Como o próprio Ethan Hawke explicou muito bem: o primeiro filme é sobre o que poderia ser, o segundo filme é sobre o que poderia ter sido (e que ainda pode ser) e este daqui é sobre o que de fato é. E, por esta abordagem, consegui gostar demais do trabalho apresentado aqui.
É impressionante como o texto sai do âmbito geral, das grandes questões da humanidade, para o âmago mais íntimo de cada um de nós num piscar de olhos e com uma naturalidade inexistente em outras obras do tipo. Assim como acontecia nos dois filmes que o antecederam.
A abordagem é tão realista que chega a assustar. Até porque, normalmente, quando outros filmes abordam as questões mais generalistas aqui tratadas, o fazem apenas para tentar garantir uma credibilidade falsa: "olha que preocupados eles são com o meio ambiente, o feminismo, a pobreza, com toda a situação do mundo!". E aqui não. Esses assuntos surgem tão bem imbricados na vida dos personagens que sentimos que realmente importam para eles. E para nós, espectadores, por extensão.
Dito isto, impossível não elogiar as performances perfeitas dos protagonistas (e também roteiristas) Ethan Hawke e Julie Delpy. Desta vez auxiliados por um elenco coadjuvante que tem ainda mais brilho e vigor e que, longe de destruírem a dinâmica entre os dois, estão lá para dar o suporte necessário.
Um final (até este momento) aberto perfeito para uma trilogia tão impactante. Quando a fantasia acaba e a realidade se estabelece, temos um retrato tão fidedigno que é impossível não conseguir se relacionar de uma maneira ou de outra.
No fim, o fato de que, mesmo muito longe da perfeição, é por esta exata doideira que nos resta aspirar é o que mais surpreende. Porque isto daqui é o mais próximo do real num mundo tão complicado... E, apesar de tudo, isto daqui continua a ser maravilhoso mesmo com todas suas imperfeições.
Certamente dirão que isto daqui não deve ser tomado de forma literal. E não deve mesmo! Mas até para a alegoria há de se ter algum norte. E aqui não há simplesmente nenhum porque as coisas carecem completamente de qualquer sentido, por mínimo que seja.
A começar pela apresentação deste universo que é absurdamente ineficaz (e praticamente inexistente). Presumimos que aconteceu algum desastre - disfarçado como progresso - que os habitantes daquela pequena cidade não conseguiram evitar e a partir daí suas vidas entraram em espirais da morte. OK.
Mas daí temos uma mãe solteira que do nada arranja roupas elegantíssimas. Uma jovem que cuida de uma casa (bom, nem tanto) e da avó catatônica sem nenhuma renda aparente. Um gerente de banco que abre casas noturnas secretas em diversas cidades arruinadas só por hobby. Um supervilão que é um supervilão por ser um supervilão...
E lá vamos nós tentar inventar a justificativa: o filme é uma metáfora para a nossa sociedade atual. A represa é o que tentam nos vender como o futuro, mas que só nos mergulhará em tragédia e representará um retrocesso! Os vilões são o sistema que se aproveita dos pobres coitados que estão à mercê dele! A vovó representa a nostalgia que vive em cada um de nós que vivemos os bons tempos! Os heróis unidos representam o poder que temos para mudar as coisas se assim desejarmos! Pipipi. Popopó.
Francamente? O roteiro é simplesmente ruim e vai do nada a lugar nenhum. Quando é conveniente, cria as situações mais absurdas para tentar manter algum mínimo interesse. E, quando não há muito o que fazer, tira alguma coisa chocante da cartola sem qualquer propósito específico, apenas para tentar chocar de graça mesmo. E nem isso consegue. Pimenta deve ser usada nas doses certas. Se usada demais, tira todo o gosto.
Ryan Gosling, amado, amo muito seu trabalho como ator. Mas, como roteirista, não há muito o que elogiar, já que isto daqui é uma obra absurdamente confusa e desfocada. Como cineasta, por outro lado, dá até pra dizer que há algo interessante aqui, mas o filme é evidentemente um pastiche lynchniano, como certamente um milhão de pessoas já apontaram, então também não há nada a ser louvado. Resumindo: quem dera se apenas o rio estivesse perdido...
Até onde você iria para simplesmente sobreviver? Alguns teriam coragem, força e perseverança para ir até o outro lado do mundo! E é a história destas pessoas que é contada aqui, numa jornada que se estende por mais de seis mil quilômetros. Da taiga siberiana às estepes mongóis. Do Deserto de Gobi às montanhas do Himalaia. E, finalmente, a chegada à liberdade.
Visualmente, o filme reconta esta saga de forma espetacular. Cada um desses distintos mundos particulares que os envolvidos frequentam é muito bem fotografado e suas particularidades próprias são bem reproduzidas na jornada pela sobrevivência dos personagens.
Textualmente, por outro lado, o filme deixou um pouquinho a desejar. Não faz crítica profunda a regime totalitários e seus abusos como o regime de trabalhos forçados e os campos de concentração aos quais os sobreviventes foram submetidos, por exemplo, mas solta sempre uma ou outra platitude sem maior reflexão ao longo da trama. E, na falta de uma crítica sociopolítica séria, esperava que o filme se apoiasse mais na construção dos seus heróis...
Ledo engano. Nesta outra ponta, os personagens, igualmente, são pouco desenvolvidos. Sabemos uma ou outra coisa, mas nada que realmente nos faça realmente torcer por muitos deles. Mesmo o protagonista, que tem um arco mais completo, não emociona nem com o fechamento da história que dá início a tudo. Tornou-se algo corrido e simplesmente jogado ali.
Destacaria a Irena, personagem da brilhante Saoirse Ronan, não só pelo trabalho exemplar da atriz, mas por facilmente se destacar no meio dos personagens masculinos. Ainda que seja também vítima da falta de desenvolvimento mais amplo, é ela quem entrega os melhores momentos em relação à emoção que eu esperava ter sentido mais aqui.
Emoção, aliás, que muitas vezes faz falta. O filme tem 133 minutos e REALMENTE tem 133 minutos, se é que vocês me entendem. Não fosse o fato de tentar mostrar tantas culturas, seja por meio dos personagens, ou por meio das locações, teria sido extremamente maçante.
Enfim, não é um filme ruim, mas acredito que poderia ser melhor. Filmes de sobrevivência, em geral, são mais bem-sucedidos quando têm um escopo mais definido (em Vivos ou 127 Horas, por exemplo). Aqui, a grandeza da história acaba impedindo que esta qualidade salte aos nossos olhos.
Certamente é uma história complicada de filmar e esta passa longe de ser uma produção de qualidade inferior. Aliás, muito pelo contrário! Mas, pela imensidão aqui envolvida, e pelo calibre do cineasta no comando (responsável por um dos meus filmes favoritos de sempre), posso dizer que esperava algo maior. Infelizmente, no caminho da liberdade, parece que alguma coisa se perdeu.
Por mais que tenhamos inúmeras leis que regulam o que devemos fazer na vida, Almodóvar explora aqui aquela lei que é fluida e decidida por cada um de nós individualmente: a lei do desejo.
É o desejo que nos governa sempre. Aquele desejo incontrolável, que nos leva a caminhos que todos dizem que não devemos percorrer: drogas, promiscuidade, ganância, ciúmes, assassinato. E, ainda assim, sempre há aquela ânsia por satisfazer aquele desejo. Alguns conseguem controlá-lo. Outros não. E assim segue a vida. Ou para de seguir.
Eu amo como o Almodóvar consegue explorar muito bem as contradições do ser humano. Especialmente aqui neste filme que é meio que mais um anúncio dos grandes trabalhos que viriam pela frente.
Aqui começamos a ter personagens mais bem desenvolvidos, com motivações e backgrounds mais claros, e o roteiro vai nos enredando numa trama que, por um momento, nos leva a crer que tudo se resolverá de uma maneira extremamente curiosa (o que não seria de todo ruim), quando de repente segue um outro caminho diverso.
Ainda que não seja dos meus favoritos, eu realmente gostei. Todos os personagens são absurdamente carismáticos e há cenas memoráveis (Carmen Maura tomando banho de mangueira na rua é a minha Marilyn Monroe tendo o vestido levantado numa calçada!) espalhadas por todo o filme.
Também é de se parabenizar o fato de um filme de 1987 protagonizado por dois personagens gays e uma trans não lidar necessariamente com o fato de eles serem quem são, mas sim pelo que fazem, como qualquer personagem deve ser.
E também o fato de que aqui há uma atriz trans que interpreta uma personagem cis e uma atriz cis que interpreta uma personagem trans, algo que seria motivo para um feroz cancelamento hoje em dia, mas que só reforça o talento das intérpretes e a coragem do cineasta em permitir que elas interpretem personagens que nunca devem ficar confinados a limites que são, pelo óbvio, limitantes. Bravo!
Por fim, é sempre bom lembrar que o Almodóvar criou o Almodoverso muito antes antes da Marvel ou da DC. E com muito mais cor, polêmica e transgressão. Bem que isto poderia ser uma lei também, né?
"Cada um de nós é maior que o nosso próprio pecado", enuncia Roman J. Israel (Excelentíssimo, não nos esqueçamos!) logo no começo. E que profética seria essa frase para o enredo como um todo! No momento em que nos desviamos do caminho que tão arduamente perseguimos até então, a vida nos reserva reviravoltas incontroláveis. E, delas, jamais podemos escapar.
Isto não quer dizer, entretanto, que não podemos corrigir nossos erros. Mesmo aqueles que, às vistas dos outros, pareçam nem ser erros. Se todos estão errados e acham isto certo, isto não significa que tornar-se errado vá garantir que você também passe a achar aquilo correto. Foi o que Roman descobriu. E o motivo pelo qual pagou tão caro.
E, como anunciou no início, o mais importante não foi a história dele em si. Mas o que ele deixou como legado para tantas e tantas outras vidas. Se um erro cessou uma, pode ter ajudado a salvar inúmeras outras. É o que deixamos para os outros que nos torna realmente admiráveis, afinal.
Performance incrível de Denzel Washington com este personagem tão cheio de idiossincrasias muito particulares. Longe da caricatura, ele carrega o filme com louvor e nos mantém entretidos mesmo quando o enredo parece ir do nada para lugar algum.
Este, inclusive, é o principal problema. São tantas questões abordadas que não têm nenhum desenvolvimento pleno, que, mesmo em seu norte central (a questão da ética, não só profissional, como também humana), a obra se resolve apressadamente e sem grandes reflexões.
Seria interessante ver mais das injustiças do sistema legal corrente, caso o filme optasse por focar em seu lado mais amplo, ou algum desdobramento maior para o relacionamento do personagem com a Maya (personagem da Carmen Ejogo), caso se aprofundasse ainda mais no estudo do protagonista. No entanto, optar pelo meio do caminho nos deixa pensando no "e se".
Enfim, não é nem de longe tão bom quanto O Abutre, filme anterior do mesmo cineasta, mas não é uma peça a se jogar fora. Lida com questões interessantes e tem uma performance espetacular para amarrar o nosso interesse. Talvez o que tenha faltado seja um pouquinho mais de visceralidade para lidar com as questões aqui envolvidas. Mas, talvez, se assim fosse, esta não seria uma obra sobre um ser humano excelentíssimo, não é mesmo?
Quem pensa que a vida de uma mulher divorciada de classe média com uns cinquenta e poucos anos é um tédio com certeza não conhece Gloria Bell. Neste filme slice-of-life, nossa protagonista, interpretada pela belíssima Julianne Moore, nos mostra que o nada pode representar o tudo, assim como o tudo pode representar o nada. E absolutamente tudo mudar de uma hora para outra.
Mas, nem por isto, tais mudanças acontecem de forma mecânica e robotizada. Como na vida, as coisas aqui vão seguindo um curso natural que colabora para dar autenticidade à narrativa. Como os personagens fazem questão de frisar algumas vezes: "podemos não estar vivos amanhã" e, por isto, é importante não perder tempo com aquilo que não vale a pena e seguir em frente. A dor, afinal, também pode ser libertadora. E são as pequenas decisões que tomamos que escrevem os nossos roteiros.
Por outro lado, a falta de profundidade nas temáticas abordadas (e também no desenvolvimento do personagem do John Turturro, que é o único coadjuvante com uma trama própria relevante), entretanto, me desagradou um pouco. Tem tanta coisa que é apenas jogada de qualquer forma no enredo que o filme acaba adquirindo um aspecto um tanto quanto aleatório. Isto, entretanto, não é de todo ruim, porque a vida é assim mesmo. Randômica e sempre pronta para preparar uma nova surpresa.
Julianne Moore, como sempre, está divina. Consegue prender a nossa atenção mesmo nas cenas mais entediantes e segue nos levando até o fim dessa história (que é, certamente, um dos momentos mais memoráveis do filme). A cena final, inclusive, é provavelmente uma das melhores cenas da carreira dela. E, nisto tudo, é ajudada por um ótimo elenco secundário de peso, mesmo que com papéis que, na imensa maioria, não passam de pequenas pontas.
Enfim, pode não ser para todo mundo, mas é um filme que vale a pena. Assim como a Gloria Bell, acho que a lição que fica para nós todos é que nós temos de nos "jogar" mais na vida. Como diria a filósofa contemporânea P!nk, "se Deus é um DJ e a vida é uma pista de dança", a única coisa que nos resta fazer é dançar. E que bom que a Gloria sacou isso... Ao som da maravilhosa "Gloria" da Laura Branigan, não menos!
Se aquela fatídica morte jamais tivesse acontecido naqueles malditos trilhos, ao menos mais uma vida seria poupada. Mas, quem poderia imaginar que um simples encontro fortuito e uma boa ação para tentar impressionar causariam todo esse rebuliço na vida de todas aquelas pessoas?
Anna e os Alexeis, bem como absolutamente todos que os rodeiam, vão viver toda uma tormenta nas suas vidas por causa destes curtos instantes. Mas só uma pessoa estará no olho do furacão de fato: a protagonista Anna Karenina.
E, para contar este caso gerado pelo acaso, temos aqui uma obra absurdamente bela no aspecto visual. Não dá pra dizer que temos aqui um filme convencional. A tentativa de recriar uma peça de teatro, em que as coisas entram e saem de cena de uma forma nada comum é simplesmente marcante.
Para além disto, o próprio Tolstói via o teatro como o ápice da hipocrisia da sociedade, o que colabora muito para dar um tom subversivo à peça. Como no teatro, os personagens não podem jamais perder a linha. E, quando perdem, é hora de serem tirados de cena, Esta ironia subjacente é sensacional.
Não se pode dizer, entretanto, que a construção tal como foi feita ajude a compor a história. Afinal, temos aqui uma tragédia que toca em um sem fim de problemas sociais, não só da Rússia czarista, mas também da nossa própria sociedade moderna. Tal construção, no fim, acaba por desviar o foco do texto com a intenção de tornar a peça visualmente impecável... Mas não é exatamente isto que a história pede.
E, no fim, muito do que se é dito no texto acaba sendo perdido. Talvez levado por um contrarregra disfarçado de ator antes da hora? Ou talvez nunca tenha sequer saído da boca dos atores que precisavam ficar estáticos para dar literalidade ao isolamento que Anna sofreu?
Consigo apreciar demais a tentativa de fazer um filme tão visualmente deslumbrante deste jeito. Mas simplesmente não ressoou lá dentro. São infindáveis imagens maravilhosas, inúmeros movimentos perfeitamente sincronizados, tantos figurinos belíssimos e uma construção tão criativa que, no fim, acaba por se esquecer da base que nos impacta: o texto. Uma obra tão profunda acabou por parecer imensamente superficial.
No fim, tudo pareceu ser muito mais um truque que se estendeu por duas horas. E a desvantagem de uma peça é que, ao contrário de um filme, tudo fica ainda mais perceptível para o público. Talvez haja uma obra-prima aqui que eu não consegui perceber à primeira vista? É possível. Talvez eu só tenha perdido o trem. E talvez seja por isto que estou aqui escrevendo tudo isto... Também é possível.
É sempre maravilhoso quando algo que muito claramente é uma metáfora se apresenta de forma literal numa obra. Aqui, curiosamente, a personagem pega "um bonde chamado desejo" para ir de encontro ao seu destino. Mas o filme não se trata do bondinho em si, muito obviamente, mas sim de como os desejos guiam os nossos caminhos.
Para uns, é o desejo de ter uma vida maravilhosa, recheada de cruzeiros e viagens, belas roupas e caros acessórios e uma mansão que é da sua família há gerações. Para outros, o desejo de ser respeitado a qualquer custo em toda e absolutamente qualquer situação. E, para os demais, o desejo de apenas agradarem àqueles que os circundam, seja sendo uma excelente esposa ou irmã ou atendendo ao último desejo de uma mãe cuja vida está prestes a se acabar. Todos cedemos aos nossos desejos.
E os caminhos que eles nos levam a tomar são capazes de tudo. Capazes de nos fazer brigar. Capazes de nos fazer fantasiar. Capazes de nos fazer mentir. Capaz de nos fazer enlouquecer, por fim.
E, no centro do furacão, está o ponto central que é sempre intransponível para aqueles que desejam. Nunca será possível mudar nossa origem. Nossa idade. Nossa aparência. Nossa história. Nossa reputação. Por mais que tentemos esconder nosso passado no presente, ele sempre virá à tona. E isto pode aniquilar nossa capacidade de atender aos nossos desejos de uma hora para outra.
Uma obra extremamente complexa que trata de tanta coisa ao mesmo tempo e que nos deixa com mais dúvidas que respostas com sua constante disputa entre o moderno e o tradicional, o novo e o velho, o querer e o poder. E uma adaptação muito bem-sucedida ao utilizar recursos que só cabem no cinema, especialmente a iluminação e cortes muito específicos.
Não é à toa que é influência para outros filmes que, em geral, são tão bons quanto, como Blue Jasmine. A história pode ser um pouquinho melodramática? Talvez. Mas é tão bem executada e interessante que é impossível tirar os olhos da tela e não seguir a vida destes personagens até o desfecho. No fim das contas, se a rua se chamava pecado (uma tradução até apropriada, especialmente à luz da época, em que todos os personagens seriam vistos como "pecadores"), pecado ainda maior seria não dar cinco estrelas para este clássico atemporal.
Para começo de conversa, o título em português dá a entender que o filme é exatamente aquilo que não é: em vez de uma reflexão sobre os "sonhos de uma vida" inteira, há aqui uma amostra do que poderia ter sido feito numa vida, em todos os seus muitos caminhos que não foram percorridos, como bem aponta o título original.
Deixando esta filigrana de lado, é preciso lembrar que nunca é fácil retratar uma doença mental na tela. Há sempre o perigo de se exagerar na dose. Geralmente isto acontece na performance, entretanto. Aqui, por sua vez, isto ocorre no próprio material. A tentativa de mostrar um dia na vida de quem vive com demência cria uma trama excessivamente desfocada nas suas infindáveis idas e vindas. Longo do melodrama exagerado mais rotineiro, mas muito imbuída de desordem e confusão.
O elenco todo (mas especialmente a jovem Elle Fanning, maravilhosa) é simplesmente brilhante e entrega performances espetaculares. Mas o roteiro simplesmente não é bom o suficiente. Há uma ou outra cena mais impactantes mas, assim como na mente do personagem, elas se perdem num mar confuso em que muito acontece, mas nada parece se firmar. Como se estivéssemos à deriva num pequeno barquinho ou numa caçamba de uma caminhonete seguindo sem rumo definido tal como o personagem principal.
Este filme pode ser comparado diretamente com Meu Pai, por exemplo, que trata do mesmo problema, mas com muito mais sucesso. Ali, as coisas vão se encaixando perfeitamente. O real e o imaginário se tocam com muito mais vigor e foco. Aqui, por mais que haja momentos interessantes, a narrativa praticamente inexistente cria uma peça completamente espalhada que nunca atinge o ponto certo para nos emocionar de fato.
No fim, o filme acaba por ser simplesmente entediante, mesmo durando apenas uma hora e vinte minutos, mais ou menos. É muito difícil, aqui, se colocar no lugar do personagem e sentir o verdadeiro horror que deve ser viver tudo aquilo. Mas o filme não é um desastre completo porque as performances são absurdamente competentes. Tanto que eu jamais poderia dizer, no fim das contas, que este filme é um caminho que eles não deveriam ter escolhido.
É simplesmente impressionante como às vezes estamos no lugar errado e na hora errada. Mais impressionante ainda é como há momentos em que queremos deliberadamente estar no lugar errado na hora errada. E, muito mais impressionante ainda, é saber que é possível transformar estas circunstâncias imperfeitas no lugar certo e na hora certa quando queremos.
Foi exatamente isto que aconteceu na vida de todos os personagens aqui, mas principalmente da dupla Victor (Liberto Rabal) e David (Javier Bardem). Ambos são mocinhos e vilões (como qualquer ser humano), não apenas das próprias vidas, mas também da vida daqueles que estão no seu entorno. Tudo depende da forma como se posicionam perante os acontecimentos.
Se, num primeiro momento, é David quem parece dar a volta por cima, toda essa história nos faz ver que a vida é mesmo uma montanha-russa, cheia de altos e baixos, guardando grandes surpresas mesmo para aquele a quem normalmente se destinariam apenas os piores desejos (e, por consequência, destinos), o jovem Victor.
Por mais que o roteiro force bastante na suspensão de descrença em algumas situações, boa parte das coisas acaba sendo bem crível. E é impressionante como os detalhes constroem o todo. Teria Victor encontrado Elena se não tivesse recebido o vale-transporte vitalício que o permitia rodar pela cidade a seu bel-prazer? Teria Elena deixado Victor entrar no seu apartamento daquela forma se não fosse ela uma viciada? E se David e Sancho não estivessem fazendo a ronda naquela exata área da cidade naquela precisa noite? São todos os pequenos detalhes que moldam vidas inteiras.
Inicialmente, imaginava que se trataria de uma jornada de vingança. Mas, pelo contrário, há aqui uma história de redenção. E redenção em inúmeras formas, porque não é um processo que ocorre apenas com o protagonista, mas sim com praticamente todos os personagens de uma forma ou de outra.
Ainda que o prólogo e o epílogo, que colocam pela primeira vez (creio) um contexto político numa trama do Almodóvar (algo também explorando no recente Mães Paralelas, por exemplo) se percam no resto do texto, isto pouco desabona a peça no geral. O que mais prejudica, a meu ver, é a falta de um maior desenvolvimento da Elena (Francesca Neri), que poderia ser uma personagem melhor explorada em suas motivações.
O principal, no entanto, é que o desenrolar das coisas acontece de uma forma folhetinesca, mas ao mesmo tempo sublime. Talvez até de forma um pouco mecânica (em que é possível supor algumas coisas deste o início), mas ainda assim visceral. Vingança e culpa se misturam de forma a construir a tragédia não apenas uma, mas duas vezes, das formas que menos esperamos...
Não é à toa que este filme é, por vezes, cultuado como o início da melhor fase do Almodóvar. Não é só a carne que é trêmula. Igualmente trêmula é a nossa reação quando a magia do cinema se mostra de forma tão escancarada na nossa frente.
Mais do que simplesmente mal-educados, aqui há todo um universo em que absolutamente nenhum personagem presta, quase que num retorno às obras iniciais do Almodóvar. Mas, ao contrário do que acontecia em seus primeiros trabalhos, que eram absolutamente extravagantes (ainda que em sua versão low-budget) e ultrajantes, no melhor estilo "in your face", a todo e qualquer instante, aqui há uma sutileza que o diretor passou a imprimir nos seus trabalhos ao longo dos anos.
É possível até fazer uma comparação direta com Maus Hábitos, em que esta película talvez possa ser encarada como a sua versão complementar. Há aqui a mesma crítica à Igreja, os mesmos desvios de caráter, a mesma relação com drogas, os mesmos problemas com a sexualidade... Só que, desta vez, vistos por uma perspectiva masculina, e não feminina (o que não implica em dizer que não há um toque de feminilidade aqui. Porque certamente há, como em toda obra do Almodóvar).
Má Educação, por sua vez, é uma obra muito mais bem elaborada, na qual ficção e realidade vão se confundindo a cada instante e em que é preciso estar atento aos detalhes para perceber onde cada pequena coisa se encaixa. É uma peça muito intrincada e emocionalmente complexa que explora diversas facetas do ser humano.
O ponto central, no entanto, me parece ser a questão da obsessão. De como as pessoas são capazes de fazer absolutamente tudo quando estão obcecadas por conseguir aquilo que desejam. Seja um novo filme de sucesso, uma carreira promissora como ator ou o simples desejo pelos jovens corpos que lhe são proibidos. Tudo pode ser alvo de uma obsessão maníaca que é capaz de destruir sua vida de uma hora para outra... a menos que você impeça.
E que performances fenomenais! Não há uma única interpretação que pareça forçada, por mais que os personagens sejam, cada qual à sua maneira, completamente "fora da casinha". Destacaria, inclusive, Lluis Homar, intérprete do Sr. Berenguer, que consegue humanizar um pedófilo e - pasmem - nos fazer sentir até alguma empatia pelo personagem.
O toque de feminilidade mencionado acima, inclusive, parte, curiosamente de um homem: Gael García Bernal e a sua femme fatale perfeita, sempre em sua busca obsessiva por conseguir o que quer, nem que para isto tenha de "trocar" sua sexualidade ou transformar radicalmente sua aparência. Para Juan/Ángel/Zahara, os fins justificam os meios, e Gael García Bernal conseguiu expor isto muito bem na tela.
Mais que as performances dos atores, entretanto, é preciso elogiar o trabalho do diretor, que consegue mesclar estilos tão distintos de uma forma tão absurdamente natural e fluida. E o fato de conseguir nos fazer sentir o drama de cada um desses personagens que, muitas vezes, são simplesmente odiosos à primeira vista, só revela ainda mais a sua genialidade.
Talvez o filme todo possa ser resumido por uma frase do jovem Enrique Serrano ainda em seus tempos de escola: "não creio em Deus, sou hedonista". Como hedonista, quem me dera viver de assistir sempre filmes tão prazerosos assim...
Existem animais que são noturnos por natureza. Corujas, lobos ou morcegos, por exemplo. Seres humanos, entretanto, não estão na lista. E, se não dormem à noite, é porque algo os mantêm acordados...
É isto que se passa com Susan (Amy Adams). Presa a uma vida infeliz que ela mesma escolheu, ela recebe um lembrete do passado distante. Um lembrete que, na verdade, é muito mais que um simples lembrete. Não à toa, tem inúmeras e inúmeras páginas e simplesmente consome seus dias e, principalmente, suas noites insones.
A partir daí, duas histórias correm em paralelo. E é impressionante como, mesmo quando não parece ser o caso, é possível justapor as duas. Não no sentido literal. Mas no sentido que o autor quer transmitir. E isto vale não só para Susan, mas também para nós, do lado de cá.
Afinal, o autor não quer trabalhar as aflições de uma dondoca infeliz de classe alta. Ninguém tem interesse nisto. Muito menos curadores de arte, como Susan, que sabem muito bem o que é que realmente interessa para nós, o público: o controverso, o infame, o violento...
E, em meio a tudo isto, o simples vislumbre do que poderia ter sido. E não foi. E que jamais poderá ser! Porque a água que corre embaixo da ponte já correu. Ao tentar agarrá-la com as mãos, ela apenas escoará pelos seus dedos. Nem que você só consiga perceber isto tarde demais.
É aí que reside o brilhantismo da obra. O filme discute estupendamente a questão da classe. Como isto afeta sua vida em todos os sentidos. Das expectativas que são criadas. Das expectativas que você cria para si e para os outros ao seu redor. De como isto pode construir uma vida. Ou de como pode simplesmente arruiná-la.
E, mais que tudo, como, no fim, acabamos todos reféns disto. Seja porque precisamos de segurança (e, de fato, precisamos), porque temos o nosso ego afetado pela maneira como nos tratam em virtude da nossa classe (e isto é potencialmente problemático a depender da forma como se lida, a obra fictícia dentro do filme não deixa mentir) ou simplesmente porque achamos que precisamos daquilo que achamos que queremos, mas que, no fim, não nos satisfaz. Como um jantar cinco estrelas no melhor restaurante da cidade... sem a companhia daquele que você tanto deseja.
Outro trabalho impecável deste incrível diretor (do maravilhoso Direito de Amar) que você já percebe que será visualmente arrebatador desde o primeiro momento. Performances igualmente surpreendentes de todos os envolvidos. Muito obrigado por me tornar também um animal noturno, Tom Ford.
Tem coisa mais estranha que assistir filme natalino no começo de abril? Talvez uma dramédia romântica que não oferece muitas risadas e muito menos um romance de fato. E é exatamente isto que Uma Segunda Chance para Amar apresenta.
Por trás do belíssimo papel de presente, entretanto, a história não é muito bem desenvolvida. Nem nos detalhes (uma família croata na Iugoslávia em 1999 quando o país já havia se separado há anos numa guerra que também havia acabado há alguns anos?), nem nos plots secundários (questões como imigração ou sexualidade sendo usadas como meras muletas desnecessárias do roteiro) e nem na espinha dorsal (porque o plot twist não faz sentido quando há uma cena que o desarma no começo do filme).
Há um esforço por fazer um filme legal, lógico, e a Emilia Clarke, em especial, é muito bem-sucedida em criar aquele tipo de personagem essencial em uma comédia romântica: aquela sofredora pela qual a gente torce. Longe de ser coitadinha, mas longe de ser santinha, ela é a única que tem um personagem bem desenvolvido. Outros, como as personagens da Emma Thompson ou da Michelle Yeoh, são só caricaturas.
Ainda assim, é preciso elogiar a mensagem que o filme passa: no fim das contas, somos nós os agentes da nossa própria mudança. Mesmo que ela venha carregada por fatores externos que não controlamos, somos sempre nós que precisamos levá-la adiante. Foi isso que a Kate percebeu. E é algo que muitas vezes passa longe de filmes do mesmo gênero, sempre com uma visão muito mais fantasiosa da vida.
Um outro ponto positivo é a produção. Que ambientação bem realizada! Conseguiu transformar Londres, mesmo em seus becos e vielas, num belíssimo cartão natalino. E a música é outro arraso. Conseguem encaixar muito bem as canções do George Michael em vários momentos da trama. Aliás, a letra da principal música dando um spoiler gigante desde o princípio. KKKKKK Bastava uma interpretação mais literal para perceber.
Enfim, não é de todo ruim, mas também não acho que seja particularmente memorável, ainda mais quando a virada que deveria fazer o filme acontecer já foi executada com mais maestria em outras produções. Mas quem sabe eu não darei uma segunda chance para amar este filme em breve? Nunca se sabe.
Trapaças no Horário Nobre é um filme um tanto quanto confuso. A começar pelo título traduzido, que já começa errado, uma vez que o horário nobre nos Estados Unidos termina às 23h e nenhum dos programas aqui envolvidos começava ao longo desta faixa...
Deixando esta filigrana de lado, há aqui uma busca por mostrar a maior quantidade possível de envolvidos na mudança de comando do The Tonight Show no início dos anos 90. E, para aficionados pelo tema, certamente é uma peça interessante, por mais que seja claramente datada e fruto da sua época.
Em geral, sou contra a tendência recente de estender absolutamente qualquer premissa em uma minissérie de oito episódios... mas taí um enredo que renderia uma minissérie legal. Como filme, tudo ficou muito corrido, especialmente para quem não tem nenhum background prévio sobre o tema.
Os personagens ficaram rasos e pouco desenvolvidos. Faltam nuances que os tornem minimamente críveis à luz da realidade. Longe de seres humanos plenos, parecem meras caricaturas prontas para servir a qualquer propósito que surja. E, se não houver nenhum propósito, só somem de uma para outra e têm seu desfecho contado num breve epilogo.
Ponto positivo para a caracterização, entretanto. Gostei principalmente de como o John Michael Higgins ficou parecido com o David Letterman em vídeos da época. E ele, inclusive, é o ator que desenvolve o melhor trabalho aqui, a meu ver. Consegue transpor a paixão pela franquia que pretendia herdar com o realismo de alguém que se via numa encruzilhada na vida e precisou seguir em frente.
Em geral, uma produção mediana. Interessante apenas para quem já conhece algo sobre a situação aqui retratada, diferente de um Rede de Intrigas, por exemplo, que mostra muito mais magistralmente (e num escopo muito mais amplo e, ao mesmo tempo, muito mais bem focado e trabalhado) os bastidores do mundo da televisão. Não é só no título que a peça aqui trapaceia o espectador, mas principalmente no que entrega. Eu, sinceramente, esperava um pouco mais.
Confesso que não comecei a assistir com grandes expectativas. "Aaron Sorkin de novo se metendo a lidar com bastidores da televisão? Não já vimos isto um milhão de vezes?", eu me perguntei. Mas fui positivamente surpreendido.
No fim, fui dobrado. É o que ele conhece. E, como sempre devemos escrever sobre aquilo que conhecemos, acho que ele acertou em muito do que escreveu aqui. Não fugiu aos "sorkinismos" por completo, mas também tentou evitá-los. E o filme consegue pincelar várias questões importantes que rodeiam o mundo do entretenimento (imagem, idade, estereótipos, viabilidade comercial, etc.), por mais que nunca se aprofunde em nenhuma delas.
Há algumas escolhas criticáveis, como abordar o tema 'comunismo' de maneira tão maccarthiana... Ainda mais em 2021, com este tipo de economia capitalista altamente opressiva para 99% dos habitantes do planeta? Er... Mas é algo que não compromete o todo.
E também não acho que a direção seja comprometedora. Sorkin conhece o mercado da televisão como poucos. Tanto que os insights sobre isto são os melhores momentos do filme. E uma peça muito importante, por mais que não seja necessariamente o foco central.
Nicole Kidman está estupenda! Quem criticou a decisão de escalá-la para este papel - e olha que eu também era um pouco cético, apesar de amá-la - com certeza deve ter se arrependido. Consegue inferir muito bem o drama de ter uma vida tão turbulenta em meio a tudo que acontece aqui enquanto também reencena muito habilmente cenas tão icônicas de uma sitcom tão estimada.
Quanto ao Javier Bardem, não sou tão entusiástico. Acho que se dobrou demais ao estereótipo ao longo de todo o filme, mas não achei sua performance necessariamente ruim (e nem sou lá muito entendido por conhecer pouco da vida do interpretado, a bem da verdade, só tive esta impressão).
O igualmente indicado ao Oscar J.K. Simmons também não me chamou muito a atenção. Para um ator competente como ele, o papel não representava lá nada muito desafiador. Nina Ariana me surpreendeu muito mais. Mas infelizmente a disputa estava pesada demais na sua respectiva categoria.
No fim, acho que vai ser um dos poucos filmes desta temporada que vou acabar defendendo mais que criticando nas rodinhas. Não acho que seja um dos melhores filmes que já existiu. Mas também não consigo vê-lo como absolutamente ruim nem de longe. E que bom que recebeu algum reconhecimento. Eu francamente esperava muito menos de tudo que ouvi e li antes de assistir de fato.
Se você escreve dez filmes, em todos os dez você será comparado a si mesmo. Então você vai lá e quer que todo novo filme seja tão bom quanto o seu melhor. Então você escreve dez filmes e, quando você faz isso, um deles será o seu décimo melhor, então é bom que o décimo melhor filme seja muito bom... Talvez seja o caso aqui?
Uma História Americana certamente é um filme sobre racismo. Mas, além disso, diria que é muito mais um filme sobre a história de mulheres que tentam se impor da forma como conseguem (e, por que não, sobre feminismo, por extensão?).
Pelas circunstâncias, Miriam Thompson (Sissy Spacek) e Odessa Cotter (Whoopi Goldberg) têm aqui papéis muito diferentes. Mas cada uma faz o que pode. E, se a sociedade permite que uma nunca passe de mero peão nesse jogo de xadrez, a história muda quando a rainha passa a jogar e vai ao centro do tabuleiro.
E, nem por isso, a personagem de Sissy Spacek tem aqui qualquer "síndrome de salvadora branca". É apenas uma pessoa normal. Com suas fragilidades e inconsistências, mas lutando para fazer o que pode quando percebe que não basta ser contra o racismo para combatê-lo. É preciso agir.
E, nisto, temos um filme muito bonito, ainda que um pouco esquizofrênico. A narradora é uma personagem, a vítima é outra e a heroína com a arco mais bem construído é uma terceira. A indecisão por escolher a quem deve seguir de fato o torna um pouco errático no seu foco. E a própria película parece ter consciência de de que seria muito melhor se fosse mais focada na história da Odessa e da sua família.
Mas esta era a América pós-reaganiana de 1990. E claro que um estúdio buscaria balancear a melhor forma de retratar este enredo com viabilidade comercial e no circuito de premiações. O que, no fim, talvez pelo caráter errático, acabou não se concretizando, embora o filme tenha sido bem recebido por críticos.
O caráter esquizofrênico, entretanto, não impede que algumas cenas tenham sido realmente impactantes, especialmente na última sequência. Ainda que a direção muito convencional não tenha conseguido transmitir o verdadeiro terror que deve ter sido viver uma situação como aquela, atrizes tão capazes como Whoopi e Sissy (e mesmo a jovem Lexi Randall, intérprete de Mary Catherine) conseguiram transpor a emoção necessária para aquele momento.
E pensar que não tem nem meio século que cenas como as retratadas no filme eram absurdamente reais... E, ao mesmo tempo, que apesar de supostamente termos evoluído como humanidade, de fato, ainda falta muito para chegarmos a um lugar realmente justo para todos. É a humanidade como um todo que ainda precisa fazer uma longa caminhada para chegar em casa.
Capturado entre o mundo real e o sobrenatural, Saída à Francesa é um filme com uma premissa muito interessante: o que fazer quando você perdeu tudo e não sabe como seguir em frente? Se você não sabe exatamente o que fazer, no mundo dos ricos, sempre é possível "sair à francesa" para um apartamento até modesto - mas muito bem localizado - no centro de Paris. É o que acontece com Frances (Michelle Pfeiffer) e seu filho Malcolm (Lucas Hedges) de uma hora para outra.
Uma premissa interessante, entretanto, nem sempre rende bons resultados. Até porque boa parte do que se imagina que se pode abordar por aqui é apenas deixado em segundo plano. Na tela, o que acabamos por ver é uma sucessão de acontecimentos que vai envolvendo cada vez mais personagens, a ponto de nem todos sequer caberem mais no apartamento emprestado.
No fim, nenhum deles é apropriadamente desenvolvido. Em geral, parecem apenas muletas para apontar uma ou outra nuance dos dois personagens principais. Isso quando muito. Outros são só plot devices muito evidentes que servem única e exclusivamente para garantir o seguimento do enredo. As coisas simplesmente não se conectam com um pingo de verossimilhança que seja.
E nem acho que este seja necessariamente um problema. Sabemos que trata-se de uma obra que aposta no surreal desde o que começo, afinal. O problema é que nem essa abordagem é constante. Um dos principais pontos da obra inteira, afinal, sequer é explorado por mais de uma hora de filme. O navio já tinha zarpado... E chegado ao destino! Literalmente.
Como o material, em geral, não ajuda, simplesmente não consegui gostar das performances. Lucas Hedges só aparece com a mesma cara (a mesma de todo e qualquer outro filme por ele estrelado, aliás) a todo instante. Michelle Pfeiffer, pelo contrário, veste bem a personagem (aliás, o figurino é um ponto positivo a destacar, inegável), mas não tem como salvar isso sozinha, até porque a personagem só não resvala para a caricatura completa porque ela certamente é uma atriz fenomenal. Os coadjuvantes, coitados, sequer têm tempo na tela para fazer qualquer coisa memorável.
Tem lá seus momentos, não vou mentir. A cena do fogo no restaurante provavelmente será lembrada por mim por muito tempo. Mas eu esperava bem mais do filme. É preciso primeiramente chegar para poder sair à francesa. E, pelo menos para mim, infelizmente, o filme nunca chegou a lugar algum.
Antes de tudo: eu realmente demorei vinte anos para assistir a este filme?! O tempo voa e a gente nem nota. Tantas coisas a fazer que a gente vai deixando muita coisa de lado. E fingindo que está tudo bem. Quando às vezes realmente não está... E claro que não me refiro a um filme que ficou por anos e anos a fio numa lista, mas sim aos problemas reais da vida.
Problemas como os da Lizzie (Christina Ricci). Numa época em que as doenças mentais ainda eram tratadas com um estigma muito maior que hoje, ela vive um turbilhão de mudanças na transição para a vida de jovem adulta que a levam numa espiral da morte. Até que surge uma solução, que não promete ser mágica, mas que paradoxalmente parece funcionar como magia (um feitiço da personalidade, talvez?).
E se a magia estava na pílula, não posso dizer que a encontrei na tela. Até porque, a este respeito, pra um filme que tem até o nome do remédio no título, realmente acredito que a abordagem em relação aos medicamentos antidepressivos deixou bastante a desejar. Por mais que tenham existido duas linhas de crítica em um ou outro momento, pouco se aprofundou naquilo que eu acreditava ser a linha central do roteiro.
É de se louvar, entretanto, que o filme não seja proselitista nem numa postura contrária nem numa abordagem favorável aos antidepressivos (ainda que nas entrelinhas me parece mais próximo desta segunda situação). Apenas os mostrou como parte da vida. Da mesma forma que fez com tantos outros assuntos tão caros, que por vezes são utilizados pelo shock value gratuitamente: sexo, drogas (lícitas e ilícitas), relacionamentos... Tudo isto foi tratado aqui com uma naturalidade que conseguiu dar autenticidade à trama.
Muito disto pelas performances, claro. Destacaria, inclusive, Jessica Lange, num papel que certamente é parte das especialidades dela, que sempre consegue com maestria transformar situações absurdamente histriônicas em momentos perfeitamente cabíveis na vida real. Se tem alguém que consegue transformar o over-the-top em algo natural, este alguém é ela.
Em geral, um filme satisfatório. Para um drama adolescente da época, é bem competente. Para o que eu esperava, entretanto, deixou um pouco a desejar. Parecia que o filme podia dizer um pouco mais, mas preferiu se conter. Talvez como alguém que usa Prozac? Fica a dúvida.
Muito apropriadamente intitulado, Fim de Caso trata do fim abrupto de um relacionamento extraconjugal. O mistério envolvido no término é o catalisador para uma obsessão que toma conta do protagonista e narrador, o escritor Maurice Bendrix (Ralph Fiennes) durante a maior parte da película. A obsessão o consome como uma forma de ódio.
Do outro lado do quebra-cabeça, o que consome o alvo da sua obsessão, a bela Sarah Miles (Julianne Moore), é o sentimento de culpa. E não qualquer culpa, precisamente. Mas sim aquela culpa católica. Aquela que não se vê, mas que se sente. E que só se explica pelo dogma da fé. Amarrada pela promessa e forçada pelo compromisso, ela acaba por se manter num limbo de infelicidade por todo o tempo.
A estrutura não-linear do roteiro serve bem ao propósito de apresentar os dois pontos de vista de cada um dos lados da relação, enquanto o miolo da película é precisamente o ponto em que a obsessão deixa de ser o foco e a análise da culpa toma conta da história. Cenas do primeiro ato são revisitadas e ganham todo um novo sentido, enquanto os personagens vão ganhando novas nuances com o desenrolar de cada instante.
Atuações precisas de todos os envolvidos, um roteiro sucinto e direto ao ponto (as críticas em relação à não-linearidade me parecem injustas quando o recurso foi tão bem utilizado) e uma direção firme que se complementa perfeitamente com uma produção tão elegante em todos os aspectos.
Pode não ser nenhum filme absurdamente revolucionário ou incrivelmente arrebatador, mas certamente é uma obra bastante segura e bem amarrada. E que bom que não representou nenhum "fim de caso" de nenhum dos envolvidos aqui com a indústria cinematográfica, claro! Todos ainda tinham muito mais a nos oferecer, como vimos ao longo dos anos. E esta, por mais que relativamente obscura na atualidade, é uma belíssima peça no currículo de cada um deles.
Um conceito tão promissor desperdiçado num filme sem qualquer desenvolvimento mais profundo sobre temas tão relevantes para o mundo atual. É impressionante como aqui havia uma oportunidade ímpar para se discutir sobre tudo: partindo de uma discussão sobre a irracionalidade - aparentemente racional - com que os seres humanos agem no cotidiano, passando pelo submundo da maldade, e, finalmente, chegando ao debate sobre o "valor" que as pessoas dão umas às outras unicamente pela pele que elas têm.
Ao invés de aprofundar a trama em qualquer uma dessas discussões, no entanto, o filme prefere ser uma peça excessivamente superficial. Na falta de conteúdo (um texto realmente capaz de mergulhar nessas discussões), resta apelar para o estilo. E, como experiência audiovisual, é uma obra muito interessante, a bem da verdade. Da trilha sonora muito bem colocada aos enquadramentos que conseguem contrapor o íntimo e o pessoal contra o exterior e o coletivo com bastante eficiência, o filme realmente tem todo um estilo próprio. Mas só estilo não é suficiente.
Apostar só no audiovisual e esquecer do texto prejudica completamente a mensagem que se queria transmitir. Era a ideia dos realizadores? Certamente. Mas a aposta falha, ao meu ver, ao não conseguir entregar nenhuma mensagem de fato. Era uma discussão sobre aparência, sexo, desejo, maldade, ou mesmo sobre o que há de errado com a humanidade, ou era só uma peça audiovisual alternativa para um mercado "cult"?
Não há explicação pro começo, nem desenvolvimento real dos temas que poderiam ser tão belamente abordados no meio, e o fim aberto (quando o filme agrega mais uma discussão interessantíssima - desta vez sobre abuso - que também é pouquíssimo explorada) deixa margem para muita discussão... Pena que não exatamente as discussões que poderiam ser interessantes de fato. É um filme tecnicamente bem feito, isso é inegável. Mas não é pra todo mundo (e certamente não é pra mim), infelizmente.
E, aliás, não há problema nenhum com a aposta na abstração. Obras de ficção científica como 2001: Uma Odisseia no Espaço (no qual este daqui certamente se inspirou) mostram bem isso. O problema, pelo menos na minha opinião, está em tratar um filme como uma peça de exposição. O mais irônico de tudo é que a "pele" do filme foi muito bem trabalhada, mas o que deveria estar "sob a pele" parece ter sido completamente esquecido. Uma pena.
Uma mocinha perdidinha num idílico vilarejo em busca de realizar um sonho: ter sua própria livraria. Esta é a Florence Green (Emily Mortimer), a protagonista do filme. Ainda que completamente perdida nessa jornada, em meio à maldade que ela não consegue perceber nos outros, ela é uma revolucionária sem nem saber. Daquelas que atuam em silêncio, sem fazer alarde, mas que mudam o mundo pouco a pouco.
Do outro lado, uma poderosa senhora que pretende destruir a revolução silenciosa. Não porque aquilo iria afetá-la. Mas, simplesmente, porque queria afagar o próprio ego enquanto posava de boa moça e filantropa (e tem muitos desse tipo por aí, hein?). Esta é Violet Gamart (Patricia Clarkson). Assim como Emily Mortimer é a revolucionária silenciosa, ela é a contrarrevolucionária taciturna.
No meio das duas, alguém que entende o funcionamento do "sistema". O Sr. Brundish (Bill Nighy) é o ermitão calado cheio de convicção. Ao passo em que não suporta a falta de humanidade de Violet (antes mesmo de conhecê-la em carne e osso), é inspirado a agir pela aura de esperança que Florence representa.
Há também o parasita de toda sociedade, aqui representado pela figura de Milo North (James Lance). Sempre pronto para realizar o serviço sujo de quem julga estar acima, enquanto se aproveita sem titubear de quem julga estar abaixo ou no mesmo patamar.
Por fim, também há a aprendiz de revolucionária. Christine Gipping (Honor Kneafsey) é aquela jovem que sequer gostava de ler, mas que, aos poucos, foi incendiada pela fagulha de progresso que Florence conseguiu acender nela. E, no fim, é ela quem faz a revolução, porque uma revolução nunca pode ser de fato parada quando é iniciada. Pode até ser contida e abafada, mas, cedo ou tarde, revolve.
Como filme, não me animou tanto, para falar a verdade. O roteiro não apresenta qualquer tipo de desenvolvimento para as motivações dos personagens e a obra vai do início ao fim se mantendo numa mesma linha, de forma quase completamente monótona. Como portador de uma mensagem tão importante em tempos tão obscuros, no entanto, o filme é magnífico.
O pior mesmo é perceber que, talvez, nós estejamos na era da Florence. Bem-intencionados e esperançosos, mas ainda ingênuos para lidar com as engrenaggens do sistema.
Quem pode, tenta se tornar um Sr. Brundish, se isolando para se proteger da maldade do mundo. Enquanto isto, muitos sonham em se tornar a própria Violet Gamart, para nos outros mandar, e há outros que aceitam até ser um Milo North, sujeitando-se a fazer qualquer serviço sujo para se manter no mesmo "nível". Se assim for, cabe a nós sermos as novas Florences para, ao menos, incentivar as Christines do futuro. Se agora não for a hora da revolução, o amanhã ainda pode ser. Ou, ao menos, ainda podemos tentar nos consolar pensando desta maneira...
Raras vezes um diretor já chega com tanto estilo à cena. Mas Baz Luhrmann chegou, como Vem Dançar Comigo faz questão de mostrar. Com seus cortes rápidos e cores fortes, o cineasta dá sinais claros de como seria sua filmografia dali pra frente já na sua estreia.
O roteiro não tem nada de outro mundo. É mais uma história do "rebelde sem causa" que quer mudar o mundo para satisfazer seu próprio ego. Scott Hastings (Paul Mercurio) é metade do par que desmonta todo o mundinho da dança de salão de uma hora para outra.
A outra metade é representada por Fran (Tara Morice), uma jovem que passou a vida se menosprezando - e sendo menosprezada -, mas que se dispôs a se dar uma chance nesse mesmo mundo. Ela acaba por ser a representação da velha história do "patinho feio" que se revela um belo cisne quando menos se espera.
O filme não é precisamente sobre dança de salão, por mais que todos os personagens pareçam absolutamente obcecados com aquilo. Só se fala sobre isso, todas as relações entre os personagens são pautadas nisto e a final do campeonato de dança é, aparentemente, equivalente a uma final de Copa do Mundo.
Mas, por baixo dessa farsa apresentada, há um subtexto bem claro: o sistema só pode se perpetuar se houver conivência de todos. Quando alguém se dispõe a se tornar um revolucionário (mesmo sem sequer desejar ser um, de início), todo o sistema é colocado em xeque. E fará o que for preciso para tentar se manter e aplacar a revolução.
Com tanto estilo esbanjado na tela, não é de se surpreender que o filme tenha se tornado extremamente influente. A versão original britânica da Dança dos Famosos, inclusive, referencia o filme no seu título, mesmo tendo surgido mais de dez anos depois do lançamento da película, o que só comprova a sua longevidade no imaginário popular.
O orçamento limitado, no entanto, prejudica a produção. Na maior parte do tempo, o filme não consegue transparecer a grandeza que o diretor queria dar àquele mundo na tela, algo corrigido já a partir do próximo filme (logicamente, uma produção hollywoodiana com um orçamento muito maior). O tom também é um tanto errático na tentativa de abordagem como docuficção, no início, que depois é completamente abandonada de repente.
O roteiro deixa um pouco a desejar quando os motes principais são identificados e o desenvolvimento das tramas se torna bastante previsível. E também não é possível deixar de registrar que a história da Fran parecia mais interessante (ainda que mais clichê) e poderia ter sido mais bem explorada que a do Scott. Aliás, muito desse interesse surge pela performance excepcional de Tara Morice, uma atriz extremamente carismática que conseguiu fazer uma "Betty feia", que teria tudo para ser extremamente caricata, parecer muito natural.
Por outro lado, infelizmente, a maior parte dos coadjuvantes não consegue fugir da unidimensionalidade e não fogem jamais ao óbvio que o roteirista precisava criar para avançar a trama. A música, no entanto, é outro destaque. A versão de "Time After Time" que toca no filme é simplesmente sublime. Casando perfeitamente com o casal, é o destaque em meio a outros standards tradicionais da música pop e aos ritmos que vão do samba brasileiro ao chá-chá-chá cubano.
No fim das contas, o que mais importa é a mensagem de esperança carregada no pano de fundo. Se um revolucionário improvável e uma dançarina menosprezada conseguiram colocar todo aquele mundo de cabeça para baixo, talvez a solução para o nosso próprio mundo também venha de onde menos se espera (e quando menos se espera)?
E, se não vier, pelo menos Vem Dançar Comigo serviu para alimentar essa fagulha de esperança. Até porque, se os personagens se tornaram mestres na arte do pasodoble, a nós, infelizmente, ainda falta humildade para aprender a arte de parar de "dar um passo à frente e dois para trás".
Definitivamente "não é mais um besteirol americano"... até porque é simplesmente o pior besteirol americano que já vi na vida. Pense no tipo de humor mais rasteiro que se possa imaginar, repetido em várias e várias peças diferentes, de forma pouquíssimo criativa. Pensou? Então você tem este filme em mente.
Tudo sempre girava em torno de piadas envolvendo sexo, fezes ou bullying. Apenas duas peças não giram em torno quase que exclusivamente desses assuntos (que às vezes se misturavam de forma grotesca): o vídeo dos super-heróis, que tem lá seus momentos engraçados, e outro centrado numa equipe de basquete negra, que apresenta uma crítica muito bem pensada no subtexto e tem um fim extremamente pungente.
De resto, é só recriação de humor - por várias vezes físico - envolvendo órgãos genitais, menstruação ou mesmo coprofilia (porque não há nada melhor que falar sobre sexo e fezes que falar sobre os dois juntos ao mesmo tempo, né?) ad eternum. A fórmula se esgota muito rapidamente e o filme cansa mesmo tendo apenas 98 minutos de duração.
Para o nível de alguns talentos metidos nesta bomba, tanto na frente quanto por trás das câmeras, eu esperava bem mais, mesmo sabendo que era um besteirol. Do jeito que é, no entanto, "Para Maiores" poderia muito bem se chamar "Para Completistas". Porque só mesmo sendo um "completista" que quer ver todos os filmes das carreiras de alguns dos nomes envolvidos para aguentar esse filme até o fim.
Antes da Meia-Noite
4.2 1,5K Assista AgoraComo o próprio Ethan Hawke explicou muito bem: o primeiro filme é sobre o que poderia ser, o segundo filme é sobre o que poderia ter sido (e que ainda pode ser) e este daqui é sobre o que de fato é. E, por esta abordagem, consegui gostar demais do trabalho apresentado aqui.
É impressionante como o texto sai do âmbito geral, das grandes questões da humanidade, para o âmago mais íntimo de cada um de nós num piscar de olhos e com uma naturalidade inexistente em outras obras do tipo. Assim como acontecia nos dois filmes que o antecederam.
A abordagem é tão realista que chega a assustar. Até porque, normalmente, quando outros filmes abordam as questões mais generalistas aqui tratadas, o fazem apenas para tentar garantir uma credibilidade falsa: "olha que preocupados eles são com o meio ambiente, o feminismo, a pobreza, com toda a situação do mundo!". E aqui não. Esses assuntos surgem tão bem imbricados na vida dos personagens que sentimos que realmente importam para eles. E para nós, espectadores, por extensão.
Dito isto, impossível não elogiar as performances perfeitas dos protagonistas (e também roteiristas) Ethan Hawke e Julie Delpy. Desta vez auxiliados por um elenco coadjuvante que tem ainda mais brilho e vigor e que, longe de destruírem a dinâmica entre os dois, estão lá para dar o suporte necessário.
Um final (até este momento) aberto perfeito para uma trilogia tão impactante. Quando a fantasia acaba e a realidade se estabelece, temos um retrato tão fidedigno que é impossível não conseguir se relacionar de uma maneira ou de outra.
No fim, o fato de que, mesmo muito longe da perfeição, é por esta exata doideira que nos resta aspirar é o que mais surpreende. Porque isto daqui é o mais próximo do real num mundo tão complicado... E, apesar de tudo, isto daqui continua a ser maravilhoso mesmo com todas suas imperfeições.
Rio Perdido
3.0 199 Assista AgoraCertamente dirão que isto daqui não deve ser tomado de forma literal. E não deve mesmo! Mas até para a alegoria há de se ter algum norte. E aqui não há simplesmente nenhum porque as coisas carecem completamente de qualquer sentido, por mínimo que seja.
A começar pela apresentação deste universo que é absurdamente ineficaz (e praticamente inexistente). Presumimos que aconteceu algum desastre - disfarçado como progresso - que os habitantes daquela pequena cidade não conseguiram evitar e a partir daí suas vidas entraram em espirais da morte. OK.
Mas daí temos uma mãe solteira que do nada arranja roupas elegantíssimas. Uma jovem que cuida de uma casa (bom, nem tanto) e da avó catatônica sem nenhuma renda aparente. Um gerente de banco que abre casas noturnas secretas em diversas cidades arruinadas só por hobby. Um supervilão que é um supervilão por ser um supervilão...
E lá vamos nós tentar inventar a justificativa: o filme é uma metáfora para a nossa sociedade atual. A represa é o que tentam nos vender como o futuro, mas que só nos mergulhará em tragédia e representará um retrocesso! Os vilões são o sistema que se aproveita dos pobres coitados que estão à mercê dele! A vovó representa a nostalgia que vive em cada um de nós que vivemos os bons tempos! Os heróis unidos representam o poder que temos para mudar as coisas se assim desejarmos! Pipipi. Popopó.
Francamente? O roteiro é simplesmente ruim e vai do nada a lugar nenhum. Quando é conveniente, cria as situações mais absurdas para tentar manter algum mínimo interesse. E, quando não há muito o que fazer, tira alguma coisa chocante da cartola sem qualquer propósito específico, apenas para tentar chocar de graça mesmo. E nem isso consegue. Pimenta deve ser usada nas doses certas. Se usada demais, tira todo o gosto.
Ryan Gosling, amado, amo muito seu trabalho como ator. Mas, como roteirista, não há muito o que elogiar, já que isto daqui é uma obra absurdamente confusa e desfocada. Como cineasta, por outro lado, dá até pra dizer que há algo interessante aqui, mas o filme é evidentemente um pastiche lynchniano, como certamente um milhão de pessoas já apontaram, então também não há nada a ser louvado. Resumindo: quem dera se apenas o rio estivesse perdido...
Caminho da Liberdade
3.9 405 Assista AgoraAté onde você iria para simplesmente sobreviver? Alguns teriam coragem, força e perseverança para ir até o outro lado do mundo! E é a história destas pessoas que é contada aqui, numa jornada que se estende por mais de seis mil quilômetros. Da taiga siberiana às estepes mongóis. Do Deserto de Gobi às montanhas do Himalaia. E, finalmente, a chegada à liberdade.
Visualmente, o filme reconta esta saga de forma espetacular. Cada um desses distintos mundos particulares que os envolvidos frequentam é muito bem fotografado e suas particularidades próprias são bem reproduzidas na jornada pela sobrevivência dos personagens.
Textualmente, por outro lado, o filme deixou um pouquinho a desejar. Não faz crítica profunda a regime totalitários e seus abusos como o regime de trabalhos forçados e os campos de concentração aos quais os sobreviventes foram submetidos, por exemplo, mas solta sempre uma ou outra platitude sem maior reflexão ao longo da trama. E, na falta de uma crítica sociopolítica séria, esperava que o filme se apoiasse mais na construção dos seus heróis...
Ledo engano. Nesta outra ponta, os personagens, igualmente, são pouco desenvolvidos. Sabemos uma ou outra coisa, mas nada que realmente nos faça realmente torcer por muitos deles. Mesmo o protagonista, que tem um arco mais completo, não emociona nem com o fechamento da história que dá início a tudo. Tornou-se algo corrido e simplesmente jogado ali.
Destacaria a Irena, personagem da brilhante Saoirse Ronan, não só pelo trabalho exemplar da atriz, mas por facilmente se destacar no meio dos personagens masculinos. Ainda que seja também vítima da falta de desenvolvimento mais amplo, é ela quem entrega os melhores momentos em relação à emoção que eu esperava ter sentido mais aqui.
Emoção, aliás, que muitas vezes faz falta. O filme tem 133 minutos e REALMENTE tem 133 minutos, se é que vocês me entendem. Não fosse o fato de tentar mostrar tantas culturas, seja por meio dos personagens, ou por meio das locações, teria sido extremamente maçante.
Enfim, não é um filme ruim, mas acredito que poderia ser melhor. Filmes de sobrevivência, em geral, são mais bem-sucedidos quando têm um escopo mais definido (em Vivos ou 127 Horas, por exemplo). Aqui, a grandeza da história acaba impedindo que esta qualidade salte aos nossos olhos.
Certamente é uma história complicada de filmar e esta passa longe de ser uma produção de qualidade inferior. Aliás, muito pelo contrário! Mas, pela imensidão aqui envolvida, e pelo calibre do cineasta no comando (responsável por um dos meus filmes favoritos de sempre), posso dizer que esperava algo maior. Infelizmente, no caminho da liberdade, parece que alguma coisa se perdeu.
A Lei do Desejo
3.8 317 Assista AgoraPor mais que tenhamos inúmeras leis que regulam o que devemos fazer na vida, Almodóvar explora aqui aquela lei que é fluida e decidida por cada um de nós individualmente: a lei do desejo.
É o desejo que nos governa sempre. Aquele desejo incontrolável, que nos leva a caminhos que todos dizem que não devemos percorrer: drogas, promiscuidade, ganância, ciúmes, assassinato. E, ainda assim, sempre há aquela ânsia por satisfazer aquele desejo. Alguns conseguem controlá-lo. Outros não. E assim segue a vida. Ou para de seguir.
Eu amo como o Almodóvar consegue explorar muito bem as contradições do ser humano. Especialmente aqui neste filme que é meio que mais um anúncio dos grandes trabalhos que viriam pela frente.
Aqui começamos a ter personagens mais bem desenvolvidos, com motivações e backgrounds mais claros, e o roteiro vai nos enredando numa trama que, por um momento, nos leva a crer que tudo se resolverá de uma maneira extremamente curiosa (o que não seria de todo ruim), quando de repente segue um outro caminho diverso.
Ainda que não seja dos meus favoritos, eu realmente gostei. Todos os personagens são absurdamente carismáticos e há cenas memoráveis (Carmen Maura tomando banho de mangueira na rua é a minha Marilyn Monroe tendo o vestido levantado numa calçada!) espalhadas por todo o filme.
Também é de se parabenizar o fato de um filme de 1987 protagonizado por dois personagens gays e uma trans não lidar necessariamente com o fato de eles serem quem são, mas sim pelo que fazem, como qualquer personagem deve ser.
E também o fato de que aqui há uma atriz trans que interpreta uma personagem cis e uma atriz cis que interpreta uma personagem trans, algo que seria motivo para um feroz cancelamento hoje em dia, mas que só reforça o talento das intérpretes e a coragem do cineasta em permitir que elas interpretem personagens que nunca devem ficar confinados a limites que são, pelo óbvio, limitantes. Bravo!
Por fim, é sempre bom lembrar que o Almodóvar criou o Almodoverso muito antes antes da Marvel ou da DC. E com muito mais cor, polêmica e transgressão. Bem que isto poderia ser uma lei também, né?
Roman J. Israel
3.2 209 Assista Agora"Cada um de nós é maior que o nosso próprio pecado", enuncia Roman J. Israel (Excelentíssimo, não nos esqueçamos!) logo no começo. E que profética seria essa frase para o enredo como um todo! No momento em que nos desviamos do caminho que tão arduamente perseguimos até então, a vida nos reserva reviravoltas incontroláveis. E, delas, jamais podemos escapar.
Isto não quer dizer, entretanto, que não podemos corrigir nossos erros. Mesmo aqueles que, às vistas dos outros, pareçam nem ser erros. Se todos estão errados e acham isto certo, isto não significa que tornar-se errado vá garantir que você também passe a achar aquilo correto. Foi o que Roman descobriu. E o motivo pelo qual pagou tão caro.
E, como anunciou no início, o mais importante não foi a história dele em si. Mas o que ele deixou como legado para tantas e tantas outras vidas. Se um erro cessou uma, pode ter ajudado a salvar inúmeras outras. É o que deixamos para os outros que nos torna realmente admiráveis, afinal.
Performance incrível de Denzel Washington com este personagem tão cheio de idiossincrasias muito particulares. Longe da caricatura, ele carrega o filme com louvor e nos mantém entretidos mesmo quando o enredo parece ir do nada para lugar algum.
Este, inclusive, é o principal problema. São tantas questões abordadas que não têm nenhum desenvolvimento pleno, que, mesmo em seu norte central (a questão da ética, não só profissional, como também humana), a obra se resolve apressadamente e sem grandes reflexões.
Seria interessante ver mais das injustiças do sistema legal corrente, caso o filme optasse por focar em seu lado mais amplo, ou algum desdobramento maior para o relacionamento do personagem com a Maya (personagem da Carmen Ejogo), caso se aprofundasse ainda mais no estudo do protagonista. No entanto, optar pelo meio do caminho nos deixa pensando no "e se".
Enfim, não é nem de longe tão bom quanto O Abutre, filme anterior do mesmo cineasta, mas não é uma peça a se jogar fora. Lida com questões interessantes e tem uma performance espetacular para amarrar o nosso interesse. Talvez o que tenha faltado seja um pouquinho mais de visceralidade para lidar com as questões aqui envolvidas. Mas, talvez, se assim fosse, esta não seria uma obra sobre um ser humano excelentíssimo, não é mesmo?
Gloria Bell
3.4 121 Assista AgoraQuem pensa que a vida de uma mulher divorciada de classe média com uns cinquenta e poucos anos é um tédio com certeza não conhece Gloria Bell. Neste filme slice-of-life, nossa protagonista, interpretada pela belíssima Julianne Moore, nos mostra que o nada pode representar o tudo, assim como o tudo pode representar o nada. E absolutamente tudo mudar de uma hora para outra.
Mas, nem por isto, tais mudanças acontecem de forma mecânica e robotizada. Como na vida, as coisas aqui vão seguindo um curso natural que colabora para dar autenticidade à narrativa. Como os personagens fazem questão de frisar algumas vezes: "podemos não estar vivos amanhã" e, por isto, é importante não perder tempo com aquilo que não vale a pena e seguir em frente. A dor, afinal, também pode ser libertadora. E são as pequenas decisões que tomamos que escrevem os nossos roteiros.
Por outro lado, a falta de profundidade nas temáticas abordadas (e também no desenvolvimento do personagem do John Turturro, que é o único coadjuvante com uma trama própria relevante), entretanto, me desagradou um pouco. Tem tanta coisa que é apenas jogada de qualquer forma no enredo que o filme acaba adquirindo um aspecto um tanto quanto aleatório. Isto, entretanto, não é de todo ruim, porque a vida é assim mesmo. Randômica e sempre pronta para preparar uma nova surpresa.
Julianne Moore, como sempre, está divina. Consegue prender a nossa atenção mesmo nas cenas mais entediantes e segue nos levando até o fim dessa história (que é, certamente, um dos momentos mais memoráveis do filme). A cena final, inclusive, é provavelmente uma das melhores cenas da carreira dela. E, nisto tudo, é ajudada por um ótimo elenco secundário de peso, mesmo que com papéis que, na imensa maioria, não passam de pequenas pontas.
Enfim, pode não ser para todo mundo, mas é um filme que vale a pena. Assim como a Gloria Bell, acho que a lição que fica para nós todos é que nós temos de nos "jogar" mais na vida. Como diria a filósofa contemporânea P!nk, "se Deus é um DJ e a vida é uma pista de dança", a única coisa que nos resta fazer é dançar. E que bom que a Gloria sacou isso... Ao som da maravilhosa "Gloria" da Laura Branigan, não menos!
Anna Karenina
3.7 1,2K Assista AgoraSe aquela fatídica morte jamais tivesse acontecido naqueles malditos trilhos, ao menos mais uma vida seria poupada. Mas, quem poderia imaginar que um simples encontro fortuito e uma boa ação para tentar impressionar causariam todo esse rebuliço na vida de todas aquelas pessoas?
Anna e os Alexeis, bem como absolutamente todos que os rodeiam, vão viver toda uma tormenta nas suas vidas por causa destes curtos instantes. Mas só uma pessoa estará no olho do furacão de fato: a protagonista Anna Karenina.
E, para contar este caso gerado pelo acaso, temos aqui uma obra absurdamente bela no aspecto visual. Não dá pra dizer que temos aqui um filme convencional. A tentativa de recriar uma peça de teatro, em que as coisas entram e saem de cena de uma forma nada comum é simplesmente marcante.
Para além disto, o próprio Tolstói via o teatro como o ápice da hipocrisia da sociedade, o que colabora muito para dar um tom subversivo à peça. Como no teatro, os personagens não podem jamais perder a linha. E, quando perdem, é hora de serem tirados de cena, Esta ironia subjacente é sensacional.
Não se pode dizer, entretanto, que a construção tal como foi feita ajude a compor a história. Afinal, temos aqui uma tragédia que toca em um sem fim de problemas sociais, não só da Rússia czarista, mas também da nossa própria sociedade moderna. Tal construção, no fim, acaba por desviar o foco do texto com a intenção de tornar a peça visualmente impecável... Mas não é exatamente isto que a história pede.
E, no fim, muito do que se é dito no texto acaba sendo perdido. Talvez levado por um contrarregra disfarçado de ator antes da hora? Ou talvez nunca tenha sequer saído da boca dos atores que precisavam ficar estáticos para dar literalidade ao isolamento que Anna sofreu?
Consigo apreciar demais a tentativa de fazer um filme tão visualmente deslumbrante deste jeito. Mas simplesmente não ressoou lá dentro. São infindáveis imagens maravilhosas, inúmeros movimentos perfeitamente sincronizados, tantos figurinos belíssimos e uma construção tão criativa que, no fim, acaba por se esquecer da base que nos impacta: o texto. Uma obra tão profunda acabou por parecer imensamente superficial.
No fim, tudo pareceu ser muito mais um truque que se estendeu por duas horas. E a desvantagem de uma peça é que, ao contrário de um filme, tudo fica ainda mais perceptível para o público. Talvez haja uma obra-prima aqui que eu não consegui perceber à primeira vista? É possível. Talvez eu só tenha perdido o trem. E talvez seja por isto que estou aqui escrevendo tudo isto... Também é possível.
Uma Rua Chamada Pecado
4.3 454 Assista AgoraÉ sempre maravilhoso quando algo que muito claramente é uma metáfora se apresenta de forma literal numa obra. Aqui, curiosamente, a personagem pega "um bonde chamado desejo" para ir de encontro ao seu destino. Mas o filme não se trata do bondinho em si, muito obviamente, mas sim de como os desejos guiam os nossos caminhos.
Para uns, é o desejo de ter uma vida maravilhosa, recheada de cruzeiros e viagens, belas roupas e caros acessórios e uma mansão que é da sua família há gerações. Para outros, o desejo de ser respeitado a qualquer custo em toda e absolutamente qualquer situação. E, para os demais, o desejo de apenas agradarem àqueles que os circundam, seja sendo uma excelente esposa ou irmã ou atendendo ao último desejo de uma mãe cuja vida está prestes a se acabar. Todos cedemos aos nossos desejos.
E os caminhos que eles nos levam a tomar são capazes de tudo. Capazes de nos fazer brigar. Capazes de nos fazer fantasiar. Capazes de nos fazer mentir. Capaz de nos fazer enlouquecer, por fim.
E, no centro do furacão, está o ponto central que é sempre intransponível para aqueles que desejam. Nunca será possível mudar nossa origem. Nossa idade. Nossa aparência. Nossa história. Nossa reputação. Por mais que tentemos esconder nosso passado no presente, ele sempre virá à tona. E isto pode aniquilar nossa capacidade de atender aos nossos desejos de uma hora para outra.
Uma obra extremamente complexa que trata de tanta coisa ao mesmo tempo e que nos deixa com mais dúvidas que respostas com sua constante disputa entre o moderno e o tradicional, o novo e o velho, o querer e o poder. E uma adaptação muito bem-sucedida ao utilizar recursos que só cabem no cinema, especialmente a iluminação e cortes muito específicos.
Não é à toa que é influência para outros filmes que, em geral, são tão bons quanto, como Blue Jasmine. A história pode ser um pouquinho melodramática? Talvez. Mas é tão bem executada e interessante que é impossível tirar os olhos da tela e não seguir a vida destes personagens até o desfecho. No fim das contas, se a rua se chamava pecado (uma tradução até apropriada, especialmente à luz da época, em que todos os personagens seriam vistos como "pecadores"), pecado ainda maior seria não dar cinco estrelas para este clássico atemporal.
Sonhos de uma Vida
2.8 39 Assista AgoraPara começo de conversa, o título em português dá a entender que o filme é exatamente aquilo que não é: em vez de uma reflexão sobre os "sonhos de uma vida" inteira, há aqui uma amostra do que poderia ter sido feito numa vida, em todos os seus muitos caminhos que não foram percorridos, como bem aponta o título original.
Deixando esta filigrana de lado, é preciso lembrar que nunca é fácil retratar uma doença mental na tela. Há sempre o perigo de se exagerar na dose. Geralmente isto acontece na performance, entretanto. Aqui, por sua vez, isto ocorre no próprio material. A tentativa de mostrar um dia na vida de quem vive com demência cria uma trama excessivamente desfocada nas suas infindáveis idas e vindas. Longo do melodrama exagerado mais rotineiro, mas muito imbuída de desordem e confusão.
O elenco todo (mas especialmente a jovem Elle Fanning, maravilhosa) é simplesmente brilhante e entrega performances espetaculares. Mas o roteiro simplesmente não é bom o suficiente. Há uma ou outra cena mais impactantes mas, assim como na mente do personagem, elas se perdem num mar confuso em que muito acontece, mas nada parece se firmar. Como se estivéssemos à deriva num pequeno barquinho ou numa caçamba de uma caminhonete seguindo sem rumo definido tal como o personagem principal.
Este filme pode ser comparado diretamente com Meu Pai, por exemplo, que trata do mesmo problema, mas com muito mais sucesso. Ali, as coisas vão se encaixando perfeitamente. O real e o imaginário se tocam com muito mais vigor e foco. Aqui, por mais que haja momentos interessantes, a narrativa praticamente inexistente cria uma peça completamente espalhada que nunca atinge o ponto certo para nos emocionar de fato.
No fim, o filme acaba por ser simplesmente entediante, mesmo durando apenas uma hora e vinte minutos, mais ou menos. É muito difícil, aqui, se colocar no lugar do personagem e sentir o verdadeiro horror que deve ser viver tudo aquilo. Mas o filme não é um desastre completo porque as performances são absurdamente competentes. Tanto que eu jamais poderia dizer, no fim das contas, que este filme é um caminho que eles não deveriam ter escolhido.
Carne Trêmula
4.0 585É simplesmente impressionante como às vezes estamos no lugar errado e na hora errada. Mais impressionante ainda é como há momentos em que queremos deliberadamente estar no lugar errado na hora errada. E, muito mais impressionante ainda, é saber que é possível transformar estas circunstâncias imperfeitas no lugar certo e na hora certa quando queremos.
Foi exatamente isto que aconteceu na vida de todos os personagens aqui, mas principalmente da dupla Victor (Liberto Rabal) e David (Javier Bardem). Ambos são mocinhos e vilões (como qualquer ser humano), não apenas das próprias vidas, mas também da vida daqueles que estão no seu entorno. Tudo depende da forma como se posicionam perante os acontecimentos.
Se, num primeiro momento, é David quem parece dar a volta por cima, toda essa história nos faz ver que a vida é mesmo uma montanha-russa, cheia de altos e baixos, guardando grandes surpresas mesmo para aquele a quem normalmente se destinariam apenas os piores desejos (e, por consequência, destinos), o jovem Victor.
Por mais que o roteiro force bastante na suspensão de descrença em algumas situações, boa parte das coisas acaba sendo bem crível. E é impressionante como os detalhes constroem o todo. Teria Victor encontrado Elena se não tivesse recebido o vale-transporte vitalício que o permitia rodar pela cidade a seu bel-prazer? Teria Elena deixado Victor entrar no seu apartamento daquela forma se não fosse ela uma viciada? E se David e Sancho não estivessem fazendo a ronda naquela exata área da cidade naquela precisa noite? São todos os pequenos detalhes que moldam vidas inteiras.
Inicialmente, imaginava que se trataria de uma jornada de vingança. Mas, pelo contrário, há aqui uma história de redenção. E redenção em inúmeras formas, porque não é um processo que ocorre apenas com o protagonista, mas sim com praticamente todos os personagens de uma forma ou de outra.
Ainda que o prólogo e o epílogo, que colocam pela primeira vez (creio) um contexto político numa trama do Almodóvar (algo também explorando no recente Mães Paralelas, por exemplo) se percam no resto do texto, isto pouco desabona a peça no geral. O que mais prejudica, a meu ver, é a falta de um maior desenvolvimento da Elena (Francesca Neri), que poderia ser uma personagem melhor explorada em suas motivações.
O principal, no entanto, é que o desenrolar das coisas acontece de uma forma folhetinesca, mas ao mesmo tempo sublime. Talvez até de forma um pouco mecânica (em que é possível supor algumas coisas deste o início), mas ainda assim visceral. Vingança e culpa se misturam de forma a construir a tragédia não apenas uma, mas duas vezes, das formas que menos esperamos...
Não é à toa que este filme é, por vezes, cultuado como o início da melhor fase do Almodóvar. Não é só a carne que é trêmula. Igualmente trêmula é a nossa reação quando a magia do cinema se mostra de forma tão escancarada na nossa frente.
Má Educação
4.2 1,1K Assista AgoraMais do que simplesmente mal-educados, aqui há todo um universo em que absolutamente nenhum personagem presta, quase que num retorno às obras iniciais do Almodóvar. Mas, ao contrário do que acontecia em seus primeiros trabalhos, que eram absolutamente extravagantes (ainda que em sua versão low-budget) e ultrajantes, no melhor estilo "in your face", a todo e qualquer instante, aqui há uma sutileza que o diretor passou a imprimir nos seus trabalhos ao longo dos anos.
É possível até fazer uma comparação direta com Maus Hábitos, em que esta película talvez possa ser encarada como a sua versão complementar. Há aqui a mesma crítica à Igreja, os mesmos desvios de caráter, a mesma relação com drogas, os mesmos problemas com a sexualidade... Só que, desta vez, vistos por uma perspectiva masculina, e não feminina (o que não implica em dizer que não há um toque de feminilidade aqui. Porque certamente há, como em toda obra do Almodóvar).
Má Educação, por sua vez, é uma obra muito mais bem elaborada, na qual ficção e realidade vão se confundindo a cada instante e em que é preciso estar atento aos detalhes para perceber onde cada pequena coisa se encaixa. É uma peça muito intrincada e emocionalmente complexa que explora diversas facetas do ser humano.
O ponto central, no entanto, me parece ser a questão da obsessão. De como as pessoas são capazes de fazer absolutamente tudo quando estão obcecadas por conseguir aquilo que desejam. Seja um novo filme de sucesso, uma carreira promissora como ator ou o simples desejo pelos jovens corpos que lhe são proibidos. Tudo pode ser alvo de uma obsessão maníaca que é capaz de destruir sua vida de uma hora para outra... a menos que você impeça.
E que performances fenomenais! Não há uma única interpretação que pareça forçada, por mais que os personagens sejam, cada qual à sua maneira, completamente "fora da casinha". Destacaria, inclusive, Lluis Homar, intérprete do Sr. Berenguer, que consegue humanizar um pedófilo e - pasmem - nos fazer sentir até alguma empatia pelo personagem.
O toque de feminilidade mencionado acima, inclusive, parte, curiosamente de um homem: Gael García Bernal e a sua femme fatale perfeita, sempre em sua busca obsessiva por conseguir o que quer, nem que para isto tenha de "trocar" sua sexualidade ou transformar radicalmente sua aparência. Para Juan/Ángel/Zahara, os fins justificam os meios, e Gael García Bernal conseguiu expor isto muito bem na tela.
Mais que as performances dos atores, entretanto, é preciso elogiar o trabalho do diretor, que consegue mesclar estilos tão distintos de uma forma tão absurdamente natural e fluida. E o fato de conseguir nos fazer sentir o drama de cada um desses personagens que, muitas vezes, são simplesmente odiosos à primeira vista, só revela ainda mais a sua genialidade.
Talvez o filme todo possa ser resumido por uma frase do jovem Enrique Serrano ainda em seus tempos de escola: "não creio em Deus, sou hedonista". Como hedonista, quem me dera viver de assistir sempre filmes tão prazerosos assim...
Animais Noturnos
4.0 2,2K Assista AgoraExistem animais que são noturnos por natureza. Corujas, lobos ou morcegos, por exemplo. Seres humanos, entretanto, não estão na lista. E, se não dormem à noite, é porque algo os mantêm acordados...
É isto que se passa com Susan (Amy Adams). Presa a uma vida infeliz que ela mesma escolheu, ela recebe um lembrete do passado distante. Um lembrete que, na verdade, é muito mais que um simples lembrete. Não à toa, tem inúmeras e inúmeras páginas e simplesmente consome seus dias e, principalmente, suas noites insones.
A partir daí, duas histórias correm em paralelo. E é impressionante como, mesmo quando não parece ser o caso, é possível justapor as duas. Não no sentido literal. Mas no sentido que o autor quer transmitir. E isto vale não só para Susan, mas também para nós, do lado de cá.
Afinal, o autor não quer trabalhar as aflições de uma dondoca infeliz de classe alta. Ninguém tem interesse nisto. Muito menos curadores de arte, como Susan, que sabem muito bem o que é que realmente interessa para nós, o público: o controverso, o infame, o violento...
E, em meio a tudo isto, o simples vislumbre do que poderia ter sido. E não foi. E que jamais poderá ser! Porque a água que corre embaixo da ponte já correu. Ao tentar agarrá-la com as mãos, ela apenas escoará pelos seus dedos. Nem que você só consiga perceber isto tarde demais.
É aí que reside o brilhantismo da obra. O filme discute estupendamente a questão da classe. Como isto afeta sua vida em todos os sentidos. Das expectativas que são criadas. Das expectativas que você cria para si e para os outros ao seu redor. De como isto pode construir uma vida. Ou de como pode simplesmente arruiná-la.
E, mais que tudo, como, no fim, acabamos todos reféns disto. Seja porque precisamos de segurança (e, de fato, precisamos), porque temos o nosso ego afetado pela maneira como nos tratam em virtude da nossa classe (e isto é potencialmente problemático a depender da forma como se lida, a obra fictícia dentro do filme não deixa mentir) ou simplesmente porque achamos que precisamos daquilo que achamos que queremos, mas que, no fim, não nos satisfaz. Como um jantar cinco estrelas no melhor restaurante da cidade... sem a companhia daquele que você tanto deseja.
Outro trabalho impecável deste incrível diretor (do maravilhoso Direito de Amar) que você já percebe que será visualmente arrebatador desde o primeiro momento. Performances igualmente surpreendentes de todos os envolvidos. Muito obrigado por me tornar também um animal noturno, Tom Ford.
E com direito ao primeiro jump scare a me assustar em anos! hahaha
Uma Segunda Chance para Amar
3.5 477 Assista AgoraTem coisa mais estranha que assistir filme natalino no começo de abril? Talvez uma dramédia romântica que não oferece muitas risadas e muito menos um romance de fato. E é exatamente isto que Uma Segunda Chance para Amar apresenta.
Por trás do belíssimo papel de presente, entretanto, a história não é muito bem desenvolvida. Nem nos detalhes (uma família croata na Iugoslávia em 1999 quando o país já havia se separado há anos numa guerra que também havia acabado há alguns anos?), nem nos plots secundários (questões como imigração ou sexualidade sendo usadas como meras muletas desnecessárias do roteiro) e nem na espinha dorsal (porque o plot twist não faz sentido quando há uma cena que o desarma no começo do filme).
Há um esforço por fazer um filme legal, lógico, e a Emilia Clarke, em especial, é muito bem-sucedida em criar aquele tipo de personagem essencial em uma comédia romântica: aquela sofredora pela qual a gente torce. Longe de ser coitadinha, mas longe de ser santinha, ela é a única que tem um personagem bem desenvolvido. Outros, como as personagens da Emma Thompson ou da Michelle Yeoh, são só caricaturas.
Ainda assim, é preciso elogiar a mensagem que o filme passa: no fim das contas, somos nós os agentes da nossa própria mudança. Mesmo que ela venha carregada por fatores externos que não controlamos, somos sempre nós que precisamos levá-la adiante. Foi isso que a Kate percebeu. E é algo que muitas vezes passa longe de filmes do mesmo gênero, sempre com uma visão muito mais fantasiosa da vida.
Um outro ponto positivo é a produção. Que ambientação bem realizada! Conseguiu transformar Londres, mesmo em seus becos e vielas, num belíssimo cartão natalino. E a música é outro arraso. Conseguem encaixar muito bem as canções do George Michael em vários momentos da trama. Aliás, a letra da principal música dando um spoiler gigante desde o princípio. KKKKKK Bastava uma interpretação mais literal para perceber.
Enfim, não é de todo ruim, mas também não acho que seja particularmente memorável, ainda mais quando a virada que deveria fazer o filme acontecer já foi executada com mais maestria em outras produções. Mas quem sabe eu não darei uma segunda chance para amar este filme em breve? Nunca se sabe.
Trapaças no Horário Nobre
2.9 9 Assista AgoraTrapaças no Horário Nobre é um filme um tanto quanto confuso. A começar pelo título traduzido, que já começa errado, uma vez que o horário nobre nos Estados Unidos termina às 23h e nenhum dos programas aqui envolvidos começava ao longo desta faixa...
Deixando esta filigrana de lado, há aqui uma busca por mostrar a maior quantidade possível de envolvidos na mudança de comando do The Tonight Show no início dos anos 90. E, para aficionados pelo tema, certamente é uma peça interessante, por mais que seja claramente datada e fruto da sua época.
Em geral, sou contra a tendência recente de estender absolutamente qualquer premissa em uma minissérie de oito episódios... mas taí um enredo que renderia uma minissérie legal. Como filme, tudo ficou muito corrido, especialmente para quem não tem nenhum background prévio sobre o tema.
Os personagens ficaram rasos e pouco desenvolvidos. Faltam nuances que os tornem minimamente críveis à luz da realidade. Longe de seres humanos plenos, parecem meras caricaturas prontas para servir a qualquer propósito que surja. E, se não houver nenhum propósito, só somem de uma para outra e têm seu desfecho contado num breve epilogo.
Ponto positivo para a caracterização, entretanto. Gostei principalmente de como o John Michael Higgins ficou parecido com o David Letterman em vídeos da época. E ele, inclusive, é o ator que desenvolve o melhor trabalho aqui, a meu ver. Consegue transpor a paixão pela franquia que pretendia herdar com o realismo de alguém que se via numa encruzilhada na vida e precisou seguir em frente.
Em geral, uma produção mediana. Interessante apenas para quem já conhece algo sobre a situação aqui retratada, diferente de um Rede de Intrigas, por exemplo, que mostra muito mais magistralmente (e num escopo muito mais amplo e, ao mesmo tempo, muito mais bem focado e trabalhado) os bastidores do mundo da televisão. Não é só no título que a peça aqui trapaceia o espectador, mas principalmente no que entrega. Eu, sinceramente, esperava um pouco mais.
30 Minutos ou Menos
3.0 539 Assista AgoraUma bomba que poderia ser um pouco melhor se durasse 30 minutos ou menos. 🤡
Apresentando os Ricardos
3.2 179Confesso que não comecei a assistir com grandes expectativas. "Aaron Sorkin de novo se metendo a lidar com bastidores da televisão? Não já vimos isto um milhão de vezes?", eu me perguntei. Mas fui positivamente surpreendido.
No fim, fui dobrado. É o que ele conhece. E, como sempre devemos escrever sobre aquilo que conhecemos, acho que ele acertou em muito do que escreveu aqui. Não fugiu aos "sorkinismos" por completo, mas também tentou evitá-los. E o filme consegue pincelar várias questões importantes que rodeiam o mundo do entretenimento (imagem, idade, estereótipos, viabilidade comercial, etc.), por mais que nunca se aprofunde em nenhuma delas.
Há algumas escolhas criticáveis, como abordar o tema 'comunismo' de maneira tão maccarthiana... Ainda mais em 2021, com este tipo de economia capitalista altamente opressiva para 99% dos habitantes do planeta? Er... Mas é algo que não compromete o todo.
E também não acho que a direção seja comprometedora. Sorkin conhece o mercado da televisão como poucos. Tanto que os insights sobre isto são os melhores momentos do filme. E uma peça muito importante, por mais que não seja necessariamente o foco central.
Nicole Kidman está estupenda! Quem criticou a decisão de escalá-la para este papel - e olha que eu também era um pouco cético, apesar de amá-la - com certeza deve ter se arrependido. Consegue inferir muito bem o drama de ter uma vida tão turbulenta em meio a tudo que acontece aqui enquanto também reencena muito habilmente cenas tão icônicas de uma sitcom tão estimada.
Quanto ao Javier Bardem, não sou tão entusiástico. Acho que se dobrou demais ao estereótipo ao longo de todo o filme, mas não achei sua performance necessariamente ruim (e nem sou lá muito entendido por conhecer pouco da vida do interpretado, a bem da verdade, só tive esta impressão).
O igualmente indicado ao Oscar J.K. Simmons também não me chamou muito a atenção. Para um ator competente como ele, o papel não representava lá nada muito desafiador. Nina Ariana me surpreendeu muito mais. Mas infelizmente a disputa estava pesada demais na sua respectiva categoria.
No fim, acho que vai ser um dos poucos filmes desta temporada que vou acabar defendendo mais que criticando nas rodinhas. Não acho que seja um dos melhores filmes que já existiu. Mas também não consigo vê-lo como absolutamente ruim nem de longe. E que bom que recebeu algum reconhecimento. Eu francamente esperava muito menos de tudo que ouvi e li antes de assistir de fato.
Se você escreve dez filmes, em todos os dez você será comparado a si mesmo. Então você vai lá e quer que todo novo filme seja tão bom quanto o seu melhor. Então você escreve dez filmes e, quando você faz isso, um deles será o seu décimo melhor, então é bom que o décimo melhor filme seja muito bom... Talvez seja o caso aqui?
Uma História Americana
3.8 63 Assista AgoraUma História Americana certamente é um filme sobre racismo. Mas, além disso, diria que é muito mais um filme sobre a história de mulheres que tentam se impor da forma como conseguem (e, por que não, sobre feminismo, por extensão?).
Pelas circunstâncias, Miriam Thompson (Sissy Spacek) e Odessa Cotter (Whoopi Goldberg) têm aqui papéis muito diferentes. Mas cada uma faz o que pode. E, se a sociedade permite que uma nunca passe de mero peão nesse jogo de xadrez, a história muda quando a rainha passa a jogar e vai ao centro do tabuleiro.
E, nem por isso, a personagem de Sissy Spacek tem aqui qualquer "síndrome de salvadora branca". É apenas uma pessoa normal. Com suas fragilidades e inconsistências, mas lutando para fazer o que pode quando percebe que não basta ser contra o racismo para combatê-lo. É preciso agir.
E, nisto, temos um filme muito bonito, ainda que um pouco esquizofrênico. A narradora é uma personagem, a vítima é outra e a heroína com a arco mais bem construído é uma terceira. A indecisão por escolher a quem deve seguir de fato o torna um pouco errático no seu foco. E a própria película parece ter consciência de de que seria muito melhor se fosse mais focada na história da Odessa e da sua família.
Mas esta era a América pós-reaganiana de 1990. E claro que um estúdio buscaria balancear a melhor forma de retratar este enredo com viabilidade comercial e no circuito de premiações. O que, no fim, talvez pelo caráter errático, acabou não se concretizando, embora o filme tenha sido bem recebido por críticos.
O caráter esquizofrênico, entretanto, não impede que algumas cenas tenham sido realmente impactantes, especialmente na última sequência. Ainda que a direção muito convencional não tenha conseguido transmitir o verdadeiro terror que deve ter sido viver uma situação como aquela, atrizes tão capazes como Whoopi e Sissy (e mesmo a jovem Lexi Randall, intérprete de Mary Catherine) conseguiram transpor a emoção necessária para aquele momento.
E pensar que não tem nem meio século que cenas como as retratadas no filme eram absurdamente reais... E, ao mesmo tempo, que apesar de supostamente termos evoluído como humanidade, de fato, ainda falta muito para chegarmos a um lugar realmente justo para todos. É a humanidade como um todo que ainda precisa fazer uma longa caminhada para chegar em casa.
Saída à Francesa
2.9 42 Assista AgoraCapturado entre o mundo real e o sobrenatural, Saída à Francesa é um filme com uma premissa muito interessante: o que fazer quando você perdeu tudo e não sabe como seguir em frente? Se você não sabe exatamente o que fazer, no mundo dos ricos, sempre é possível "sair à francesa" para um apartamento até modesto - mas muito bem localizado - no centro de Paris. É o que acontece com Frances (Michelle Pfeiffer) e seu filho Malcolm (Lucas Hedges) de uma hora para outra.
Uma premissa interessante, entretanto, nem sempre rende bons resultados. Até porque boa parte do que se imagina que se pode abordar por aqui é apenas deixado em segundo plano. Na tela, o que acabamos por ver é uma sucessão de acontecimentos que vai envolvendo cada vez mais personagens, a ponto de nem todos sequer caberem mais no apartamento emprestado.
No fim, nenhum deles é apropriadamente desenvolvido. Em geral, parecem apenas muletas para apontar uma ou outra nuance dos dois personagens principais. Isso quando muito. Outros são só plot devices muito evidentes que servem única e exclusivamente para garantir o seguimento do enredo. As coisas simplesmente não se conectam com um pingo de verossimilhança que seja.
E nem acho que este seja necessariamente um problema. Sabemos que trata-se de uma obra que aposta no surreal desde o que começo, afinal. O problema é que nem essa abordagem é constante. Um dos principais pontos da obra inteira, afinal, sequer é explorado por mais de uma hora de filme. O navio já tinha zarpado... E chegado ao destino! Literalmente.
Como o material, em geral, não ajuda, simplesmente não consegui gostar das performances. Lucas Hedges só aparece com a mesma cara (a mesma de todo e qualquer outro filme por ele estrelado, aliás) a todo instante. Michelle Pfeiffer, pelo contrário, veste bem a personagem (aliás, o figurino é um ponto positivo a destacar, inegável), mas não tem como salvar isso sozinha, até porque a personagem só não resvala para a caricatura completa porque ela certamente é uma atriz fenomenal. Os coadjuvantes, coitados, sequer têm tempo na tela para fazer qualquer coisa memorável.
Tem lá seus momentos, não vou mentir. A cena do fogo no restaurante provavelmente será lembrada por mim por muito tempo. Mas eu esperava bem mais do filme. É preciso primeiramente chegar para poder sair à francesa. E, pelo menos para mim, infelizmente, o filme nunca chegou a lugar algum.
Geração Prozac
3.6 465Antes de tudo: eu realmente demorei vinte anos para assistir a este filme?! O tempo voa e a gente nem nota. Tantas coisas a fazer que a gente vai deixando muita coisa de lado. E fingindo que está tudo bem. Quando às vezes realmente não está... E claro que não me refiro a um filme que ficou por anos e anos a fio numa lista, mas sim aos problemas reais da vida.
Problemas como os da Lizzie (Christina Ricci). Numa época em que as doenças mentais ainda eram tratadas com um estigma muito maior que hoje, ela vive um turbilhão de mudanças na transição para a vida de jovem adulta que a levam numa espiral da morte. Até que surge uma solução, que não promete ser mágica, mas que paradoxalmente parece funcionar como magia (um feitiço da personalidade, talvez?).
E se a magia estava na pílula, não posso dizer que a encontrei na tela. Até porque, a este respeito, pra um filme que tem até o nome do remédio no título, realmente acredito que a abordagem em relação aos medicamentos antidepressivos deixou bastante a desejar. Por mais que tenham existido duas linhas de crítica em um ou outro momento, pouco se aprofundou naquilo que eu acreditava ser a linha central do roteiro.
É de se louvar, entretanto, que o filme não seja proselitista nem numa postura contrária nem numa abordagem favorável aos antidepressivos (ainda que nas entrelinhas me parece mais próximo desta segunda situação). Apenas os mostrou como parte da vida. Da mesma forma que fez com tantos outros assuntos tão caros, que por vezes são utilizados pelo shock value gratuitamente: sexo, drogas (lícitas e ilícitas), relacionamentos... Tudo isto foi tratado aqui com uma naturalidade que conseguiu dar autenticidade à trama.
Muito disto pelas performances, claro. Destacaria, inclusive, Jessica Lange, num papel que certamente é parte das especialidades dela, que sempre consegue com maestria transformar situações absurdamente histriônicas em momentos perfeitamente cabíveis na vida real. Se tem alguém que consegue transformar o over-the-top em algo natural, este alguém é ela.
Em geral, um filme satisfatório. Para um drama adolescente da época, é bem competente. Para o que eu esperava, entretanto, deixou um pouco a desejar. Parecia que o filme podia dizer um pouco mais, mas preferiu se conter. Talvez como alguém que usa Prozac? Fica a dúvida.
Fim de Caso
3.8 112 Assista AgoraMuito apropriadamente intitulado, Fim de Caso trata do fim abrupto de um relacionamento extraconjugal. O mistério envolvido no término é o catalisador para uma obsessão que toma conta do protagonista e narrador, o escritor Maurice Bendrix (Ralph Fiennes) durante a maior parte da película. A obsessão o consome como uma forma de ódio.
Do outro lado do quebra-cabeça, o que consome o alvo da sua obsessão, a bela Sarah Miles (Julianne Moore), é o sentimento de culpa. E não qualquer culpa, precisamente. Mas sim aquela culpa católica. Aquela que não se vê, mas que se sente. E que só se explica pelo dogma da fé. Amarrada pela promessa e forçada pelo compromisso, ela acaba por se manter num limbo de infelicidade por todo o tempo.
A estrutura não-linear do roteiro serve bem ao propósito de apresentar os dois pontos de vista de cada um dos lados da relação, enquanto o miolo da película é precisamente o ponto em que a obsessão deixa de ser o foco e a análise da culpa toma conta da história. Cenas do primeiro ato são revisitadas e ganham todo um novo sentido, enquanto os personagens vão ganhando novas nuances com o desenrolar de cada instante.
Atuações precisas de todos os envolvidos, um roteiro sucinto e direto ao ponto (as críticas em relação à não-linearidade me parecem injustas quando o recurso foi tão bem utilizado) e uma direção firme que se complementa perfeitamente com uma produção tão elegante em todos os aspectos.
Pode não ser nenhum filme absurdamente revolucionário ou incrivelmente arrebatador, mas certamente é uma obra bastante segura e bem amarrada. E que bom que não representou nenhum "fim de caso" de nenhum dos envolvidos aqui com a indústria cinematográfica, claro! Todos ainda tinham muito mais a nos oferecer, como vimos ao longo dos anos. E esta, por mais que relativamente obscura na atualidade, é uma belíssima peça no currículo de cada um deles.
Sob a Pele
3.2 1,4K Assista AgoraUm conceito tão promissor desperdiçado num filme sem qualquer desenvolvimento mais profundo sobre temas tão relevantes para o mundo atual. É impressionante como aqui havia uma oportunidade ímpar para se discutir sobre tudo: partindo de uma discussão sobre a irracionalidade - aparentemente racional - com que os seres humanos agem no cotidiano, passando pelo submundo da maldade, e, finalmente, chegando ao debate sobre o "valor" que as pessoas dão umas às outras unicamente pela pele que elas têm.
Ao invés de aprofundar a trama em qualquer uma dessas discussões, no entanto, o filme prefere ser uma peça excessivamente superficial. Na falta de conteúdo (um texto realmente capaz de mergulhar nessas discussões), resta apelar para o estilo. E, como experiência audiovisual, é uma obra muito interessante, a bem da verdade. Da trilha sonora muito bem colocada aos enquadramentos que conseguem contrapor o íntimo e o pessoal contra o exterior e o coletivo com bastante eficiência, o filme realmente tem todo um estilo próprio. Mas só estilo não é suficiente.
Apostar só no audiovisual e esquecer do texto prejudica completamente a mensagem que se queria transmitir. Era a ideia dos realizadores? Certamente. Mas a aposta falha, ao meu ver, ao não conseguir entregar nenhuma mensagem de fato. Era uma discussão sobre aparência, sexo, desejo, maldade, ou mesmo sobre o que há de errado com a humanidade, ou era só uma peça audiovisual alternativa para um mercado "cult"?
Não há explicação pro começo, nem desenvolvimento real dos temas que poderiam ser tão belamente abordados no meio, e o fim aberto (quando o filme agrega mais uma discussão interessantíssima - desta vez sobre abuso - que também é pouquíssimo explorada) deixa margem para muita discussão... Pena que não exatamente as discussões que poderiam ser interessantes de fato. É um filme tecnicamente bem feito, isso é inegável. Mas não é pra todo mundo (e certamente não é pra mim), infelizmente.
E, aliás, não há problema nenhum com a aposta na abstração. Obras de ficção científica como 2001: Uma Odisseia no Espaço (no qual este daqui certamente se inspirou) mostram bem isso. O problema, pelo menos na minha opinião, está em tratar um filme como uma peça de exposição. O mais irônico de tudo é que a "pele" do filme foi muito bem trabalhada, mas o que deveria estar "sob a pele" parece ter sido completamente esquecido. Uma pena.
A Livraria
3.6 218 Assista AgoraUma mocinha perdidinha num idílico vilarejo em busca de realizar um sonho: ter sua própria livraria. Esta é a Florence Green (Emily Mortimer), a protagonista do filme. Ainda que completamente perdida nessa jornada, em meio à maldade que ela não consegue perceber nos outros, ela é uma revolucionária sem nem saber. Daquelas que atuam em silêncio, sem fazer alarde, mas que mudam o mundo pouco a pouco.
Do outro lado, uma poderosa senhora que pretende destruir a revolução silenciosa. Não porque aquilo iria afetá-la. Mas, simplesmente, porque queria afagar o próprio ego enquanto posava de boa moça e filantropa (e tem muitos desse tipo por aí, hein?). Esta é Violet Gamart (Patricia Clarkson). Assim como Emily Mortimer é a revolucionária silenciosa, ela é a contrarrevolucionária taciturna.
No meio das duas, alguém que entende o funcionamento do "sistema". O Sr. Brundish (Bill Nighy) é o ermitão calado cheio de convicção. Ao passo em que não suporta a falta de humanidade de Violet (antes mesmo de conhecê-la em carne e osso), é inspirado a agir pela aura de esperança que Florence representa.
Há também o parasita de toda sociedade, aqui representado pela figura de Milo North (James Lance). Sempre pronto para realizar o serviço sujo de quem julga estar acima, enquanto se aproveita sem titubear de quem julga estar abaixo ou no mesmo patamar.
Por fim, também há a aprendiz de revolucionária. Christine Gipping (Honor Kneafsey) é aquela jovem que sequer gostava de ler, mas que, aos poucos, foi incendiada pela fagulha de progresso que Florence conseguiu acender nela. E, no fim, é ela quem faz a revolução, porque uma revolução nunca pode ser de fato parada quando é iniciada. Pode até ser contida e abafada, mas, cedo ou tarde, revolve.
Como filme, não me animou tanto, para falar a verdade. O roteiro não apresenta qualquer tipo de desenvolvimento para as motivações dos personagens e a obra vai do início ao fim se mantendo numa mesma linha, de forma quase completamente monótona. Como portador de uma mensagem tão importante em tempos tão obscuros, no entanto, o filme é magnífico.
O pior mesmo é perceber que, talvez, nós estejamos na era da Florence. Bem-intencionados e esperançosos, mas ainda ingênuos para lidar com as engrenaggens do sistema.
Quem pode, tenta se tornar um Sr. Brundish, se isolando para se proteger da maldade do mundo. Enquanto isto, muitos sonham em se tornar a própria Violet Gamart, para nos outros mandar, e há outros que aceitam até ser um Milo North, sujeitando-se a fazer qualquer serviço sujo para se manter no mesmo "nível". Se assim for, cabe a nós sermos as novas Florences para, ao menos, incentivar as Christines do futuro. Se agora não for a hora da revolução, o amanhã ainda pode ser. Ou, ao menos, ainda podemos tentar nos consolar pensando desta maneira...
Vem Dançar Comigo
3.6 108 Assista AgoraRaras vezes um diretor já chega com tanto estilo à cena. Mas Baz Luhrmann chegou, como Vem Dançar Comigo faz questão de mostrar. Com seus cortes rápidos e cores fortes, o cineasta dá sinais claros de como seria sua filmografia dali pra frente já na sua estreia.
O roteiro não tem nada de outro mundo. É mais uma história do "rebelde sem causa" que quer mudar o mundo para satisfazer seu próprio ego. Scott Hastings (Paul Mercurio) é metade do par que desmonta todo o mundinho da dança de salão de uma hora para outra.
A outra metade é representada por Fran (Tara Morice), uma jovem que passou a vida se menosprezando - e sendo menosprezada -, mas que se dispôs a se dar uma chance nesse mesmo mundo. Ela acaba por ser a representação da velha história do "patinho feio" que se revela um belo cisne quando menos se espera.
O filme não é precisamente sobre dança de salão, por mais que todos os personagens pareçam absolutamente obcecados com aquilo. Só se fala sobre isso, todas as relações entre os personagens são pautadas nisto e a final do campeonato de dança é, aparentemente, equivalente a uma final de Copa do Mundo.
Mas, por baixo dessa farsa apresentada, há um subtexto bem claro: o sistema só pode se perpetuar se houver conivência de todos. Quando alguém se dispõe a se tornar um revolucionário (mesmo sem sequer desejar ser um, de início), todo o sistema é colocado em xeque. E fará o que for preciso para tentar se manter e aplacar a revolução.
Com tanto estilo esbanjado na tela, não é de se surpreender que o filme tenha se tornado extremamente influente. A versão original britânica da Dança dos Famosos, inclusive, referencia o filme no seu título, mesmo tendo surgido mais de dez anos depois do lançamento da película, o que só comprova a sua longevidade no imaginário popular.
O orçamento limitado, no entanto, prejudica a produção. Na maior parte do tempo, o filme não consegue transparecer a grandeza que o diretor queria dar àquele mundo na tela, algo corrigido já a partir do próximo filme (logicamente, uma produção hollywoodiana com um orçamento muito maior). O tom também é um tanto errático na tentativa de abordagem como docuficção, no início, que depois é completamente abandonada de repente.
O roteiro deixa um pouco a desejar quando os motes principais são identificados e o desenvolvimento das tramas se torna bastante previsível. E também não é possível deixar de registrar que a história da Fran parecia mais interessante (ainda que mais clichê) e poderia ter sido mais bem explorada que a do Scott. Aliás, muito desse interesse surge pela performance excepcional de Tara Morice, uma atriz extremamente carismática que conseguiu fazer uma "Betty feia", que teria tudo para ser extremamente caricata, parecer muito natural.
Por outro lado, infelizmente, a maior parte dos coadjuvantes não consegue fugir da unidimensionalidade e não fogem jamais ao óbvio que o roteirista precisava criar para avançar a trama. A música, no entanto, é outro destaque. A versão de "Time After Time" que toca no filme é simplesmente sublime. Casando perfeitamente com o casal, é o destaque em meio a outros standards tradicionais da música pop e aos ritmos que vão do samba brasileiro ao chá-chá-chá cubano.
No fim das contas, o que mais importa é a mensagem de esperança carregada no pano de fundo. Se um revolucionário improvável e uma dançarina menosprezada conseguiram colocar todo aquele mundo de cabeça para baixo, talvez a solução para o nosso próprio mundo também venha de onde menos se espera (e quando menos se espera)?
E, se não vier, pelo menos Vem Dançar Comigo serviu para alimentar essa fagulha de esperança. Até porque, se os personagens se tornaram mestres na arte do pasodoble, a nós, infelizmente, ainda falta humildade para aprender a arte de parar de "dar um passo à frente e dois para trás".
Para Maiores
2.1 1,4KDefinitivamente "não é mais um besteirol americano"... até porque é simplesmente o pior besteirol americano que já vi na vida. Pense no tipo de humor mais rasteiro que se possa imaginar, repetido em várias e várias peças diferentes, de forma pouquíssimo criativa. Pensou? Então você tem este filme em mente.
Tudo sempre girava em torno de piadas envolvendo sexo, fezes ou bullying. Apenas duas peças não giram em torno quase que exclusivamente desses assuntos (que às vezes se misturavam de forma grotesca): o vídeo dos super-heróis, que tem lá seus momentos engraçados, e outro centrado numa equipe de basquete negra, que apresenta uma crítica muito bem pensada no subtexto e tem um fim extremamente pungente.
De resto, é só recriação de humor - por várias vezes físico - envolvendo órgãos genitais, menstruação ou mesmo coprofilia (porque não há nada melhor que falar sobre sexo e fezes que falar sobre os dois juntos ao mesmo tempo, né?) ad eternum. A fórmula se esgota muito rapidamente e o filme cansa mesmo tendo apenas 98 minutos de duração.
Para o nível de alguns talentos metidos nesta bomba, tanto na frente quanto por trás das câmeras, eu esperava bem mais, mesmo sabendo que era um besteirol. Do jeito que é, no entanto, "Para Maiores" poderia muito bem se chamar "Para Completistas". Porque só mesmo sendo um "completista" que quer ver todos os filmes das carreiras de alguns dos nomes envolvidos para aguentar esse filme até o fim.