Antes da sessão, um amigo desejou-me sorte no "enfrentamento do sofrimento". Por mais que algo tenha me divertido na sinopse e que o início parecesse promissor, logo entendi o que ele quis dizer: enquanto via o filme, repetia comigo que ele era um forte candidato ao titulo de pior produção cinematográfica que vi na vida. Passado algum tempo, talvez não seja para tanto: é péssimo, nada se aproveita, mas, ao menos, ganha alguma consideração póstuma pelo fato de ser o derradeiro trabalho de Cléber Colombo e por Tony Lee divertir-se nas suas duas interpretações. Mas é um filme péssimo, repito (e é importante que isso ocorra): não há um infinitésimo da mesma desenvoltura temática das produções de Cheech & Chong (para citar um exemplo congênere), além de ser vexatório o desenvolvimento (ou melhor, a falta de) no personagem de Daniel Rocha. Um horror, que, ao contrário das obras de Hálder Gomes, não parece respeitar as obras que finge reverenciar (no caso, os 'wuxia pian' ou os filmes de pancadaria). Odiável, infelizmente! (WPC>)
Adentrei a sessão atravessado por dois grupos de reações de amigos: de um lado, os críticos e/ou profissionais de cinema, que se chatearam pelo convencionalismo biográfico e elas generalizações estereotipificantes do roteiro do bolsonarista Paulo Cursino; do outro, pessoas que se identificaram intimamente com a história de amor entre mãe e filho. Fiquei no meio-termo, portanto, quanto à minha própria reação: vi o filme com minha mãe e notei diversas semelhanças entre o que era mostrado na tela e a minha própria infância. E apreciei a leveza (ainda que rasteira) com que é apresentada a juventude do personagem-título. O problema é quando ele é contratado pela TV Globo, de modo que, daí por diante, a empresa produtora passa a contar mais a história da emissora que a do próprio humorista. Seja como for, gostei de como a história é contada, das interpretações sinceras ou crentes (mesmo que histriônicas, como a do Ailton Graça) e de reconhecer eventos que marcaram o meu crescimento demarcado pelo acompanhamento a várias produções midiáticas. Senti falta de uma exposição ostensiva dos anos em que se passavam os eventos e, obviamente, não há menções à conjuntura militar. O enredo investe em impulsionamentos emocionais deveras "higienizados", em que os adultérios do biografado são ignorados, por exemplo. O relacionamento com os demais Trapalhões é abordado de maneira célere e a presença de Felipe Rocha, como Dedé Santana, corresponde aos instantes menos autênticos do filme, que cresce muito quando Cacau Protásio e Neusa Borges comparecem, ambas inspiradíssimas. Dentro do subgênero, até que eu curti: defendo com fervor que filmes como este sejam realizados, no sentido de que os brasileiros precisam ver as vidas de seus artistas recontadas nas telas, não obstante isso dizer mais sobre as intenções de quem produz os filmes que sobre os biografados em si. Malgrado ter atribuído uma cotação modesta, estou entre os defensores da obra: a conversa com a minha mãe, após a sessão, foi magistral! (WPC>)
Descobri, estupefato, que possuía dois DVDs deste filme, em meu acervo. Como tal, obriguei-me a conferi-lo de imediato, mesmo que algo no cartaz e na sinopse não chamasse tanto a atenção, visto que se trata de uma produção de propaganda pró-participação da Inglaterra na II Guerra Mundial, realizada quase dez anos após o término do conflito. A despeito de isso ser confirmado, trata-se de uma produção simpática, com boa participação de Alec Guiness como um personagem secundário que se assume como protagonista. Ainda que santifique ou infantilize os sobreviventes malteses, o roteiro os dignifica, em seqüências tão breves e bonitas de confiança nos bons sentimentos, no apoio em situações difíceis. O romance entre Ross e Maria corresponde aos melhores momentos do filme, tornando o clímax trágico ainda mais dramático. Porém, o intuito geral é elogiar a intervenção dos britânicos na sofrida ilha, louvando o seu heroísmo. Convencional, claro, mas gracioso em diversos aspectos, bom de ser assistido! (WPC>)
O título brasileiro, bem como parte da publicidade destinada ao público infantil, fez com que eu esperasse algo muito diferente do que eu encontrei, de modo que, imediatamente após a sessão, era como se eu não tivesse gostado tanto do filme. Passado algum tempo, e em debate com alguns amigos, é que pude ruminar a inteligência da proposta, que aproveita de maneira sagaz o título original, havendo diversas seqüências onírico-robóticas, que abrem espaço para interpretações comportamentalmente homoeróticas da narrativa. É um roteiro muito mais complexo do que propõe a partir da sinopse e possui um desfecho impactante, naquilo que emula, na assunção de sua temática adulta e metafórica. Admito, ainda sob as expectativas anteriores, que o filme talvez tenha se estendido bastante em seu miolo compensatório, além de possuir algumas "inverossimilhanças" (pode-se requerer isso numa animação?), como as questões referentes ao descuido com os efeitos da maresia sobre o robô, ao longo de um ano, por exemplo. Isso faz com que a lógica de feitura seja igualmente problematizada, ao menos em dois aspectos: o primeiro referente à alegação de que seria um filme "sem diálogos", quando há franca dependência das informações por escrito (em inglês); o segundo, concernente ao fato de que, infelizmente, há pouca conversa entre os personagens/amantes, de modo que a ausência de diálogo aparece como lacuna estrutural. Mas essa é justamente o verdadeiro tema do filme, não? Trata-se de uma obra que cresce muito após a sessão, que merece debate e recomendação, e que possui questões muitíssimo adultas em suas entrelinhas. Sei se que se trata de uma adaptação literária e que, por conta disso, a ambientação em Nova York, na década de 1970, é justificada, mas isso incomodou-me um pouco, ainda que eu tenha adorado a pletora de referências cinefílicas (o jogo de "câmeras" à la PSICOSE, o pôster do longa-metragem de Pierre Étaix, na sala do protagonista, as brincadeiras com O MÁGICO DE OZ, sob a égide do World Trade Center...). Voltarei a este filme, eis uma certeza - de maneira intimamente traumatizada, inclusive, pois ele questiona o próprio conceito de solidão: às vezes, ela não seria induzida pelas más escolhas? Aquele cachorro talvez seja mais tóxico que vítima, não é não? Refletiremos... (WPC>)
Estava com saudade de assistir a uma produção efetivamente esquisita, encontrei bastante "aconchego" quanto a este anseio. Mas não em relação à imersão espectatorial (risos): a trama é até simples, mas o diretor opta pela maneira mais complicada de narrá-la. Há inspirações evidentemente caligarianas e um elenco de luxo, em interpretações discretas porém marcantes, na maneira como se entregam às bizarrices das situações. Gosto do clima solene dos encontros, e da ameaça perene que circunda os personagens. Mas tenho que admitir que a extrema lentidão nos asfixia, em mais de um sentido. Como bem disseram abaixo, é um filme que requer revisão, sim, senhor: 'cult', sem sobra de dúvida! (WPC>)
Sabia que era péssimo, mas resolvi arriscar mesmo assim, pois acho importante ver alguns filmes ruins, de vez em quando... Só não esperava encontrar um drama de múltiplas perspectivas, à la REQUIÉM PARA UM SONHO, ainda mais moralista. Pensei que fosse um filme de terror e, nalguma perspectiva, talvez seja mesmo: o diretor creu que poderia interpretar um adolescente, e, apesar de seu esforço, tanto a sua como as demais interpretações são pouco convincentes. Os personagens são todos passivos-agressivos e a montagem pretensamente "alucinógena" é sub-expressiva. Mas, depois que superamos a modorra inicial, o filme até que fica suportável, minimamente divertido, incorrendo num desfecho canhestro, em sua obsessão por parecer chocante, por trazer à tona uma enorme reviravolta. Tive o que esperava, portanto: faz parte! (WPC>)
A despeito do que é anunciado no título, nem todo mundo ama Jeanne: é difícil para nós também, no início, aliás. Há algo de aburguesado na composição da personagem (uma pesquisadora ambiental cujo ambicioso projeto fracassa) e o ritmo do filme é intencionalmente monocórdico, quase anticlimático, o que é mantido até o desfecho. Mas, paradoxalmente, é justamente isso que vai erigindo algum fascínio, após o término da sessão: à medida que as lembranças cinematográficas vão se sedimentando, direcionamos uma simpatia tardia à protagonista, que, em vista do que ela passou com a sua mãe (a enorme Marthe Keller, em participação avantesmática), merece ser compreendida, em sua confusão psíquica, em sua dificuldade de admitir os sentimentos. O elenco é muito bom e a diretora foi hábil ao assumir o tom progressivo de comédia romântica, mas sem aderir aos clichês dominantes no subgênero. É um filme simpático, portanto: sem expectativas, funciona. As barulhentas animações da consciência de Jeanne são irritantes no começo, mas logo demonstram-se divertidas! (WPC>)
Que gratíssima surpresa, que filme maravilhosamente dirigido! Não fica a dever aos clássicos da Nouvelle Vague Taiwanesa, parecendo citar ADEUS AO SUL muitas vezes: o modo como a violência familiar surge em meio a diálogos inicialmente brandos, os enquadramentos longos e frontais, a câmera seguindo o protagonista em meio às escadarias apertadas... Gosto muito da mudança de tom que ocorre com a entrada em cena de Long. Amei os números musicais (oh, o poder reconciliador do karaokê!), a montagem elíptica, a narrativa que precisa de tempo para que compreendamos as situações... e a possibilidade de um final feliz, através da aceitação do fluxo. Incrivelmente bom: não esperava, fui arrebatado! (WPC>)
Queria ter gostado mais, bem mais, deste filme. A protagonista é suprema e atriz que a interpreta faz jus ao seu brilho, mas o discurso central é problemático, dado que o realizador não consegue esconder a sua misantropia, a sua descrença na humanidade. E, como tal, apesar de seu papel central e de seu extremo fascínio, a perspectiva da narração não pertence a Bella Baxter: ela é observada por alguém que parece ter visão telescópica, numa posição teológica ainda mais vaidosa que a do próprio Godwin. A fala do gigolô vivido por Jerrod Carmichael foi fundamental na percepção deste anti-humanismo, felizmente contrabalançado pela entrada em cena da maravilhosa prostituta comunista vivida por Suzy Bemba. O desfecho é quase um plágio de MONSTROS, do Tod Browning, evidenciando um problema no feminismo: como ser feminista sem ser humanista? (o fato de isso provir de um homem é um capítulo à parte). Tecnicamente, entretanto, o filme é supremo: a trilha musical é suprema e a direção de fotografia é acachapante. Mas as aparições de Mark Ruffalo beiram o constrangedor, em sua demonstração estereotipada (e verossímil, infelizmente) do quão ignóbil é um macho ciumento e hipócrita em seu liberalismo. A sala de cinema em que eu vi o filme estava lotada e aplaudiram e reagiram com euforia em diversas seqüências. Fiquei muito feliz por isso. Portanto, mesmo que eu não tenha gostado tanto do filme, o defenderei e o recomendarei efusivamente: se ainda se provoca polêmica ao se falar sobre ou mostrar situações de sexo e/ou masturbação, que o óbvio seja levado às telas, preferencialmente numa defesa actancial tão cheia de vida e vontade de conhecimento e maturação quanto a de Emma Stone. Amei a breve participação de Hanna Schygulla e fiquei apaixonado pela complexidade no desenvolvimento do personagem de Willem Defoe. Imperfeito, mas muito bonito! Apesar da colcha de retalhos referenciais (tem tanto de A BELA DA TARDE LARANJA MECÂNICA e tantos outros filmes ali!). Que surjam mais provocações hollywoodianas como esta! (WPC>)
Dos filmes que eu vi com a Carmen Miranda, acho que é o que ela tem mais tempo válido em cena, para além das canções. Por não ser tão musical quanto os demais, a "pequena notável" brilha em instantes cômicos, ainda que sumamente estereotipados. O personagem de Phil Silvers é ainda mais estereotipado que ele, por vezes beirando o insuportável. E o roteiro força a barra para tornar o romance entre Vivian Blaine e Michael O'Shea plausível e defensável, em meio a tanto machismo, a tanto racismo subjacente... Quando a trama adere aos exercícios de guerra, fica ainda mais problemático, Mas é um filme simpático e entretenedor. Deu vontade de revê-lo, após a sessão - devidamente acompanhado, claro! (WPC>)
O ponto de partida é atemorizante e os efeitos visuais e de maquiagem são muito bem-feitos, mas o potencial horrífico deste filme, infelizmente, é estragado pelo excesso de racionalidade nalgumas situações (o conhecimento, por quase todos, sobre as sete regras na lida com a possessão, por exemplo), em oposição à irracionalidade comportamental dos personagens. É difícil "torcer" por alguém neste filme, quando todo mundo age de maneira tão agressiva, violenta e brutal: quando eles estão possuídos pelo demônio, ao menos há uma justificada externa. Enquanto "documentário" sobre o porquê de os argentinos terem escolhidos um demônio para a presidência do País, o filme é, ao menos, ilustrativo, mas a pretensa complexificação do roteiro só estraga a nossa imersão, tamanha a série de coincidências e clichês que ocorrem do meio para o final. As seqüências de impacto nojoso são progressivamente obliteradas pelas concatenações "racionais" entre os eventos, sendo o protagonista tão ou mais assustador que qualquer um dos possuídos. Em determinado momento, perdi o interesse, de tão estapafúrdio que torna-se o enredo, em suas explicações generalizadas acerca do que acontece (todo mundo na cidade conheciam as regras na lida com entidades satânicas?). Decepcionou-me bastante, infelizmente, mas possui uma ou outra cena com forte impacto, ainda que estas sejam logo sucedidas por forçações familiares de barra que as estragam. Uma pena. Mas sigo empolgado ao defender o Terror como um dos gêneros mais políticos que existem! (WPC>)
Quem gostou de A CAÇA, do Thomas Vinterberg, encontrará uma vigorosa continuidade aqui. Tal como acontece no filme sueco, lidamos com as tensões de acusações sem provas, mas que atiçam uma insegurança já em curso, a desconfiança quanto às pessoas que nos cercam. Há um ou outro exagero reativo, que talvez dê a impressão de inverossimilhança factual, mas quem já passou por um processo semelhante, sabe que nossos sentidos ficam atormentados, exacerbados e intensificados. É estranho, no filme, que a protagonista insista em dar aula, normalmente, após a eclosão do problema-chave, quando se sabe perfeitamente que novas ramificações explosivas ocorrerão diuturnamente: lidas com crianças, em momentos de choque emocional, é bastante delicado. Neste sentido, precisamos elogiar as ótimas interpretações infantis (principalmente, a de Oskar) e o final que nos obriga a "completar" algumas situações e julgamentos. A direção é muito exitosa na instauração aflitiva, através de uma trilha musical que acelera ainda mais o ritmo do filme e as (in)decisões da protagonista. É um tanto genérico, em encenação, mas bem conduzido, enquanto provocação. Recomendo-o sociologicamente, com urgência: precisa ser exibido em várias instituições! (WPC>)
Imperdoavelmente, não conhecia esta cineasta pioneira argentina. Cheguei a este filme graças a um cineclube deveras particular e amei a 'mise-en-scène' repleta de camadas, misturando cacoetes de George Cukor com tropos caros ao Walter Hugo Khouri (até mesmo o onipresente, ainda que ausente, Marcelo está lá). As atrizes são ótimas, sendo os duelos via diálogos entre elas maravilhosos (o confronto entre a filha e a irmã, perto do final, que o diga!). Há algo de teatral na disposição das marcações, na revelação do desfecho, mas é um filme que respira muita linguagem cinematográfica, ao ousar ser metalingüístico (fala-se sobre a audiência a outros filmes, às radionovelas, etc., além de haver cenas em cenários externos) e ao nacionalizar referências tipicamente hollywoodianas acerca das funções daquelas personagens femininas, não nomeadas, tamanho o peso de tradições sufocantes em seus papéis sociais e familiares. Amei o uso expressivo da trilha musical de Astor Piazzolla. Gratíssima descoberta: quero mais desta realizadora, uau! (WPC>)
Imperdoavelmente, não conhecia este personagem real - e fiquei imediatamente apaixonado por ele. Amei a sua auto-apresentação, bem como as suas frases de efeito. Anotei várias e gostei muito da audácia comportamental deste militante 'avant la lettre'. John Hurt está ótimo como protagonista, mas há algo muito esquisito nos exageros afetados das composições, dele e de todos os demais coadjuvantes, que parecem muito mais velhos que os personagens em si. Há uma melancolia inerente e crescente, em relação às constatações de Quentin quanto à sua inadequação no mundo. Mas ele nunca perde o senso de humor, a ironia, a vontade de seguir em frente e vestir-se exatamente como ele deseja. Aprendi bastante e inspirei-me neste modelo de homossexualismo corajoso, tão brilhante quanto o Guy Hocquenghem, mas em aplicação prática, vivendo para além de qualquer proibição. Amei essa descoberta, quero saber muito mais sobre o Mr. Crisp! (WPC>)
É muito difícil analisar esse tipo de proposta documental, visto que lidamos com as decisões e escolhas (ou falta de escolhas, a depender do caso) de uma pessoa em particular, estando todas as proposições fílmicas atreladas aos comportamentos desta pessoa retratada. Nesse caso, há uma agravante: a pessoa em si é mostrada menos por aquilo que ela é que por aquilo que acontece com ela, de modo que a abordagem sobre a sua vida passa a girar em torno de uma única situação - que, neste caso específico, é a obsessão de uma mãe solteira para identificar quem é o pai de sua criança. Por quê? Por que ela precisa de auxílio financeiro ou algo semelhante? Não, mas porque "em algum momento da vida, ele vai querer saber quem é o pai". Aí, eu respiro: além de espectador, sou também um filho de mãe solteira, de uma mulher que talvez tenha sido estuprada ou precisou se prostituir para nos alimentar. Como tal, sequer sei o nome de meu progenitor. Isso me dá suficiente "lugar de fala" para me posicionar contrariamente à procuração materna e sumamente classista da personagem deste documentário? Pelo sim, pelo não, o farei: independente de ser uma pessoa incrível e/ou uma artista competente, a mãe-personagem que estrela este filme é uma chantagista emocional, alguém que insiste que "quer resolver pelo amor", desde que esta resolução seja o que ela quer, apenas o que ela quer. Intransigente e julgamental, ela reclama que é julgada por exercer livremente a sua sexualidade, mas reclama da burocracia o tempo inteiro (enquanto obriga-nos a acompanhar as suas opções burocráticas pelos testes sucessivos de DNA). Julga "quem ainda decide marcar hora para casar" e pergunta a dois supostos pais "como eles podem deitar a cabeça no travesseiro por não quererem saber se puseram um filho no mundo ou não". Contraditória e impositiva, a personagem deste filme reclama que a vida "não tem ensaio" (oh!), que se sentiu sozinha nas situações em que fôra filmada o tempo inteiro (quando sabemos que ela é filha de médico, por exemplo) e não percebe que seus pontos de partida reivindicativos são negados pela própria lógica de uma interlocutora em 'off'. "Nunca pensei que fosse tão importante um pai", argumenta ela, ao que alguém pergunta "e seu pai, não é importante para ti?". Enquanto alguém que trabalha com atendimento ao público, fiquei apavorado com a possibilidade de atender à pessoa mostrada neste documentário: ela expõe a funcionária do cartório, a técnica de enfermagem, um motorista de aplicativo e diversos outros profissionais às suas indignações perante a tal da burocracia, que, aparentemente, a obriga a furar a pele do seu filho diversas vezes, quando é ela que projeta isso, com base numa hipotética necessidade de explicar uma origem genealógica precisa para o seu bebê. Como não identificar tantas contradições problemáticas - além de caracteres hediondos da alta classe - neste filme se, infelizmente, é apenas isso que ele parece ter a nos oferecer? OK, admito que as seqüências do bebê caminhando pela praia são bonitas, bem como a conversa com uma mãe também solteira, com quem a personagem cogita morar, em determinado momento. Mas ela não quer ser convencida, ela não quer acordos, ela impõe, determina que as coisas ocorram exatamente como ela planejou e, se isso não acontece, serve-se de frases feitas (e lamentosamente procedentes) de que "o direito foi feito pelos homens e para os homens". Logicamente, essa é uma experiência aburguesada, privilegiada e entulhada de preconceitos de alta classe, que são obliterados pela "premência" feminista do filme, pelos momentos em que, sim, torcemos para que a personagem real descubra quem é o pai de seu filho e busque outro assunto para se ocupar, encontre um trabalho, tenha uma vida com preocupações generalizadas, sinta prazer, tenha algo a compartilhar, além das conseqüências de descuidos cumulativos, visto que, venhamos e convenhamos, tem-se suficiente esclarecimento de que o sexo com múltiplos parceiros, sem proteção e/ou cuidados, pode desencadear uma gravidez. Ah, é violento falar isso, é um julgamento machista, é uma opinião de quem não sente na pele o que aquela mãe sentiu. Pode ser. Sendo assim, que fique claro que a minha insatisfação é em relação ao que eu vi enquanto produto fílmico, deveras problemático, limitado e desinteressante. Arcarei com o desagrado de não ter gostado. E torço para que a Letícia esteja bem, tanto quanto o Pedro, a diretora e as demais pessoas envolvidas no projeto. Que ela goze, enfim - em mais de um sentido! (WPC>)
No terceiro contato, tive a bênção de estar cercado por outros espectadores, que reagiram com espanto quando souberam das condições de falecimento da protagonista. Para a minha gratíssima surpresa, ninguém abandonou a sessão, mesmo que eles tenham admitido a estranheza quanto à narrativa. De minha parte, fiquei ainda mais impressionado: não sei se o diretor foi muito sangue-frio, genial ao cafajeste (ou tudo ao mesmo tempo) ao conseguir finalizar este filme, nas condições mui atribuladas em que ele foi executado. Paradoxalmente, são justamente estas condições que confirmam a excelência da obra, em seu testemunho de brilhantismo frente á lógica do armengue. O elenco está soberbo (Anecy é diva, ranha, musa-mor) e a montagem é ótima em seus vais e véns carnavalescos. Ótimo aproveitamento da trilha cancional essencialmente carioca e momento de brilhantismo ímpar, na abordagem dos eventos da malandragem tupiniquim. Obviamente, muita coisa no registro de época incomoda, mas Paulo César Peréio comenta tudo de maneira inteligente e sumamente crítica: enquanto jornalista, projetei-me bastante nele. Filmaço! (WPC>)
Antes de assistir ao filme, soube que a canção "Holm", de Emel, viralizou na trilha sonora, de tão bonita que é e de tão bem utilizada que fôra. Concordo: a trilha cancional deste filme é primorosa, de fato, e, por causa dela (e dos comentários de alguns amigos), talvez eu tenha adentrado a sessão com muitas expectativas, logo frustradas. Não sei se o diretor estreante parte de uma situação autobiográfica, mas, se for o caso, é como se aproveitasse um roteiro escrito quando ainda era adolescente, tamanha a quantidade de firulas e problemas de execução e construção dos personagens: o protagonista é muito bonito, porém desenxabido, enquanto o seu interesse amoroso é pouco expressivo e desinteressante. Há algumas evidentes referências genetianas (rimas atualizadas para UMA CANÇÃO DE AMOR, por exemplo), que ficariam maravilhosas se o filme foi mais curto e/ou assumisse a sua faceta enquanto videoclipe. As situações, entretanto, são progressivamente inverossímeis, em sua pretensa utopia romântico-monogâmica: imaginar que os internos de um reformatório lidem com materiais tão perigosos, sem vigilância, é um defeito evidente. Outros se somam, como a estultice dos diálogos e das reações dos "namorados". É difícil levar a sério o que acontece, torcer por um casal sem química, imaginar que esse conjunto de inconseqüências terá um final feliz. Mas o diretor insiste, acredita, leva seu anseio conciliador à frente. E se equivoca cinematograficamente, claro: achei este filme um engodo completo, um porre! Vale pelas breves aparições da mui competente Eye Haidara, ao menos. (WPC>)
Na revisão, fiquei ainda mais encantado: é impressionante como o diretor parece ter ciência de que estava gestando uma obra-prima aqui, acompanhando todo o processo, desde aquilo que antecede os ensaios. Um funcionário acende as lâmpadas dos camarins, os atores entram e, pouco a pouco, os personagens surgem em cena, fazendo com que a trama lorquiana ultrapasse a técnica e tudo se torne intensa emoção, música em estado puro, dança em estágio sublime. Magnífico! (WPC>)
Bastante superior ao quarto capítulo da franquia, surpreendi-me, enquanto via o filme, em relação ao quão divertido ele é: perdi a chance de vê-lo no cinema, por mero pantim, mas faço aqui o 'mea culpa'. Dentro da conjuntura produtiva hollywoodiana hodierna, este filme executa muito bem a sua fórmula de aventuras, com Harrison Ford ainda em forma como protagonista (até porque a envergadura é mais emocional aqui, dado o pendor do cineasta James Mangold pelas reconciliações) e com um aproveitamento inteligente do senso de humor ouriçado da Phoebe Waller-Bridge. O roteiro é uma coleção de situações antinazistas, que desemboca nalgo que requer muita "suspensão da descrença", mas nada que ofenda o "contrato" associado ao gênero ou à trajetória do personagem famoso. O filme só não é melhor porque as aparições do garoto Ethann Isidore, cada vez mais ativo e/ou onipresente enquanto 'deus ex machina' adolescente, lembram--nos que esta produção presta contas com as exigências contemporâneas da audiência, servindo-se de um ponto de partida nostálgico para referendar os elogios massivos à infantilização das audiências. Seja como for, o humor do enredo não incomoda (lembra muito o estilo spielberguiano oitentista) e o desfecho neo-familiar fecha com afeto a saga. Deu até vontade de rever os filmes anteriores! (WPC>)
Ao término da sessão, fiquei muito curioso para comparar esta adaptação à obra literária original: o casal central é muito bom (como não se encantar pelo taciturno Tom Mercier?), mas é a narradora Béatrice Dalle quem mais fascina e chama a nossa atenção. As seqüências de dança, ao fundo das conversas, são ótimas, bem como a trilha musical específica, que emula as mudanças de tendência 'disco'/eletrônicas da "vida real". Os segmentos sobre o esvaziamento urbano provocado pela AIDS são ótimos e o desfecho é belíssimo. É estranha e fascinante a maneira como os personagens falam sobre "a coisa" que pode acontecer a qualquer momento, mas isso também favorece a nossa identificação emocional, pois podemos projetar inúmeras sensações, sentimentos e situações em relação a este conceito tão geral. Muito bonito! (WPC>)
Sou obcecado por musicais e discursivamente cristão. Como tal, este filme, depois que soube de sua existência, tornou-se um objeto imediato de desejo. Numa comparação com JESUS CRISTO SUPERSTAR, por conta do gênero e da temática, suas fraquezas ficam sobremaneira evidentes: trata-se de uma realização teatral e crente demais, cinematográfica e musical de menos. O elenco é versátil e as poucas canções têm seu interesse validado pela mensagem, mas a reconstituição um tanto infantilizada das parábolas bíblicas nem sempre entretém. O desfecho, por sua vez, é inspirado, na atualização da mensagem e no direcionamento de ensinamentos eternos às novas gerações. Inferior às outras 'óperas-rock' da década de 1970, mas não desprovido de algum charme. (WPC>)
Como não ficar fascinado por um título como este? A trama em si é esparsa, evanescente de propósito, no sentido de que interessa mais ao diretor a composição dos personagens, o surrealismo das situações e a mensagem sempre bem-vinda de aproveitamento da vida cotidiana. Há muitas referências ao seu universo afetivo pessoal e um trabalho de dublagem muito oportuno do trio principal. A equipe técnica acessória é ótima e os diálogos são hilários nas excentricidades proferidas, todas elas validadas pela eficaz pesquisa biológica do filme. Ri em mais de uma cena e fiquei hipnotizado pelo balé submarino da longa cena que justifica o título. Não conhecia este premiadíssimo animador, mas já quero imergir mais e mais em suas obras: impressionante. Minha identificação com a tartaruguinha com TOC foi total! (WPC>)
Muito estranha a opção por esse título brasileiro, visto que não se sabe se o que ocorre é precisamente um terremoto... É muito legal que não se explique a origem do desastre, inclusive: o roteiro está interessado em outras questões, nas "tentações" amorais ou imorais que acometem as pessoas em situações extremas. Quando os envolvidos são pessoas aquisitivamente bem-favorecidas, é ainda pior. Neste sentido, o filme é interessante desde o prólogo sobre a tendência progressiva ao confinamento voluntário em prédios cada vez mais altos. Gosto do modo como a trama se desenvolve, ainda que a duração estendida faça com que algumas situações se tornam repetitivas, sobretudo aquelas que envolvem a vilania do personagem de Lee Byung-hun, caricatural às vezes. A fotografia adota tons crepusculares, do meio para o final, muito bonitos enquanto preparação para a mensagem (humanista) do desfecho. Fica-se evidente que a tônica da produção é mais entretenedora que efetivamente reflexiva, mas funciona nos dois sentidos - e não fica a dever aos melhores 'blockbusters' estadunidenses, não: a direção de arte impressiona. Amei, por exemplo, o cinismo da seqüência em que as regras do comitê de segurança são explicadas com os personagens olhando diretamente para a câmera! (WPC>)
A profusão de cores realmente chama a nossa atenção, bem como o apuro técnico e algumas piadas referentes às diferenças de condições sociais dos personagens. Porém, o roteiro deste filme é um engodo: além de a situação geral envolvendo o vazamento ser ignorada, de uma hora para outra, justamente quando atinge o seu apogeu, as situações que justificam os encontros entre os personagens são forçadas e pouco desenvolvidas. Vide a necessidade do Gôta em relação à manutenção de seu emprego, por exemplo. Como tal, o descompasso incomodou-me, não consegui mergulhar a contento no filme, a despeito de ele continuar a clássica oposição entre desejos dos filhos X anseios dos pais no enredo. Minha mãe curtiu; eu fiquei desconfiado. Na pior das hipóteses aplicativas, serve como sintoma evidente de uma crise criativa! (WPC>)
O Mestre da Fumaça
2.7 10 Assista AgoraAntes da sessão, um amigo desejou-me sorte no "enfrentamento do sofrimento". Por mais que algo tenha me divertido na sinopse e que o início parecesse promissor, logo entendi o que ele quis dizer: enquanto via o filme, repetia comigo que ele era um forte candidato ao titulo de pior produção cinematográfica que vi na vida. Passado algum tempo, talvez não seja para tanto: é péssimo, nada se aproveita, mas, ao menos, ganha alguma consideração póstuma pelo fato de ser o derradeiro trabalho de Cléber Colombo e por Tony Lee divertir-se nas suas duas interpretações. Mas é um filme péssimo, repito (e é importante que isso ocorra): não há um infinitésimo da mesma desenvoltura temática das produções de Cheech & Chong (para citar um exemplo congênere), além de ser vexatório o desenvolvimento (ou melhor, a falta de) no personagem de Daniel Rocha. Um horror, que, ao contrário das obras de Hálder Gomes, não parece respeitar as obras que finge reverenciar (no caso, os 'wuxia pian' ou os filmes de pancadaria). Odiável, infelizmente! (WPC>)
Mussum: O Filmis
3.7 164 Assista AgoraAdentrei a sessão atravessado por dois grupos de reações de amigos: de um lado, os críticos e/ou profissionais de cinema, que se chatearam pelo convencionalismo biográfico e elas generalizações estereotipificantes do roteiro do bolsonarista Paulo Cursino; do outro, pessoas que se identificaram intimamente com a história de amor entre mãe e filho. Fiquei no meio-termo, portanto, quanto à minha própria reação: vi o filme com minha mãe e notei diversas semelhanças entre o que era mostrado na tela e a minha própria infância. E apreciei a leveza (ainda que rasteira) com que é apresentada a juventude do personagem-título. O problema é quando ele é contratado pela TV Globo, de modo que, daí por diante, a empresa produtora passa a contar mais a história da emissora que a do próprio humorista. Seja como for, gostei de como a história é contada, das interpretações sinceras ou crentes (mesmo que histriônicas, como a do Ailton Graça) e de reconhecer eventos que marcaram o meu crescimento demarcado pelo acompanhamento a várias produções midiáticas. Senti falta de uma exposição ostensiva dos anos em que se passavam os eventos e, obviamente, não há menções à conjuntura militar. O enredo investe em impulsionamentos emocionais deveras "higienizados", em que os adultérios do biografado são ignorados, por exemplo. O relacionamento com os demais Trapalhões é abordado de maneira célere e a presença de Felipe Rocha, como Dedé Santana, corresponde aos instantes menos autênticos do filme, que cresce muito quando Cacau Protásio e Neusa Borges comparecem, ambas inspiradíssimas. Dentro do subgênero, até que eu curti: defendo com fervor que filmes como este sejam realizados, no sentido de que os brasileiros precisam ver as vidas de seus artistas recontadas nas telas, não obstante isso dizer mais sobre as intenções de quem produz os filmes que sobre os biografados em si. Malgrado ter atribuído uma cotação modesta, estou entre os defensores da obra: a conversa com a minha mãe, após a sessão, foi magistral! (WPC>)
Heróis de Malta
3.7 1Descobri, estupefato, que possuía dois DVDs deste filme, em meu acervo. Como tal, obriguei-me a conferi-lo de imediato, mesmo que algo no cartaz e na sinopse não chamasse tanto a atenção, visto que se trata de uma produção de propaganda pró-participação da Inglaterra na II Guerra Mundial, realizada quase dez anos após o término do conflito. A despeito de isso ser confirmado, trata-se de uma produção simpática, com boa participação de Alec Guiness como um personagem secundário que se assume como protagonista. Ainda que santifique ou infantilize os sobreviventes malteses, o roteiro os dignifica, em seqüências tão breves e bonitas de confiança nos bons sentimentos, no apoio em situações difíceis. O romance entre Ross e Maria corresponde aos melhores momentos do filme, tornando o clímax trágico ainda mais dramático. Porém, o intuito geral é elogiar a intervenção dos britânicos na sofrida ilha, louvando o seu heroísmo. Convencional, claro, mas gracioso em diversos aspectos, bom de ser assistido! (WPC>)
Meu Amigo Robô
4.0 84O título brasileiro, bem como parte da publicidade destinada ao público infantil, fez com que eu esperasse algo muito diferente do que eu encontrei, de modo que, imediatamente após a sessão, era como se eu não tivesse gostado tanto do filme. Passado algum tempo, e em debate com alguns amigos, é que pude ruminar a inteligência da proposta, que aproveita de maneira sagaz o título original, havendo diversas seqüências onírico-robóticas, que abrem espaço para interpretações comportamentalmente homoeróticas da narrativa. É um roteiro muito mais complexo do que propõe a partir da sinopse e possui um desfecho impactante, naquilo que emula, na assunção de sua temática adulta e metafórica. Admito, ainda sob as expectativas anteriores, que o filme talvez tenha se estendido bastante em seu miolo compensatório, além de possuir algumas "inverossimilhanças" (pode-se requerer isso numa animação?), como as questões referentes ao descuido com os efeitos da maresia sobre o robô, ao longo de um ano, por exemplo. Isso faz com que a lógica de feitura seja igualmente problematizada, ao menos em dois aspectos: o primeiro referente à alegação de que seria um filme "sem diálogos", quando há franca dependência das informações por escrito (em inglês); o segundo, concernente ao fato de que, infelizmente, há pouca conversa entre os personagens/amantes, de modo que a ausência de diálogo aparece como lacuna estrutural. Mas essa é justamente o verdadeiro tema do filme, não? Trata-se de uma obra que cresce muito após a sessão, que merece debate e recomendação, e que possui questões muitíssimo adultas em suas entrelinhas. Sei se que se trata de uma adaptação literária e que, por conta disso, a ambientação em Nova York, na década de 1970, é justificada, mas isso incomodou-me um pouco, ainda que eu tenha adorado a pletora de referências cinefílicas (o jogo de "câmeras" à la PSICOSE, o pôster do longa-metragem de Pierre Étaix, na sala do protagonista, as brincadeiras com O MÁGICO DE OZ, sob a égide do World Trade Center...). Voltarei a este filme, eis uma certeza - de maneira intimamente traumatizada, inclusive, pois ele questiona o próprio conceito de solidão: às vezes, ela não seria induzida pelas más escolhas? Aquele cachorro talvez seja mais tóxico que vítima, não é não? Refletiremos... (WPC>)
O Estranho Poder de Matar
3.2 24Estava com saudade de assistir a uma produção efetivamente esquisita, encontrei bastante "aconchego" quanto a este anseio. Mas não em relação à imersão espectatorial (risos): a trama é até simples, mas o diretor opta pela maneira mais complicada de narrá-la. Há inspirações evidentemente caligarianas e um elenco de luxo, em interpretações discretas porém marcantes, na maneira como se entregam às bizarrices das situações. Gosto do clima solene dos encontros, e da ameaça perene que circunda os personagens. Mas tenho que admitir que a extrema lentidão nos asfixia, em mais de um sentido. Como bem disseram abaixo, é um filme que requer revisão, sim, senhor: 'cult', sem sobra de dúvida! (WPC>)
Viagem Suícida
2.4 12 Assista AgoraSabia que era péssimo, mas resolvi arriscar mesmo assim, pois acho importante ver alguns filmes ruins, de vez em quando... Só não esperava encontrar um drama de múltiplas perspectivas, à la REQUIÉM PARA UM SONHO, ainda mais moralista. Pensei que fosse um filme de terror e, nalguma perspectiva, talvez seja mesmo: o diretor creu que poderia interpretar um adolescente, e, apesar de seu esforço, tanto a sua como as demais interpretações são pouco convincentes. Os personagens são todos passivos-agressivos e a montagem pretensamente "alucinógena" é sub-expressiva. Mas, depois que superamos a modorra inicial, o filme até que fica suportável, minimamente divertido, incorrendo num desfecho canhestro, em sua obsessão por parecer chocante, por trazer à tona uma enorme reviravolta. Tive o que esperava, portanto: faz parte! (WPC>)
Todo Mundo Ama Jeanne
3.4 2A despeito do que é anunciado no título, nem todo mundo ama Jeanne: é difícil para nós também, no início, aliás. Há algo de aburguesado na composição da personagem (uma pesquisadora ambiental cujo ambicioso projeto fracassa) e o ritmo do filme é intencionalmente monocórdico, quase anticlimático, o que é mantido até o desfecho. Mas, paradoxalmente, é justamente isso que vai erigindo algum fascínio, após o término da sessão: à medida que as lembranças cinematográficas vão se sedimentando, direcionamos uma simpatia tardia à protagonista, que, em vista do que ela passou com a sua mãe (a enorme Marthe Keller, em participação avantesmática), merece ser compreendida, em sua confusão psíquica, em sua dificuldade de admitir os sentimentos. O elenco é muito bom e a diretora foi hábil ao assumir o tom progressivo de comédia romântica, mas sem aderir aos clichês dominantes no subgênero. É um filme simpático, portanto: sem expectativas, funciona. As barulhentas animações da consciência de Jeanne são irritantes no começo, mas logo demonstram-se divertidas! (WPC>)
Moneyboys
3.5 12Que gratíssima surpresa, que filme maravilhosamente dirigido! Não fica a dever aos clássicos da Nouvelle Vague Taiwanesa, parecendo citar ADEUS AO SUL muitas vezes: o modo como a violência familiar surge em meio a diálogos inicialmente brandos, os enquadramentos longos e frontais, a câmera seguindo o protagonista em meio às escadarias apertadas... Gosto muito da mudança de tom que ocorre com a entrada em cena de Long. Amei os números musicais (oh, o poder reconciliador do karaokê!), a montagem elíptica, a narrativa que precisa de tempo para que compreendamos as situações... e a possibilidade de um final feliz, através da aceitação do fluxo. Incrivelmente bom: não esperava, fui arrebatado! (WPC>)
Pobres Criaturas
4.1 1,1K Assista AgoraQueria ter gostado mais, bem mais, deste filme. A protagonista é suprema e atriz que a interpreta faz jus ao seu brilho, mas o discurso central é problemático, dado que o realizador não consegue esconder a sua misantropia, a sua descrença na humanidade. E, como tal, apesar de seu papel central e de seu extremo fascínio, a perspectiva da narração não pertence a Bella Baxter: ela é observada por alguém que parece ter visão telescópica, numa posição teológica ainda mais vaidosa que a do próprio Godwin. A fala do gigolô vivido por Jerrod Carmichael foi fundamental na percepção deste anti-humanismo, felizmente contrabalançado pela entrada em cena da maravilhosa prostituta comunista vivida por Suzy Bemba. O desfecho é quase um plágio de MONSTROS, do Tod Browning, evidenciando um problema no feminismo: como ser feminista sem ser humanista? (o fato de isso provir de um homem é um capítulo à parte). Tecnicamente, entretanto, o filme é supremo: a trilha musical é suprema e a direção de fotografia é acachapante. Mas as aparições de Mark Ruffalo beiram o constrangedor, em sua demonstração estereotipada (e verossímil, infelizmente) do quão ignóbil é um macho ciumento e hipócrita em seu liberalismo. A sala de cinema em que eu vi o filme estava lotada e aplaudiram e reagiram com euforia em diversas seqüências. Fiquei muito feliz por isso. Portanto, mesmo que eu não tenha gostado tanto do filme, o defenderei e o recomendarei efusivamente: se ainda se provoca polêmica ao se falar sobre ou mostrar situações de sexo e/ou masturbação, que o óbvio seja levado às telas, preferencialmente numa defesa actancial tão cheia de vida e vontade de conhecimento e maturação quanto a de Emma Stone. Amei a breve participação de Hanna Schygulla e fiquei apaixonado pela complexidade no desenvolvimento do personagem de Willem Defoe. Imperfeito, mas muito bonito! Apesar da colcha de retalhos referenciais (tem tanto de A BELA DA TARDE LARANJA MECÂNICA e tantos outros filmes ali!). Que surjam mais provocações hollywoodianas como esta! (WPC>)
Alegria, Rapazes!
3.6 17Dos filmes que eu vi com a Carmen Miranda, acho que é o que ela tem mais tempo válido em cena, para além das canções. Por não ser tão musical quanto os demais, a "pequena notável" brilha em instantes cômicos, ainda que sumamente estereotipados. O personagem de Phil Silvers é ainda mais estereotipado que ele, por vezes beirando o insuportável. E o roteiro força a barra para tornar o romance entre Vivian Blaine e Michael O'Shea plausível e defensável, em meio a tanto machismo, a tanto racismo subjacente... Quando a trama adere aos exercícios de guerra, fica ainda mais problemático, Mas é um filme simpático e entretenedor. Deu vontade de revê-lo, após a sessão - devidamente acompanhado, claro! (WPC>)
O Mal Que Nos Habita
3.6 535 Assista AgoraO ponto de partida é atemorizante e os efeitos visuais e de maquiagem são muito bem-feitos, mas o potencial horrífico deste filme, infelizmente, é estragado pelo excesso de racionalidade nalgumas situações (o conhecimento, por quase todos, sobre as sete regras na lida com a possessão, por exemplo), em oposição à irracionalidade comportamental dos personagens. É difícil "torcer" por alguém neste filme, quando todo mundo age de maneira tão agressiva, violenta e brutal: quando eles estão possuídos pelo demônio, ao menos há uma justificada externa. Enquanto "documentário" sobre o porquê de os argentinos terem escolhidos um demônio para a presidência do País, o filme é, ao menos, ilustrativo, mas a pretensa complexificação do roteiro só estraga a nossa imersão, tamanha a série de coincidências e clichês que ocorrem do meio para o final. As seqüências de impacto nojoso são progressivamente obliteradas pelas concatenações "racionais" entre os eventos, sendo o protagonista tão ou mais assustador que qualquer um dos possuídos. Em determinado momento, perdi o interesse, de tão estapafúrdio que torna-se o enredo, em suas explicações generalizadas acerca do que acontece (todo mundo na cidade conheciam as regras na lida com entidades satânicas?). Decepcionou-me bastante, infelizmente, mas possui uma ou outra cena com forte impacto, ainda que estas sejam logo sucedidas por forçações familiares de barra que as estragam. Uma pena. Mas sigo empolgado ao defender o Terror como um dos gêneros mais políticos que existem! (WPC>)
A Sala dos Professores
3.9 139 Assista AgoraQuem gostou de A CAÇA, do Thomas Vinterberg, encontrará uma vigorosa continuidade aqui. Tal como acontece no filme sueco, lidamos com as tensões de acusações sem provas, mas que atiçam uma insegurança já em curso, a desconfiança quanto às pessoas que nos cercam. Há um ou outro exagero reativo, que talvez dê a impressão de inverossimilhança factual, mas quem já passou por um processo semelhante, sabe que nossos sentidos ficam atormentados, exacerbados e intensificados. É estranho, no filme, que a protagonista insista em dar aula, normalmente, após a eclosão do problema-chave, quando se sabe perfeitamente que novas ramificações explosivas ocorrerão diuturnamente: lidas com crianças, em momentos de choque emocional, é bastante delicado. Neste sentido, precisamos elogiar as ótimas interpretações infantis (principalmente, a de Oskar) e o final que nos obriga a "completar" algumas situações e julgamentos. A direção é muito exitosa na instauração aflitiva, através de uma trilha musical que acelera ainda mais o ritmo do filme e as (in)decisões da protagonista. É um tanto genérico, em encenação, mas bem conduzido, enquanto provocação. Recomendo-o sociologicamente, com urgência: precisa ser exibido em várias instituições! (WPC>)
Las Furias
4.0 1Imperdoavelmente, não conhecia esta cineasta pioneira argentina. Cheguei a este filme graças a um cineclube deveras particular e amei a 'mise-en-scène' repleta de camadas, misturando cacoetes de George Cukor com tropos caros ao Walter Hugo Khouri (até mesmo o onipresente, ainda que ausente, Marcelo está lá). As atrizes são ótimas, sendo os duelos via diálogos entre elas maravilhosos (o confronto entre a filha e a irmã, perto do final, que o diga!). Há algo de teatral na disposição das marcações, na revelação do desfecho, mas é um filme que respira muita linguagem cinematográfica, ao ousar ser metalingüístico (fala-se sobre a audiência a outros filmes, às radionovelas, etc., além de haver cenas em cenários externos) e ao nacionalizar referências tipicamente hollywoodianas acerca das funções daquelas personagens femininas, não nomeadas, tamanho o peso de tradições sufocantes em seus papéis sociais e familiares. Amei o uso expressivo da trilha musical de Astor Piazzolla. Gratíssima descoberta: quero mais desta realizadora, uau! (WPC>)
Vida Nua
3.9 7Imperdoavelmente, não conhecia este personagem real - e fiquei imediatamente apaixonado por ele. Amei a sua auto-apresentação, bem como as suas frases de efeito. Anotei várias e gostei muito da audácia comportamental deste militante 'avant la lettre'. John Hurt está ótimo como protagonista, mas há algo muito esquisito nos exageros afetados das composições, dele e de todos os demais coadjuvantes, que parecem muito mais velhos que os personagens em si. Há uma melancolia inerente e crescente, em relação às constatações de Quentin quanto à sua inadequação no mundo. Mas ele nunca perde o senso de humor, a ironia, a vontade de seguir em frente e vestir-se exatamente como ele deseja. Aprendi bastante e inspirei-me neste modelo de homossexualismo corajoso, tão brilhante quanto o Guy Hocquenghem, mas em aplicação prática, vivendo para além de qualquer proibição. Amei essa descoberta, quero saber muito mais sobre o Mr. Crisp! (WPC>)
Eu Também Não Gozei
0.5 1É muito difícil analisar esse tipo de proposta documental, visto que lidamos com as decisões e escolhas (ou falta de escolhas, a depender do caso) de uma pessoa em particular, estando todas as proposições fílmicas atreladas aos comportamentos desta pessoa retratada. Nesse caso, há uma agravante: a pessoa em si é mostrada menos por aquilo que ela é que por aquilo que acontece com ela, de modo que a abordagem sobre a sua vida passa a girar em torno de uma única situação - que, neste caso específico, é a obsessão de uma mãe solteira para identificar quem é o pai de sua criança. Por quê? Por que ela precisa de auxílio financeiro ou algo semelhante? Não, mas porque "em algum momento da vida, ele vai querer saber quem é o pai". Aí, eu respiro: além de espectador, sou também um filho de mãe solteira, de uma mulher que talvez tenha sido estuprada ou precisou se prostituir para nos alimentar. Como tal, sequer sei o nome de meu progenitor. Isso me dá suficiente "lugar de fala" para me posicionar contrariamente à procuração materna e sumamente classista da personagem deste documentário? Pelo sim, pelo não, o farei: independente de ser uma pessoa incrível e/ou uma artista competente, a mãe-personagem que estrela este filme é uma chantagista emocional, alguém que insiste que "quer resolver pelo amor", desde que esta resolução seja o que ela quer, apenas o que ela quer. Intransigente e julgamental, ela reclama que é julgada por exercer livremente a sua sexualidade, mas reclama da burocracia o tempo inteiro (enquanto obriga-nos a acompanhar as suas opções burocráticas pelos testes sucessivos de DNA). Julga "quem ainda decide marcar hora para casar" e pergunta a dois supostos pais "como eles podem deitar a cabeça no travesseiro por não quererem saber se puseram um filho no mundo ou não". Contraditória e impositiva, a personagem deste filme reclama que a vida "não tem ensaio" (oh!), que se sentiu sozinha nas situações em que fôra filmada o tempo inteiro (quando sabemos que ela é filha de médico, por exemplo) e não percebe que seus pontos de partida reivindicativos são negados pela própria lógica de uma interlocutora em 'off'. "Nunca pensei que fosse tão importante um pai", argumenta ela, ao que alguém pergunta "e seu pai, não é importante para ti?". Enquanto alguém que trabalha com atendimento ao público, fiquei apavorado com a possibilidade de atender à pessoa mostrada neste documentário: ela expõe a funcionária do cartório, a técnica de enfermagem, um motorista de aplicativo e diversos outros profissionais às suas indignações perante a tal da burocracia, que, aparentemente, a obriga a furar a pele do seu filho diversas vezes, quando é ela que projeta isso, com base numa hipotética necessidade de explicar uma origem genealógica precisa para o seu bebê. Como não identificar tantas contradições problemáticas - além de caracteres hediondos da alta classe - neste filme se, infelizmente, é apenas isso que ele parece ter a nos oferecer? OK, admito que as seqüências do bebê caminhando pela praia são bonitas, bem como a conversa com uma mãe também solteira, com quem a personagem cogita morar, em determinado momento. Mas ela não quer ser convencida, ela não quer acordos, ela impõe, determina que as coisas ocorram exatamente como ela planejou e, se isso não acontece, serve-se de frases feitas (e lamentosamente procedentes) de que "o direito foi feito pelos homens e para os homens". Logicamente, essa é uma experiência aburguesada, privilegiada e entulhada de preconceitos de alta classe, que são obliterados pela "premência" feminista do filme, pelos momentos em que, sim, torcemos para que a personagem real descubra quem é o pai de seu filho e busque outro assunto para se ocupar, encontre um trabalho, tenha uma vida com preocupações generalizadas, sinta prazer, tenha algo a compartilhar, além das conseqüências de descuidos cumulativos, visto que, venhamos e convenhamos, tem-se suficiente esclarecimento de que o sexo com múltiplos parceiros, sem proteção e/ou cuidados, pode desencadear uma gravidez. Ah, é violento falar isso, é um julgamento machista, é uma opinião de quem não sente na pele o que aquela mãe sentiu. Pode ser. Sendo assim, que fique claro que a minha insatisfação é em relação ao que eu vi enquanto produto fílmico, deveras problemático, limitado e desinteressante. Arcarei com o desagrado de não ter gostado. E torço para que a Letícia esteja bem, tanto quanto o Pedro, a diretora e as demais pessoas envolvidas no projeto. Que ela goze, enfim - em mais de um sentido! (WPC>)
A Lira do Delírio
3.7 24No terceiro contato, tive a bênção de estar cercado por outros espectadores, que reagiram com espanto quando souberam das condições de falecimento da protagonista. Para a minha gratíssima surpresa, ninguém abandonou a sessão, mesmo que eles tenham admitido a estranheza quanto à narrativa. De minha parte, fiquei ainda mais impressionado: não sei se o diretor foi muito sangue-frio, genial ao cafajeste (ou tudo ao mesmo tempo) ao conseguir finalizar este filme, nas condições mui atribuladas em que ele foi executado. Paradoxalmente, são justamente estas condições que confirmam a excelência da obra, em seu testemunho de brilhantismo frente á lógica do armengue. O elenco está soberbo (Anecy é diva, ranha, musa-mor) e a montagem é ótima em seus vais e véns carnavalescos. Ótimo aproveitamento da trilha cancional essencialmente carioca e momento de brilhantismo ímpar, na abordagem dos eventos da malandragem tupiniquim. Obviamente, muita coisa no registro de época incomoda, mas Paulo César Peréio comenta tudo de maneira inteligente e sumamente crítica: enquanto jornalista, projetei-me bastante nele. Filmaço! (WPC>)
O Paraíso
3.3 16 Assista AgoraAntes de assistir ao filme, soube que a canção "Holm", de Emel, viralizou na trilha sonora, de tão bonita que é e de tão bem utilizada que fôra. Concordo: a trilha cancional deste filme é primorosa, de fato, e, por causa dela (e dos comentários de alguns amigos), talvez eu tenha adentrado a sessão com muitas expectativas, logo frustradas. Não sei se o diretor estreante parte de uma situação autobiográfica, mas, se for o caso, é como se aproveitasse um roteiro escrito quando ainda era adolescente, tamanha a quantidade de firulas e problemas de execução e construção dos personagens: o protagonista é muito bonito, porém desenxabido, enquanto o seu interesse amoroso é pouco expressivo e desinteressante. Há algumas evidentes referências genetianas (rimas atualizadas para UMA CANÇÃO DE AMOR, por exemplo), que ficariam maravilhosas se o filme foi mais curto e/ou assumisse a sua faceta enquanto videoclipe. As situações, entretanto, são progressivamente inverossímeis, em sua pretensa utopia romântico-monogâmica: imaginar que os internos de um reformatório lidem com materiais tão perigosos, sem vigilância, é um defeito evidente. Outros se somam, como a estultice dos diálogos e das reações dos "namorados". É difícil levar a sério o que acontece, torcer por um casal sem química, imaginar que esse conjunto de inconseqüências terá um final feliz. Mas o diretor insiste, acredita, leva seu anseio conciliador à frente. E se equivoca cinematograficamente, claro: achei este filme um engodo completo, um porre! Vale pelas breves aparições da mui competente Eye Haidara, ao menos. (WPC>)
Bodas de Sangue
4.1 46 Assista AgoraNa revisão, fiquei ainda mais encantado: é impressionante como o diretor parece ter ciência de que estava gestando uma obra-prima aqui, acompanhando todo o processo, desde aquilo que antecede os ensaios. Um funcionário acende as lâmpadas dos camarins, os atores entram e, pouco a pouco, os personagens surgem em cena, fazendo com que a trama lorquiana ultrapasse a técnica e tudo se torne intensa emoção, música em estado puro, dança em estágio sublime. Magnífico! (WPC>)
Indiana Jones e a Relíquia do Destino
3.2 328 Assista AgoraBastante superior ao quarto capítulo da franquia, surpreendi-me, enquanto via o filme, em relação ao quão divertido ele é: perdi a chance de vê-lo no cinema, por mero pantim, mas faço aqui o 'mea culpa'. Dentro da conjuntura produtiva hollywoodiana hodierna, este filme executa muito bem a sua fórmula de aventuras, com Harrison Ford ainda em forma como protagonista (até porque a envergadura é mais emocional aqui, dado o pendor do cineasta James Mangold pelas reconciliações) e com um aproveitamento inteligente do senso de humor ouriçado da Phoebe Waller-Bridge. O roteiro é uma coleção de situações antinazistas, que desemboca nalgo que requer muita "suspensão da descrença", mas nada que ofenda o "contrato" associado ao gênero ou à trajetória do personagem famoso. O filme só não é melhor porque as aparições do garoto Ethann Isidore, cada vez mais ativo e/ou onipresente enquanto 'deus ex machina' adolescente, lembram--nos que esta produção presta contas com as exigências contemporâneas da audiência, servindo-se de um ponto de partida nostálgico para referendar os elogios massivos à infantilização das audiências. Seja como for, o humor do enredo não incomoda (lembra muito o estilo spielberguiano oitentista) e o desfecho neo-familiar fecha com afeto a saga. Deu até vontade de rever os filmes anteriores! (WPC>)
A Fera na Selva
2.8 4 Assista AgoraAo término da sessão, fiquei muito curioso para comparar esta adaptação à obra literária original: o casal central é muito bom (como não se encantar pelo taciturno Tom Mercier?), mas é a narradora Béatrice Dalle quem mais fascina e chama a nossa atenção. As seqüências de dança, ao fundo das conversas, são ótimas, bem como a trilha musical específica, que emula as mudanças de tendência 'disco'/eletrônicas da "vida real". Os segmentos sobre o esvaziamento urbano provocado pela AIDS são ótimos e o desfecho é belíssimo. É estranha e fascinante a maneira como os personagens falam sobre "a coisa" que pode acontecer a qualquer momento, mas isso também favorece a nossa identificação emocional, pois podemos projetar inúmeras sensações, sentimentos e situações em relação a este conceito tão geral. Muito bonito! (WPC>)
Godspell - A Esperança
4.0 11 Assista AgoraSou obcecado por musicais e discursivamente cristão. Como tal, este filme, depois que soube de sua existência, tornou-se um objeto imediato de desejo. Numa comparação com JESUS CRISTO SUPERSTAR, por conta do gênero e da temática, suas fraquezas ficam sobremaneira evidentes: trata-se de uma realização teatral e crente demais, cinematográfica e musical de menos. O elenco é versátil e as poucas canções têm seu interesse validado pela mensagem, mas a reconstituição um tanto infantilizada das parábolas bíblicas nem sempre entretém. O desfecho, por sua vez, é inspirado, na atualização da mensagem e no direcionamento de ensinamentos eternos às novas gerações. Inferior às outras 'óperas-rock' da década de 1970, mas não desprovido de algum charme. (WPC>)
Bizarros Peixes das Fossas Abissais
3.7 13Como não ficar fascinado por um título como este? A trama em si é esparsa, evanescente de propósito, no sentido de que interessa mais ao diretor a composição dos personagens, o surrealismo das situações e a mensagem sempre bem-vinda de aproveitamento da vida cotidiana. Há muitas referências ao seu universo afetivo pessoal e um trabalho de dublagem muito oportuno do trio principal. A equipe técnica acessória é ótima e os diálogos são hilários nas excentricidades proferidas, todas elas validadas pela eficaz pesquisa biológica do filme. Ri em mais de uma cena e fiquei hipnotizado pelo balé submarino da longa cena que justifica o título. Não conhecia este premiadíssimo animador, mas já quero imergir mais e mais em suas obras: impressionante. Minha identificação com a tartaruguinha com TOC foi total! (WPC>)
Sobreviventes - Depois do Terremoto
3.2 39 Assista AgoraMuito estranha a opção por esse título brasileiro, visto que não se sabe se o que ocorre é precisamente um terremoto... É muito legal que não se explique a origem do desastre, inclusive: o roteiro está interessado em outras questões, nas "tentações" amorais ou imorais que acometem as pessoas em situações extremas. Quando os envolvidos são pessoas aquisitivamente bem-favorecidas, é ainda pior. Neste sentido, o filme é interessante desde o prólogo sobre a tendência progressiva ao confinamento voluntário em prédios cada vez mais altos. Gosto do modo como a trama se desenvolve, ainda que a duração estendida faça com que algumas situações se tornam repetitivas, sobretudo aquelas que envolvem a vilania do personagem de Lee Byung-hun, caricatural às vezes. A fotografia adota tons crepusculares, do meio para o final, muito bonitos enquanto preparação para a mensagem (humanista) do desfecho. Fica-se evidente que a tônica da produção é mais entretenedora que efetivamente reflexiva, mas funciona nos dois sentidos - e não fica a dever aos melhores 'blockbusters' estadunidenses, não: a direção de arte impressiona. Amei, por exemplo, o cinismo da seqüência em que as regras do comitê de segurança são explicadas com os personagens olhando diretamente para a câmera! (WPC>)
Elementos
3.7 468A profusão de cores realmente chama a nossa atenção, bem como o apuro técnico e algumas piadas referentes às diferenças de condições sociais dos personagens. Porém, o roteiro deste filme é um engodo: além de a situação geral envolvendo o vazamento ser ignorada, de uma hora para outra, justamente quando atinge o seu apogeu, as situações que justificam os encontros entre os personagens são forçadas e pouco desenvolvidas. Vide a necessidade do Gôta em relação à manutenção de seu emprego, por exemplo. Como tal, o descompasso incomodou-me, não consegui mergulhar a contento no filme, a despeito de ele continuar a clássica oposição entre desejos dos filhos X anseios dos pais no enredo. Minha mãe curtiu; eu fiquei desconfiado. Na pior das hipóteses aplicativas, serve como sintoma evidente de uma crise criativa! (WPC>)