista AgoraO monumento definitivo às histórias de máfia só poderia vir daquele que mais sintetizou o tema como um subgênero próprio. Para além da grandiosidade absoluta, dos movimentos de câmera enérgicos e do surreal roteiro, temos uma obra que exala nostalgia, que fala de arrependimentos e que nos permite pensar no tempo como o pior dos algozes. O elenco encerra qualquer debate assim que posto em evidência, mas eu gostaria de ressaltar o quão brilhante é o trabalho de Joe Pesci, que surge após um hiato de mais de 10 anos em sua carreira para uma atuação triunfal, e de Thelma Schoonmaker, talvez a melhor profissional do seu ramo desde a fundação do cinema. O filme mais tocante de Martin Scorsese é também o seu mais pessoal, e eu novamente me resigno a abaixar minha cabeça e ficar grato pela dádiva que é a existência desse homem.
Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania
2.8 514 Assista AgoraPoucas vezes a Marvel foi tão genérica, tão insossa. Parece que nenhum dos envolvidos estava a fim de trabalhar. Fiquei com vergonha de ter assistido, e olha que foi de graça.
Ben-Hur
4.3 547 Assista AgoraAbsurdo demais. A cena da corrida meio que né, vou fazer o quê? Realmente vou ter que me contentar com o quê fazem hoje em dia? Complicado. Esse é um filme que no fim me desespera.
O Urso do Pó Branco
2.9 331 Assista AgoraPô gente, na boa mesmo, desculpa, mas isso aqui é gostosíssimo demais de se assistir. Pra cada momento exageradamente bizarro, um mote divertido/carismático, pra cada passagem que não faz o menor, fagulhas de uma decente tensão. Elizabeth Banks, faça mais filmes, por favor?
Babilônia
3.6 332 Assista AgoraApesar da premissa já bem batida, é uma obra que emana muita energia e grandiosidade, e eu gosto quando salta aos olhos certos exageros e esforços absurdos (mesmo que narrativamente inócuos) por parte do realizador, mas é perceptível como sofre a narrativa ao precisar de seus personagens, que não tiram o pé do raso em quase nenhum momento, e quando tenta emplacar seus discursos, fracos e, em sua maioria, dispensáveis. As passagens do "fazer cinema" me conquistaram, assim como Margot e a cativante trilha sonora, mas esse filme podia ser mais. Aliás, esse é um trabalho que CLAMAVA por mais, mas Chazelle preferiu falar ao invés de filmar. Megalomania e loucura dá pra aceitar, auto importância de esquina não dá.
A Baleia
4.0 1,0K Assista AgoraDe fato, é uma atuação excelente. Tem a maquiagem, tem os efeitos especiais, mas nós ainda somos impactados pela sinceridade de Fraser em seus olhares e falas. O ritmo até que é agradável, muito por conta da sensação de crescente emergência que vai se infiltrando tanto na vida física, quanto na vida emocional do protagonista, o que causa a expectativa ansiosa de imaginar pra onde caminha essa hecatombe. Mas, no fim, é um Oscar bait isso aqui, tá? Se tirar toda a pompa, toda a escolha narrativa da locação única (que eu adoro no geral, mas que aqui pouco surge efeito), todo o discurso prévio de um possível choque (não choca), toda a "polêmica" que o Aronofksy adora imprimir (ou achar que o fez) em sua obra, temos um filme de pai se reconectando com filha abandonada, pessoas buscando conclusões baseadas em "bom e mau", gente se negando a procurar ajuda, trilha sonora de novela e muitas, muitas lágrimas. 2023, porra!
Os Intocáveis
4.2 841 Assista AgoraMe desespera o quanto De Palma é genial em sua flutuação de estilos, criando aqui um exercício de classudez que até pode parecer fora de época num primeiro momento (tô falando pro Lucas de 2013 essa), mas que é tão perfeito em sua elegância, em seu ritmo próprio, que não tem como não ficar de joelhos pro homem. São diversas cenas inesquecíveis, passagens memoráveis (umas dez são só do Connery), De Niro insano mais uma vez, Morricone celestial como sempre. A canastrice de Costner não passa desapercebida, infelizmente, mas aí seria o quê, o melhor filme da história? Melhor assim mesmo.