A cada novo filme desta diretora que eu descubro, gosto mais e mais dela: o interessante é como ela consegue nos fazer empatizar com pessoas (ricas e eventualmente entendidas ou culpadas) que, noutro contexto, causar-nos-ia irritação. A opção por equalizar os cotidianos de mais de um personagem - ao invés de apenas focar na ótima protagonista - foi mui acertado: fiquei apaixonado pela irmã! Os diálogos atualizam aquilo que, antes, admirávamos em Woody Allen, por exemplo, mas numa vertente mais abrangente, feminina, dócil, otimista em seu ímpeto ressignificador. É muito engraçado ao não titubear perante as tristezas do dia a dia, tornando-as matéria-prima de uma reflexão agridoce e graciosa sobre as "mentiras piedosas" que contamos e as conseqüências das mesmas - às vezes, não tão bondosas quanto intencionadas. Elenco excelente, progressão da narrativa respeitosa e entretenedora. Amo a Nicole Holofcener, ela merece ser descoberta pelo grande público - nem que seja como proporcionadora de filmes de auto-ajuda (para os aquisitivamente favorecidos) com elogiáveis qualidades! (WPC>)
Antes da sessão, não sabia muito o que pensar: a despeito de, na época, eu ainda confiar bastante no John Singleton, achei a regravação desnecessária, tinha a impressão de que o Samuel L. Jackson talvez fosse velho demais para a conjuntura sexual do personagem. Para a minha (boa) surpresa, o diretor não regrava o filme original (cujo protagonista também comparece como parente do personagem-título atual): trata-se de uma nova vertente justiceira, de outra pegada (o sexo ocorre em 'off', em breves relances, mencionados em diálogos provocadores). O enfoque é mais explicitamente antirracista (como se esperava do realizador), com reflexões sobre impunidade que têm muito a ver com o cinema policial hollywoodiano da década de 1980. Gostei muito de ver Toni Collette enquanto coadjuvante de kuxo, bonitona, expressiva... Christian Bale torna o seu mimado personagem sobremaneira repulsivo (ainda que ele também pareça acima da idade para o papel de almofadinha juvenil) e Jeffrey Wright está super sedutor como vilão acessório, ambíguo, atemorizante. É um filme estranho em seu tom "convencional" em muitos aspectos, mas longe de ser desprezível. Bem interpretado, honesto em suas intenções, reverente na medida certa quanto ao produto original, bem mais cru. Curti, quem diria... Por que deixei passar tanto tempo até aceitar este bom produto de massa?! (WPC>)
Quando Patrick Wilson está em cena, o filme cresce bastante. Quando não, é atravessado por um humor infantilizado e inconveniente, no qual o protagonista parece estar cansado de interpretar um personagem que tanto lhe convém. O elenco é privilegiado, mas os papéis que ficam sob o seu encargo, nem tanto, infelizmente. O visual subaquático é deslumbrante, mas o ritmo da narrativa é confuso e desinteressante. Em determinado momento, senti-me tentado a não entender mais o que estava em curso, de tão arrítmico que era o desenrolar dos eventos, as explicações sobre os fatos que concatenam os personagens. O vilão é vendido como impactante, mas facilmente derrotável, a despeito do poderio milenar e da enorme malevolência. Minha mãe curtiu os exageros dos cenários, o jogo de cores... Eu fiquei entediado, na maior parte da sessão, mas tem duas ou três seqüências que causam um mínimo fascínio (o que ocorre na Boca do Diabo, por exemplo)... (WPC>)
Apesar de eu ter um interesse agudo de pesquisa acadêmica nos filmes da GloboFilmes - precisamente no período em que esse título foi lançado -, por algum motivo, deixei este filme passar, quando ele esteve em exibição nos cinemas. Uma pena: a despeito dos sustos iniciais por causa da montagem picotada, a origem teatral é muito boa e o quarteto de atores está bastante inspirado. O roteiro antecipa muito do que, recentemente, comoveu as platéias internacionais em TUDO EM TODO O LUGAR AO MESMO TEMPO. É uma comédia romântica com as obsessões aburguesadas da produtora, mas que possui momentos legitimamente interessantes e algumas brechas dramáticas dignas de menção elogiosa. Mais uma vez, por causa do elenco inspirado. A trilha cancional é fofinha em seu resgate nostálgico. Foi uma acalentadora surpresa, descoberto vinte anos depois! (WPC>)
Uma pena que um ponto de partida tão brilhante tenha se esvaído... A seqüência de abertura é magistral (aterrorizante e mui original), mas, do primeiro terço para o final, tudo se esvai, degringola... Por mais que obedeça à cartilha 'slasher', desenvolve os personagens de maneira preguiçosa e mui negativa (a protagonista chega a ser cúmplice de vilã!), sendo os diálogos péssimos e a consecução de situações desagradável em sua nulidade (num instante, alguém é estripado. No momento seguinte, quem testemunhou o crime está acenando num desfile?). Os efeitos visuais/de maquiagem são exagerados e nem sempre convincentes, mas funcionam dentro da reverência 'trash' do filme. Do meio para o final, chega a ser insuportável de ser conferido, de tão mal-feito que são os 'plots' e as interações entre os personagens: dá para perceber que se inspiraram nesta péssima releitura contemporânea - ainda em curso, infelizmente - da franquia PÂNICO. Urgh! (WPC>)
Um tesouro este documentário: em menos de uma hora, exibe imagens raras, valiosas, incríveis da juventude do mestre espanhol. Há análises inteligentes de alguns seus filmes e entrevistas com importantes colaboradores. Obviamente que, por ser curto (e televisivo), falta muita coisa. Mas, dentro do que pôde fazer, é ótimo! (WPC>)
Sendo bastante sincero: quando o filme começou, não cri que gostaria tanto dele, em razão da apresentação um tano convencional dos depoimentos e da abordagem quase aleatória da trajetória de interações, ao longo de 15 anos, numa montagem que não respeita a cronologia. À medida que eu avançava (ou melhor, imergia) no filme, percebi que ele respeitava a cadência musical/comunicacional que permitiu que o talentoso e simpático Lorenzo afinal se comunicasse - e, nessa investida e "canção de uma nota só", eu me emocionei. O desfecho é belíssimo e a própria exposição do diretor, enquanto músico sobremaneira compenetrado é incrível. Como não se apaixonar pelo tratamento deveras humano da musicoterapeuta Clarisse Prestes? Uma mulher incrível, que realiza milagres em sua pratica artística. Não tem nada a ver com os trabalhos marginais do realizador (ele tenta emular o estilo anterior através daquela edição acelerada?!), mas é uma reinvenção envelhecida sobremaneira respeitável. Quis uma louvável coincidência que eu tenha ajuda o amigo de um amigo a corrigir um TCC sobre autismo, recentemente. Envolvi-me tanto com o tema que, vendo o filme, gostei muito mais do que eu imaginava e esperava. Comigo, funcionou bastante! (WPC>)
Apesar de não ter funcionado plenamente comigo, nesta revisão, acho compreensível e defensável que muitos críticos considerem este filme uma obra-prima. Afinal, representa, sim, a quintessência do subgênero 'noir', numa trama sobremaneira complicada (a partir de certo ponto) que, a despeito de uma ou outra firula, não suprime a excelência do roteiro: anotei vários diálogos, enquanto revia o filme. O elenco é ótimo, o desfecho é belíssimo e a condução directiva é adulta, madura e tecnicamente elegante, demonstrando que seu realizador transcreveu com rigor e maestria aquilo que aprendera e executara durante seus maravilhosos filmes de terror. Repleto de possibilidades de interpretações e conjecturas. A ser revisto, novamente! (WPC>)
Não vi o filme anterior do diretor (mas tenho certeza de que o apreciarei) e, pela comparação entre os dois enredos, dá para perceber que ele deseja se firmar como uma espécie de Nick Hornby cinematográfico. O ponto de partida para este filme possui muitas similaridades com ALTA FIDELIDADE, ainda que siga um rumo narrativo à la P.S. EU TE AMO. Seja como for, ele consegue nos cativar e demonstrar volição quanto à superação emocional da protagonista, num luto prolongado por alguém que se foi há dois anos. Os atores são simpáticos e, obviamente, as canções são legaizinhas (Nely Furtado até faz uma ponta!), mas a falta de lógica físico-teleológica do roteiro faz com que percamos o interesse na situação central, visto que as "descobertas" da protagonista, quanto ao disco definitivo que pode mudar o seu passado/futuro, não fazem multo sentido. É uma diversão confortável, mas que desperdiça a chance de ser um filme realmente interessante. O terço final apressa o ritmo e torna-se enfadonho, paradoxalmente. Uma pena. Mas insisto que o diretor merece ser conhecido: aguardemos os seus próximos trabalhos! (WPC>)
Apesar de prolífico e tendente ao surrealismo, há algo que me decepciona nos filmes do Quentin Dupieux: em determinado momento de seus trabalhos, em parece capitular ceder às convenções de um divertimento que exige a "facilitação". Não é o caso aqui: naquele que talvez seja o mais realista de seus filmes, ele atinge píncaros de genialidade reivindicativa e de ambigüidade política, criticando desde o fascínio provocado pela extrema-direita entre os trabalhadores fatigados quanto o elitismo dos artistas acostumados ao puxa-saquismo da critica. Raphaël Quenard está belíssimo e mui eloqüente enquanto protagonista, num elenco extraordinário e muitíssimo bem dirigido. A duração curta facilita a adesão imediata dos espectadores à proposta auto-investigativa do realizador, que nos obriga a refletir sobre o que está acontecendo, evitando o maniqueísmo julgamental acerca de quem está certo ou errado. O que temos diante de nós é um dilema: por que escolhemos obedecer a algumas regras? Que interesses ostentamos ao fazê-lo? Um filme inteligentíssimo e engraçado ao lidar com uma situação sumamente dramática. Amei! (WPC>)
Quando esta produção recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, estranhei que ele retirasse o prêmio dos favoritos orientais; quando o vi pela primeira vez, na extinta "Sexta Sexy", da Band, não entendi algumas situações e frustrei-me por ele não ser "erótico o suficiente". Erro meu! Revisto agora, fiquei impressionado perante a excelência do roteiro e a magnificência dos diálogos e interpretações. Amei a seriedade e perfeição da Chus Lampreave, num personagem não-almodovariano. Mas e Fernando Fernán Gómez que brilha do início ao fim: que personagem sublime, um ideal de maturidade e sanidade, para mim. As cenas são repletas de sutileza política e erótica, unindo ambos os conceitos de maneira inteligentíssima. Maravilhoso! A trilha musical de Antonie Duhamel encantar-me-á perpetuamente: lindo, lindo, lindo filme! (WPC>)
Sou fã do diretor e interesso-me bastante pelo modo como ele concede asas livres à sua imaginação, em percursos atravessados pela liberação erótica e auto-reconhecimento identitário. Aqui, fascinei-me de imediato por ao menos dois dos personagens do trio central: Isabella e Jonata são fascinantes, apaixonantes, e foi maravilhoso acompanhar o passeio dominical deles por São Paulo. As menções, entre o ficcional e o documental àquela "pandemia da amnésia" são oportunas e inteligentes, bem como as aparições da diva Gilda Nomacce e os jogos com efeitos sonoros. Há muitos detalhes e referências nas entrelinhas e diálogos, muito humor e muita consciência melancólica (mas não paralisante) da necessidade de seguir e frente. Por vezes, lembrei de CÉLINE E JULIE VÃO DE BARCO, há muitas similaridades com o 'trottoir' surrealista/psicodélico urbano do Jacques Rivette, o que vai se tornando cada vez mais explícito, até a apoteose antes do desfecho. Pessoalmente, preferi muito mais a primeira metade que a segunda, mas gosto de como termina, fiquei com as canções repetindo na mente, algum tempo após a sessão. Minha paixão pelo diretor foi recompensada: um filme fofo e motivacional. Uma belezinha, remédio certeiro para o mal-estar das "pequenas e grandes doenças que todos nós temos"! (WPC>)
Enquanto eu via o filme, por mais que eu estivesse fascinado pela magnifica interpretação da garotinha Sofía Otero e pela delicadeza na abordagem da temática da transexualidade infantil, parecia que eu não estava gostando tanto da obra. Quiçá por seu ritmo lento ou pela recusa em aderir a uma narrativa tradicional, no sentido de que o protagonismo é diluído entre mais de uma personagem: a garotinha que descobre a sua própria identidade serve como espelhamento genético para a mãe artista, em dúvida quanto ao(s) próprio(s) talento(s) e o acolhimento mui afetuoso da tia-avó cuidadora de abelhas. Os fatos ocorrem de maneira plácida, sem dependerem de um clímax anunciado, que, quando ocorre, tem uma função mais metafórica que efetivamente causal: é quando aplica-se, na prática, o que é discutido num diálogo anterior, acerca da inexistência daquilo que não tem nome, que não é chamado por ninguém, por conta disso. Terminada a sessão, não paro de pensar no filme, de maneira encantatória: é uma obra sobre relações familiares naturalizadas a partir da aceitação de ideais possíveis e sobre o amor enquanto artefato artístico. Bonito e atípico. O idioma basco causa muita estranheza entre os ouvintes! (WPC>)
Por mais que se reclame do moralismo gritante do título brasileiro, eu gosto de como ele antecipa um rol de expectativas positivamente frustradas: por se tratar de um filme da fase estadunidense do Lang, esperávamos uma trama de vingança. Tem-se um relato de reconciliação interna; por conter uma participação actancial da jovem Marilyn Monroe, pensamos haver erotização exacerbada de sua presença. Encontramos um retrato de rebeldia empregatícia, em sua ótima interpretação; por se tratar de uma época em que as convenções hollywoodianas rendiam-se ao machismo dominante, pensamos encontrar algo que confirme o tal título. Lidamos com um roteiro maduro, em que há também brechas para a exortação da emancipação feminina, não obstante as escolhas que as personagens tenham à disposição sejam exíguas e/ou insatisfatórias. Os diálogos são maravilhosos e a ascendência teatral do enredo rende momentos de suma pujança dramatúrgica, sobretudo na segunda metade, depois que as ondas quebram novamente com violência na praia, sob a luz do luar, agora justificando o título original. Achei a abordagem moderníssima, quiçá influenciada por STROMBOLI e antecipando tanto MARTY quanto o recente RODA GIGANTE. Barbara Stanwyck está soberba, como a protagonista comedida e cansada, após tantos maus tratos da vida livre que ela desejou para ti. Paul Douglas surge enquanto complemento sobremaneira digno. Keith Andes é o jovem sensual, ponderado e intenso em iguais medidas. Enquanto Robert Ryan aparece como aquele que tem a função de estragar tudo o que toca. Foi a única interpretação que eu não gostei tanto (o que demonstra, talvez a intencionalidade alcançada dos propósitos insuportáveis do personagem?). Direção segura, ainda que atípica. Achei o filme deliciosamente estranho, muito à frente das convenções românticas daquele período, no que tange à abordagem de um dilema essencialmente feminino. Em dado momento, soou-me arrítmico, demorado, estendido, prolongado.... Mas assim também era o dilema da protagonista. Muito bom! (WPC>)
As reviravoltas deste filme são tão impressionantes e o roteiro é tão impressionante na demonstração daquilo que está contido em seu título, que, não tem jeito: não importa quantas vezes o revejamos, o impacto é sempre como se fosse a primeira vez. Dá pena do personagem de Tom Neal, tadinho, mas a espiral de azar só tende a crescer. Ann Savage é a vilã de filme 'noir' que todos nós queremos e tememos. Incrível o que o diretor faz com um orçamento reduzido e condições céleres de filmagem. Magnífico em cada detalhe e traumatizante na maneira como surgem os relatos de agressão de violência dos personagens, caramba! (WPC>)
A direção e o roteiro estragam todas as possibilidades que este filme tinha de ser muito interessante, enquanto análise ambivalente das interferências de 'coaches' nas vidas de pessoas deprimidas e/ou exploradas por outrem. Gosto das interações nos grupos de apoio e de como o personagem de Nicholas Hoult lida com as suas inseguranças subservientes. Porém, quando a personagem de Awkwafina entra em cena, extremamente caricatural, a trama desanda, no sentido de que começa a haver muita competição quanto ao mote tramático principal. Ou seja, além do ótimo ponto de partida contido no título brasileiro, há a briga de gangues e a corrupção policial, de um lado, e a abnegação de duas irmãs para vingar a morte injusta do pai policial. Tudo isso em meio a muito sangue e piadas fora de tom. Minha mãe divertiu-se, ao meu lado, e, volta e meia, eu sentia que o filme poderia render bastante, o que continua a ocorrer entre uma ou outra brecha de banalização psicanalítica. Nicolas Cage ao menos se diverte, ainda que a ovação da "crueldade pela crueldade" não faça sentido na caracterização de seu personagem. Gostei das inserções de sua imagem em versões antigas de produções com o personagem Drácula (risos). (WPC>)
Meus contatos anteriores com a diretora não são dos melhores, no sentido de que suas intenções sempre descambam para as festividades e, por extensão, celebração das benesses classistas dos seus personagens. Aqui, de fato, tem-se isso logo no início, no aniversário da mãe das protagonistas. Mas o roteiro é direcionado para a "correção" do relacionamento entre as duas personagens fraternais, o que descamba para uma interessante tônica feminista, do meio para o final, culminando num desfecho positivamente empoderado(r). A química entre as duas atrizes principais é descontínua, mas acertada (até porque isso é abordado internamente): gosto muito da Tatá Werneck (por mais que, às vezes, seja difícil compreender o que ela está falando), enquanto a Ingrid Guimarães realmente se esforça para compor uma mulher com sentimentos tridimensionais. A aparição do personagem de Leandro Lima, neste sentido, é importante enquanto catalisador orgástico. Minha mãe, que viu o filme ao meu lado, riu bastante, o que confirma o sucesso da obra, em termos de alcance de público. E Arlete Salles cumpre com dignidade a sua participação, conferindo toques de reflexões adultas a uma obra que não é tão rasteira quanto a sua divulgação faz parecer: em meio a todos os seus vícios discursivos, há algo de inovador e bem-vindo, ao questionar a fidelidade excessiva das donas-de-casa abnegadas. Quem diria? (WPC>)
Antes da sessão, comentei com um dos co-diretores (que repassou-me o arquivo com o filme) que não um dos maiores admiradores do cinema estrutural, subgênero ao qual ele relacionara o filme. Para além das características elementares deste tipo de filme, a sinopse ora acostuma (em relação à qual não tive acesso antes da sessão) demonstra uma intenção mais explícita, quanto ao viés analítico da obra. Não há nada escrito na tela, contextualizando o título/cenário. Para quem nunca foi a Indaiatuba, por exemplo, a fazenda apresentada poderia ser uma senzala antiga, abandonada, e imaginamos os gritos de muitas pessoas maltratadas e exploradas naqueles ambientes. O filme, porém, joga com uma relação entre espaço físico criado pelo homem e a natureza circundante: as plantas insistem em brotar em meio aos tijolos e linhas de trem. Gostei muitíssimo de como o som direto aproveitou a importância e a beleza do canto dos pássaros e farfalhar das folhas. O céu alvo impressiona, inclusive pelo modo se movimenta. Somos testemunhas do tempo em ação, em curso. Mas algo incomodava-me, no que tange à impressão de que aqueles lugares foram palco de exploração do trabalho alheio. Até que um enorme trem corta a tela, numa seqüência que funciona como clímax. A despeito de um eventual mal-estar concernente ao meu problema com o subgênero (sinto falta de ver pessoas e, aqui, achei o projeto pouco discernível na prática da montagem), é um filme divertido de ser visto, é agradável assistir às nuvens que passam, enquanto marimbondos e pássaros eventualmente são captados pela tela. Não é um trabalho que me cative, como eu suspeitava, mas agrada em suas entrelinhas (exceto pelo que a minha imaginação histórica fez divagar quanto ao passado do lugar que eu não conhecia), de modo que, sim, não apenas eu parabenizo os diretores como agradeço à confiança depositada em nós, espectadores. E viva o cinema super alternativo produzido no Brasil! (WPC>)
Quando vi o 'trailer', pensei que divertir-me-ia: gosto da Sydney Sweeney e achei o seu parceiro de cena muito bonito. Mas a seqüências de abertura já denunciou onde o filme falharia radicalmente: na sua ode à falta de comunicação como algo divertido (não é). Além de a suposta vontade de urinar da protagonista revelar-se inconvincente, o modo como é alimentando o desentendimento entre os dois futuros amantes é vexatório, o que só piora a cada aparição gaiata do estranhamente assexuado personagem Pete, cujas ações estão todas voltadas para os encontros amorosos de outras pessoas. As piadas envolvendo as desavenças entre os protagonistas não repetitivas e, por mais que se mostre os corpos seminus deles, tudo é feito de maneira frígida, sem tesão. É como se o sexo fosse algo destrutivo, tal qual chega a insinuar Pete acerca da geração 'hippie' de seu padrasto, vivido de maneira caricatural por Bryan Brown. Fiquei triste ao perceber Rachel Griffiths e Dermot Mulroney reduzidos a personagens paspalhos e irritantes. A vendabilidade do conforto associado aos benefícios de classe (verdadeiro tema do filme) assume píncaros cada vez mais nojosos à medida que os ensaios para o casamentos são desenrolados. E o que já era muito ruim torna-se pior: o para que o casal adira à previsível reconciliação, é preciso difamar ainda mais as pessoas (e/ou possíveis concorrentes à sua volta). Não vou mentir que gostei de alguns aspectos, como as frases de efeito espalhadas pelo cenário ou o retorno a seqüências-chave da trama, ressiginificadas na cantoria coletiva do desfecho. Mas é tudo muito, muito ruim, de dar medo, tamanho o seu investimento propagandístico acerca do luxo e das referendações institucionais do envolvimento romântico entre as pessoas. Para mim, hediondo. Nem a suposta atualização de uma comédia shakespeareana serviu: péssimo em nível abissal. O diretor é ostensivamente inábil naquilo que pretende: e tome-lhe câmera girando enquanto os protagonistas se beijam mecanicamente, aff! (WPC>)
Ainda não li a novela do Robert Louis Stevenson, mas está aqui, em lugar privilegiado em minha lista. Sou obcecado pela versão do Robert Mamoulian e fiquei impressionado pelo elenco reunido, mas a direção do Victor Fleming não extrai a expressividade prometida a partir das situações descritas: achei o filme seco, impessoal, desenxabido: o protagonista é bem delineado, nos diálogos iniciais, mas, depois, resume-me a uma caracterização burocrática de uma malvadeza direcionada e exclusivista; Lana Turner pareceu-me francamente subaproveitada; e Ingrid Bergman brilha, extrai pujança dramática correspondente à sua personagem, de modo que os melhores momentos do filme são quando ela está em cena. Mas, mesmo assim, é insuficiente para resgatar a maestria do trabalho como um todo, visto que o Fleming age como um realização em linha de produção, dá para perceber na tela a quantidade de vezes em que ele ensaiou, esvaziando a trama daquilo que ela tem de mais intensa. Achei o filme interminável por vezes, queria que acabasse logo. Talvez numa revisão sem tantas expectativas funcione melhor. Nalgum momento, quiçá após a leitura do livro, hei de revê-lo. Por ora, não funcionou muito! :( - WPC>
Que filme belíssimo! Estava precisando muito de uma trama lenta e intensa (em sua carnalidade) como essa, em que os personagens se encontram, se amam e seguem as suas vidas, como ocorre com muitos de nós (ou todos nós) no frenesi contemporâneo, sob a égide do capitalismo urbano. A fotografia é calorosa, acolhedora, e a trilha musical de Lucas Carvalho direciona a cadência da montagem, perpetrada pelo próprio diretor. É um filme permanentemente musicado, que traduz em imagens e sentimentos os versos da canção de Dona Ivone Lara, que a protagonista entoa num momento-chave. Shrilene Paixão está ótima em cena, mas é Welket Bungué que nos apaixona ainda mais a cada aparição: que homem lindo e talentoso, sutil na delicadeza da expressões e falas, olhares e movimentos. Fiquei encantado ao longo do filme inteiro, amei o seu ritmo compassado, a ausência de teleologia no desenrolar da narrativa. Encontra-se, desencontra-se e os ciclos recomeçam: é assim em nossos empregos, é assim na rotina da vida. Belíssimo! (WPC>)
Fiquei muito surpreso com algo que acontece no meio dos créditos finais, uma imagem que justifica muitas das opções estéticas da narrativa (que o cenário seja Curitiba, por exemplo). Não entendo o porquê de esse filme ter sido tão atacado por alguns críticos: o achei muito eficiente enquanto exercício de gênero, trazendo para o Brasil situações comuns em Hollywood, na década de 1990, no mesmo clima de A MÃO QUE BALANÇA O BERÇO, por exemplo. Fico impressionado com a versatilidade do José Eduardo Belmonte, ainda que, sendo tão prolífico, ele ainda não consiga ostentar um estilo próprio. Mas é um artesão hábil, que equivoca-se, aqui, ao optar por iniciar o filme com situações de seu desfecho (afinal, em aberto). Nem precisava: a mudança de perspectiva sobre a suspeição do cônjuge ocorre de maneira interessante na trama, por mais que, no início, pareça-se julgar excessivamente a personagem de Grazi Massafera, tanto quanto os demais personagens também o faziam. Não achei as interpretações do casal central ruins: pelo contrário, são eficientes no jogo de aparências que trazem à tona, o que ganha mais pontos com a verve ostensivamente antibolsonarista do roteiro. Por vezes, senti-me positivamente perturbado. É um filme que merece encontrar o seu público, portanto: de minha parte, recomendo-o com entusiasmo! (WPC>)
Já tinha ouvido falar muito sobre essa dupla de comediantes, mas nunca tive a oportunidade de conferir nenhum de seus filmes. Acho que comecei por um ideal, repleto de 'gags' e trama geral. É o modelo que deu origem às imitações chanchadescas no Brasil, né? Uma ou outra palhaçada (aliás, palhaçadas o tempo inteiro), perseguições frenéticas, um mote romântico entre coadjuvantes e canções afetadas, aqui e acolá. O Abbott é sério demais, pouco engraçado. Mas papouquei-me de rir com o Costello, desde a primeira aparição, e a situação envolvendo o Rags Ragland. Minha mãe estava ao meu lado, e lembrou de quando via estes filmes, em sua pré-adolescência, na década de 1950. O roteiro é mero pretexto para as 'gags' (e canções), mas o filme diverte. Quando entendemos que ele segue à risca uma fórmula bem sucedida, deixamo-nos levar e caímos na gargalhada. A seqüência final, na montanha-russa, é pura ode às aventuras de quem se atrapalha no dia a dia... kkkkkkkkkkkk (WPC>)
Vi o filme por puro acaso, numa exibição na HBO, e achei uma gracinha. 'Pop' e despretensioso, mas não blasfemo, como talvez tenha sido acusado. Tudo bem, não curti os estereótipos trapalhões do Anjo Gabriel e dos Reis Magos, mas as canções são fofinhas, Milo Manheim é apaixonante e Antonio Banderas está divertindo-se à beça, entregando-se à caricatura sem receio e sem medo de ser feliz (ainda que seja o vilão). Foi realmente uma grata surpresa. Sou obcecado por musicais, não tinha como não funcionar comigo! (risos) - WPC>
Verdades Dolorosas
3.4 22 Assista AgoraA cada novo filme desta diretora que eu descubro, gosto mais e mais dela: o interessante é como ela consegue nos fazer empatizar com pessoas (ricas e eventualmente entendidas ou culpadas) que, noutro contexto, causar-nos-ia irritação. A opção por equalizar os cotidianos de mais de um personagem - ao invés de apenas focar na ótima protagonista - foi mui acertado: fiquei apaixonado pela irmã! Os diálogos atualizam aquilo que, antes, admirávamos em Woody Allen, por exemplo, mas numa vertente mais abrangente, feminina, dócil, otimista em seu ímpeto ressignificador. É muito engraçado ao não titubear perante as tristezas do dia a dia, tornando-as matéria-prima de uma reflexão agridoce e graciosa sobre as "mentiras piedosas" que contamos e as conseqüências das mesmas - às vezes, não tão bondosas quanto intencionadas. Elenco excelente, progressão da narrativa respeitosa e entretenedora. Amo a Nicole Holofcener, ela merece ser descoberta pelo grande público - nem que seja como proporcionadora de filmes de auto-ajuda (para os aquisitivamente favorecidos) com elogiáveis qualidades! (WPC>)
Shaft
3.1 139 Assista AgoraAntes da sessão, não sabia muito o que pensar: a despeito de, na época, eu ainda confiar bastante no John Singleton, achei a regravação desnecessária, tinha a impressão de que o Samuel L. Jackson talvez fosse velho demais para a conjuntura sexual do personagem. Para a minha (boa) surpresa, o diretor não regrava o filme original (cujo protagonista também comparece como parente do personagem-título atual): trata-se de uma nova vertente justiceira, de outra pegada (o sexo ocorre em 'off', em breves relances, mencionados em diálogos provocadores). O enfoque é mais explicitamente antirracista (como se esperava do realizador), com reflexões sobre impunidade que têm muito a ver com o cinema policial hollywoodiano da década de 1980. Gostei muito de ver Toni Collette enquanto coadjuvante de kuxo, bonitona, expressiva... Christian Bale torna o seu mimado personagem sobremaneira repulsivo (ainda que ele também pareça acima da idade para o papel de almofadinha juvenil) e Jeffrey Wright está super sedutor como vilão acessório, ambíguo, atemorizante. É um filme estranho em seu tom "convencional" em muitos aspectos, mas longe de ser desprezível. Bem interpretado, honesto em suas intenções, reverente na medida certa quanto ao produto original, bem mais cru. Curti, quem diria... Por que deixei passar tanto tempo até aceitar este bom produto de massa?! (WPC>)
Aquaman 2: O Reino Perdido
2.9 303 Assista AgoraQuando Patrick Wilson está em cena, o filme cresce bastante. Quando não, é atravessado por um humor infantilizado e inconveniente, no qual o protagonista parece estar cansado de interpretar um personagem que tanto lhe convém. O elenco é privilegiado, mas os papéis que ficam sob o seu encargo, nem tanto, infelizmente. O visual subaquático é deslumbrante, mas o ritmo da narrativa é confuso e desinteressante. Em determinado momento, senti-me tentado a não entender mais o que estava em curso, de tão arrítmico que era o desenrolar dos eventos, as explicações sobre os fatos que concatenam os personagens. O vilão é vendido como impactante, mas facilmente derrotável, a despeito do poderio milenar e da enorme malevolência. Minha mãe curtiu os exageros dos cenários, o jogo de cores... Eu fiquei entediado, na maior parte da sessão, mas tem duas ou três seqüências que causam um mínimo fascínio (o que ocorre na Boca do Diabo, por exemplo)... (WPC>)
A Dona da História
3.3 182Apesar de eu ter um interesse agudo de pesquisa acadêmica nos filmes da GloboFilmes - precisamente no período em que esse título foi lançado -, por algum motivo, deixei este filme passar, quando ele esteve em exibição nos cinemas. Uma pena: a despeito dos sustos iniciais por causa da montagem picotada, a origem teatral é muito boa e o quarteto de atores está bastante inspirado. O roteiro antecipa muito do que, recentemente, comoveu as platéias internacionais em TUDO EM TODO O LUGAR AO MESMO TEMPO. É uma comédia romântica com as obsessões aburguesadas da produtora, mas que possui momentos legitimamente interessantes e algumas brechas dramáticas dignas de menção elogiosa. Mais uma vez, por causa do elenco inspirado. A trilha cancional é fofinha em seu resgate nostálgico. Foi uma acalentadora surpresa, descoberto vinte anos depois! (WPC>)
Feriado Sangrento
3.1 404Uma pena que um ponto de partida tão brilhante tenha se esvaído... A seqüência de abertura é magistral (aterrorizante e mui original), mas, do primeiro terço para o final, tudo se esvai, degringola... Por mais que obedeça à cartilha 'slasher', desenvolve os personagens de maneira preguiçosa e mui negativa (a protagonista chega a ser cúmplice de vilã!), sendo os diálogos péssimos e a consecução de situações desagradável em sua nulidade (num instante, alguém é estripado. No momento seguinte, quem testemunhou o crime está acenando num desfile?). Os efeitos visuais/de maquiagem são exagerados e nem sempre convincentes, mas funcionam dentro da reverência 'trash' do filme. Do meio para o final, chega a ser insuportável de ser conferido, de tão mal-feito que são os 'plots' e as interações entre os personagens: dá para perceber que se inspiraram nesta péssima releitura contemporânea - ainda em curso, infelizmente - da franquia PÂNICO. Urgh! (WPC>)
Pedro Almodóvar, O Insolente de la Mancha
4.2 3Um tesouro este documentário: em menos de uma hora, exibe imagens raras, valiosas, incríveis da juventude do mestre espanhol. Há análises inteligentes de alguns seus filmes e entrevistas com importantes colaboradores. Obviamente que, por ser curto (e televisivo), falta muita coisa. Mas, dentro do que pôde fazer, é ótimo! (WPC>)
Meu Amigo Lorenzo
2.8 2Sendo bastante sincero: quando o filme começou, não cri que gostaria tanto dele, em razão da apresentação um tano convencional dos depoimentos e da abordagem quase aleatória da trajetória de interações, ao longo de 15 anos, numa montagem que não respeita a cronologia. À medida que eu avançava (ou melhor, imergia) no filme, percebi que ele respeitava a cadência musical/comunicacional que permitiu que o talentoso e simpático Lorenzo afinal se comunicasse - e, nessa investida e "canção de uma nota só", eu me emocionei. O desfecho é belíssimo e a própria exposição do diretor, enquanto músico sobremaneira compenetrado é incrível. Como não se apaixonar pelo tratamento deveras humano da musicoterapeuta Clarisse Prestes? Uma mulher incrível, que realiza milagres em sua pratica artística. Não tem nada a ver com os trabalhos marginais do realizador (ele tenta emular o estilo anterior através daquela edição acelerada?!), mas é uma reinvenção envelhecida sobremaneira respeitável. Quis uma louvável coincidência que eu tenha ajuda o amigo de um amigo a corrigir um TCC sobre autismo, recentemente. Envolvi-me tanto com o tema que, vendo o filme, gostei muito mais do que eu imaginava e esperava. Comigo, funcionou bastante! (WPC>)
Fuga do Passado
4.0 86 Assista AgoraApesar de não ter funcionado plenamente comigo, nesta revisão, acho compreensível e defensável que muitos críticos considerem este filme uma obra-prima. Afinal, representa, sim, a quintessência do subgênero 'noir', numa trama sobremaneira complicada (a partir de certo ponto) que, a despeito de uma ou outra firula, não suprime a excelência do roteiro: anotei vários diálogos, enquanto revia o filme. O elenco é ótimo, o desfecho é belíssimo e a condução directiva é adulta, madura e tecnicamente elegante, demonstrando que seu realizador transcreveu com rigor e maestria aquilo que aprendera e executara durante seus maravilhosos filmes de terror. Repleto de possibilidades de interpretações e conjecturas. A ser revisto, novamente! (WPC>)
Grandes Hits
3.3 28 Assista AgoraNão vi o filme anterior do diretor (mas tenho certeza de que o apreciarei) e, pela comparação entre os dois enredos, dá para perceber que ele deseja se firmar como uma espécie de Nick Hornby cinematográfico. O ponto de partida para este filme possui muitas similaridades com ALTA FIDELIDADE, ainda que siga um rumo narrativo à la P.S. EU TE AMO. Seja como for, ele consegue nos cativar e demonstrar volição quanto à superação emocional da protagonista, num luto prolongado por alguém que se foi há dois anos. Os atores são simpáticos e, obviamente, as canções são legaizinhas (Nely Furtado até faz uma ponta!), mas a falta de lógica físico-teleológica do roteiro faz com que percamos o interesse na situação central, visto que as "descobertas" da protagonista, quanto ao disco definitivo que pode mudar o seu passado/futuro, não fazem multo sentido. É uma diversão confortável, mas que desperdiça a chance de ser um filme realmente interessante. O terço final apressa o ritmo e torna-se enfadonho, paradoxalmente. Uma pena. Mas insisto que o diretor merece ser conhecido: aguardemos os seus próximos trabalhos! (WPC>)
Yannick
3.4 12 Assista AgoraApesar de prolífico e tendente ao surrealismo, há algo que me decepciona nos filmes do Quentin Dupieux: em determinado momento de seus trabalhos, em parece capitular ceder às convenções de um divertimento que exige a "facilitação". Não é o caso aqui: naquele que talvez seja o mais realista de seus filmes, ele atinge píncaros de genialidade reivindicativa e de ambigüidade política, criticando desde o fascínio provocado pela extrema-direita entre os trabalhadores fatigados quanto o elitismo dos artistas acostumados ao puxa-saquismo da critica. Raphaël Quenard está belíssimo e mui eloqüente enquanto protagonista, num elenco extraordinário e muitíssimo bem dirigido. A duração curta facilita a adesão imediata dos espectadores à proposta auto-investigativa do realizador, que nos obriga a refletir sobre o que está acontecendo, evitando o maniqueísmo julgamental acerca de quem está certo ou errado. O que temos diante de nós é um dilema: por que escolhemos obedecer a algumas regras? Que interesses ostentamos ao fazê-lo? Um filme inteligentíssimo e engraçado ao lidar com uma situação sumamente dramática. Amei! (WPC>)
Sedução
3.4 30Quando esta produção recebeu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, estranhei que ele retirasse o prêmio dos favoritos orientais; quando o vi pela primeira vez, na extinta "Sexta Sexy", da Band, não entendi algumas situações e frustrei-me por ele não ser "erótico o suficiente". Erro meu! Revisto agora, fiquei impressionado perante a excelência do roteiro e a magnificência dos diálogos e interpretações. Amei a seriedade e perfeição da Chus Lampreave, num personagem não-almodovariano. Mas e Fernando Fernán Gómez que brilha do início ao fim: que personagem sublime, um ideal de maturidade e sanidade, para mim. As cenas são repletas de sutileza política e erótica, unindo ambos os conceitos de maneira inteligentíssima. Maravilhoso! A trilha musical de Antonie Duhamel encantar-me-á perpetuamente: lindo, lindo, lindo filme! (WPC>)
Três Tigres Tristes
3.6 4 Assista AgoraSou fã do diretor e interesso-me bastante pelo modo como ele concede asas livres à sua imaginação, em percursos atravessados pela liberação erótica e auto-reconhecimento identitário. Aqui, fascinei-me de imediato por ao menos dois dos personagens do trio central: Isabella e Jonata são fascinantes, apaixonantes, e foi maravilhoso acompanhar o passeio dominical deles por São Paulo. As menções, entre o ficcional e o documental àquela "pandemia da amnésia" são oportunas e inteligentes, bem como as aparições da diva Gilda Nomacce e os jogos com efeitos sonoros. Há muitos detalhes e referências nas entrelinhas e diálogos, muito humor e muita consciência melancólica (mas não paralisante) da necessidade de seguir e frente. Por vezes, lembrei de CÉLINE E JULIE VÃO DE BARCO, há muitas similaridades com o 'trottoir' surrealista/psicodélico urbano do Jacques Rivette, o que vai se tornando cada vez mais explícito, até a apoteose antes do desfecho. Pessoalmente, preferi muito mais a primeira metade que a segunda, mas gosto de como termina, fiquei com as canções repetindo na mente, algum tempo após a sessão. Minha paixão pelo diretor foi recompensada: um filme fofo e motivacional. Uma belezinha, remédio certeiro para o mal-estar das "pequenas e grandes doenças que todos nós temos"! (WPC>)
20.000 Espécies de Abelhas
4.2 14Enquanto eu via o filme, por mais que eu estivesse fascinado pela magnifica interpretação da garotinha Sofía Otero e pela delicadeza na abordagem da temática da transexualidade infantil, parecia que eu não estava gostando tanto da obra. Quiçá por seu ritmo lento ou pela recusa em aderir a uma narrativa tradicional, no sentido de que o protagonismo é diluído entre mais de uma personagem: a garotinha que descobre a sua própria identidade serve como espelhamento genético para a mãe artista, em dúvida quanto ao(s) próprio(s) talento(s) e o acolhimento mui afetuoso da tia-avó cuidadora de abelhas. Os fatos ocorrem de maneira plácida, sem dependerem de um clímax anunciado, que, quando ocorre, tem uma função mais metafórica que efetivamente causal: é quando aplica-se, na prática, o que é discutido num diálogo anterior, acerca da inexistência daquilo que não tem nome, que não é chamado por ninguém, por conta disso. Terminada a sessão, não paro de pensar no filme, de maneira encantatória: é uma obra sobre relações familiares naturalizadas a partir da aceitação de ideais possíveis e sobre o amor enquanto artefato artístico. Bonito e atípico. O idioma basco causa muita estranheza entre os ouvintes! (WPC>)
Só a Mulher Peca
3.8 27 Assista AgoraPor mais que se reclame do moralismo gritante do título brasileiro, eu gosto de como ele antecipa um rol de expectativas positivamente frustradas: por se tratar de um filme da fase estadunidense do Lang, esperávamos uma trama de vingança. Tem-se um relato de reconciliação interna; por conter uma participação actancial da jovem Marilyn Monroe, pensamos haver erotização exacerbada de sua presença. Encontramos um retrato de rebeldia empregatícia, em sua ótima interpretação; por se tratar de uma época em que as convenções hollywoodianas rendiam-se ao machismo dominante, pensamos encontrar algo que confirme o tal título. Lidamos com um roteiro maduro, em que há também brechas para a exortação da emancipação feminina, não obstante as escolhas que as personagens tenham à disposição sejam exíguas e/ou insatisfatórias. Os diálogos são maravilhosos e a ascendência teatral do enredo rende momentos de suma pujança dramatúrgica, sobretudo na segunda metade, depois que as ondas quebram novamente com violência na praia, sob a luz do luar, agora justificando o título original. Achei a abordagem moderníssima, quiçá influenciada por STROMBOLI e antecipando tanto MARTY quanto o recente RODA GIGANTE. Barbara Stanwyck está soberba, como a protagonista comedida e cansada, após tantos maus tratos da vida livre que ela desejou para ti. Paul Douglas surge enquanto complemento sobremaneira digno. Keith Andes é o jovem sensual, ponderado e intenso em iguais medidas. Enquanto Robert Ryan aparece como aquele que tem a função de estragar tudo o que toca. Foi a única interpretação que eu não gostei tanto (o que demonstra, talvez a intencionalidade alcançada dos propósitos insuportáveis do personagem?). Direção segura, ainda que atípica. Achei o filme deliciosamente estranho, muito à frente das convenções românticas daquele período, no que tange à abordagem de um dilema essencialmente feminino. Em dado momento, soou-me arrítmico, demorado, estendido, prolongado.... Mas assim também era o dilema da protagonista. Muito bom! (WPC>)
A Curva do Destino
3.8 49 Assista AgoraAs reviravoltas deste filme são tão impressionantes e o roteiro é tão impressionante na demonstração daquilo que está contido em seu título, que, não tem jeito: não importa quantas vezes o revejamos, o impacto é sempre como se fosse a primeira vez. Dá pena do personagem de Tom Neal, tadinho, mas a espiral de azar só tende a crescer. Ann Savage é a vilã de filme 'noir' que todos nós queremos e tememos. Incrível o que o diretor faz com um orçamento reduzido e condições céleres de filmagem. Magnífico em cada detalhe e traumatizante na maneira como surgem os relatos de agressão de violência dos personagens, caramba! (WPC>)
Renfield - Dando o Sangue Pelo Chefe
3.2 253 Assista AgoraA direção e o roteiro estragam todas as possibilidades que este filme tinha de ser muito interessante, enquanto análise ambivalente das interferências de 'coaches' nas vidas de pessoas deprimidas e/ou exploradas por outrem. Gosto das interações nos grupos de apoio e de como o personagem de Nicholas Hoult lida com as suas inseguranças subservientes. Porém, quando a personagem de Awkwafina entra em cena, extremamente caricatural, a trama desanda, no sentido de que começa a haver muita competição quanto ao mote tramático principal. Ou seja, além do ótimo ponto de partida contido no título brasileiro, há a briga de gangues e a corrupção policial, de um lado, e a abnegação de duas irmãs para vingar a morte injusta do pai policial. Tudo isso em meio a muito sangue e piadas fora de tom. Minha mãe divertiu-se, ao meu lado, e, volta e meia, eu sentia que o filme poderia render bastante, o que continua a ocorrer entre uma ou outra brecha de banalização psicanalítica. Nicolas Cage ao menos se diverte, ainda que a ovação da "crueldade pela crueldade" não faça sentido na caracterização de seu personagem. Gostei das inserções de sua imagem em versões antigas de produções com o personagem Drácula (risos). (WPC>)
Minha Irmã e Eu
3.1 139 Assista AgoraMeus contatos anteriores com a diretora não são dos melhores, no sentido de que suas intenções sempre descambam para as festividades e, por extensão, celebração das benesses classistas dos seus personagens. Aqui, de fato, tem-se isso logo no início, no aniversário da mãe das protagonistas. Mas o roteiro é direcionado para a "correção" do relacionamento entre as duas personagens fraternais, o que descamba para uma interessante tônica feminista, do meio para o final, culminando num desfecho positivamente empoderado(r). A química entre as duas atrizes principais é descontínua, mas acertada (até porque isso é abordado internamente): gosto muito da Tatá Werneck (por mais que, às vezes, seja difícil compreender o que ela está falando), enquanto a Ingrid Guimarães realmente se esforça para compor uma mulher com sentimentos tridimensionais. A aparição do personagem de Leandro Lima, neste sentido, é importante enquanto catalisador orgástico. Minha mãe, que viu o filme ao meu lado, riu bastante, o que confirma o sucesso da obra, em termos de alcance de público. E Arlete Salles cumpre com dignidade a sua participação, conferindo toques de reflexões adultas a uma obra que não é tão rasteira quanto a sua divulgação faz parecer: em meio a todos os seus vícios discursivos, há algo de inovador e bem-vindo, ao questionar a fidelidade excessiva das donas-de-casa abnegadas. Quem diria? (WPC>)
Pimenta Landscape
2.5 1Antes da sessão, comentei com um dos co-diretores (que repassou-me o arquivo com o filme) que não um dos maiores admiradores do cinema estrutural, subgênero ao qual ele relacionara o filme. Para além das características elementares deste tipo de filme, a sinopse ora acostuma (em relação à qual não tive acesso antes da sessão) demonstra uma intenção mais explícita, quanto ao viés analítico da obra. Não há nada escrito na tela, contextualizando o título/cenário. Para quem nunca foi a Indaiatuba, por exemplo, a fazenda apresentada poderia ser uma senzala antiga, abandonada, e imaginamos os gritos de muitas pessoas maltratadas e exploradas naqueles ambientes. O filme, porém, joga com uma relação entre espaço físico criado pelo homem e a natureza circundante: as plantas insistem em brotar em meio aos tijolos e linhas de trem. Gostei muitíssimo de como o som direto aproveitou a importância e a beleza do canto dos pássaros e farfalhar das folhas. O céu alvo impressiona, inclusive pelo modo se movimenta. Somos testemunhas do tempo em ação, em curso. Mas algo incomodava-me, no que tange à impressão de que aqueles lugares foram palco de exploração do trabalho alheio. Até que um enorme trem corta a tela, numa seqüência que funciona como clímax. A despeito de um eventual mal-estar concernente ao meu problema com o subgênero (sinto falta de ver pessoas e, aqui, achei o projeto pouco discernível na prática da montagem), é um filme divertido de ser visto, é agradável assistir às nuvens que passam, enquanto marimbondos e pássaros eventualmente são captados pela tela. Não é um trabalho que me cative, como eu suspeitava, mas agrada em suas entrelinhas (exceto pelo que a minha imaginação histórica fez divagar quanto ao passado do lugar que eu não conhecia), de modo que, sim, não apenas eu parabenizo os diretores como agradeço à confiança depositada em nós, espectadores. E viva o cinema super alternativo produzido no Brasil! (WPC>)
Todos Menos Você
3.1 378 Assista AgoraQuando vi o 'trailer', pensei que divertir-me-ia: gosto da Sydney Sweeney e achei o seu parceiro de cena muito bonito. Mas a seqüências de abertura já denunciou onde o filme falharia radicalmente: na sua ode à falta de comunicação como algo divertido (não é). Além de a suposta vontade de urinar da protagonista revelar-se inconvincente, o modo como é alimentando o desentendimento entre os dois futuros amantes é vexatório, o que só piora a cada aparição gaiata do estranhamente assexuado personagem Pete, cujas ações estão todas voltadas para os encontros amorosos de outras pessoas. As piadas envolvendo as desavenças entre os protagonistas não repetitivas e, por mais que se mostre os corpos seminus deles, tudo é feito de maneira frígida, sem tesão. É como se o sexo fosse algo destrutivo, tal qual chega a insinuar Pete acerca da geração 'hippie' de seu padrasto, vivido de maneira caricatural por Bryan Brown. Fiquei triste ao perceber Rachel Griffiths e Dermot Mulroney reduzidos a personagens paspalhos e irritantes. A vendabilidade do conforto associado aos benefícios de classe (verdadeiro tema do filme) assume píncaros cada vez mais nojosos à medida que os ensaios para o casamentos são desenrolados. E o que já era muito ruim torna-se pior: o para que o casal adira à previsível reconciliação, é preciso difamar ainda mais as pessoas (e/ou possíveis concorrentes à sua volta). Não vou mentir que gostei de alguns aspectos, como as frases de efeito espalhadas pelo cenário ou o retorno a seqüências-chave da trama, ressiginificadas na cantoria coletiva do desfecho. Mas é tudo muito, muito ruim, de dar medo, tamanho o seu investimento propagandístico acerca do luxo e das referendações institucionais do envolvimento romântico entre as pessoas. Para mim, hediondo. Nem a suposta atualização de uma comédia shakespeareana serviu: péssimo em nível abissal. O diretor é ostensivamente inábil naquilo que pretende: e tome-lhe câmera girando enquanto os protagonistas se beijam mecanicamente, aff! (WPC>)
O Médico e o Monstro
3.6 32 Assista AgoraAinda não li a novela do Robert Louis Stevenson, mas está aqui, em lugar privilegiado em minha lista. Sou obcecado pela versão do Robert Mamoulian e fiquei impressionado pelo elenco reunido, mas a direção do Victor Fleming não extrai a expressividade prometida a partir das situações descritas: achei o filme seco, impessoal, desenxabido: o protagonista é bem delineado, nos diálogos iniciais, mas, depois, resume-me a uma caracterização burocrática de uma malvadeza direcionada e exclusivista; Lana Turner pareceu-me francamente subaproveitada; e Ingrid Bergman brilha, extrai pujança dramática correspondente à sua personagem, de modo que os melhores momentos do filme são quando ela está em cena. Mas, mesmo assim, é insuficiente para resgatar a maestria do trabalho como um todo, visto que o Fleming age como um realização em linha de produção, dá para perceber na tela a quantidade de vezes em que ele ensaiou, esvaziando a trama daquilo que ela tem de mais intensa. Achei o filme interminável por vezes, queria que acabasse logo. Talvez numa revisão sem tantas expectativas funcione melhor. Nalgum momento, quiçá após a leitura do livro, hei de revê-lo. Por ora, não funcionou muito! :( - WPC>
A Matéria Noturna
2.7 2Que filme belíssimo! Estava precisando muito de uma trama lenta e intensa (em sua carnalidade) como essa, em que os personagens se encontram, se amam e seguem as suas vidas, como ocorre com muitos de nós (ou todos nós) no frenesi contemporâneo, sob a égide do capitalismo urbano. A fotografia é calorosa, acolhedora, e a trilha musical de Lucas Carvalho direciona a cadência da montagem, perpetrada pelo próprio diretor. É um filme permanentemente musicado, que traduz em imagens e sentimentos os versos da canção de Dona Ivone Lara, que a protagonista entoa num momento-chave. Shrilene Paixão está ótima em cena, mas é Welket Bungué que nos apaixona ainda mais a cada aparição: que homem lindo e talentoso, sutil na delicadeza da expressões e falas, olhares e movimentos. Fiquei encantado ao longo do filme inteiro, amei o seu ritmo compassado, a ausência de teleologia no desenrolar da narrativa. Encontra-se, desencontra-se e os ciclos recomeçam: é assim em nossos empregos, é assim na rotina da vida. Belíssimo! (WPC>)
Uma Família Feliz
3.4 25Fiquei muito surpreso com algo que acontece no meio dos créditos finais, uma imagem que justifica muitas das opções estéticas da narrativa (que o cenário seja Curitiba, por exemplo). Não entendo o porquê de esse filme ter sido tão atacado por alguns críticos: o achei muito eficiente enquanto exercício de gênero, trazendo para o Brasil situações comuns em Hollywood, na década de 1990, no mesmo clima de A MÃO QUE BALANÇA O BERÇO, por exemplo. Fico impressionado com a versatilidade do José Eduardo Belmonte, ainda que, sendo tão prolífico, ele ainda não consiga ostentar um estilo próprio. Mas é um artesão hábil, que equivoca-se, aqui, ao optar por iniciar o filme com situações de seu desfecho (afinal, em aberto). Nem precisava: a mudança de perspectiva sobre a suspeição do cônjuge ocorre de maneira interessante na trama, por mais que, no início, pareça-se julgar excessivamente a personagem de Grazi Massafera, tanto quanto os demais personagens também o faziam. Não achei as interpretações do casal central ruins: pelo contrário, são eficientes no jogo de aparências que trazem à tona, o que ganha mais pontos com a verve ostensivamente antibolsonarista do roteiro. Por vezes, senti-me positivamente perturbado. É um filme que merece encontrar o seu público, portanto: de minha parte, recomendo-o com entusiasmo! (WPC>)
Abbott e Costello em Hollywood
3.2 1Já tinha ouvido falar muito sobre essa dupla de comediantes, mas nunca tive a oportunidade de conferir nenhum de seus filmes. Acho que comecei por um ideal, repleto de 'gags' e trama geral. É o modelo que deu origem às imitações chanchadescas no Brasil, né? Uma ou outra palhaçada (aliás, palhaçadas o tempo inteiro), perseguições frenéticas, um mote romântico entre coadjuvantes e canções afetadas, aqui e acolá. O Abbott é sério demais, pouco engraçado. Mas papouquei-me de rir com o Costello, desde a primeira aparição, e a situação envolvendo o Rags Ragland. Minha mãe estava ao meu lado, e lembrou de quando via estes filmes, em sua pré-adolescência, na década de 1950. O roteiro é mero pretexto para as 'gags' (e canções), mas o filme diverte. Quando entendemos que ele segue à risca uma fórmula bem sucedida, deixamo-nos levar e caímos na gargalhada. A seqüência final, na montanha-russa, é pura ode às aventuras de quem se atrapalha no dia a dia... kkkkkkkkkkkk (WPC>)
Jornada para Belém
3.3 6 Assista AgoraVi o filme por puro acaso, numa exibição na HBO, e achei uma gracinha. 'Pop' e despretensioso, mas não blasfemo, como talvez tenha sido acusado. Tudo bem, não curti os estereótipos trapalhões do Anjo Gabriel e dos Reis Magos, mas as canções são fofinhas, Milo Manheim é apaixonante e Antonio Banderas está divertindo-se à beça, entregando-se à caricatura sem receio e sem medo de ser feliz (ainda que seja o vilão). Foi realmente uma grata surpresa. Sou obcecado por musicais, não tinha como não funcionar comigo! (risos) - WPC>