Parece que Hollywood finalmente percebeu que a fórmula de "Corrente do Mal" poderia ser facilmente explorada num novo filme (ou, quem sabe, toda uma nova franquia?)... Aqui também temos o exato mesmo tipo de maldição que 'segue' as pessoas e é passada mesmo sem intenção de uma para a outra.
A vítima da vez é a psiquiatra Rose Cotter (Sosie Bacon), vitimada de uma hora para outra por uma paciente que havia acabado de conhecer há poucos minutos. Sua vida se torna um inferno a partir do momento em que ela presencia o suicídio da paciente e a entidade começa a persegui-la tal como fez com a jovem.
E a parte do terror psicológico é muito bem desenvolvida. A protagonista faz um trabalho incrível ao interpretar esta personagem presa entre o mundo "real" e aquilo que todos à sua volta (e pensa numa coitada cercada de gente cuzona, hein?) dizem a todo instante ser fantasia.
A performance é habilmente ajudada por uma direção sólida. Nada que inove ou traga renovação ao gênero, mas bastante competente para nos manter minimamente interessados por quase duas horas, com seus ângulos absolutamente desconfortáveis e um desenvolvimento interessante.
O que peca aqui é o texto. Depois de um tempo, a experiência fica bastante repetitiva. A ausência de uma explicação mais profunda (talvez um desenvolvimento sobre a origem da entidade ou uma aposta mais firme no background de alguns personagens) também poderia ser bastante feliz para a obra como um todo, até para evitar a ladainha infindável.
Mas preferiram partir para o caminho mais fácil de ficar mostrando uma criatura - visualmente patética, convenhamos, e cuja graça era estar "mascarada" durante todo o resto do filme - e criando plot twists visivelmente falsos a rodo para apressar o final.
No fim, o que fica é a impressão de que o trailer e todas as imagens promocionais venderam muito bem um filme que, infelizmente, não é lá essa Coca-Cola toda. Já vimos tudo isto ser feito por outros filmes de forma muito mais interessante antes (recomendo bastante o "Corrente do Mal" mencionado acima) e que as ideias usadas por estes foram apenas recicladas aqui.
Somando tudo, não posso dizer que o filme deu medo (francamente, nenhum dos jumpscares surpreende quem assiste filmes do gênero com alguma frequência), nem que o drama realmente é daqueles arrebatadores (ainda que tenha lampejos interessantes), mas ao menos também não posso dizer que este é daqueles filmes de terror tão ruins que nos fazem sorrir? Se isso já é uma vitória para você, então assista e... sorria. :)
Filmes sobre serial killers já são polêmicos por natureza. Filmes que abordam o tema envolvendo também religião, então, nem se fala, né? Desde que li a premissa de "A Mão do Diabo", entretanto, já fiquei interessado em assisti-lo justamente por isto.
Temos aqui um conto de terror sobre a história de um jovem atormentado por um pai afligido por visões apocalípticas e as consequências nefastas para a vida familiar que seguem até a vida adulta. Matthew McConaughey é o responsável por contar a história do garoto para um incrédulo agente do FBI interpretado por Powers Boothe, enquanto Bill Paxton é o responsável por dar vida ao pai da história (e "pai da película" em mais de um sentido, já que também ficou a cargo da direção).
Trata-se de um thriller à moda começo dos anos 2000 que, como qualquer filme que se preze da época, tem um plot twist digno da era coroada por obras como "O Sexto Sentido". É, no fim, um filme aterrorizante que tem toda uma construção que parece levar por um caminho, mas que, no fim das contas, descamba para outra completamente diferente... e, pasmem, consegue fazer isto sem perder o sentido!
A virada é muito bem executada, por mais que seja previsível para quem acompanha filmes do gênero a partir de determinado momento. As implicações da virada não afetaram em absolutamente nada a experiência do filme, porque ela foi bem-sucedida (e ainda teve outros twists menores que eram menos esperados em um momento ou outro por ali). Recomendadíssimo para fãs do gênero.
O Prime Video basicamente entrega um dos principais plot twists com a ferramenta de dados do IMDb, o X-Ray, e é bem possível que isto estrague a experiência para muitos. =/
Sabe quando você percebe que o todo é o mesmo que o nada? E que o nada ao mesmo tempo é o todo? E que uma coisa imensa pode, na verdade, acabar por ser uma coisa ínfima? Ao mesmo tempo em que uma coisa ínfima pode acabar por se tornar uma coisa imensa de uma hora para outra? São estas as perguntas que "Adeus, Lênin" consegue colocar nas nossas cabeças.
E consegue fazer isto tal como a vida. Com uma pitada de drama, um pouco de comédia, mais um tiquinho de romance e - por que não? - uma situação farsesca num nível estapafúrdio mas que, ao mesmo tempo, é tão bem desenvolvida que nós conseguimos comprar aquilo e nos envolver com a história de uma forma simplesmente inigualável.
Este é daqueles filmes que conseguem projetar discussões altamente complexas de uma forma extremamente simples e direta, ao mesmo tempo em que nada disto é necessariamente a intenção aqui. Até porque, por mais que as grandes questões da sociedade moderna sejam colocadas em causa em um ou outro ponto, não é isto a base da história. Mas sim a forma como cada grande tema molda nossas vidas, mesmo que só um pouquinho, ao mesmo tempo em que nada do que parece tão fundamental é realmente fulcral quanto pensamos.
É exatamente esta a lição que o filme passa em seus últimos instantes. Que é preciso lutar pelo que queremos? Sim, esta lição está lá desde o começo. Que nem sempre as coisas serão como esperávamos? Também, e a vida vai seguindo mesmo assim. Que é preciso aceitá-las e seguir fazendo o melhor que podemos? Claro, óbvio e evidente! Mas, principalmente, pelo fato de que, não importa quais sejam as circunstâncias lá fora, o que mais conta de verdade é aquilo que está lá dentro e que ninguém consegue ver... Nem com a poderosa luz de uma extravagantemente moderníssima luminária cor-de-rosa.
E isso tudo acima pode ter soado como devaneio louco de alguém que acabou de ser impactado de uma forma bem intensa. E realmente é mesmo! Afinal, na hora de dar o meu adeus pro Lênin, de uma coisa tenho certeza: este filme entrou de forma instantânea no meu rol de favoritos de sempre. Pois uma joia como esta jamais se despede de fato.
Quando você ainda é um adolescente, qualquer momento e qualquer circunstância podem ser turning points na sua vida. Afinal, você ainda tem toda uma jornada pela frente, não é mesmo? Pelo menos é o que pensava Carson Phillips (Chris Colfer). Mas a vida sempre reserva lá suas ingratas surpresas...
Que, no fim, nem são lá tão surpreendentes assim. Afinal, o filme já deixa claro o seu final logo no início. E não há exatamente nenhum problema com isto. Apenas não há aquela antecipação que vai crescendo até aquele momento fulcral. Porque o fim aqui foi tratado como o começo de algo. Se não para ele, para os outros.
E é aqui que o filme tem algum brilho. Porque há uma mensagem legal por trás. Para todos aqueles que são deixados de lado, seja por serem esquisitos, por terem gostos diferentes e excêntricos, ou por simplesmente serem muito mais ambiciosos que a média. Simplesmente sigam suas vidas da melhor forma possível. Mesmo que ela não corra da forma como você esperava.
E é também aqui que encontramos o maior demérito do filme: na tentativa de espraiar esta mensagem, temos um sem fim de personagens mal desenvolvidos, todos baseados em estereótipos extremamente batidos. Na tentativa de ser uma discussão "espertinha" sobre o colegial, o filme acaba caindo na armadilha de se perder na própria ambição também. Afinal, todos não passam de meras caricaturas.
Intérpretes mais capazes, como a genial Allison Janney e a comedida - mas segura - Christina Hendricks conseguem adicionar algumas camadas adicionais às personagens que interpretam, mesmo com pouco tempo de tela, deixando-as minimamente críveis. Os outros, em geral, nem tanto. São apenas aquela superfície que, quanto mais tempo de tela têm, mais você percebe que só possuem superfície mesmo.
No fim das contas, este tipo de dramédia adolescente geralmente cai nessas armadilhas de seguir pelo caminho mais fácil de outras produções do gênero: como a crítica não critica nada, no fim a piada perde a graça. São raras as películas do naipe que são atingidas por um raio e saem desse marasmo. Por mais que aqui houvesse potencial, não diria ser o caso.
Este filme é um dos besteiróis mais interessantes que vi nos últimos tempos. E sim, este tipo de comédia é extremamente forçado, mas é uma delícia ver como este trabalho consegue colocar em choque dois períodos tão distintos (2002 e 2022), ao mesmo tempo em que consegue explorar de forma tão peculiar aquilo que os aproxima.
De Volta ao Baile é aquela obra que sabe explorar a nostalgia de tempos que se foram, ao mesmo tempo em que mescla aquilo que só quem viveu sabe (né, Gabi?) com a atualidade de forma a tentar replicar aquele mesmo sentimento para quem não o viveu. E eu aprecio demais este tipo de esforço.
É bem possível que quem não tem lá seus trinta anos talvez não veja lá tanta graça nisto aqui. Muitas referências são extremamente datadas (boa parte do público da Netflix sequer havia nascido para pegar algumas delas), mas o filme atinge perfeitamente o sweet spot para a faixa etária que viveu esta transição entre o mundo analógico que existia então e o mundo digital que temos hoje.
E consegue fazer isto sem criticar de forma proselitista qualquer um dos dois. Porque as duas épocas têm suas qualidades e suas falhas muito óbvias. Simplesmente não é este o propósito da obra. Apresentar as duas situações e saber retirar o humor de cada uma delas é o que faz o filme ressoar tanto.
E as performances certamente ajudam. São caricatas? Sim, com certeza! Mas este tipo de comédia escrachada pede exatamente isto! E, no fim, são tão carismáticas que chegamos a torcer por cada um dos personagens (o backstory também é curiosamente bem desenvolvido, a meu ver, algo muito raro neste tipo de filme) e entender suas angústias e preocupações.
Indicadíssimo para quem quer relembrar os velhos tempos (nas roupas, penteados, músicas, pôsteres aleatórios no cenário ou mesmo na bizarra recriação de um velho - e icônico - videoclipe jogada no meio do filme), ou para quem simplesmente não viveu mas quer sentir o gostinho de uma época que certamente tinha lá seus problemas, mas que também tinha seus dias de glória.
Persuasão é uma das obras mais comedidas de Jane Austen. Com uma protagonista retraída, ainda que segura, a autora consegue explorar muito bem os conflitos de toda uma época nas viradas intensas às quais todas as nossas vidas estão sujeitas.
E a sutileza com que todas estas situações se apresentam ao longo das páginas é a principal qualidade da obra. Esta adaptação da Netflix, por sua vez, esquece completamente esse princípio basilar em nome de uma modernização excêntrica que precisa chamar atenção em meio a tantos e tantos lançamentos.
Nesta nova versão, que antes de adaptação parece mais algo livremente - e põe livre nisto! - inspirado na obra original, temos toda esta base deixada de lado a favor de uma recriação deste universo misturado a um pastiche visual de Emma. (uma adaptação recente da mesma autora muito mais bem-sucedida) e narrativo de Fleabag (sem o carisma excepcional da Phoebe, claro). Pouco criativo.
Para além de pouco criativa, entretanto, esta abordagem derrota por completo a ideia de que cada pequena coisinha vai acontecendo a seu tempo. Que cada personagem tem a sua exata função no plano geral. E que cada farsa será revelada no instante correto.
Aqui, simplesmente não há nuances. Tudo é jogado da maneira mais "in your face" possível a todo instante, como se os espectadores fossem imbecis a ponto de não conseguirem pescar as pistas. E, para além disto, removem pontos fulcrais da obra a ponto de fazer algo mais leve e despretensioso. O exato contrário do que pediria uma adaptação fidedigna de Persuasão.
Pelo lado positivo, posso dizer que a fotografia é belíssima (mesmo que nem isto surpreenda tanto com o visual 'livremente inspirado' de forma tão clara em outra adaptação recente) e que o recurso narrativo de quebrar a quarta barreira é até interessante (embora em choque com o perfil da protagonista original, e também pouco original).
Não é de todo ruim. Como obra solta, tem até seus pontos positivos. Mas, como adaptação de uma história tão conhecida e venerada, certamente deixa a desejar. A adaptação de 1995 não tem tantas firulas, mas consegue trazer muito melhor esta obra à telona. Já esta daqui, nem mesmo um mestre da persuasão me conseguiria fazer rever.
A malícia no ser humano reside nos confins mais íntimos das nossas mentes. E ninguém escapa dela. Seja um médico talentoso com complexo de Deus, uma voluntária obstinada de um hospital ou um professor dedicado de uma universidade respeitada. Mas há aqueles que conseguem controlá-la. E outros que não.
Há aqui uma história de pessoas que evidentemente não conseguem mantê-la sob controle. Aqueles que cedem às pressões da malícia, seja por poder, por dinheiro, por ego, ou simplesmente porque são maus por essência. Cada um tem lá seus motivos e razões, por mais que não aparentem à primeira vista. Afinal, nem tudo é o que parece.
Este filme, entretanto, não conseguem explorar isto de uma forma muito adequada. Psicopatas tão calculistas bolam "planos geniais" com furos tão claros... E, do outro lado, um marido tão dedicado ao sonho da sua esposa sequer vai atrás de resolver na sua ponta a questão que realizaria o seu suposto maior desejo.
No fim, o filme promete uma coisa e entrega uma outra totalmente diversa. A trama que dá início a todos os movimentos se resolve sem qualquer implicação maior de uma forma absurdamente desinteressante. A única função do que parece ser a linha central da obra por meia hora é dar uma pista lisonjeira sobre algo completamente distinto.
E o plot twist já é previsível quando a situação começa a ser forçada demais. Não que não existam aqui momentos interessantes (o discurso sobre o complexo de Deus não é mencionado até hoje à toa), mas os personagens simplesmente não me convenceram e a trama é complicadinha, mas ao mesmo tempo rasa. E o pior de tudo: para um thriller, há uma imensa falta de tensão aqui.
Não é de todo ruim, mas é apenas mais um filme excessivamente convencional que tenta nos fisgar de vez com uma virada "surpreendente", mas que falha nesta tentativa. Perfeitamente aceitável, talvez, mas faltou aquele algo que o tornaria realmente instigador. Talvez um pouco mais de malícia.
Sou fã incondicional dos trabalhos do Woody Allen. E sei bem que ele adora fazer um pastiche bem elaborado. Mas há vezes em que ele consegue fazer isto de forma bem-sucedida. E outras em que parece ficar no meio do caminho. Neblina e Sombras, infelizmente, parece ser parte do segundo grupo.
Por mais que visualmente o filme seja perfeito, fazendo valer de fato o título, em seus belos e sombrios tons de preto e branco, a história simplesmente vai do nada a lugar nenhum. E, sim, eu entendo perfeitamente que era este o ponto: uma pitada de discussão existencialista misturada com uma trama kafkiana envolta em um ambiente que replica filmes de terror, mesmo que o horror deste gênero raramente se faça presente aqui.
Mas nada parece acertar no alvo. Assim como Josef K., Kleinman (Woody Allen) anda em círculos e mais círculos, sem nunca chegar a lugar algum. Nisto, é ajudado por um sem-fim de personagens coadjuvantes (que muitas vezes não têm qualquer desenvolvimento relevante, por mais demonstrem promessa), sempre interpretados por atores gabaritados (até os figurantes, como William H. Macy ou John C. Reilly são gabaritados neste filme, a bem da verdade).
E, cada vez que um deles aparece, o surgimento deles na tela parece ser apenas um artifício para gerar mais dois ou três minutos de tempo de arte. A promessa do primeiro ato nunca se cumpre. E olha que havia aqui um potencial extraordinário... Imagina só uma cidade ameaçada por um serial killer, ao mesmo tempo em que é visitada por um circo com personagens únicos por si mesmos e sede de um bordel com prostitutas tão marcantes, e também envolta numa trama de conspiração de vigilantes que desejam fazer justiça com as próprias mãos. E, ainda assim, o filme consegue a proeza de não entregar nada.
Allen até tem umas falas legais e uma ou outra discussão interessante chega a ser abordada, mas é tudo excessivamente superficial e pouco desenvolvido. É daquelas obras que peca pelo estilo acima da substância. E o estilo ainda é claramente derivado de outras fontes, neste caso. E não se pode sequer dizer que há conclusão para nada aqui. O filme não se encerra. Ele simplesmente para.
Para além dessa apreciação estética, em que a produção remonta aos filmes da primeira era do cinema, em que o que estava na tela parecia por vezes nos remeter a um mundo completamente alienígena - e, portanto, aterrorizante - e a cinematografia e a ambientação simplesmente perfeitas, há aqui pouco a recomendar. Allen já trabalhou estas questões de forma mais firme em inúmeros outros filmes. Neblina e Sombras, afinal, acaba por ficar, infelizmente, mas com razão, esquecido à sombra de trabalhos muito melhores e muito menos neblinosos...
Se Jane Austen encontrasse Dostoiévski, o que teríamos seria A Mulher do Tenente Francês. Temos aqui, afinal, uma moça com um poder de persuasão incrível, cuja consequência é a execução de um crime e (seu posterior) castigo.
Mas não é exatamente isto que interessa aqui. Por mais que possa haver inspiração nos romances de ambos (e pudera, né? Ambos são verdadeiros ícones indiscutíveis da literatura) para criar esta aqui, o aspecto mais interessante é a justaposição de duas obras diferentes para criar o trabalho final.
Da primeira tomada que já nos arrebata, ao mesmo tempo que nos deixa confusos, Anna (Meryl Streep) nos conquista da mesma forma que conquistou Mike (Jeremy Irons). E não nos conquista exatamente como Anna, mas sim como Sarah, a personagem-título. Sua aura mítica envolta em um mundo privado ininteligível para qualquer outra pessoa, em uma sociedade que não entende muito bem suas particularidades e as enxerga como uma doença que leva à depravação.
Conseguir transpor muito bem essa simbiose do desejo, que muitas vezes reside apenas nas nossas mentes, e da necessidade - convencionada, e portanto falha - imposta pelos outros de se afastar dele é o que torna as atuações dos protagonistas tão poderosas. Meryl Streep, como Anna, nos domina, com seu olhar distante e o mistério que envolve a personagem. Jeremy Irons, por sua vez, replica com exatidão o conflito entre o racional e o emocional, a obrigação e a liberdade, e, por fim, o certo e o errado.
Onde o filme perde força é na segunda trama, a do "mundo real", em que os "atores" vivem os mesmos conflitos que os personagens que interpretam. Aparecem tão pouco até o último ato que, por vezes, parecem apenas um penduricalho para distinguir este trabalho de qualquer romance escrito de fato no século XIX. E, como não é tão bem explorado, parece um artifício narrativo um tanto artificial por vezes.
O que certamente não diminui a obra como um todo. Temos aqui um belíssimo trabalho que merecia ainda mais reconhecimento (já que, por mais que aclamado à época, parece ter sido um tanto esquecido pelo tempo). E, por mais que uma das tramas não tenha a mesma profundidade da outra, é louvável a forma como as duas são imbricadas de uma forma tão suave, em que uma complementa a outra.
E, se por um lado, em uma das histórias foi possível encontrar quem entendesse as necessidades quase inexplicáveis de uma mulher tão particular em uma época tão repressiva, do outro, a realidade nua e crua de uma sociedade muito mais permissiva não permitiria que aquilo seguisse em frente da forma que os amantes poderiam ter algum dia desejado. É nesta fina ironia que reside a genialidade da obra.
E se você não estivesse naquele exato lugar naquele exato instante? Sua vida teria sido radicalmente diferente. E a vida de outra pessoa que, possivelmente, você sequer conhece também seria absurdamente distinta. Se cada ação gera uma reação, é nessa teia infinita de possibilidades que nossas vidas seguem seus cursos. Em que ações geram reações que sequer podíamos imaginar a princípio. São os tão conhecidos efeitos colaterais.
E é neste baile interminável que as vidas de Max (Jamie Foxx) e Vincent (Tom Cruise) se cruzam. O primeiro é um taxista com sonhos que nunca saem do papel, enquanto o segundo é um assassino profissional para quem o papel sequer importa... O que importa é a ação. Nisto, cada um tem lições a ensinar para o outro. E, quando há uma arma envolvida, a lição pode ser muitas vezes mortal.
Apesar da promessa inicial, entretanto, Colateral não consegue entregar muito além de um filme convencional de ação. Perseguições, tiros, acidentes e sangue pra todo lado... E, para tentar se diferenciar dos demais filmes do gênero, um vilão que já era coach motivacional quase duas décadas antes de a profissão ser a mais requisitada que há.
Aliás, muito do furor gerado pelo filme à época do lançamento foi pelo fato de Tom Cruise ir aqui contra o tipo do "eterno jovem" (e mocinho, claro) que sempre encarnou e interpretar alguém do outro lado do tabuleiro (com cabelo grisalho e tudo). Mas a aposta não é tão certeira. Ainda que seja absurdamente carismático, ele dificilmente consegue se livrar do tipo e parecer realmente ameaçador, sendo basicamente engolido em cena por Jamie Foxx, que consegue entregar um personagem com muito mais camadas (e por isto foi devidamente reconhecido, ainda bem).
Se você gosta de filmes de ação, há aqui um ótimo filme para você. Se você espera, por outro lado, alguma coisa que vá além de tiros de festim, não é bem aqui que vai encontrar. Pelo contrário, o que o filme tem a oferecer além disto é uma tentativa de romance mambembe, frases de efeito genéricas e um vilão que tenta se mostrar a todo custo como alguém que vive no "mundo real", quando quem vive realmente naquilo é o mocinho.
E, ainda que seja este o propósito real do filme, esta conclusão só chega tarde demais. Ainda que jamais tenha faltado assertividade para tentar ir direto ao ponto e mostrar a agonia que deve ser estar numa situação como aquela, faltou demais a sutileza para mostrar o que seria dano colateral em toda aquela situação... Que irônico, não?
Há muitas coisas que nos envergonham. Na sociedade ocidental, ainda que longe do puritanismo vitoriano, sexo é tratado não apenas com vergonha, mas muitas vezes ainda é visto como um tabu. Sexo desenfreado, então... simplesmente não é coisa de "gente de bem".
Mas não é exatamente isto que Shame quer retratar na tela. Sem proselitismo puritano, mas também sem amarras morais, o filme quer usar o tema para mostrar como nós somos vítimas dos nossos próprios desejos descontrolados. Mesmo daqueles que nos envergonham profundamente. E daqueles que nos controlam com tanta força que podem destruir as nossas vidas.
Afinal, era basicamente isso que estava acontecendo com a vida de Brandon Sullivan (Michael Fassbender). Numa hora, ele é o homem que exala sex appeal como nenhum outro. Em outra, é aquela pessoa que aparenta ter tudo, mas que ao mesmo deixa muito claro que está na penúria (em mais aspectos que o meramente material). E sequer consegue esconder isto.
E a performance muito comprometida do protagonista é essencial para que o filme funcione. Ele modula este comportamento nocivo de uma forma extremamente assertiva na tela. E, nisto, é ajudado por um elenco coadjuvante extremamente talentoso, em especial Carey Mulligan (não há um único trabalho em que esta moça não se supera, aliás!).
O que me pega aqui é a falta de profundidade. Após um tempo, a obra começa a dar rodeios e mais rodeios e não vai a fundo nas questões expostas apenas superficialmente. Não falo de nem de resolução, necessariamente. Finais abertos não me incomodam. Falo apenas de uma discussão mais abrangente do que realmente é mostrado na tela.
Daí, surge a impressão de "gratuidade". E não de gratuidade no sentido de que muitas cenas aqui foram usadas meramente pelo shock value. Passo longe de ser pudico e, como critiquei lá no começo, acho bizarro que sexo ainda seja um tabu tão crítico nesses tempos em que tudo é tão acessível... Mas sim pelo fato de que pouco acrescentam ao drama principal. Parecem estar lá apenas para encher o tempo de arte.
E, ainda assim, isto não desabona em nada o filme. Pelo contrário! Entendo que é exatamente o que o torna tão cultuado e - por que não? - necessário nestes tempos de tantos retrocessos.
Seja como for, há aqui uma aula de como utilizar um assunto polêmico para discutir temas mais amplos ainda. Porque o filme não é necessariamente sobre uma compulsão descontrolada por sexo. É sobre o que há de errado com a sociedade moderna: nossa desconexão com a realidade, nossa falta de bom senso, nosso hedonismo desenfreado, nossa falta de objetivos mais concretos para uma vida completa... O vício aqui discutido é apenas reflexo.
E, por mais que a falta de um mergulho mais a fundo me impeça de achar este filme perfeito como tantos acham, é impossível negar que é uma obra extremamente arrebatadora. Do prazer à dor, passamos por todos os sentimentos possíveis no espectro negativo da existência humana nesta aquarela pintada em tons sombrios e sempre sóbrios. Mas se tem uma coisa que não dá pra sentir jamais em relação a este trabalho é apenas uma: vergonha.
Antes de tudo, preciso começar aqui com um protesto: Parem de fazer filmes sobre grandes mulheres cujos enredos giram em torno de seus relacionamentos com machos problemáticos. Sim, é possível tirar roteiros mais facilmente trabalhados com esse tipo de abordagem. Não, isso não faz justiça para as mulheres que tem suas vidas circunscritas a isto.
Isto dito, temos aqui um filme bastante esforçado. Ainda que seja todo amarrado em torno de um relacionamento tóxico, aqui tentam explorar as raízes do problema, mesmo que de forma sucinta. Uma ingênua Anna Mae Bullock não se sujeitaria a isso se não tivesse suas razões desde a primeira infância. Da mesma forma, uma já consagrada Tina Turner também tinha seus motivos para sustentar aquela situação por tanto tempo de uma forma que chegava a parecer quase irreversível.
E a atuação da Angela Bassett é incrível para dar verossimilhança a isto. A mulher mudou radicalmente várias vezes ao longo do filme. E não falo só de maquiagem e guarda-roupa, isso daí nem teria nada a ver com a performance dela. Mas em absolutamente tudo: do jeito de se portar, passando pela forma de entoar a voz e replicar maneirismos únicos de uma personalidade tão idiossincrática, e chegando à maneira como lidava ao seu modo com todo o mundo ao seu redor ao longo do desenvolvimento, em suas diferentes etapas da vida. Tudo muito bem trabalhado por essa atriz competentíssima que certamente merecia muito mais reconhecimento (e que bom que o teve).
Deixando um pouco de lado a performance incrível da protagonista que realmente eleva o material, o filme me parece apostar muito numa violência que por vezes é até gratuita apenas para manufaturar o drama. A própria Tina Turner já disse que as coisas não aconteceram exatamente daquela maneira (e olha que o livro foi baseado numa obra dela própria), então fica meio complicado ser leniente com inconsistências do tipo quando algo se vende como "baseado em fatos reais".
O que é louvável é o fato de não ser uma biopic genérica, feita apenas para celebrar alguém célebre por ser célebre e gerar lucros. Pelo contrário! Pegam aspectos da vida dela e criam toda uma trama com uma agenda tão importante e, por vezes, tida como secundária (ainda mais agora, em 2022, à luz de um certo julgamento recente) e coloca no centro da discussão num trabalho difícil e bastante arriscado, precisamente por esta temática controversa.
Mais louvável ainda é o fato de que "What's Love Got to Do with It" jamais será encarada por mim da mesma forma. Se esse era o tipo da amor que ela conhecia, é perfeitamente razoável passar a encará-lo como uma "emoção de segunda". E, como a brilhante artista que a Tina Turner é, a música aqui (na voz da Angela, não menos!) é também um arraso que só acrescenta à película.
Por mais que não seja exatamente "a verdadeira história de Tina Turner", segundo palavras da própria, não dá pra dizer que temos aqui um trabalho inferior ou de pouca qualidade. E, se o amor não tem nada a ver com isso, é porque o amor não era exatamente o sentimento necessário aqui. O que era preciso era ter devoção. E isto você consegue sentir na tela.
Que pancada de filme! Eu esperava aqui uma coisinha bem mais tradicional, recontando a história do movimento sob vários olhares até chegar a um ponto final em que tudo convergiria. Algo mais genérico e meio que padrão de filmes do tipo. Mas não é nada disso.
Aqui acompanhamos basicamente a jornada da lavadeira Maud Watts (Carey Mulligan) e como ela vai se enredando num movimento do qual não poderia deixar de fazer parte. E não por ser "ativista", "feminista", "sufragista" (ela mesma dizia não ser) ou simplesmente por ser mulher. Mas simplesmente porque, se não o fizesse, a vida que ela tinha não faria sentido. Como não fez para ela, a bem da verdade. E, quando ela percebe que não fez - e que continuaria a não fazer, não só para ela, mas também para qualquer outra mulher - aceita seguir em frente, frente a qualquer circunstância, para mudar o que vê de errado no mundo.
E, para ela, tudo acaba se perdendo. Mas é este o segredo da coisa. Ela notou que era apenas uma peça no grande quebra-cabeças. E que seu sacrifício também poderia fazer a roda da história girar. Não é à toa que, embora seja outra personagem que dê o empurrão mais óbvio, o filme trata de mostrar muito bem como cada uma das envolvidas na causa dava o que podia.
E, no meio de tantos personagens e tramas paralelas, é louvável como tudo vai se encaixando para construir o drama do jeito certo. As diferenças que tornam as circunstâncias de cada um dos envolvidos radicalmente diferentes nos tratamentos que recebem são expostas. Mas não há julgamento nisto. Há apenas a exposição da vida como ela era. E como, em muitos casos, ainda é.
E, nisto, é impressionante como o filme reconta toda essa história sem soar proselitista de forma exacerbada. Pelo contrário. A aposta aqui é no minimalismo. E uma aposta que dá muito certo, porque, curiosamente, casa perfeitamente com o máximo que cada uma delas tem a oferecer para fazer parte de um todo muito maior.
Impactante, emocionante e tenso nos momentos certos. Sem exageros dramáticos, grandes viradas estapafúrdias no roteiro, às vezes sem nenhuma cor além da escala de cinza ou de, no máximo, uns tons pastéis e uma ou outra cor sóbria (e fria), mas ainda assim o tipo de filme que nos mantêm atentos a tudo que vai se desenrolando. E muito disto devido a esta mocinha que, longe de ser perfeita, mas que é simplesmente correta, interpretada com exatidão pela Carey Mulligan.
Não digo que é perfeito porque acho que poderia ter subido um pouco na escala em muitos momentos. A história permitia. Mas aprecio demais o fato de que tentaram explorar o todo a partir da parte. E, para um filme sucinto e objetivo como este, fizeram uma exploração mais que apropriada, a meu ver.
No fim, foram várias mulheres que construíram o movimento. O fato de que acompanhamos de perto apenas a jornada da Maud de perto não é demérito. Assim como não importa se foi uma Violet quem a recrutou, uma Emmeline quem discursou, uma Edith quem criou uma bomba ou uma Emily quem se sacrificou. O que importa foi que várias Mauds, Violets, Emmelines, Ediths e Emilys fizeram tudo aquilo. E que bom que fizeram!
Quando o metafórico e o literal se combinam, temos uma jornada inesquecível para acompanhar. Afinal, como comparar a dura caminhada da vida se não a uma trilha inóspita e hostil, com todos os seus percalços e obstáculos, mas também com belas surpresas que jamais se poderia esperar no começo da jornada?
É este o ponto de inflexão vivido por Cheryl Strayed (Reese Witherspoon). Desviada do rumo que tinha para sua própria vida a partir de um trauma ainda recente, ela busca se reconstruir pouco a pouco numa busca incessante pelo autoconhecimento, algo sempre deixado de lado por nós nas nossas rotinas estressantes e extenuantes que não nos permitem esta contemplação.
As dificuldades do caminho são apenas os paralelos de uma vida permeada de escolhas, muitas vezes erradas. Mas aqui não há uma tentativa de expiar esta vida pregressa. Pelo contrário. Há uma busca por entender que foi aquela jornada que a trouxe a esta outra jornada aqui. E que, sem que tudo aquilo tivesse sido vivido, esta jornada aqui sequer existiria.
A falta de linearidade da história colabora muito para criar toda uma conexão especial com a trama: pontos extremamente importantes vão sendo revelados e destrinchados aos pouquinhos, com uma atenção toda especial ao desenvolvimento da protagonista. A edição também ajuda a entregar uma coisinha ou outra, de forma a nos intrigar, mas sempre no limite exato, sem revelar demais.
No fim das contas, este filme me lembrou muito Na Natureza Selvagem, outro filme que amo de paixão. Não se trata exatamente de mudar, necessariamente. Mas sim de aceitar a mudança. Nada vai ser exatamente do jeito que gostaríamos. Mas podemos tirar sempre a melhor situação possível de cada pequena coisa que nos acontece. E, só assim, seremos realmente livres.
Nem sempre filmes do tipo coming-of-age funcionam... quando os personagens que estão crescendo na tela têm mais de 30 anos, então, eu nunca tinha visto funcionar. Mas Alta Fidelidade conseguiu me convencer do contrário.
Rob Gordon (John Cusack) é um chatíssimo personagem que já é um adulto bem crescidinho, mas que insiste em agir como adolescente. Da sua imaturidade, entretanto, vêm a mola propulsora que faz o filme se desenrolar.
Tudo ao seu redor está numa lista e nada parece ser bom o bastante, a menos que esteja nesta mesma lista. Canções são só uma metáfora. Seja para momentos, relacionamentos, pessoas ou o que quer seja. E o que mais intriga é o fato de que, lá no fim, todo mundo tem um pouquinho do Rob dentro de si.
Talvez nem todos sejam extremamente elitistas a respeito da música que ouvem, nem muito menos imbecis a ponto de fazerem algumas das idiotices que ele fez ao longo da obra. Mas talvez um pouco rabugentos? Um pouco orgulhosos? Talvez um pouco grosseiros, às vezes, por que não? E talvez seja daí que surja a identificação.
No fim, temos aqui um romance nada óbvio, povoado de personagens secundários interessantes que cumprem seus propósitos divinamente, sem parecerem ter sido criados exatamente para os fins para os quais foram designados, muito curiosamente. As performances fenomenais ajudam muito nisto, porque poucos filmes com personagens tão idiossincráticos funcionam tão bem assim.
Alta Fidelidade tem um pouquinho para oferecer para quem queria comédia, algo para quem queria um drama e mais alguma coisa para os amantes de música, claro. Do jeito que a vida é. Pode até não entrar no meu Top 5 de melhores filmes de sempre. Mas talvez apareça entre os dez mais.
Uma cinebiografia de uma personagem que não é tão conhecida assim aqui na Terra Brasilis (eu, pelo menos, só tinha ouvido falar en passant uma ou outra vez na vida, pra ser sincero), mas que, talvez até por isto mesmo, consegue ter muito mais impacto que outras películas do tipo envolvendo pessoas mais famosas ou que estão em voga.
Temos aqui uma reconstrução da vida de Tammy Faye (Jessica Chastain), em seus altos e baixos, chegando perto do começo e igualmente do fim. Mas não apenas de Tammy, mas também daquele que foi a maior influência na vida dela... não, não falo de Deus (por mais que ela possivelmente dissesse que sim), mas, sim, do seu marido, Jimmy Bakker (Andrew Garfield).
Ambos descobriram o "segredo do templo" ao reinventar a tal da Teologia da Prosperidade com seu toque único e especial para atingir seus próprios objetivos. Notoriedade, riqueza, sucesso. Tudo isto foi alcançado. E tudo isto foi tirado porque eles se esqueceram que, da mesma forma que eles, os outros também não são feitos apenas de virtudes.
Nisto, o filme é bem preciso. Aqui não se tentou pintar Tammy Faye como heroína de nada. Era apenas um ser humano como qualquer outro, com suas falhas e problemas, ainda que escondidos por trás de um quilo de maquiagem e de uma personalidade unicamente extravagante. E o mesmo se pode dizer de todos os outros envolvidos aqui. Por trás da fumaça, o filme trata de mostrar pelo menos um pouco do fogo que coloca cada um deles na berlinda da vida.
Peca, entretanto, ao não ir a fundo em questões que parecem tão fulcrais: o que realmente levou à queda (tanto a causa quanto a consequência inicial) é pouquíssimo explorado. Da mesma forma, pouco se explora da família ou da igreja e da religião em si, coisa que me pareceria um tanto quanto essencial neste tipo de drama.
Da mesma forma, o processo de envelhecimento do personagem do Andrew Garfield é absurdamente inverossímil. E nem falo só da maquiagem, mas também da própria postura do ator em cena. Não me convenceu, ainda mais no mesmo ano em que ele entregou um trabalho bastante superior em Tick,Tick... Boom!.
Onde não peca é na atuação fenomenal da Jessica Chastain. Merecidíssimo reconhecimento por um papel difícil de uma pessoa absurdamente idiossincrática e explorando várias facetas do talento da atriz, indo do drama à comédia, da risada particular ao canto bem entoado, e tudo atrás de camadas de maquiagem e próteses. Bravo!
Enfim, passa longe de ser perfeito, mas é um trabalho bastante interessante. Se os olhos são a janela da alma, Jessica Chastain fez o possível para deixar um pedacinho da sua aqui com a sua Tammy Faye para que nós a abríssemos e pudéssemos nos deleitar com a vista. Por isto, eu sou grato. Amém!
Não é fácil fazer uma continuação para um filme de tanto sucesso. Mais difícil ainda é fazer uma continuação com tão pouco tempo disponível para planejá-la a contento. Eu Ainda Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado é a prova exata disto.
Onde o primeiro conseguia combinar perfeitamente a vibe de thriller com filme adolescente, tão em voga na época, este daqui se revela a olhos nus uma verdadeira continuação caça-níquel onde nada faz sentido. Afinal, quem não conhece um assassino que sequer consegue trabalhar por estar supostamente morto, mas que mesmo assim consegue bolar - e executar - uma vingança deste naipe, não é mesmo?
Para além de nada fazer sentido, qualquer pessoa que já assistiu algum filme do gênero consegue prever com exatidão as "viradas" jogadas na nossa cara. Nenhuma surpresa foi gerada com nenhum dos twists inseridos de forma quase que cronometrada por aqui. Tudo muito previsível.
E a quantidade muito maior de mortes só reforça a baixa qualidade do filme. Ao invés de bolarem um roteiro interessante, era preciso encher linguiça com mortes aleatórias de personagens para os quais ninguém dá a mínima. O exato contrário do que acontecia no primeiro filme.
Eu, curiosamente, vi o terceiro filme (também muito ruim) antes deste, e sinceramente não esperava que este daqui fosse do mesmo nível, principalmente por ter parte significativa do elenco e equipes originais. Mas, olha, eu estava enganado. Com filmes tão ruins como sequência, era melhor apenas saber... E depois esquecer que ainda sabia e que sempre saberia o que eles fizeram no verão passado.
Numa época em que segredos e dramas familiares costumavam ser uma mistura geralmente contada de forma altamente instigante e extravagante, como na emblemática série Donas de Casa Desesperadas, Um Segredo entre Nós simplesmente trata de nadar contra a corrente.
Temos aqui um pequeno filme sobre uma tragédia familiar que, de uma maneira ou de outra, acaba por reaproximar uma família num misto de lembranças do passado, luto do presente e esperança do futuro que está por vir.
A abordagem simplista, entretanto, não é suficiente para fazer do filme uma boa obra. Há personagens demais e nenhum deles possui um desenvolvimento mais profundo. O filme atira para todos os lados, mas, no fim, não se dedica a realmente explorar nenhuma das tramas com maior foco.
Quanto ao segredo do título, o que fica na promessa acaba por ser muito mais interessante que o que foi transposto para a tela. Antes tivéssemos aqui uma polêmica de fato, em vez de uma revelação patética sobre um caso de um personagem com o qual, francamente, ninguém consegue se importar ao longo do filme.
Não é ruim. Para um pequeno drama familiar, é até bem competente. Mas precisava de muito mais para realmente animar e se tornar arrebatador. Se este filme fosse um pequeno vaga-lume, diria que até chegou a ter um brilho por algum momento. Mas recebeu uma raquetada e se apagou muito mais cedo do que deveria. Uma pena.
Eu amo quando um filme consegue me surpreender positivamente desse jeito. Sabe aquele tipo de filme que não parece ser exatamente sua praIa, mas que consegue deixá-lo com os olhos vidrados na tela o tempo todo? Esse daqui é desse jeito!
É um thriller aterrorizante da pior forma possível, porque, longe das fantasias sobrenaturais, foca com esmero no mundo real e incute aquela dúvida insidiosa lá no fundo: isso daqui poderia acontecer com você.
Para trabalhar isto, temos aqui trabalhos impecáveis de todos os envolvidos. Halle Berry está fantástica como a capricorniana (tão perfeccionista que parece mais virginiana) Jordan Turner, uma operadora do 911 perseguida por um erro do passado. Abigail Breslin, igualmente, entrega um trabalho sensacional como a jovem raptada Casey Welson. Longe de serem coitadinhas, as duas fazem o que podem para reverter aquela situação.
Mas quem mais merece elogios, a meu ver, é Michael Eklund. Papéis como este geralmente resvalam para a caricatura e ele, pelo contrário, conseguiu se equilibrar naquela linha entre o psicopata interno e o everyman (ainda que claramente perturbado) externo.
O que impede o filme de se tornar perfeito, na minha opinião, é o fim que desmonta o que se foi construindo ao longo da obra. Preferiria mil vezes que tivessem seguido na mesma pegada, em vez de forçar uma situação mais mirabolante como a apresentada. O prato de feijão com arroz estava funcionando muito bem e não precisava de um caviar trazido às pressas para requintar a refeição, sabe?
Mas não é algo que comprometa o todo. Temos aqui um trabalho muito bem executado. Instigante, provocador e assustador na medida certa. Num gênero povoado de filmes ruins, é até uma surpresa saber que este daqui é uma exceção. E isto, pela raridade, talvez até mereça a sua própria chamada de emergência...
Sabe aquela pessoa que geralmente odeia mocinhas sofredoras? Esta pessoa sou eu. E sabe que filme conseguiu me fazer não gerar esse ódio automaticamente por este tipo de personagem ao assisti-lo? Este daqui. É daqueles filmes que você começa a assistir sem grandes expectativas, mas que lhe surpreende demais.
A começar pelo fato de ser baseado numa história real que, acredito, não deriva muito disto aqui. Imagina só criar uma dezena de crianças com um marido alcoólatra que tem inveja do seu próprio sucesso? Agora imagina ter de se agarrar àquela circunstância simplesmente porque assim era o mundo de então? Para não perder não apenas suas posses (que sequer são suas, aos olhos da lei), mas também até mesmo sua reputação e, mais que isto, a família que você tanto ama.
E, nisto, conseguimos compreender que Evelyn não era uma santa a ser canonizada. Ela própria reconhece. Era só uma pessoa que sabia tirar sempre o melhor proveito de qualquer situação que surgisse. E como este filme é inspirador a ponto de nos fazer pensar que devemos ser assim sempre!
Longe de sermos lenientes. Muito pelo contrário, é preciso lutar pelas coisas. Mas também precisamos aceitar quando elas não correm exatamente do jeito que esperávamos. E muitas vezes entramos em conflito com nós mesmos por isso.
Enfim, este daqui é um filme simplesmente encantador que merecia muito mais reconhecimento. Que performances singulares e no ponto, aliás! Especialmente da linda Julianne Moore que foge da síndrome de mártir e cria aqui uma pessoa real, de carne (com belíssimas sardas) e osso. Como eu disse, geralmente odeio mocinhas sofredoras. Mas ela "vende" a Evelyn como ninguém. Os atores mirins também fazem um ótimo trabalho, coisa por vezes rara em filmes do tipo.
No fim, quem esperava um pouco mais de conflito em relação ao mundo que a cercava, talvez saia daqui decepcionado. Mas, para quem quer um drama familiar bem construído e que sabe gerar emoção nos momentos certos sem ser excessivamente piegas e sentimentaloide, este filme é mais que simplesmente indicado... é, na verdade, o ganhador do prêmio.
Este estilo de filme pode ser claramente antiquado, mas é impossível não sentir alguma afeição por um trabalho tão dedicado. É um musical das antigas que não tem medo de ser um musical das antigas, com toda a sua confiança no formato e a grandeza da produção que simplesmente não se consegue replicar hoje em dia.
Aliás, o que mais impressiona aqui é a grandiosidade da escala aqui usada. A cidade ganha vida nas mãos de centenas de dançarinos que executam seus números perfeitamente. Para não falar de algumas canções que têm dezenas de vozes diferentes que, mesmo misturadas, ainda encontram harmonia.
Os números musicais são o grande destaque, ainda mais porque esta é uma obra propícia a este tipo de adaptação. Não é necessariamente a temática mais fácil de se abordar num musical, mas é sempre possível relacionar a imaginação fértil da mente infantil com este mundo que foge um pouco da realidade do preto no branco da dura vida cotidiana e ganha cor (numa escala Technicolor).
Talvez não tenha lá um legado muito positivo pelas circunstâncias em que ganhou o Oscar de Melhor Filme, mas passa muito longe de ser um filme ruim. É muito bem executado e cumpre seu propósito de trazer às telonas uma variação de uma história mais que manjada, deixando-a interessante como sempre, mesmo em sua enésima execução.
Um pequeno filminho adorável. Daquele tipo que algum dia existia nos cinemas, mas que hoje está cada vez mais relegado às sessões de filme do extinto (ao menos no Brasil) Hallmark Channel. Gente bonita, a Irlanda mais linda ainda e uma história que simplesmente... não faz absolutamente nenhum sentido em 2020?
No mundo dos viagens baratas para o outro lado do oceano por um único dia, não dá para comprar a história de dois solteirões beirando os quarenta anos num vilarejo idílico que, aparentemente, não viveram nada da vida além daquele pequeno mundinho. O nível de suspensão de descrença precisa ir além de qualquer limite aceitável.
Mas os atores fazem o melhor possível. Emily Blunt é sempre encantadora, claro, e Jamie Dornan consegue fazer este papel patético não ser tão patético assim. Mas simplesmente não dá. Nem todo o capricho do mundo tornaria uma história tão inverossímil e material tão regressivo interessantes na atualidade.
Seria uma obra muito mais bem-sucedida como uma peça de época, em que as pessoas realmente só conheciam os seus pequenos mundinhos particulares e aqueles que os rodeavam, e simplesmente não tinham o mundo todo na palma das mãos. Em que este tipo de amor e relacionamento ansiados faziam sentido não apenas no coração, mas também para a vida prática. Como obra contemporânea? Impossível comprar.
Dito isto, não é de todo ruim. O romântico em mim até gostou de muitos momentos (especialmente da cantoria do elenco na canção que dá título ao filme, em todas as ocasiões). Mas o realista sempre domina, infelizmente. E, por isto, sempre vou acreditar que, se recriado de outra forma e com outra abordagem, poderia ser muito melhor. Do jeito que é, ainda que tenha lá seus méritos, está mais pra um B-movie* fofinho.
Amo demais o caráter contestador dos filmes dos anos 70, em que é possível criticar um milhão de coisas ao mesmo tempo em que se é sutil e com uma abordagem absurdamente naturalista, a mais próxima possível da realidade, longe dos artificialismos que ligamos imediatamente às superproduções hollywoodianas de hoje em dia.
E aqui há um aspecto muito interessante: o filme faz isto enquanto demonstra claramente que absolutamente tudo nos Estados Unidos é um show! Temos o anti-herói que é quase um showman que precisa manter a plateia estimulada a todo instante, coadjuvantes que aproveitam cada segundo de tela para tentar ter um pouco dos holofotes para si ("meninas, eu dei uma entrevista!"), ou mesmo a polícia que se torna a vilã aos olhos da população, que apoia o criminoso porque ele tem muita razão na crítica social que faz, mesmo que não deliberadamente... Afinal, estava ele totalmente errado no que dizia?
E é bastante interessante como a percepção do público muda completamente quando um outro aspecto contestador se revela: fugir da linha "aceitável" na visão dos outros sempre o tornará alvo da ridicularização neste circo de horrores, quer você queira ou não. E, a partir daí, o herói vira vilão sem que qualquer circunstância do seu crime em si tivesse mudado. Apenas por ser quem é. Nada muito diferente do que temos hoje, inclusive, por mais que este seja um filme de quase cinquenta anos atrás.
No meio de tudo isto, o calor, seja de quem está apenas sem ar-condicionado num ambiente quente, seja de quem está com a vida na linha de tiro de dezenas, nos faz sentir a agonia dos dois lados naquele ambiente claustrofóbico. E, quando o fatídico fim vem, o dia de cão se encerra. Mas não para todos. Cada ação gera uma reação, afinal.
Se o filme ainda causa impacto nos dias de hoje, imagina nos anos 70? Tanta tensão em ebulição perfeitamente capturada na tela sem qualquer maquinação. Não há trilha sonora (exceto pela belíssima canção do Elton John - instantaneamente reconhecível - logo no início) para construir tensão artificialmente e todos aspectos de produção são os mais básicos possíveis. Restam, então, as boas performances e um excelente texto.
E, embora se torne um pouco cansativo depois de um tempo (a primeira metade tem muito mais energia e vitalidade que a segunda), o filme entrega um trabalho excepcional neste aspecto. Por mais que não seja a "verdade real" que se buscaria num documentário, por exemplo, não dá pra duvidar que abordagem aqui é bem realista e, mesmo que não tenha sido exatamente assim, bem poderia ter sido.
No fim, dá até pra sentir uma síndrome de Estocolmo de leve. Afinal, todos nós temos nossos próprios "dias de cão" às vezes... Com filmes bons como este aqui, entretanto, sempre poderemos superá-los e não precisaremos assaltar banco algum. rs
Sorria
3.1 851 Assista AgoraParece que Hollywood finalmente percebeu que a fórmula de "Corrente do Mal" poderia ser facilmente explorada num novo filme (ou, quem sabe, toda uma nova franquia?)... Aqui também temos o exato mesmo tipo de maldição que 'segue' as pessoas e é passada mesmo sem intenção de uma para a outra.
A vítima da vez é a psiquiatra Rose Cotter (Sosie Bacon), vitimada de uma hora para outra por uma paciente que havia acabado de conhecer há poucos minutos. Sua vida se torna um inferno a partir do momento em que ela presencia o suicídio da paciente e a entidade começa a persegui-la tal como fez com a jovem.
E a parte do terror psicológico é muito bem desenvolvida. A protagonista faz um trabalho incrível ao interpretar esta personagem presa entre o mundo "real" e aquilo que todos à sua volta (e pensa numa coitada cercada de gente cuzona, hein?) dizem a todo instante ser fantasia.
A performance é habilmente ajudada por uma direção sólida. Nada que inove ou traga renovação ao gênero, mas bastante competente para nos manter minimamente interessados por quase duas horas, com seus ângulos absolutamente desconfortáveis e um desenvolvimento interessante.
O que peca aqui é o texto. Depois de um tempo, a experiência fica bastante repetitiva. A ausência de uma explicação mais profunda (talvez um desenvolvimento sobre a origem da entidade ou uma aposta mais firme no background de alguns personagens) também poderia ser bastante feliz para a obra como um todo, até para evitar a ladainha infindável.
Mas preferiram partir para o caminho mais fácil de ficar mostrando uma criatura - visualmente patética, convenhamos, e cuja graça era estar "mascarada" durante todo o resto do filme - e criando plot twists visivelmente falsos a rodo para apressar o final.
No fim, o que fica é a impressão de que o trailer e todas as imagens promocionais venderam muito bem um filme que, infelizmente, não é lá essa Coca-Cola toda. Já vimos tudo isto ser feito por outros filmes de forma muito mais interessante antes (recomendo bastante o "Corrente do Mal" mencionado acima) e que as ideias usadas por estes foram apenas recicladas aqui.
Somando tudo, não posso dizer que o filme deu medo (francamente, nenhum dos jumpscares surpreende quem assiste filmes do gênero com alguma frequência), nem que o drama realmente é daqueles arrebatadores (ainda que tenha lampejos interessantes), mas ao menos também não posso dizer que este é daqueles filmes de terror tão ruins que nos fazem sorrir? Se isso já é uma vitória para você, então assista e... sorria. :)
A Mão do Diabo
3.5 289Filmes sobre serial killers já são polêmicos por natureza. Filmes que abordam o tema envolvendo também religião, então, nem se fala, né? Desde que li a premissa de "A Mão do Diabo", entretanto, já fiquei interessado em assisti-lo justamente por isto.
Temos aqui um conto de terror sobre a história de um jovem atormentado por um pai afligido por visões apocalípticas e as consequências nefastas para a vida familiar que seguem até a vida adulta. Matthew McConaughey é o responsável por contar a história do garoto para um incrédulo agente do FBI interpretado por Powers Boothe, enquanto Bill Paxton é o responsável por dar vida ao pai da história (e "pai da película" em mais de um sentido, já que também ficou a cargo da direção).
Trata-se de um thriller à moda começo dos anos 2000 que, como qualquer filme que se preze da época, tem um plot twist digno da era coroada por obras como "O Sexto Sentido". É, no fim, um filme aterrorizante que tem toda uma construção que parece levar por um caminho, mas que, no fim das contas, descamba para outra completamente diferente... e, pasmem, consegue fazer isto sem perder o sentido!
A virada é muito bem executada, por mais que seja previsível para quem acompanha filmes do gênero a partir de determinado momento. As implicações da virada não afetaram em absolutamente nada a experiência do filme, porque ela foi bem-sucedida (e ainda teve outros twists menores que eram menos esperados em um momento ou outro por ali). Recomendadíssimo para fãs do gênero.
O Prime Video basicamente entrega um dos principais plot twists com a ferramenta de dados do IMDb, o X-Ray, e é bem possível que isto estrague a experiência para muitos. =/
Adeus, Lenin!
4.2 1,1K Assista AgoraSabe quando você percebe que o todo é o mesmo que o nada? E que o nada ao mesmo tempo é o todo? E que uma coisa imensa pode, na verdade, acabar por ser uma coisa ínfima? Ao mesmo tempo em que uma coisa ínfima pode acabar por se tornar uma coisa imensa de uma hora para outra? São estas as perguntas que "Adeus, Lênin" consegue colocar nas nossas cabeças.
E consegue fazer isto tal como a vida. Com uma pitada de drama, um pouco de comédia, mais um tiquinho de romance e - por que não? - uma situação farsesca num nível estapafúrdio mas que, ao mesmo tempo, é tão bem desenvolvida que nós conseguimos comprar aquilo e nos envolver com a história de uma forma simplesmente inigualável.
Este é daqueles filmes que conseguem projetar discussões altamente complexas de uma forma extremamente simples e direta, ao mesmo tempo em que nada disto é necessariamente a intenção aqui. Até porque, por mais que as grandes questões da sociedade moderna sejam colocadas em causa em um ou outro ponto, não é isto a base da história. Mas sim a forma como cada grande tema molda nossas vidas, mesmo que só um pouquinho, ao mesmo tempo em que nada do que parece tão fundamental é realmente fulcral quanto pensamos.
É exatamente esta a lição que o filme passa em seus últimos instantes. Que é preciso lutar pelo que queremos? Sim, esta lição está lá desde o começo. Que nem sempre as coisas serão como esperávamos? Também, e a vida vai seguindo mesmo assim. Que é preciso aceitá-las e seguir fazendo o melhor que podemos? Claro, óbvio e evidente! Mas, principalmente, pelo fato de que, não importa quais sejam as circunstâncias lá fora, o que mais conta de verdade é aquilo que está lá dentro e que ninguém consegue ver... Nem com a poderosa luz de uma extravagantemente moderníssima luminária cor-de-rosa.
E isso tudo acima pode ter soado como devaneio louco de alguém que acabou de ser impactado de uma forma bem intensa. E realmente é mesmo! Afinal, na hora de dar o meu adeus pro Lênin, de uma coisa tenho certeza: este filme entrou de forma instantânea no meu rol de favoritos de sempre. Pois uma joia como esta jamais se despede de fato.
O Diário de Carson Phillips
3.6 223Quando você ainda é um adolescente, qualquer momento e qualquer circunstância podem ser turning points na sua vida. Afinal, você ainda tem toda uma jornada pela frente, não é mesmo? Pelo menos é o que pensava Carson Phillips (Chris Colfer). Mas a vida sempre reserva lá suas ingratas surpresas...
Que, no fim, nem são lá tão surpreendentes assim. Afinal, o filme já deixa claro o seu final logo no início. E não há exatamente nenhum problema com isto. Apenas não há aquela antecipação que vai crescendo até aquele momento fulcral. Porque o fim aqui foi tratado como o começo de algo. Se não para ele, para os outros.
E é aqui que o filme tem algum brilho. Porque há uma mensagem legal por trás. Para todos aqueles que são deixados de lado, seja por serem esquisitos, por terem gostos diferentes e excêntricos, ou por simplesmente serem muito mais ambiciosos que a média. Simplesmente sigam suas vidas da melhor forma possível. Mesmo que ela não corra da forma como você esperava.
E é também aqui que encontramos o maior demérito do filme: na tentativa de espraiar esta mensagem, temos um sem fim de personagens mal desenvolvidos, todos baseados em estereótipos extremamente batidos. Na tentativa de ser uma discussão "espertinha" sobre o colegial, o filme acaba caindo na armadilha de se perder na própria ambição também. Afinal, todos não passam de meras caricaturas.
Intérpretes mais capazes, como a genial Allison Janney e a comedida - mas segura - Christina Hendricks conseguem adicionar algumas camadas adicionais às personagens que interpretam, mesmo com pouco tempo de tela, deixando-as minimamente críveis. Os outros, em geral, nem tanto. São apenas aquela superfície que, quanto mais tempo de tela têm, mais você percebe que só possuem superfície mesmo.
No fim das contas, este tipo de dramédia adolescente geralmente cai nessas armadilhas de seguir pelo caminho mais fácil de outras produções do gênero: como a crítica não critica nada, no fim a piada perde a graça. São raras as películas do naipe que são atingidas por um raio e saem desse marasmo. Por mais que aqui houvesse potencial, não diria ser o caso.
De Volta ao Baile
2.8 258Este filme é um dos besteiróis mais interessantes que vi nos últimos tempos. E sim, este tipo de comédia é extremamente forçado, mas é uma delícia ver como este trabalho consegue colocar em choque dois períodos tão distintos (2002 e 2022), ao mesmo tempo em que consegue explorar de forma tão peculiar aquilo que os aproxima.
De Volta ao Baile é aquela obra que sabe explorar a nostalgia de tempos que se foram, ao mesmo tempo em que mescla aquilo que só quem viveu sabe (né, Gabi?) com a atualidade de forma a tentar replicar aquele mesmo sentimento para quem não o viveu. E eu aprecio demais este tipo de esforço.
É bem possível que quem não tem lá seus trinta anos talvez não veja lá tanta graça nisto aqui. Muitas referências são extremamente datadas (boa parte do público da Netflix sequer havia nascido para pegar algumas delas), mas o filme atinge perfeitamente o sweet spot para a faixa etária que viveu esta transição entre o mundo analógico que existia então e o mundo digital que temos hoje.
E consegue fazer isto sem criticar de forma proselitista qualquer um dos dois. Porque as duas épocas têm suas qualidades e suas falhas muito óbvias. Simplesmente não é este o propósito da obra. Apresentar as duas situações e saber retirar o humor de cada uma delas é o que faz o filme ressoar tanto.
E as performances certamente ajudam. São caricatas? Sim, com certeza! Mas este tipo de comédia escrachada pede exatamente isto! E, no fim, são tão carismáticas que chegamos a torcer por cada um dos personagens (o backstory também é curiosamente bem desenvolvido, a meu ver, algo muito raro neste tipo de filme) e entender suas angústias e preocupações.
Indicadíssimo para quem quer relembrar os velhos tempos (nas roupas, penteados, músicas, pôsteres aleatórios no cenário ou mesmo na bizarra recriação de um velho - e icônico - videoclipe jogada no meio do filme), ou para quem simplesmente não viveu mas quer sentir o gostinho de uma época que certamente tinha lá seus problemas, mas que também tinha seus dias de glória.
Persuasão
2.7 184 Assista AgoraPersuasão é uma das obras mais comedidas de Jane Austen. Com uma protagonista retraída, ainda que segura, a autora consegue explorar muito bem os conflitos de toda uma época nas viradas intensas às quais todas as nossas vidas estão sujeitas.
E a sutileza com que todas estas situações se apresentam ao longo das páginas é a principal qualidade da obra. Esta adaptação da Netflix, por sua vez, esquece completamente esse princípio basilar em nome de uma modernização excêntrica que precisa chamar atenção em meio a tantos e tantos lançamentos.
Nesta nova versão, que antes de adaptação parece mais algo livremente - e põe livre nisto! - inspirado na obra original, temos toda esta base deixada de lado a favor de uma recriação deste universo misturado a um pastiche visual de Emma. (uma adaptação recente da mesma autora muito mais bem-sucedida) e narrativo de Fleabag (sem o carisma excepcional da Phoebe, claro). Pouco criativo.
Para além de pouco criativa, entretanto, esta abordagem derrota por completo a ideia de que cada pequena coisinha vai acontecendo a seu tempo. Que cada personagem tem a sua exata função no plano geral. E que cada farsa será revelada no instante correto.
Aqui, simplesmente não há nuances. Tudo é jogado da maneira mais "in your face" possível a todo instante, como se os espectadores fossem imbecis a ponto de não conseguirem pescar as pistas. E, para além disto, removem pontos fulcrais da obra a ponto de fazer algo mais leve e despretensioso. O exato contrário do que pediria uma adaptação fidedigna de Persuasão.
Pelo lado positivo, posso dizer que a fotografia é belíssima (mesmo que nem isto surpreenda tanto com o visual 'livremente inspirado' de forma tão clara em outra adaptação recente) e que o recurso narrativo de quebrar a quarta barreira é até interessante (embora em choque com o perfil da protagonista original, e também pouco original).
Não é de todo ruim. Como obra solta, tem até seus pontos positivos. Mas, como adaptação de uma história tão conhecida e venerada, certamente deixa a desejar. A adaptação de 1995 não tem tantas firulas, mas consegue trazer muito melhor esta obra à telona. Já esta daqui, nem mesmo um mestre da persuasão me conseguiria fazer rever.
Malícia
3.3 146 Assista AgoraA malícia no ser humano reside nos confins mais íntimos das nossas mentes. E ninguém escapa dela. Seja um médico talentoso com complexo de Deus, uma voluntária obstinada de um hospital ou um professor dedicado de uma universidade respeitada. Mas há aqueles que conseguem controlá-la. E outros que não.
Há aqui uma história de pessoas que evidentemente não conseguem mantê-la sob controle. Aqueles que cedem às pressões da malícia, seja por poder, por dinheiro, por ego, ou simplesmente porque são maus por essência. Cada um tem lá seus motivos e razões, por mais que não aparentem à primeira vista. Afinal, nem tudo é o que parece.
Este filme, entretanto, não conseguem explorar isto de uma forma muito adequada. Psicopatas tão calculistas bolam "planos geniais" com furos tão claros... E, do outro lado, um marido tão dedicado ao sonho da sua esposa sequer vai atrás de resolver na sua ponta a questão que realizaria o seu suposto maior desejo.
No fim, o filme promete uma coisa e entrega uma outra totalmente diversa. A trama que dá início a todos os movimentos se resolve sem qualquer implicação maior de uma forma absurdamente desinteressante. A única função do que parece ser a linha central da obra por meia hora é dar uma pista lisonjeira sobre algo completamente distinto.
E o plot twist já é previsível quando a situação começa a ser forçada demais. Não que não existam aqui momentos interessantes (o discurso sobre o complexo de Deus não é mencionado até hoje à toa), mas os personagens simplesmente não me convenceram e a trama é complicadinha, mas ao mesmo tempo rasa. E o pior de tudo: para um thriller, há uma imensa falta de tensão aqui.
Não é de todo ruim, mas é apenas mais um filme excessivamente convencional que tenta nos fisgar de vez com uma virada "surpreendente", mas que falha nesta tentativa. Perfeitamente aceitável, talvez, mas faltou aquele algo que o tornaria realmente instigador. Talvez um pouco mais de malícia.
Neblina e Sombras
3.7 99 Assista AgoraSou fã incondicional dos trabalhos do Woody Allen. E sei bem que ele adora fazer um pastiche bem elaborado. Mas há vezes em que ele consegue fazer isto de forma bem-sucedida. E outras em que parece ficar no meio do caminho. Neblina e Sombras, infelizmente, parece ser parte do segundo grupo.
Por mais que visualmente o filme seja perfeito, fazendo valer de fato o título, em seus belos e sombrios tons de preto e branco, a história simplesmente vai do nada a lugar nenhum. E, sim, eu entendo perfeitamente que era este o ponto: uma pitada de discussão existencialista misturada com uma trama kafkiana envolta em um ambiente que replica filmes de terror, mesmo que o horror deste gênero raramente se faça presente aqui.
Mas nada parece acertar no alvo. Assim como Josef K., Kleinman (Woody Allen) anda em círculos e mais círculos, sem nunca chegar a lugar algum. Nisto, é ajudado por um sem-fim de personagens coadjuvantes (que muitas vezes não têm qualquer desenvolvimento relevante, por mais demonstrem promessa), sempre interpretados por atores gabaritados (até os figurantes, como William H. Macy ou John C. Reilly são gabaritados neste filme, a bem da verdade).
E, cada vez que um deles aparece, o surgimento deles na tela parece ser apenas um artifício para gerar mais dois ou três minutos de tempo de arte. A promessa do primeiro ato nunca se cumpre. E olha que havia aqui um potencial extraordinário... Imagina só uma cidade ameaçada por um serial killer, ao mesmo tempo em que é visitada por um circo com personagens únicos por si mesmos e sede de um bordel com prostitutas tão marcantes, e também envolta numa trama de conspiração de vigilantes que desejam fazer justiça com as próprias mãos. E, ainda assim, o filme consegue a proeza de não entregar nada.
Allen até tem umas falas legais e uma ou outra discussão interessante chega a ser abordada, mas é tudo excessivamente superficial e pouco desenvolvido. É daquelas obras que peca pelo estilo acima da substância. E o estilo ainda é claramente derivado de outras fontes, neste caso. E não se pode sequer dizer que há conclusão para nada aqui. O filme não se encerra. Ele simplesmente para.
Para além dessa apreciação estética, em que a produção remonta aos filmes da primeira era do cinema, em que o que estava na tela parecia por vezes nos remeter a um mundo completamente alienígena - e, portanto, aterrorizante - e a cinematografia e a ambientação simplesmente perfeitas, há aqui pouco a recomendar. Allen já trabalhou estas questões de forma mais firme em inúmeros outros filmes. Neblina e Sombras, afinal, acaba por ficar, infelizmente, mas com razão, esquecido à sombra de trabalhos muito melhores e muito menos neblinosos...
A Mulher do Tenente Francês
3.7 65 Assista AgoraSe Jane Austen encontrasse Dostoiévski, o que teríamos seria A Mulher do Tenente Francês. Temos aqui, afinal, uma moça com um poder de persuasão incrível, cuja consequência é a execução de um crime e (seu posterior) castigo.
Mas não é exatamente isto que interessa aqui. Por mais que possa haver inspiração nos romances de ambos (e pudera, né? Ambos são verdadeiros ícones indiscutíveis da literatura) para criar esta aqui, o aspecto mais interessante é a justaposição de duas obras diferentes para criar o trabalho final.
Da primeira tomada que já nos arrebata, ao mesmo tempo que nos deixa confusos, Anna (Meryl Streep) nos conquista da mesma forma que conquistou Mike (Jeremy Irons). E não nos conquista exatamente como Anna, mas sim como Sarah, a personagem-título. Sua aura mítica envolta em um mundo privado ininteligível para qualquer outra pessoa, em uma sociedade que não entende muito bem suas particularidades e as enxerga como uma doença que leva à depravação.
Conseguir transpor muito bem essa simbiose do desejo, que muitas vezes reside apenas nas nossas mentes, e da necessidade - convencionada, e portanto falha - imposta pelos outros de se afastar dele é o que torna as atuações dos protagonistas tão poderosas. Meryl Streep, como Anna, nos domina, com seu olhar distante e o mistério que envolve a personagem. Jeremy Irons, por sua vez, replica com exatidão o conflito entre o racional e o emocional, a obrigação e a liberdade, e, por fim, o certo e o errado.
Onde o filme perde força é na segunda trama, a do "mundo real", em que os "atores" vivem os mesmos conflitos que os personagens que interpretam. Aparecem tão pouco até o último ato que, por vezes, parecem apenas um penduricalho para distinguir este trabalho de qualquer romance escrito de fato no século XIX. E, como não é tão bem explorado, parece um artifício narrativo um tanto artificial por vezes.
O que certamente não diminui a obra como um todo. Temos aqui um belíssimo trabalho que merecia ainda mais reconhecimento (já que, por mais que aclamado à época, parece ter sido um tanto esquecido pelo tempo). E, por mais que uma das tramas não tenha a mesma profundidade da outra, é louvável a forma como as duas são imbricadas de uma forma tão suave, em que uma complementa a outra.
E, se por um lado, em uma das histórias foi possível encontrar quem entendesse as necessidades quase inexplicáveis de uma mulher tão particular em uma época tão repressiva, do outro, a realidade nua e crua de uma sociedade muito mais permissiva não permitiria que aquilo seguisse em frente da forma que os amantes poderiam ter algum dia desejado. É nesta fina ironia que reside a genialidade da obra.
Colateral
3.6 613 Assista AgoraE se você não estivesse naquele exato lugar naquele exato instante? Sua vida teria sido radicalmente diferente. E a vida de outra pessoa que, possivelmente, você sequer conhece também seria absurdamente distinta. Se cada ação gera uma reação, é nessa teia infinita de possibilidades que nossas vidas seguem seus cursos. Em que ações geram reações que sequer podíamos imaginar a princípio. São os tão conhecidos efeitos colaterais.
E é neste baile interminável que as vidas de Max (Jamie Foxx) e Vincent (Tom Cruise) se cruzam. O primeiro é um taxista com sonhos que nunca saem do papel, enquanto o segundo é um assassino profissional para quem o papel sequer importa... O que importa é a ação. Nisto, cada um tem lições a ensinar para o outro. E, quando há uma arma envolvida, a lição pode ser muitas vezes mortal.
Apesar da promessa inicial, entretanto, Colateral não consegue entregar muito além de um filme convencional de ação. Perseguições, tiros, acidentes e sangue pra todo lado... E, para tentar se diferenciar dos demais filmes do gênero, um vilão que já era coach motivacional quase duas décadas antes de a profissão ser a mais requisitada que há.
Aliás, muito do furor gerado pelo filme à época do lançamento foi pelo fato de Tom Cruise ir aqui contra o tipo do "eterno jovem" (e mocinho, claro) que sempre encarnou e interpretar alguém do outro lado do tabuleiro (com cabelo grisalho e tudo). Mas a aposta não é tão certeira. Ainda que seja absurdamente carismático, ele dificilmente consegue se livrar do tipo e parecer realmente ameaçador, sendo basicamente engolido em cena por Jamie Foxx, que consegue entregar um personagem com muito mais camadas (e por isto foi devidamente reconhecido, ainda bem).
Se você gosta de filmes de ação, há aqui um ótimo filme para você. Se você espera, por outro lado, alguma coisa que vá além de tiros de festim, não é bem aqui que vai encontrar. Pelo contrário, o que o filme tem a oferecer além disto é uma tentativa de romance mambembe, frases de efeito genéricas e um vilão que tenta se mostrar a todo custo como alguém que vive no "mundo real", quando quem vive realmente naquilo é o mocinho.
E, ainda que seja este o propósito real do filme, esta conclusão só chega tarde demais. Ainda que jamais tenha faltado assertividade para tentar ir direto ao ponto e mostrar a agonia que deve ser estar numa situação como aquela, faltou demais a sutileza para mostrar o que seria dano colateral em toda aquela situação... Que irônico, não?
Shame
3.6 2,0K Assista AgoraHá muitas coisas que nos envergonham. Na sociedade ocidental, ainda que longe do puritanismo vitoriano, sexo é tratado não apenas com vergonha, mas muitas vezes ainda é visto como um tabu. Sexo desenfreado, então... simplesmente não é coisa de "gente de bem".
Mas não é exatamente isto que Shame quer retratar na tela. Sem proselitismo puritano, mas também sem amarras morais, o filme quer usar o tema para mostrar como nós somos vítimas dos nossos próprios desejos descontrolados. Mesmo daqueles que nos envergonham profundamente. E daqueles que nos controlam com tanta força que podem destruir as nossas vidas.
Afinal, era basicamente isso que estava acontecendo com a vida de Brandon Sullivan (Michael Fassbender). Numa hora, ele é o homem que exala sex appeal como nenhum outro. Em outra, é aquela pessoa que aparenta ter tudo, mas que ao mesmo deixa muito claro que está na penúria (em mais aspectos que o meramente material). E sequer consegue esconder isto.
E a performance muito comprometida do protagonista é essencial para que o filme funcione. Ele modula este comportamento nocivo de uma forma extremamente assertiva na tela. E, nisto, é ajudado por um elenco coadjuvante extremamente talentoso, em especial Carey Mulligan (não há um único trabalho em que esta moça não se supera, aliás!).
O que me pega aqui é a falta de profundidade. Após um tempo, a obra começa a dar rodeios e mais rodeios e não vai a fundo nas questões expostas apenas superficialmente. Não falo de nem de resolução, necessariamente. Finais abertos não me incomodam. Falo apenas de uma discussão mais abrangente do que realmente é mostrado na tela.
Daí, surge a impressão de "gratuidade". E não de gratuidade no sentido de que muitas cenas aqui foram usadas meramente pelo shock value. Passo longe de ser pudico e, como critiquei lá no começo, acho bizarro que sexo ainda seja um tabu tão crítico nesses tempos em que tudo é tão acessível... Mas sim pelo fato de que pouco acrescentam ao drama principal. Parecem estar lá apenas para encher o tempo de arte.
E, ainda assim, isto não desabona em nada o filme. Pelo contrário! Entendo que é exatamente o que o torna tão cultuado e - por que não? - necessário nestes tempos de tantos retrocessos.
Seja como for, há aqui uma aula de como utilizar um assunto polêmico para discutir temas mais amplos ainda. Porque o filme não é necessariamente sobre uma compulsão descontrolada por sexo. É sobre o que há de errado com a sociedade moderna: nossa desconexão com a realidade, nossa falta de bom senso, nosso hedonismo desenfreado, nossa falta de objetivos mais concretos para uma vida completa... O vício aqui discutido é apenas reflexo.
E, por mais que a falta de um mergulho mais a fundo me impeça de achar este filme perfeito como tantos acham, é impossível negar que é uma obra extremamente arrebatadora. Do prazer à dor, passamos por todos os sentimentos possíveis no espectro negativo da existência humana nesta aquarela pintada em tons sombrios e sempre sóbrios. Mas se tem uma coisa que não dá pra sentir jamais em relação a este trabalho é apenas uma: vergonha.
Tina - A Verdadeira História de Tina Turner
4.0 158 Assista AgoraAntes de tudo, preciso começar aqui com um protesto: Parem de fazer filmes sobre grandes mulheres cujos enredos giram em torno de seus relacionamentos com machos problemáticos. Sim, é possível tirar roteiros mais facilmente trabalhados com esse tipo de abordagem. Não, isso não faz justiça para as mulheres que tem suas vidas circunscritas a isto.
Isto dito, temos aqui um filme bastante esforçado. Ainda que seja todo amarrado em torno de um relacionamento tóxico, aqui tentam explorar as raízes do problema, mesmo que de forma sucinta. Uma ingênua Anna Mae Bullock não se sujeitaria a isso se não tivesse suas razões desde a primeira infância. Da mesma forma, uma já consagrada Tina Turner também tinha seus motivos para sustentar aquela situação por tanto tempo de uma forma que chegava a parecer quase irreversível.
E a atuação da Angela Bassett é incrível para dar verossimilhança a isto. A mulher mudou radicalmente várias vezes ao longo do filme. E não falo só de maquiagem e guarda-roupa, isso daí nem teria nada a ver com a performance dela. Mas em absolutamente tudo: do jeito de se portar, passando pela forma de entoar a voz e replicar maneirismos únicos de uma personalidade tão idiossincrática, e chegando à maneira como lidava ao seu modo com todo o mundo ao seu redor ao longo do desenvolvimento, em suas diferentes etapas da vida. Tudo muito bem trabalhado por essa atriz competentíssima que certamente merecia muito mais reconhecimento (e que bom que o teve).
Deixando um pouco de lado a performance incrível da protagonista que realmente eleva o material, o filme me parece apostar muito numa violência que por vezes é até gratuita apenas para manufaturar o drama. A própria Tina Turner já disse que as coisas não aconteceram exatamente daquela maneira (e olha que o livro foi baseado numa obra dela própria), então fica meio complicado ser leniente com inconsistências do tipo quando algo se vende como "baseado em fatos reais".
O que é louvável é o fato de não ser uma biopic genérica, feita apenas para celebrar alguém célebre por ser célebre e gerar lucros. Pelo contrário! Pegam aspectos da vida dela e criam toda uma trama com uma agenda tão importante e, por vezes, tida como secundária (ainda mais agora, em 2022, à luz de um certo julgamento recente) e coloca no centro da discussão num trabalho difícil e bastante arriscado, precisamente por esta temática controversa.
Mais louvável ainda é o fato de que "What's Love Got to Do with It" jamais será encarada por mim da mesma forma. Se esse era o tipo da amor que ela conhecia, é perfeitamente razoável passar a encará-lo como uma "emoção de segunda". E, como a brilhante artista que a Tina Turner é, a música aqui (na voz da Angela, não menos!) é também um arraso que só acrescenta à película.
Por mais que não seja exatamente "a verdadeira história de Tina Turner", segundo palavras da própria, não dá pra dizer que temos aqui um trabalho inferior ou de pouca qualidade. E, se o amor não tem nada a ver com isso, é porque o amor não era exatamente o sentimento necessário aqui. O que era preciso era ter devoção. E isto você consegue sentir na tela.
As Sufragistas
4.1 778 Assista AgoraQue pancada de filme! Eu esperava aqui uma coisinha bem mais tradicional, recontando a história do movimento sob vários olhares até chegar a um ponto final em que tudo convergiria. Algo mais genérico e meio que padrão de filmes do tipo. Mas não é nada disso.
Aqui acompanhamos basicamente a jornada da lavadeira Maud Watts (Carey Mulligan) e como ela vai se enredando num movimento do qual não poderia deixar de fazer parte. E não por ser "ativista", "feminista", "sufragista" (ela mesma dizia não ser) ou simplesmente por ser mulher. Mas simplesmente porque, se não o fizesse, a vida que ela tinha não faria sentido. Como não fez para ela, a bem da verdade. E, quando ela percebe que não fez - e que continuaria a não fazer, não só para ela, mas também para qualquer outra mulher - aceita seguir em frente, frente a qualquer circunstância, para mudar o que vê de errado no mundo.
E, para ela, tudo acaba se perdendo. Mas é este o segredo da coisa. Ela notou que era apenas uma peça no grande quebra-cabeças. E que seu sacrifício também poderia fazer a roda da história girar. Não é à toa que, embora seja outra personagem que dê o empurrão mais óbvio, o filme trata de mostrar muito bem como cada uma das envolvidas na causa dava o que podia.
E, no meio de tantos personagens e tramas paralelas, é louvável como tudo vai se encaixando para construir o drama do jeito certo. As diferenças que tornam as circunstâncias de cada um dos envolvidos radicalmente diferentes nos tratamentos que recebem são expostas. Mas não há julgamento nisto. Há apenas a exposição da vida como ela era. E como, em muitos casos, ainda é.
E, nisto, é impressionante como o filme reconta toda essa história sem soar proselitista de forma exacerbada. Pelo contrário. A aposta aqui é no minimalismo. E uma aposta que dá muito certo, porque, curiosamente, casa perfeitamente com o máximo que cada uma delas tem a oferecer para fazer parte de um todo muito maior.
Impactante, emocionante e tenso nos momentos certos. Sem exageros dramáticos, grandes viradas estapafúrdias no roteiro, às vezes sem nenhuma cor além da escala de cinza ou de, no máximo, uns tons pastéis e uma ou outra cor sóbria (e fria), mas ainda assim o tipo de filme que nos mantêm atentos a tudo que vai se desenrolando. E muito disto devido a esta mocinha que, longe de ser perfeita, mas que é simplesmente correta, interpretada com exatidão pela Carey Mulligan.
Não digo que é perfeito porque acho que poderia ter subido um pouco na escala em muitos momentos. A história permitia. Mas aprecio demais o fato de que tentaram explorar o todo a partir da parte. E, para um filme sucinto e objetivo como este, fizeram uma exploração mais que apropriada, a meu ver.
No fim, foram várias mulheres que construíram o movimento. O fato de que acompanhamos de perto apenas a jornada da Maud de perto não é demérito. Assim como não importa se foi uma Violet quem a recrutou, uma Emmeline quem discursou, uma Edith quem criou uma bomba ou uma Emily quem se sacrificou. O que importa foi que várias Mauds, Violets, Emmelines, Ediths e Emilys fizeram tudo aquilo. E que bom que fizeram!
Livre
3.8 1,2K Assista AgoraQuando o metafórico e o literal se combinam, temos uma jornada inesquecível para acompanhar. Afinal, como comparar a dura caminhada da vida se não a uma trilha inóspita e hostil, com todos os seus percalços e obstáculos, mas também com belas surpresas que jamais se poderia esperar no começo da jornada?
É este o ponto de inflexão vivido por Cheryl Strayed (Reese Witherspoon). Desviada do rumo que tinha para sua própria vida a partir de um trauma ainda recente, ela busca se reconstruir pouco a pouco numa busca incessante pelo autoconhecimento, algo sempre deixado de lado por nós nas nossas rotinas estressantes e extenuantes que não nos permitem esta contemplação.
As dificuldades do caminho são apenas os paralelos de uma vida permeada de escolhas, muitas vezes erradas. Mas aqui não há uma tentativa de expiar esta vida pregressa. Pelo contrário. Há uma busca por entender que foi aquela jornada que a trouxe a esta outra jornada aqui. E que, sem que tudo aquilo tivesse sido vivido, esta jornada aqui sequer existiria.
A falta de linearidade da história colabora muito para criar toda uma conexão especial com a trama: pontos extremamente importantes vão sendo revelados e destrinchados aos pouquinhos, com uma atenção toda especial ao desenvolvimento da protagonista. A edição também ajuda a entregar uma coisinha ou outra, de forma a nos intrigar, mas sempre no limite exato, sem revelar demais.
No fim das contas, este filme me lembrou muito Na Natureza Selvagem, outro filme que amo de paixão. Não se trata exatamente de mudar, necessariamente. Mas sim de aceitar a mudança. Nada vai ser exatamente do jeito que gostaríamos. Mas podemos tirar sempre a melhor situação possível de cada pequena coisa que nos acontece. E, só assim, seremos realmente livres.
Alta Fidelidade
3.8 691 Assista AgoraNem sempre filmes do tipo coming-of-age funcionam... quando os personagens que estão crescendo na tela têm mais de 30 anos, então, eu nunca tinha visto funcionar. Mas Alta Fidelidade conseguiu me convencer do contrário.
Rob Gordon (John Cusack) é um chatíssimo personagem que já é um adulto bem crescidinho, mas que insiste em agir como adolescente. Da sua imaturidade, entretanto, vêm a mola propulsora que faz o filme se desenrolar.
Tudo ao seu redor está numa lista e nada parece ser bom o bastante, a menos que esteja nesta mesma lista. Canções são só uma metáfora. Seja para momentos, relacionamentos, pessoas ou o que quer seja. E o que mais intriga é o fato de que, lá no fim, todo mundo tem um pouquinho do Rob dentro de si.
Talvez nem todos sejam extremamente elitistas a respeito da música que ouvem, nem muito menos imbecis a ponto de fazerem algumas das idiotices que ele fez ao longo da obra. Mas talvez um pouco rabugentos? Um pouco orgulhosos? Talvez um pouco grosseiros, às vezes, por que não? E talvez seja daí que surja a identificação.
No fim, temos aqui um romance nada óbvio, povoado de personagens secundários interessantes que cumprem seus propósitos divinamente, sem parecerem ter sido criados exatamente para os fins para os quais foram designados, muito curiosamente. As performances fenomenais ajudam muito nisto, porque poucos filmes com personagens tão idiossincráticos funcionam tão bem assim.
Alta Fidelidade tem um pouquinho para oferecer para quem queria comédia, algo para quem queria um drama e mais alguma coisa para os amantes de música, claro. Do jeito que a vida é. Pode até não entrar no meu Top 5 de melhores filmes de sempre. Mas talvez apareça entre os dez mais.
Os Olhos de Tammy Faye
3.3 177 Assista AgoraUma cinebiografia de uma personagem que não é tão conhecida assim aqui na Terra Brasilis (eu, pelo menos, só tinha ouvido falar en passant uma ou outra vez na vida, pra ser sincero), mas que, talvez até por isto mesmo, consegue ter muito mais impacto que outras películas do tipo envolvendo pessoas mais famosas ou que estão em voga.
Temos aqui uma reconstrução da vida de Tammy Faye (Jessica Chastain), em seus altos e baixos, chegando perto do começo e igualmente do fim. Mas não apenas de Tammy, mas também daquele que foi a maior influência na vida dela... não, não falo de Deus (por mais que ela possivelmente dissesse que sim), mas, sim, do seu marido, Jimmy Bakker (Andrew Garfield).
Ambos descobriram o "segredo do templo" ao reinventar a tal da Teologia da Prosperidade com seu toque único e especial para atingir seus próprios objetivos. Notoriedade, riqueza, sucesso. Tudo isto foi alcançado. E tudo isto foi tirado porque eles se esqueceram que, da mesma forma que eles, os outros também não são feitos apenas de virtudes.
Nisto, o filme é bem preciso. Aqui não se tentou pintar Tammy Faye como heroína de nada. Era apenas um ser humano como qualquer outro, com suas falhas e problemas, ainda que escondidos por trás de um quilo de maquiagem e de uma personalidade unicamente extravagante. E o mesmo se pode dizer de todos os outros envolvidos aqui. Por trás da fumaça, o filme trata de mostrar pelo menos um pouco do fogo que coloca cada um deles na berlinda da vida.
Peca, entretanto, ao não ir a fundo em questões que parecem tão fulcrais: o que realmente levou à queda (tanto a causa quanto a consequência inicial) é pouquíssimo explorado. Da mesma forma, pouco se explora da família ou da igreja e da religião em si, coisa que me pareceria um tanto quanto essencial neste tipo de drama.
Da mesma forma, o processo de envelhecimento do personagem do Andrew Garfield é absurdamente inverossímil. E nem falo só da maquiagem, mas também da própria postura do ator em cena. Não me convenceu, ainda mais no mesmo ano em que ele entregou um trabalho bastante superior em Tick,Tick... Boom!.
Onde não peca é na atuação fenomenal da Jessica Chastain. Merecidíssimo reconhecimento por um papel difícil de uma pessoa absurdamente idiossincrática e explorando várias facetas do talento da atriz, indo do drama à comédia, da risada particular ao canto bem entoado, e tudo atrás de camadas de maquiagem e próteses. Bravo!
Enfim, passa longe de ser perfeito, mas é um trabalho bastante interessante. Se os olhos são a janela da alma, Jessica Chastain fez o possível para deixar um pedacinho da sua aqui com a sua Tammy Faye para que nós a abríssemos e pudéssemos nos deleitar com a vista. Por isto, eu sou grato. Amém!
Eu Ainda Sei O Que Vocês Fizeram No Verão Passado
2.6 610 Assista AgoraNão é fácil fazer uma continuação para um filme de tanto sucesso. Mais difícil ainda é fazer uma continuação com tão pouco tempo disponível para planejá-la a contento. Eu Ainda Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado é a prova exata disto.
Onde o primeiro conseguia combinar perfeitamente a vibe de thriller com filme adolescente, tão em voga na época, este daqui se revela a olhos nus uma verdadeira continuação caça-níquel onde nada faz sentido. Afinal, quem não conhece um assassino que sequer consegue trabalhar por estar supostamente morto, mas que mesmo assim consegue bolar - e executar - uma vingança deste naipe, não é mesmo?
Para além de nada fazer sentido, qualquer pessoa que já assistiu algum filme do gênero consegue prever com exatidão as "viradas" jogadas na nossa cara. Nenhuma surpresa foi gerada com nenhum dos twists inseridos de forma quase que cronometrada por aqui. Tudo muito previsível.
E a quantidade muito maior de mortes só reforça a baixa qualidade do filme. Ao invés de bolarem um roteiro interessante, era preciso encher linguiça com mortes aleatórias de personagens para os quais ninguém dá a mínima. O exato contrário do que acontecia no primeiro filme.
Eu, curiosamente, vi o terceiro filme (também muito ruim) antes deste, e sinceramente não esperava que este daqui fosse do mesmo nível, principalmente por ter parte significativa do elenco e equipes originais. Mas, olha, eu estava enganado. Com filmes tão ruins como sequência, era melhor apenas saber... E depois esquecer que ainda sabia e que sempre saberia o que eles fizeram no verão passado.
Regressão
2.8 535 Assista AgoraOnde que eu posso apertar o botão de regressão para me esquecer de que assisti a esta bomba? 🤡
Um Segredo Entre Nós
3.0 139Numa época em que segredos e dramas familiares costumavam ser uma mistura geralmente contada de forma altamente instigante e extravagante, como na emblemática série Donas de Casa Desesperadas, Um Segredo entre Nós simplesmente trata de nadar contra a corrente.
Temos aqui um pequeno filme sobre uma tragédia familiar que, de uma maneira ou de outra, acaba por reaproximar uma família num misto de lembranças do passado, luto do presente e esperança do futuro que está por vir.
A abordagem simplista, entretanto, não é suficiente para fazer do filme uma boa obra. Há personagens demais e nenhum deles possui um desenvolvimento mais profundo. O filme atira para todos os lados, mas, no fim, não se dedica a realmente explorar nenhuma das tramas com maior foco.
Quanto ao segredo do título, o que fica na promessa acaba por ser muito mais interessante que o que foi transposto para a tela. Antes tivéssemos aqui uma polêmica de fato, em vez de uma revelação patética sobre um caso de um personagem com o qual, francamente, ninguém consegue se importar ao longo do filme.
Não é ruim. Para um pequeno drama familiar, é até bem competente. Mas precisava de muito mais para realmente animar e se tornar arrebatador. Se este filme fosse um pequeno vaga-lume, diria que até chegou a ter um brilho por algum momento. Mas recebeu uma raquetada e se apagou muito mais cedo do que deveria. Uma pena.
Chamada de Emergência
3.7 1,5K Assista AgoraEu amo quando um filme consegue me surpreender positivamente desse jeito. Sabe aquele tipo de filme que não parece ser exatamente sua praIa, mas que consegue deixá-lo com os olhos vidrados na tela o tempo todo? Esse daqui é desse jeito!
É um thriller aterrorizante da pior forma possível, porque, longe das fantasias sobrenaturais, foca com esmero no mundo real e incute aquela dúvida insidiosa lá no fundo: isso daqui poderia acontecer com você.
Para trabalhar isto, temos aqui trabalhos impecáveis de todos os envolvidos. Halle Berry está fantástica como a capricorniana (tão perfeccionista que parece mais virginiana) Jordan Turner, uma operadora do 911 perseguida por um erro do passado. Abigail Breslin, igualmente, entrega um trabalho sensacional como a jovem raptada Casey Welson. Longe de serem coitadinhas, as duas fazem o que podem para reverter aquela situação.
Mas quem mais merece elogios, a meu ver, é Michael Eklund. Papéis como este geralmente resvalam para a caricatura e ele, pelo contrário, conseguiu se equilibrar naquela linha entre o psicopata interno e o everyman (ainda que claramente perturbado) externo.
O que impede o filme de se tornar perfeito, na minha opinião, é o fim que desmonta o que se foi construindo ao longo da obra. Preferiria mil vezes que tivessem seguido na mesma pegada, em vez de forçar uma situação mais mirabolante como a apresentada. O prato de feijão com arroz estava funcionando muito bem e não precisava de um caviar trazido às pressas para requintar a refeição, sabe?
Mas não é algo que comprometa o todo. Temos aqui um trabalho muito bem executado. Instigante, provocador e assustador na medida certa. Num gênero povoado de filmes ruins, é até uma surpresa saber que este daqui é uma exceção. E isto, pela raridade, talvez até mereça a sua própria chamada de emergência...
The Prize Winner of Defiance, Ohio
4.1 21Sabe aquela pessoa que geralmente odeia mocinhas sofredoras? Esta pessoa sou eu. E sabe que filme conseguiu me fazer não gerar esse ódio automaticamente por este tipo de personagem ao assisti-lo? Este daqui. É daqueles filmes que você começa a assistir sem grandes expectativas, mas que lhe surpreende demais.
A começar pelo fato de ser baseado numa história real que, acredito, não deriva muito disto aqui. Imagina só criar uma dezena de crianças com um marido alcoólatra que tem inveja do seu próprio sucesso? Agora imagina ter de se agarrar àquela circunstância simplesmente porque assim era o mundo de então? Para não perder não apenas suas posses (que sequer são suas, aos olhos da lei), mas também até mesmo sua reputação e, mais que isto, a família que você tanto ama.
E, nisto, conseguimos compreender que Evelyn não era uma santa a ser canonizada. Ela própria reconhece. Era só uma pessoa que sabia tirar sempre o melhor proveito de qualquer situação que surgisse. E como este filme é inspirador a ponto de nos fazer pensar que devemos ser assim sempre!
Longe de sermos lenientes. Muito pelo contrário, é preciso lutar pelas coisas. Mas também precisamos aceitar quando elas não correm exatamente do jeito que esperávamos. E muitas vezes entramos em conflito com nós mesmos por isso.
Enfim, este daqui é um filme simplesmente encantador que merecia muito mais reconhecimento. Que performances singulares e no ponto, aliás! Especialmente da linda Julianne Moore que foge da síndrome de mártir e cria aqui uma pessoa real, de carne (com belíssimas sardas) e osso. Como eu disse, geralmente odeio mocinhas sofredoras. Mas ela "vende" a Evelyn como ninguém. Os atores mirins também fazem um ótimo trabalho, coisa por vezes rara em filmes do tipo.
No fim, quem esperava um pouco mais de conflito em relação ao mundo que a cercava, talvez saia daqui decepcionado. Mas, para quem quer um drama familiar bem construído e que sabe gerar emoção nos momentos certos sem ser excessivamente piegas e sentimentaloide, este filme é mais que simplesmente indicado... é, na verdade, o ganhador do prêmio.
Oliver!
3.8 61 Assista AgoraEste estilo de filme pode ser claramente antiquado, mas é impossível não sentir alguma afeição por um trabalho tão dedicado. É um musical das antigas que não tem medo de ser um musical das antigas, com toda a sua confiança no formato e a grandeza da produção que simplesmente não se consegue replicar hoje em dia.
Aliás, o que mais impressiona aqui é a grandiosidade da escala aqui usada. A cidade ganha vida nas mãos de centenas de dançarinos que executam seus números perfeitamente. Para não falar de algumas canções que têm dezenas de vozes diferentes que, mesmo misturadas, ainda encontram harmonia.
Os números musicais são o grande destaque, ainda mais porque esta é uma obra propícia a este tipo de adaptação. Não é necessariamente a temática mais fácil de se abordar num musical, mas é sempre possível relacionar a imaginação fértil da mente infantil com este mundo que foge um pouco da realidade do preto no branco da dura vida cotidiana e ganha cor (numa escala Technicolor).
Talvez não tenha lá um legado muito positivo pelas circunstâncias em que ganhou o Oscar de Melhor Filme, mas passa muito longe de ser um filme ruim. É muito bem executado e cumpre seu propósito de trazer às telonas uma variação de uma história mais que manjada, deixando-a interessante como sempre, mesmo em sua enésima execução.
Além das Montanhas
2.6 45 Assista AgoraUm pequeno filminho adorável. Daquele tipo que algum dia existia nos cinemas, mas que hoje está cada vez mais relegado às sessões de filme do extinto (ao menos no Brasil) Hallmark Channel. Gente bonita, a Irlanda mais linda ainda e uma história que simplesmente... não faz absolutamente nenhum sentido em 2020?
No mundo dos viagens baratas para o outro lado do oceano por um único dia, não dá para comprar a história de dois solteirões beirando os quarenta anos num vilarejo idílico que, aparentemente, não viveram nada da vida além daquele pequeno mundinho. O nível de suspensão de descrença precisa ir além de qualquer limite aceitável.
Mas os atores fazem o melhor possível. Emily Blunt é sempre encantadora, claro, e Jamie Dornan consegue fazer este papel patético não ser tão patético assim. Mas simplesmente não dá. Nem todo o capricho do mundo tornaria uma história tão inverossímil e material tão regressivo interessantes na atualidade.
Seria uma obra muito mais bem-sucedida como uma peça de época, em que as pessoas realmente só conheciam os seus pequenos mundinhos particulares e aqueles que os rodeavam, e simplesmente não tinham o mundo todo na palma das mãos. Em que este tipo de amor e relacionamento ansiados faziam sentido não apenas no coração, mas também para a vida prática. Como obra contemporânea? Impossível comprar.
Dito isto, não é de todo ruim. O romântico em mim até gostou de muitos momentos (especialmente da cantoria do elenco na canção que dá título ao filme, em todas as ocasiões). Mas o realista sempre domina, infelizmente. E, por isto, sempre vou acreditar que, se recriado de outra forma e com outra abordagem, poderia ser muito melhor. Do jeito que é, ainda que tenha lá seus méritos, está mais pra um B-movie* fofinho.
O spoiler na pronúncia é novidade pra mim. rs
Um Dia de Cão
4.2 734 Assista AgoraAmo demais o caráter contestador dos filmes dos anos 70, em que é possível criticar um milhão de coisas ao mesmo tempo em que se é sutil e com uma abordagem absurdamente naturalista, a mais próxima possível da realidade, longe dos artificialismos que ligamos imediatamente às superproduções hollywoodianas de hoje em dia.
E aqui há um aspecto muito interessante: o filme faz isto enquanto demonstra claramente que absolutamente tudo nos Estados Unidos é um show! Temos o anti-herói que é quase um showman que precisa manter a plateia estimulada a todo instante, coadjuvantes que aproveitam cada segundo de tela para tentar ter um pouco dos holofotes para si ("meninas, eu dei uma entrevista!"), ou mesmo a polícia que se torna a vilã aos olhos da população, que apoia o criminoso porque ele tem muita razão na crítica social que faz, mesmo que não deliberadamente... Afinal, estava ele totalmente errado no que dizia?
E é bastante interessante como a percepção do público muda completamente quando um outro aspecto contestador se revela: fugir da linha "aceitável" na visão dos outros sempre o tornará alvo da ridicularização neste circo de horrores, quer você queira ou não. E, a partir daí, o herói vira vilão sem que qualquer circunstância do seu crime em si tivesse mudado. Apenas por ser quem é. Nada muito diferente do que temos hoje, inclusive, por mais que este seja um filme de quase cinquenta anos atrás.
No meio de tudo isto, o calor, seja de quem está apenas sem ar-condicionado num ambiente quente, seja de quem está com a vida na linha de tiro de dezenas, nos faz sentir a agonia dos dois lados naquele ambiente claustrofóbico. E, quando o fatídico fim vem, o dia de cão se encerra. Mas não para todos. Cada ação gera uma reação, afinal.
Se o filme ainda causa impacto nos dias de hoje, imagina nos anos 70? Tanta tensão em ebulição perfeitamente capturada na tela sem qualquer maquinação. Não há trilha sonora (exceto pela belíssima canção do Elton John - instantaneamente reconhecível - logo no início) para construir tensão artificialmente e todos aspectos de produção são os mais básicos possíveis. Restam, então, as boas performances e um excelente texto.
E, embora se torne um pouco cansativo depois de um tempo (a primeira metade tem muito mais energia e vitalidade que a segunda), o filme entrega um trabalho excepcional neste aspecto. Por mais que não seja a "verdade real" que se buscaria num documentário, por exemplo, não dá pra duvidar que abordagem aqui é bem realista e, mesmo que não tenha sido exatamente assim, bem poderia ter sido.
No fim, dá até pra sentir uma síndrome de Estocolmo de leve. Afinal, todos nós temos nossos próprios "dias de cão" às vezes... Com filmes bons como este aqui, entretanto, sempre poderemos superá-los e não precisaremos assaltar banco algum. rs