"Escreva sobre o que você sabe". Esta é uma recomendação que escritores mais experientes sempre fazem para autores mais jovens. Delphine Dayrieux (Emmanuelle Seigner), apesar de já não tão jovem, seguiu o conselho à risca e resolveu escrever sobre os últimos momentos de vida da mãe, por mais que a experiência fosse dolorosa sequer para relembrar, quanto mais para eternizar nas páginas de um romance.
Ainda que tenha sido muito aclamada e bem-sucedida, a obra representa para Delphine um intenso ponto de conflito na sua vida. A escritora desenvolve uma sentimento de culpa quase sobre-humano por ter exposto a história da mãe para ganhar reconhecimento no mundo literário. E, em meio ao dilema entre a felicidade pelo sucesso e a tristeza carregada pela culpa, surge Elle (Eva Green).
Ambas têm belos cabelos ruivos e penetrantes olhos azuis, mas a maior semelhança entre as duas é, curiosamente, o fato de ambas serem escritoras. E Elle tenta, desde sempre, convencer Delphine de que ela precisa escrever o "livro escondido", de uma forma cada vez mais flagrantemente obsessiva. Primeiro com encontros cada vez mais frequentes, depois mudando-se para a casa da escritora e, por fim, viajando com ela para uma casa de campo em um lugarejo isolado.
E é aí no lugarejo que a verdadeira história se revela. Elle, como a vimos, nunca existiu. Pelo menos não daquela maneira. Foi só uma criação da cabeça de Delphine (muito provavelmente ela própria se projetando naquela idade), que sujeitou-se àquela experiência toda para expiar o sentimento de culpa por ter exposto a mãe para fazer sucesso.
Aliás, faz todo o sentido que Delphine tenha passado por tudo aquilo que Elle alegava viver. O isolamento, a falta de reconhecimento por seu trabalho como ghostwriter e, pior, todas as experiências traumatizantes que Elle relatou podem, muito bem, ser aquelas que Delphine de fato viveu quando mais nova.
Daí, fica uma dúvida carregada de uma ironia dramática fenomenal (que o filme deixa em aberto): a história "baseada em fatos reais" que ela contou no seu romance subsequente foi a da sua própria vida, que Elle tanto queria que ela contasse ao mundo, ou a que ela criou na sua cabeça para expiar a culpa pelo que fez à mãe, e que precisava "viver" para recontar num novo romance?
Um trabalho sensacional das duas atrizes principais. Sempre muito seguras em cena, mesmo nas situações mais estapafúrdias, as duas mantêm a atenção do espectador até o fim. Polanski também faz um trabalho majestoso de subversão das nossas expectativas. As coisas vão sendo inferidas pouco a pouco, e todas as dicas já estavam lá desde o começo, mas a gente só consegue ir percebendo a ironia da coisa toda exatamente da forma que ele queria.
E é justamente no encontro da verdade com a mentira e da realidade com a fantasia que vive a ironia que sustenta a obra do início ao desfecho. Se o ideal é sempre "escrever sobre o que você sabe", você precisa de fato viver para escrever sobre algo com substância e autenticidade. Nem que isso tenha de ser levado ao limite da própria vida para que possa fazer sentido para você. E, como Delphine muito habilmente descobriu, não só para você, como para todo o mundo também. "Sentido", afinal, não deriva de "sentir" à toa.
A velha história da busca pela realização de sonhos. Duas crianças, em duas épocas diferentes, precisam superar a distância que as separa da grande Nova Iorque, o único lugar onde podem realizar aquilo que o destino as reservou. Mas não é só a distância que complica as coisas. As adversidades que a vida impõe, seja pelo nascimento ou pelas circunstâncias estranhas, também precisam ser superadas.
E, assim, Rose (Millicent Simmonds) e Ben (Oakes Fegley), partem em suas jornadas. Ela quer encontrar uma atriz de cinema mudo. Ele, o pai perdido. No fim, ela não encontra quem nós esperávamos. Ele, por sua vez, descobre muito mais sobre o pai do que poderia imaginar (e de uma fonte bastante improvável).
O filme fica meio parado até realmente dar aquele estalo e acontecer de fato. Mas isto é, de certa forma, só um reflexo de como vemos o cinema como meio audiovisual. Como aqui precisava prevalecer só o visual em muitos momentos, pela deficiência dos protagonistas, é possível encarar isso como uma crítica ao ritmo como vivenciamos as coisas. E, talvez, como sequer nos damos conta de que muita gente à nossa volta vivencia as coisas em ritmos totalmente diferentes.
O contraste entre as eras também é muito bem executado. A escolha pelo pastiche do cinema mudo, em seus exageros e caricaturas, para retratar o fim dos anos 20, em contraste com o mundo colorido (ao mesmo tempo que, paradoxalmente, problemático) da década de 70, pode até ser formulaica, mas é bastante bem executada na tela.
Da mesma forma, os atores mirins (tanto os protagonistas quanto o jovem Jamie, interpretado por Jaden Michael) têm um carisma inegável e entregam bons trabalhos. As veteranas Michelle Williams (aparece muito pouco, infelizmente) e Julianne Moore (embora um tanto quanto contida para uma atriz de cinema mudo), igualmente, também conquistam a gente quando aparecem na tela.
O filme pode não ser tão marcante quanto Carol (2015) ou Longe do Paraíso (2003) no currículo do diretor Todd Haynes, mas é um bom trabalho. Não se deixe enganar pelo título traduzido, que nada tem a ver com a trama. Infelizmente, o filme não é daqueles que nos deixa "sem fôlego". Na maior parte do tempo, as histórias se desenvolvem com pouca emoção e o filme chega a ficar um pouco cansativo. Mas, quando tudo se conecta, o lampejo é realmente maravilhoso. Vale a pena.
Uma roda-gigante leva a pessoa de baixo para cima e de cima para baixo. De certa forma, toda carreira é assim. Cheia de altos e baixos. E a única certeza que alguém pode ter é de que não se pode estar no topo sempre, por mais que se tente. Ainda mais quando sua carreira já dura seis décadas (e, felizmente, indo para a sétima). Roda Gigante não é um filme ruim. Mas, para um filme de Woody Allen, fica ali entre o meio da descida e o chão no passeio na roda-gigante, sem sombra de dúvidas.
A começar pelo roteiro, que é um tanto quanto previsível. O desenrolar das situações é feito de maneira quase cronometrada, sem muitas surpresas. As maiores ironias da história (um salva-vidas salvando uma vida) e os clichês hollywoodianos (atriz fracassada que vira garçonete é um clássico, afinal) são até bem explorados, mas o elenco enxuto e os trabalhos anteriores do diretor já indicam muito claramente para onde a história vai.
A concisão do elenco até poderia favorecer o desenvolvimento dos personagens, mas acaba sendo só uma forma de reforçar a sensação de previsibilidade mesmo. E, com tanto tempo na tela, a sensação de "over" das atuações se intensifica. Kate Winslet é uma ótima atriz e faz aqui um trabalho muito bom, mas consigo entender perfeitamente a crítica. Juno Temple, por exemplo, parece muito mais despretensiosamente natural no papel.
O ponto alto é a fotografia, de longe. Aproveitando a época em que se passa o filme, a equipe consegue emular as cores chapadas da era Technicolor com precisão. E melhor: usando a semiótica a serviço da trama de forma exemplar. O design de produção também é magnífico, remontando um ambiente com tantos detalhes como um parque de diversões com exuberância.
No fim das contas, o filme passa longe de ser uma experiência ruim. É até interessante rever o "apartamento debaixo da montanha-russa de Coney Island" de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) e reviver histórias como a do garoto que passa o dia fazendo traquinagens, tal qual o Joe de A Era do Rádio (1987), e se refugiando nas salas de cinema, assim como a Cecilia de A Rosa Púrpura do Cairo (1985)...
O problema é que, trazendo tantas lembranças destas excepcionais obras anteriores, não tem como não lembrar que todas as três eram como estar no topo do passeio na roda-gigante. E Roda Gigante, infelizmente, não tem o mesmo frescor e, nem de longe, é capaz de evocar as mesmas sensações.
Raras vezes vi um filme tão desfocado. É uma tentativa de fazer drama familiar, com tons de suspense psicológico, que batia na ficção científica, tentava apostar no terror barato e, no fim, acabava virando uma comédia pastelão pelo simples ridículo da situação. Se há uma escala de falta de qualidade por aí, esse daqui conseguiu bater qualquer meta e se tornar "coisa de outro mundo".
E não me refiro nem aos efeitos especiais datados, até porque não se poderia esperar nada diferente de um filme de 1989, mas é realmente assustador como o diretor não resolveu trabalhar o material de outra forma quando algo beira o ridículo dessa maneira.
É impressionante como até setores que já eram bem estabelecidos, como o da maquiagem, conseguem fazer os personagens parecerem bizarros a troco de precisamente nada. A ambientação, então, até tenta parecer mais excêntrica que o próprio filme, com os cenários dominados por quadros exóticos e escolhas de figurino questionáveis, mas fica só na tentativa.
A trilha sonora também soa completamente alienígena num filme deste gênero. Mas não de uma maneira positiva, infelizmente. Afinal, parece ter sido simplesmente chupada de um episódio aleatório de Melrose Place, e muito me surpreendeu saber que foi produzida por ninguém menos que Eric Clapton (!), sabe-se lá como.
Christopher Walken é outro nome de destaque que chama a atenção pelo envolvimento aqui. Um ator competentíssimo, ninguém tem a menor dúvida. Mas até ele parece canastrão com um material tão ruim. Os outros atores menos experientes, então, nem se fala. Os melhores deles são, no máximo, passáveis.
O roteiro é arrastadíssimo e, no fim, não entrega nada. Entre os montes de baboseiras que os personagens enunciam no começo e as investigações sobre os eventos que não levam a lugar algum do desenvolvimento, a conclusão do filme é completamente insatisfatória.
Não por ser aberta, necessariamente, até porque esta é a graça de muitos mistérios da ufologia. Mas por parecer que você simplesmente teve uma hora e quarenta e sete minutos da sua vida abduzidos. Simplesmente esperando algo interessante acontecer. E, no fim, não aconteceu nada.
Na verdade, foi exatamente isto que ocorreu aqui. Numa tentativa de ser o Poltergeist dos filmes de suspense envolvendo extraterrestres dos anos 80, isso daqui se tornou só um "estranho visitante" nessa categoria. Na categoria de filmes absurdamente bizarros e risíveis daquela (ou de qualquer outra) década, no entanto, estaria absolutamente em casa.
Um daqueles filmes que você encontra quase que "por acidente" no catálogo, e começa a assistir sem qualquer compromisso, mas que verdadeiramente conseguem surpreender positivamente. É uma comédia bem escrachada, na maior parte do tempo, mas consegue sair do raso e passar uma mensagem bacana, no fim das contas.
Numa era em que todo mundo acha que precisa estar perfeito a todo instante para aparecer no Instagram ou no Facebook, o sentimento de inadequação constante é um problema urgente na nossa sociedade. E não há uma única pessoa no mundo que não tenha "inadequações" aos olhos dos outros.
Renee (Amy Schumer) é só mais uma entre bilhões de pessoas que se sentem assim todos os dias. E, ao quebrar o ciclo de autodepreciação de forma acidental, ela se torna outra pessoa de uma hora para outra. Mas é só quando ela realmente percebe o que houve que ela encontra a verdadeira libertação. Afinal, o truque da queda foi só isto: um truque. Porque, no fim, tudo que ela precisava ter, esteve sempre lá. E que bom que ela conseguiu perceber isto a tempo.
Talvez eu tivesse gostado ainda mais do filme se o roteiro fosse mais focado nessas questões. A comédia física ficava muito forçada em alguns momentos, e algumas falas por vezes beiravam o grosseiro. Em geral, no entanto, me pareceu uma atualização muito bem-vinda para esse gênero de comédia.
O avanço em relação a um O Amor É Cego (2001) da vida, por exemplo, é bem claro. Em vez de recorrer a truques como a troca de atores ou ao trabalho de caracterização de outro mundo que só uma equipe de maquiagem hollywoodiana pode proporcionar, o filme preferiu seguir a linha da encenação farsesca, o que só reforçou a mensagem.
Uma pena que o sentimento de "peixe fora d'água" da Avery LeClaire (Michelle Williams), por exemplo, não tenha sido melhor explorado. Foi uma coisa até bem inferida, mas que ficou um tanto quanto no background, quando poderia ter rendido mais como um contraponto bastante forte à protagonista.
O roteiro poderia ter se retroalimentado um pouquinho mais (havia uma oportunidade para um subplot interessante entre o Ethan e a Mallory, a meu ver) e o Grant LeClaire (Tom Hopper) pareceu um tanto quanto sem função na esmagadora maior parte do tempo, mas gostei bastante do direcionamento que a obra tomou para trabalhar a questão do que é realmente sexy. Porque, afinal, pode até parecer clichê, mas realmente de nada adianta ter uma bela embalagem, ao mesmo tempo em que não há nada que valha a pena ser embalado por dentro.
O filme passa longe de ser revolucionário, ou mesmo a experiência cinematográfica mais gostosa do ano de 2018, mas é certamente um filme gostosinho. E não há problema algum em ser só "gostosinho"! Como Renee provou, o que se tem a dizer é o que mais importa. E Sexy por Acidente tem uma mensagem legal para transmitir. Só isso já faz o filme mais que valer a pena.
Uma visão completamente negativa da vida adulta convencional, mascarada por aquilo que todo mundo parece querer, mas que nem sempre realmente quer. De início, um emprego e um carro. Depois, um relacionamento. A partir daí, uma casa e, quase que por consequência, um filho.
É nessa exata jornada que embarcam Gemma (Imogen Poots) e Tom (Jesse Eisenberg), quando vão com um corretor de imóveis a um subúrbio - muito bem nomeado - conhecido como Yonder. Lá, eles vivem uma nova vida de casal a um ritmo perversamente rápido. E sem chance de escapar.
Todas as bizarrices apresentadas são apenas metáforas para as coisas da vida. O buraco que só cresce é a depressão cada vez mais profunda. O carro é o refúgio que todo mundo mantém para fugir da vida de vez em quando. A comida sem gosto é a própria rotina. As casas todas iguais são o retrato da vida suburbana que a mídia tenta nos vender, por mais que, muitas vezes, nada do que apareça na TV pareça fazer o mínimo sentido. E o relacionamento destruído é mera consequência.
O filho também é só um reflexo das escolhas do casal, como todo o resto. E o desconhecido que ele supostamente encontra pode, muito bem, ser só um problema incontornável com o qual os pais - ou, neste caso, a mãe - não sabem lidar. E, assim, os dias parecem anos, ao mesmo tempo em que os anos parecem dias. Porque a rotina se estabeleceu de forma inexorável.
E, no fim, parece que o propósito de toda a existência era só alimentar o sistema. O sistema que nos alimenta com a comida que não gostamos de comer, que nos dá empregos que não queremos e que, se muito, nos dá uma casa imensa no subúrbio que nunca precisamos ter para sermos realmente felizes... Mas que, lá no fundo, continuamos a acreditar que pode nos trazer a felicidade, de uma maneira ou de outra.
O filme realmente é um pouco cansativo e o "truque" fica repetitivo depois de um tempo (algo até estranho, tendo em conta que a duração é de apenas 97 minutos), mas é uma reflexão até interessante sobre a vida de casal na sociedade moderna.
Talvez uma forma de vender uma vida "menos segura", bem longe daquilo que nossos pais puderam nos oferecer, nessa nova era de capitalismo cada vez mais feroz em que quase ninguém tem condições de manter o mesmo padrão de vida? Possivelmente. A indústria cultural sempre tem formas muito insidiosas de "vender" certos valores.
Mas talvez seja, lá no fundo, uma crítica firme à forma como a vida segura que nossos pais nos deram nos tornou apenas bichinhos num vivário. Se os peixes têm suas pedrinhas reluzentes no aquário e os pássaros têm seus poleiros amadeirados no aviário, aos humanos resta ter uma casa no subúrbio e fim? Numa visão negativa, como a mostrada no filme, infelizmente é só isto. Por um ângulo positivo, no entanto, podemos nos acalentar com o fato de que o nosso vivário não tem vidros nos prendendo dentro dele. Ainda.
O oeste. Aquele velho lugar, rodeado de uma atmosfera quase mística, que permanece na memória coletiva dos americanos. A direção para onde as pessoas rumam para se esquecer do passado, viver o presente e construir um novo futuro... Mas o que acontece quando o passado permanece vivo na memória, o presente é vivido unicamente através dos outros e o futuro é, justamente por isso, totalmente incerto?
É com esta situação que se depara a jovem Ingrid Thorburn (Aubrey Plaza). Longe de ser a típica mocinha, ela é uma stalker mais que preparada para enfrentar a nova era digital, na posse do seu celular e da sua conta no Instagram. E o seu novo alvo é a influenciadora Taylor Sloane (Elizabeth Olsen), aquela pessoa que sempre tem um livro que não leu para indicar, um novo lugar legal que não frequenta para divulgar e uma nova amiga que mal conhece para nas fotos marcar.
Mas nem por ser vítima ela se torna automaticamente uma mocinha, da mesma forma que Ingrid não é necessariamente uma vilã. Na verdade, o roteiro trata as duas como seres humanos minimamente realistas, com claras qualidades de um lado equilibradas com sérios defeitos de outro. De certa forma, a verdade sublinhada é de que as duas são igualmente obsessivas. Uma pela vida da outra, e outra pela própria vida.
O final, enfim, revela o grande propósito de toda a trama. Se toda história se repete uma vez como tragédia, o filme é o próprio relato dessa tragédia. Todas as situações vexatórias vão se repetir e a personagem não vai sequer entender o que se passa. Ao fim do ato, no entanto, está construída a base para que a história mais uma vez se repita. Só que, desta vez, como farsa. Afinal, se até aquele ponto a personagem tinha "um brilho próprio no olhar", a partir dali só seria mais uma Instagirl... Como ela tanto almejou ser, aliás.
Uma performance excepcional de Aubrey Plaza nesse difícil papel, que precisava ficar equilibrado entre o "assustadoramente bizarro" e o "aparentemente normal" a todo instante. Da mesma forma, Elizabeth Olsen transparece uma naturalidade incrível como o alvo da atenção - indesejada, ainda que ironicamente também desejada - da sua stalker.
Acho que a crítica poderia ter indo um pouco mais fundo nos assuntos abordados e, de fato, o tratamento dado para o suicídio é pouco consciente. No entanto, a banalidade da trama combinou perfeitamente com a realidade que o filme tentou retratar. Afinal, se na era da rede social você pode sair de fracassada completa a ídolo de milhões com um único viral, pelo menos agora você não precisa ir rumo ao oeste para ser alguém. Uma pena que Ingrid não estivesse sequer disposta a perceber isto. E é uma pena ainda maior que ela não seja a única.
Sabe aquele tipo de filme que consegue subverter completamente o que se espera dele? Moonlight é esse tipo de filme. E o melhor: faz isso com uma naturalidade quase sobrenatural, sem precisar recorrer a truques extravagantes ou exageros artificialmente colocados na trama apenas para chocar ou emocionar o espectador.
Em três atos, acompanhamos a vida do pequeno Little, do jovem Chiron e do adulto Black. E, apesar dos nomes diferentes, todos são a exata mesma pessoa. Com personalidades diferentes, no entanto, porque nosso modo de agir sempre é moldado de acordo com as circunstâncias que nos levaram até aquele ponto nas nossas vidas. Ainda mais naquelas condições, em que a reinvenção é quase que parte do instinto de sobrevivência.
O que é impressionante é a consistência na performance dos três atores que representaram Chiron na tela. Alex Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes conseguem manter o mesmo olhar perdido, a mesma fala distante e a mesma delicadeza - embrutecida pouco a pouco - nas expressões com muita solidez. Excelente trabalho da direção na manutenção desse tom perfeito.
Todos os atores coadjuvantes também conseguem trabalhar facetas dos personagens com uma humanidade fora do comum. Mahershala Ali é o destaque óbvio por ser praticamente o protagonista do primeiro ato. E ele consegue verbalizar lições que vão reverberar até o fim do filme com uma suavidade que consegue, curiosamente, não contrastar em nada com a aparência mais bruta do personagem.
Da mesma forma, Naomie Harris também consegue humanizar com muita firmeza uma personagem que facilmente poderia ter caído nas armadilhas da estereotipagem nas mãos de uma intérprete menos capaz. Igualmente, os outros coadjuvantes também fazem trabalhos excepcionais.
O maior triunfo do filme, no entanto, é conseguir ir contra a corrente de praticamente todos os outros filmes que abordam os mesmos temas. Filmes com temática LGBT muitas vezes não apostam na delicadeza apresentada aqui. Dramas focados na drogas, igualmente, muitas vezes resvalam para o sensacionalismo e o proselitismo antidrogas, o que também não acontece em Moonlight. Mais que tudo, o filme prova que é possível, sim, fazer um filme com um elenco totalmente negro e torná-lo tanto comercialmente viável quanto criticamente aclamado, ao contrário do que boa parte de Hollywood parece pensar.
Com um roteiro fluido e sucinto, uma edição segura, apoiada numa trilha que aprofunda as sensações vividas na tela sem ser excessivamente melodramática, performances fenomenais por parte do elenco e, claro, uma direção mais que eficaz amarrando tudo, Moonlight é, certamente, um dos melhores filmes da década passada.
Se, sob a luz do luar, garotos negros ficam azuis, foi bom perceber que, numa noite de 2017, sob as luzes dos holofotes da cerimônia de entrega do Oscar, esses garotos azuis receberam o tão merecido garoto dourado em mãos. La La Land ainda consegue promover surpresas agradáveis quando quer, afinal.
Um retrato de uma geração que, pela primeira vez, teve tempo para decidir. Montado a partir de curtos momentos tirados de um longo ano das vidas daqueles jovens, acompanhamos as dúvidas, as indecisões e os conflitos criados a partir do momento de virada que é a chegada da vida adulta. E todos esses dramas surgem imbuídos, aqui, de um academicismo raso muitas vezes típico dessa faixa etária.
Esta é a exata mesma fórmula que Noah Baumbach usou posteriormente em Frances Ha, por exemplo. Lá, com muito mais sucesso que aqui, aliás, até porque o principal problema de Tempo de Decisão é o excesso de personagens. Enquanto o foco de Frances Ha é muito bem delimitado, aqui a atenção fica espalhada em diversos personagens que, até pelo curto tempo de duração da peça, não são tão bem desenvolvidos.
Em alguns momentos, determinados personagens simplesmente somem da narrativa. E não fazem qualquer falta. Sinal de que seus arcos poderiam, muito bem, ter sido transplantados para outros, de forma a desenvolvê-los melhor e criar mais solidez no desenvolvimento da trama.
Grover (Josh Hamilton) e Jane (Olivia d'Abo) protagonizam os momentos mais memoráveis da obra justamente por serem os personagens mais bem trabalhados. Chet (Eric Stoltz) também se mostra extremamente necessário como o contraponto improvável aos amigos, tornando-se, de uma certa forma, o principal mensageiro do mote da obra.
Os outros, no entanto, resvalam com facilidade para os arquétipos básicos que você encontra em todo grupo de amigos. Skippy (Jason Wiles), por exemplo, é até alvo de uma piada do tipo lá pelo meio do filme. Mas, se o propósito do personagem era, praticamente, ser só uma piada em alguma cena, é sinal de que não é lá tão necessário para a trama.
Para um filme de estreia de baixo orçamento, é uma produção até interessante. Nada de outro mundo, infelizmente. Mas é sempre legal ver como o diretor conseguiu ir aprimorando essa mesma fórmula usada ao longo da sua filmografia.
Como na vida, também no trabalho ele conseguiu ir evoluindo ao longo do tempo. Se, no começo, ele parecia estar "chutando e gritando" ao dirigir um filme, agora ele já está naquele estágio em que vive uma verdadeira "história de um casamento" com a indústria cinematográfica. E, pelo menos neste caso, esperamos que este casamento nunca acabe em divórcio, claro.
Parece que alguns filmes epônimos sobre mulheres extraordinárias sempre caem na mesma armadilha: tentam recontar toda a vida da mulher com base num relacionamento, como se tudo relacionado a ela derivasse daquilo. Assim como, por exemplo, Amelia (2009) no passado, este filme comete o exato mesmo erro.
No lugar de focar na mulher em si, a trama tenta relacionar todo o desenvolvimento dela enquanto personagem como algo derivado do relacionamento com um homem apenas porque isto gera um roteiro mais simples de ser trabalhado na tela. Mas, se por um lado este caminho é mais fácil de se trabalhar, também gera bem menos impacto para o espectador.
Não à toa, o choque que Colette gerou na sociedade francesa aqui fica parecendo um tanto quanto tépido. Mais que apenas um desfile de personagens femininas, vestidas como Claudine e recitando trechos dos livros, ou a pletora de produtos inspirados na personagem mostrados a esmo, a impressão que fica é a de que muito mais poderia ser feito para trabalhar a verdadeira reverberação do trabalho da protagonista na Paris da Belle Époque.
E, se assim não aconteceu, muito disso se deve à direção extremamente convencional para uma cinebiografia. Uma figura tão à frente do seu tempo merecia, também, um trabalho mais agressivo na tentativa de destoar do corriqueiro. Não era esta a essência da própria Colette que o filme tentou transmitir, afinal?
Neste ponto, o trabalho de Keira Knightley é bom e seguro, mas é possível entender porque não foi lá tão intensamente elogiado. Já vimos a atriz tantas vezes com esse mesmo visual que as personagens chegam a se confundir. Quando ela é a "garota do interior", parece estar apenas emulando a imagem de Elizabeth Bennet, de Orgulho e Preconceito. Quando acaba por se tornar a "moça da cidade", vira Anna Karenina, usando chapéus igualmente belos, seja na Rússia ou na França. Mais pro fim, ao cortar as madeixas, parece uma versão algumas décadas adiantada da Cecilia de Desejo e Reparação, dobrando a meta de ser uma "mulher prafrentex".
O que mais prejudica o filme é realmente a falta de ousadia na construção. Até os momentos mais ousados parecem quase que mecanicamente inseridos na obra só pelo "shock value". O filme não se torna necessariamente ruim por isso, mas é pouco marcante.
Se a Colette real se estabeleceu figura tão extraordinária, não apenas como escritora, mas como uma verdadeira "entertainer" (mais de meio século antes de o termo ser cunhado, não menos), o filme falhou em demonstrar isto. E, no que ela precisaria apenas do seu monônimo estampado na capa de um livro ou no cartaz de uma peça para criar expectativa surreal para o público, o filme parece ter falhado na tentativa de recriar esta mesma experiência em 111 minutos de arte.
E você aí, que andava achando que o romance com o crush nunca poderia ir pra frente porque vocês pertencem a "mundos opostos"... Já imaginou como faria se isso fosse levado ao pé da letra?
É esta a vida de Adam (Jim Sturgess) e Eden (Kirsten Dunst). Já que ambos estão presos pelas leis da gravidade, cada qual no seu mundo, a história de amor deles não pode seguir em frente. A menos que eles encontrem uma maneira de burlar as regras da própria natureza. E é a isto que Adam passa a se dedicar para poder estar no Éden, ou melhor, visitar Eden.
Uma pena que o roteiro tenha sido tão raso na criação do romance. Amparado em clichês e em soluções extremamente fáceis, a história não convence. De amnésia convenientemente curável no momento certo aos súbitos aparecimentos e desaparecimentos de vilões (seja a "polícia da fronteira" ou a empresa multinacional para qual ambos trabalhavam, por exemplo), todas as complicações do mundo surgem exatamente quando o roteirista quer criar conflito. Da mesma, tudo se resolve num passe de mágica, quando ele precisa encerrar a obra. E nem todas as tramas abordadas são devidamente encerradas, no fim das contas. Apenas ficamos com o "felizes para sempre" de uma hora para outra.
A partir desta abordagem simples e vaga, o filme perde muito da ironia dramática que poderia carregar. A discussão sobre classe e a mobilidade social (ou, neste caso, a imobilidade social) fica completa apagada no pano de fundo enquanto o espectador acompanha o romance mela-cueca.
Os dois protagonistas são bem esforçados, mas o material não ajuda. O Adam de Jim Sturgess até tem lá seus momentos, mas a Eden de Kirsten Dunst é praticamente uma caricatura. O elenco coadjuvante também não tem lá muita oportunidade para trabalhar nuances. São sempre estereótipos muito bem delimitados. Do colega que está ali apenas para ser alívio cômico ao vilão corporativo malvadão.
O grande destaque fica para os efeitos especiais. Bem executados e a bom serviço da ambientação pretendida para a construção do mundo. Uma pena que até esta construção tenha sido muito simplificada pelo roteiro. Uma montanha sempre se encontrava com uma montanha e um mar sempre estava acima de outro mar quando era conveniente para a história.
No fim das contas, é um filme até interessante. Mas não dá pra tirar da cabeça que poderia ter sido muito melhor desenvolvido a partir da premissa. Talvez em algum "mundo oposto" o resultado tenha sido melhor. Neste daqui, infelizmente, ficou no andar zero. Nem lá, nem cá.
Nove anos depois, finalmente parei para ver O Artista. Esse filme, que causou um verdadeiro rebuliço na indústria cinematográfica no começo da década passada, realmente mereceu a aclamação que recebeu na época, a meu ver. Não é nada de outro mundo, ao contrário do que já vi muita gente falar. Pelo contrário. É, na verdade, um pastiche dos filmes dos anos 20 muito bem trabalhado.
O roteiro não tem nada lá muito inovador. A velha história de ascensão de uma jovem estrela na nova era falada, representada aqui por Peppy Miller (Bérénice Bejo), colocada em contraponto com a queda de um astro do cinema mudo do passado, George Valentin (Jean Dujardin).
E, nessas idas e vindas, os dois se reencontram para viver uma história de amor pouco convencional, mas sempre temperada com o requinte hollywoodiano, seja nas grandes estreias de novas películas, nas mansões nababescas dos grandes astros, ou no set de gravação de uma nova produção. A sacada de transformar a mulher no lado forte da relação, inclusive, é uma boa intenção de modernização da história para o público atual, que certamente seria barrada à época.
E, por ser o lado fraco, George Valentin é quem precisa enfrentar o próprio orgulho para reverter a espiral da morte na qual se enfiou. É possível queimar a própria reputação, os próprios rolos de filmes, ou a própria casa, mas estaria ele disposto a, em nome do orgulho, queimar a própria vida?
Na apresentação dessa tragédia, a performance de Jean Dujardin é magnífica. Consegue transpor os trejeitos dos astros do cinema mudo e adicionar camadas mais modernas – muito mais suaves – à atuação conforme a necessidade. Bérénice Bejo, também sempre muito elogiada, consegue fazer o mesmo. Os dois esbanjam carisma e charme na tela. É simplesmente impossível não reconhecer o talento desses dois artistas em cena.
Penelope Ann Miller, infelizmente pouco lembrada, nas poucas cenas em que aparece, é quem provavelmente consegue ter a atuação mais próxima dos filmes modernos, sem em nada destoar da proposta. Todo o resto dos coadjuvantes também tem participações memoráveis. Sejam as caras e bocas de John Goodman, Missi Pyle parecendo emular Lina Lamont na audição e, claro, a participação do simpático Uggie como o cachorro (e salvador) do protagonista.
Alguns aspectos destroem a perfeição do pastiche, no entanto. Certos movimentos de câmera são, para dizer o mínimo, altamente improváveis para a época. Da mesma forma, alguns efeitos usados só surgiriam depois. A estaticidade da câmera comum à época foi muito bem trabalhada nas cenas de filmes que são mostrados na tela. Mas, no filme em si, isso é deixado de lado por várias vezes.
Acrescentar twists com o uso do som, no entanto, foi uma jogada interessante para manter a atenção do espectador. Se, no miolo, destoou um pouco da proposta, ao menos no final serviu para revelar a verdade sobre a aclamação recebida pelo filme: não fosse pelo truque, talvez ela sequer existisse.
Ou alguém imagina que o filme algum dia teria recebido a mesma atenção que recebeu se fosse uma peça mais convencional, filmada em cores e falada com sotaque francês? A carga de ironia da última cena é excepcional. Ao mesmo passo em que se homenageia Hollywood como um todo (e, especificamente, faz referência clara a lendas como Ginger Rogers e Fred Astaire), o filme também deixa uma pitada irreverente de crítica ácida no subtexto para fechar a história. Genial.
O "truque" todo é muitíssimo bem executado, como poucas vezes se vê. Da trilha sonora majestosamente bem casada com o que se vê na tela ao design de produção muito bem alinhado com filmes da época, unidos a performances excepcionais do elenco e de toda a equipe envolvidos, O Artista deixa ser um mero truque barato de mágico de festa infantil. No fim, torna-se uma verdadeira prova de que realmente existe a tal magia do cinema.
Possivelmente o filme de romance que mais gostei na vida. O único que me lembro de algum dia ter mexido tanto assim comigo foi As Pontes de Madison. Em geral, nem do gênero gosto muito. Mas Namorados para Sempre conseguiu me arrebatar. Simplesmente por ser realista e autêntico, sem precisar apelar para truques, apenas focando nas performances dos protagonistas.
E que performances viscerais! Os dois têm direcionamentos muito claros que vão sendo expostos pouco a pouco pelo roteiro. Ryan Gosling vai do romântico sonhador ao pai de família responsável com uma firmeza muito bem trabalhada. Longe de parecer excessivamente bobo e caricato, Dean é aquela figura que a gente sonha em encontrar na vida. A pessoa que vai se colocar a seu serviço de forma incondicional, nem que precise renunciar aos próprios planos e sonhos para isso.
Da mesma forma, Michelle Williams é brilhante no papel da carreirista frustrada Cindy Heller. Sempre atentada pelo passado, seja pelo fato de não ter concluído os estudos do jeito que gostaria (apesar de trabalhar na mesma área), pelo encontro fortuito com aquele que um dia considerou ser um par ideal ou, o pior de tudo, pela presença constante da filha, cuja própria existência a levou de forma definitiva para aquele caminho, Cindy é o retrato perfeito daquilo que todos nós temos medo de um dia nos tornar... E acabamos indubitavelmente todos nos tornando assim que a vida adulta bate à porta.
E uma história dessas, que poderia ter sido construída como um melodrama extravagante, é muito bem trabalhada com suavidade e delicadeza. Longe do exagero, as coisas vão se acumulando num ritmo crescente, a ponto de sequer precisarmos ver o miolo daquela história toda para comprá-la. A apresentação do começo e do fim bastam para contar tudo que precisamos ver. E a escolha pela não-linearidade serve muito bem ao propósito de ir apresentando cada pequeno detalhe no momento necessário.
Pensar que esta obra-prima foi realizada com um orçamento mínimo só prova que boas histórias não precisam ser grandes espetáculos pirotécnicos para se transformarem em bons filmes. Muitas vezes só precisam de uma boa condução, performances extremamente dedicadas e uma equipe determinada para fazer tudo funcionar. E Namorados para Sempre teve tudo isto.
Talvez este seja um desses filmes que você precisa relacionar a momentos que aconteceram na sua própria vida para experimentá-lo de um jeito tão forte. Tendo estado tanto do lado da Cindy quanto do lado do Dean na história, então... A intensidade só aumenta.
Ninguém nunca vai ser "namorado para sempre" de alguém. Em matéria de relacionamentos entre seres humanos, a história sempre tem de acabar em algum momento. Por outro lado, alguns filmes têm aquela capacidade de se tornarem atemporais, ficando para sempre marcados na memória de quem os assistiu. E, pelo menos para mim, este certamente será um deles.
Não é todo dia que Hollywood produz um thriller policial protagonizado por uma mulher. Protagonizado por uma mulher de cinquenta anos de idade, então... Só por isso, já fiquei interessadíssimo em ver o filme desde que foi anunciado.
No papel da justiceira Erin Bell, Nicole Kidman está formidável. A personagem é uma mistura quase esquizofrênica de todas as características que uma pessoa pode ter, como uma metamorfose ambulante, no meio do caminho entre o desejo de fazer um bom trabalho e a sede de vingança. Ela é boa e ruim. Ausente e presente. Determinada e relapsa. Mas, acima de tudo, humana. E Kidman consegue apresentar bem essas aparentes incongruências, de uma forma que as ações e motivações da personagem fazem total sentido.
Neste ponto, o roteiro, em suas idas e vindas entre o passado e o presente, apenas a ajuda a compor a personagem. Mesmo não sendo eletrizante e frenético a todo instante, o texto trata muito habilmente de fazer contrapontos entre o passado e o presente, atingindo o ápice desses movimentos nas sequências dos assaltos aos bancos.
A direção também é firme na manutenção do tom dramático e não resvala para o óbvio em thrillers policiais. As "cenas de ação" são bem colocadas e pontuais, em vez de desnecessariamente apelativas. O foco é a história de redenção da personagem.
Nisso, a direção e a performance brilhante de Kidman são muito bem ajudadas pela equipe de produção. A maquiagem pode até ter parecido exagerada em alguns momentos, mas o cuidado com a composição do ambiente é inegável. Seja no contraste entre os bairros mais afastados e os mais abastados, ou na recomposição da vida no início dos anos 2000 em oposição à atualidade, há uma preocupação muito clara com os detalhes de cada época e lugar.
A recepção aquém das expectativas é até compreensível, de certa maneira. Como thriller, o filme não gera lá muitas surpresas e nem tem grandes reviravoltas. Como drama, é um tanto quanto podado pela necessidade de trabalhar a trama principal e deixar os conflitos dos personagens de lado. Mas é inegável que a performance destruidora de Nicole Kidman é daquelas que realmente eleva o material. Se este filme vai se tornar um "peso do passado" na bagagem dela, certamente será por ter acrescentado mais uma boa peça à sua filmografia.
Um filme absolutamente repulsivo em todos os sentidos e, ao mesmo tempo, absurdamente instigante. Uma combinação que nem sempre dá certo. Mas que, pelo menos aqui, consegue nos levar até o fim, mesmo que aos trancos e barrancos.
A película apresenta a "obsessão" sob vários aspectos. Seja pelo lado do jovem Jack (Zac Efron), obcecado por sua primeira paixão, Charlotte (Nicole Kidman). Ou pelo prisma dela que, por sua vez, é obcecada por presidiários, entre os quais o assassino Hillary van Wetter (John Cusack), que alimenta a sua obsessão de forma igualmente obsessiva. Por fim, podemos também acompanhar a obsessão dos jornalistas Ward (Matthew McConaughey) e Yardley (David Oyelowo), de dois ângulos: de um lado, há a busca incessante pela resolução correta da história e, do outro, a busca por tirar proveito próprio daquela história que se passa na infernalmente quente Flórida dos anos 60.
Toda a atmosfera criada em torno do filme transmite bem o ambiente problemático em que a sociedade americana vive desde sempre. No lugar dos quartos extremamente bem arrumados e dos cabelos muitíssimo bem penteados, aqui há uma busca pelo autêntico que é representado pela bagunça do dia a dia. Justamente o contrário da imagem de perfeição que o cinema americano tenta, desde sempre, projetar.
Os personagens também são um reflexo claro disto. Longe de serem maniqueístas, todos têm tratamentos muito próximos de seres humanos de carne e osso. Com qualidades e defeitos muito aparentes, na maior parte dos casos. E, nisso, as performances bem executadas dos atores conseguem dar verossimilhança a figuras que poderiam muito bem parecer meras caricaturas nas mãos de intérpretes menos competentes.
O maior problema, a meu ver, é o roteiro. Não porque seja ruim, necessariamente. Mas sim porque, a todo instante, insere novas tramas e tenta dar camadas aos personagens que não são propriamente exploradas. As discussões sobre raça ou homossexualidade, por exemplo, não acrescentaram em nada à trama principal. Antes, serviram apenas como distrações e pareceram truques para criar conflitos novos para renovar o interesse do espectador de forma artificial.
A direção também é um pouco errática na manutenção de um tom mais consistente. Em alguns pontos, beirava uma comédia de humor negro. Em outros, era um drama que variava entre os conflitos internos dos personagens e externos inerentes à época em que viviam os personagens. Por fim, nos demais momentos, era só um thriller mais corriqueiro.
Até aspectos de produção que foram bem trabalhados (com destaque para a maquiagem), sofrem com a falta de foco, e o melhor exemplo disto é a sequência das águas-vivas. Ferimentos que pareciam tão graves, a ponto de render uma matéria de circulação nacional, simplesmente sumiram de uma hora para outra, enquanto o cheiro da urina permaneceu no corpo do personagem. Sem sentido.
No geral, é um filme interessante e esforçado. Apesar dos tropeços, as ótimas performances energizam o enredo e nos fazem querer chegar até o fim. É uma pena que, com os tiros pra todo lado de algumas subtramas, a gente fique com a sensação de que algumas das melhores histórias não foram sequer exploradas. Ao mesmo tempo, se a intenção nunca foi discutir nada daquilo que foi só superficialmente inferido, o tratamento dado à trama principal poderia ter sido melhor desenvolvido.
No fim das contas, não é um daqueles filmes tão ruins que vão ser imediatamente esquecidos (ou lembrados para sempre apenas como piada). Mas, infelizmente, também não é um daqueles filmes tão bons que vai criar todo um grupo de espectadores obcecados por anos e anos a fio.
Interessante como um filme que pretende criticar toda a "cultura de celebridade" da nossa sociedade, vápida e tépida, consegue tornar-se exatamente aquilo que almejava criticar... igualmente vápido e tépido.
Os ataques que o título nos promete ficam, muitas vezes, só nas piadinhas inconsequentes que surgem em situações que soam muito artificialmente fabricadas ao longo da trama. No lugar de apostar na crítica ferina, dá-se preferência ao desenvolvimento das histórias do roteirista Lee Simon (Kenneth Branagh) e sua ex-esposa (Robin Simon), em suas jornadas que seguem os mesmos caminhos, sempre permeados pelo encontros com as celebridades, mas de forma inversa.
Do jeito que o filme foi montado, no entanto, o aspecto de crítica social e o desenvolvimento da trama dos personagens principais não conseguem se sobressair e não há muito sucesso nem por um lado, nem pelo outro. Pelo lado da análise do mundinho pantanoso das celebridades, tudo parece um esquete solto com pouco propósito para o enredo como um todo. Pelo lado do drama dos protagonistas, o trabalho de construção da narrativa é insuficiente e desfocado.
As performances são bastante interessantes, entretanto. Kenneth Branagh consegue mimetizar o trabalho de Allen como ator de forma exemplar. Da mesma forma, Judy Davis também tem um desempenho interessante num papel que, em outros tempos, certamente seria de Mia Farrow. Entre os coadjuvantes, o destaque é certamente de Leonardo DiCaprio que consegue ter alguns dos momentos mais memoráveis de toda a película, mesmo estando na tela por pouquíssimos minutos.
Uma pena, no entanto, que atrizes como Charlize Theron, Melanie Griffith ou Bebe Neuwirth tenham sido desperdiçadas em papéis tão básicos e que, inclusive, beiram (e às vezes ultrapassam, a bem da verdade) os limites da misoginia. Teria sido muito mais interessante trabalhar melhor as personagens de atrizes competentíssimas como Famke Janssen ou Winona Ryder com algumas das facetas que foram transportadas para mais personagens femininas apenas para, talvez, entulhar o elenco com mais e mais celebridades.
No fim das contas, o mais interessante foi ver a história circular e voltar ao exato ponto em que começou. Se o pedido de socorro parecia estar muito distante lá no céu no começo da obra, ao fim ele precisa ser encarado de frente pelo protagonista... Sendo este uma representação do próprio Allen, talvez ele próprio precisasse ter pedido por socorro aqui. Uma pena que, mesmo se tivesse pedido, nem todo o conjunto de celebridades (tanto na frente, quanto por trás das câmeras) do mundo poderia salvá-lo aqui, como parece ter ficado claro, muito ironicamente, como preto no branco.
Um conceito interessantíssimo desperdiçado num desenvolvimento mais raso que um pires. Se o objetivo era trazer à tona discussões sérias sobre problemas sérios da sociedade ligados ao "valor" que damos às pessoas, como racismo, sexismo ou classismo, era necessário trabalhar o roteiro com menos personagens e mais profundidade na construção daqueles que permanecessem na história.
Por outro lado, se o objetivo era apenas fazer um slasher film com uma mera pontinha de crítica social, mas com foco claro nas mortes a rodo, deveriam ter investido na produção de algo minimamente interessante para prender a atenção pelos próximos dois minutos, enquanto a próxima morte não vinha. E na morte também, claro. Porque nenhum slasher film que se preze repetiria o mesmo tipo de morte, com pequenas variações, 49 vezes.
Do jeito que o filme foi produzido, no entanto, não é possível ser bem-sucedido nem em uma coisa, nem em outra. A obra é quase um Frankenstein perdido entre esses dois mundos, sem pertencer exatamente a nenhum deles.
O roteiro nunca sai da superfície, as performances são básicas e não têm qualquer desenvolvimento maior, todo o trabalho da equipe de produção precisa apelar para a construção de estereótipos óbvios para apresentar os personagens de maneira rápida e a direção é, igualmente, pouco criativa nas escolhas em todos os sentidos. Visualmente, o filme torna-se até cansativo, mesmo tendo apenas 86 minutos de duração.
O desfecho ainda tem uma pontinha de brilho, por pelo menos apostar na subversão das expectativas que esse gênero de filme gera nos espectadores. Fora isso, a história só circulou em torno de si mesma. Não que haja necessariamente problema numa trama circular. Muito pelo contrário. O problema é quando o caminho que os personagens percorrem para fazer o círculo entre o começo e o fim não tem qualquer vida. E é exatamente isto que acontece aqui.
Raras vezes um projeto tão ambicioso e amplo e, ao mesmo tempo, tão simples e contido (algo quase paradoxal mesmo) como Boyhood encontra espaço em Hollywood. Longe de ser ambicioso na tentativa de arrecadar um bilhão de dólares nas bilheterias ou amplo no esforço de atingir todos os nichos de mercado possíveis, o filme prefere ser ambicioso na escala do projeto (doze anos em produção, uma verdadeira eternidade) e amplo no escopo do retrato das vidas envolvidas. Igualmente, o roteiro simples (e, ainda assim, complexo ao mesmo tempo) e a produção contida só agregam à mensagem, em vez de servirem ao fácil entendimento ou a escolhas artísticas muito óbvias e quase mecânicas, como geralmente acontece.
Inclusive, é exatamente isto que confere ao filme uma atmosfera de autenticidade poucas vezes vista em produções hollywoodianas. No lugar de se preocupar com uma perfeição irrealista de cenários, dos figurinos ou da maquiagem dos personagens em cena, o foco aqui fica centrado nas performances. Não foi à toa que esta foi a maior área de reconhecimento do filme.
Há também um grande apego por tentar datar a época em que se passa a história, com várias referências culturais, instantaneamente relembradas por quem viveu naquela mesma época, inseridas na obra. Mas isso não atrapalha o desenvolvimento da trama, porque são meros acessórios para compor o ambiente. E o ambiente é muito bem construído para proporcionar uma experiência que, ainda que não seja extraordinariamente impactante, consegue ser extraordinariamente impressionante.
O que temos aqui é um trabalho incrível de reconstrução da realidade numa obra de ficção projetada para as telas de cinema. Épico em escala e, ao mesmo tempo, muito íntimo no trabalho de investigar o amadurecimento do ser humano em diferentes fases da vida (e nem falo só do Mason, porque o foco maior pode até ser na história dele, mas todos que estão ao seu redor cresceram junto dele e o filme mostra toda essa jornada).
Um retrato da realidade sem grandes retoques, sem reviravoltas absurdas e sem heróis e vilões. Do jeitinho que é a vida. E isto, que muitas vezes é defeito em outras obras, aqui é uma qualidade inexorável. Porque, se o objetivo era retratar a vida com fidelidade, isto foi feito com muito sucesso.
Zé droguinha, sim! Mas um Zé droguinha contemplativo com diversas camadas de reflexão. Um road movie, claro! Mas um road movie em que os personagens curiosamente andam, andam e andam, mas, por muito tempo, parecem não sair do lugar. Um filme sobre gente! Gente que não é necessariamente boa ou ruim. Apenas gente.
Um trabalho que poderia ser quase paradoxal, mas que na verdade é um belo exercício de análise do próprio ser humano. Como bem disse Bob (Matt Dillon), “o drogado gosta de saber para onde está indo. E, para saber, só precisa ler o rótulo”. Não é este o sonho de todo mundo? Ter certezas sobre o nosso destino?
Na falta das certezas, entretanto, buscamos ter controle. A maioria tenta controlar seus desejos – e suas frustrações – com aquilo que a vida nos oferece. Hoje em dia são as redes sociais ou os jogos de computador, por exemplo. Em 1971, a maioria também seria parte da “geração televisão” por falta de outra opção. Outros recorrem a vícios potencialmente mais danosos como o uso de drogas. Mas, no fim das contas, existe tanta diferença assim entre uma coisa e outra?
O filme não é exatamente uma tentativa de glamourizar o submundo das drogas (ao contrário do que me disseram), mas é certamente uma visão bem sanitizada deste mesmo mundo, algo que definitivamente me desagradou um pouco. Não porque qualquer usuário de drogas precise se encaixar num estereótipo forçado de uma pessoa quase insana e/ou maltrapilha, longe disso. Mas sim porque, no fim das contas, pareceu que todos eles usaram drogas por anos e anos sem qualquer consequência. Afinal, nem uma cicatriz marcou a pele perfeita da testa de Bob depois de um machucado que pareceu tão grave.
O ponto mais positivo do filme, no entanto, é trazer o mundo das drogas à tona sem fazer juízo de valor imbuído de uma abordagem proselitista e levar a discussão a sério. É apenas algo que existe e que precisa ser debatido pela sociedade, justamente para não se tornar um tabu que passa a ser buscado e cultuado por muitos, tal qual ocorre hoje em dia. É uma obra que não nos deixa necessariamente tristes ou felizes pelos personagens, nem exatamente desesperados ou esperançosos pelo futuro após refletirmos sobre o que assistimos.
Assim como a vida, repleta de inúmeras possibilidades, o que o filme faz é nos dar muita margem para contemplação. Até porque podemos até achar que controlamos uma coisa ou outra, mas qualquer virada pode ser o fim da linha. E esta é a beleza da vida. A nós só resta fazer a escolha sobre os óculos que queremos usar para enxergá-la: enquanto uns vão enxergar a vida com um enquadramento quase quadrado de uma armação que muitos considerariam "careta", outros vão preferir lentes coloridas caleidoscópicas. E ninguém estará necessariamente errado na escolha que fizer. Desde que assuma a responsabilidade por suas decisões, claro. Assim como Bob e seus amigos fizeram.
Quem nunca imaginou o quão interessante deve ser a vida de um produtor de Hollywood? Uma mansão, um carrão, um filme arrasa-quarteirão e, de quebra, um monte de pensão. Esta é exatamente a vida de Ben (Robert De Niro), um produtor que precisa equilibrar tudo e todos ao seu redor para conseguir manter sua rotina em pleno funcionamento. Parece uma premissa com muito potencial, não é? Pena que só parece.
Apesar de se perguntar “o que acabou de acontecer?” em seu título original, a obra passa longe de evocar o mesmo pensamento nos espectadores. Há aqui um monte de arremedos de historinhas possivelmente reais vividas por gente que trabalha em Hollywood, uma vez que o filme é roteirizado por Art Linson com base numa obra em que ele próprio relembra casos dos bastidores hollywoodianos. No entanto, não há nada particularmente interessante em nenhuma das tramas desenvolvidas.
Os personagens são quase todos caricaturas do que se projeta em Hollywood a todo instante. Seja a executiva mandona e firme, o ator temperamental que gosta de dar piti, o diretor esquisito que quer fazer tudo do seu jeito a qualquer preço, a esposa-troféu #1 que cuida dos jardins da mansão que manteve consigo no divórcio, a esposa-troféu #2 que cuida dos filhos que manteve consigo no divórcio... Nenhum deles é desenvolvido apropriadamente e todos parecem meras muletas para reforçar o que quer que se precise fazer para levar a narrativa do protagonista em frente.
E nem isto é feito a contento. O filme é basicamente uma jornada pouquíssimo interessante pelos bastidores da indústria cinematográfica. Naquele mundinho em que tudo se arranja, do comprimido sem prescrição à novinha que vai aonde você quiser... Até ao seu funeral. E, chocantemente, nem assim consegue ser algo minimamente intrigante.
Talvez tenha sido este o objetivo da película: mostrar que, no fim das contas, por trás das suas vidas hollywoodianas, ninguém lá é muito diferente de quem está do lado de fora daquele mundo. As mesmas frustrações são escondidas pelos mesmos mecanismos de escape (remédios, terapia, etc.). Uma pena que isto não exima a história de ser minimamente interessante para se tornar um filme bom. O que definitivamente não é o caso desta peça, que prometia ser totalmente "fora de controle", mas acabou por se revelar completamente apática.
Se tudo hoje em dia é televisionado, por que não televisionar a morte? É esta a pergunta que o filme evoca. Na era dos reality shows, em que tudo que se pretende fazer com vidas humanas é usá-las como personagens de programas de confinamento, namoro ou competições, o que impediria uma rede de televisão de encerrar vidas ao vivo semanalmente enquanto nos vende aquilo que não precisamos ter nos intervalos comerciais?
É exatamente isto que Adam Rogers (Josh Duhamel), um apresentador de reality shows, tenta fazer após uma experiência traumática. Para executar este trabalho, conta com a ajuda da executiva Ilana Katzenberg (Famke Janssen) e da produtora Sylvia Rowland (Caitlin FitzGerald). Na outra ponta, gente desesperada para tentar tirar proveito do seu último suspiro em nome de promover o bem para aqueles que amam. Gente como Mason Washington (Giancarlo Esposito, também diretor da película).
Uma premissa desesperadora e um conceito bastante crítico à toda uma geração de programas de televisão focados na “realidade”, no entanto, são desperdiçados numa execução extremamente falha.
O roteiro trata de desenvolver as histórias que vão se entrelaçando das formas mais básicas possíveis. À medida em que as ações dos personagens vão se desenvolvendo, as reações dos outros personagens são bastante previsíveis. E, ao fim de tudo, vários dos desfechos ficam em aberto (excetuando o destino do protagonista e da sua irmã, que ficaram bastante claros, todos os outros finais poderiam ter se utilizado ao menos de um simples voiceover ou de uma finalização por meio de texto mesmo, para serem adequadamente encerrados).
O tom do filme também é muito desigual. No começo, o viés satírico é bastante reforçado. A direção das cenas do primeiro reality show, a participação no programa matinal (incluindo uma performance bastante extravagante de James Franco como apresentador do programa), a reação da executiva no switcher da emissora, tudo parece apontar neste sentido. E então o filme abandona tudo isto e segue para um caminho extremamente convencional na sua abordagem, dali até o fim, de uma hora para outra.
No entanto, nem só mantendo um tom mais regular o roteiro se seguraria. Para reforçar a crítica, seria muito mais interessante ter feito um estudo de personagem, ao invés de tentar mostrar muitos ângulos diferentes sem grandes aprofundamentos na história de nenhum deles. Ao tomar este rumo, o protagonista, por exemplo, deixa de uma hora para outra de ser uma caricatura e vira outra completamente distinta. As motivações (fama, dinheiro, etc.) para tal são inferidas, logicamente. Mas o desenvolvimento disto é completamente súbito na tela.
Do jeito que a obra se desenvolveu, a performance de Josh Duhamel teria de ser muito mais firme para parecer minimamente realista. Famke Janssen, no entanto, tem um bom desempenho como a “Diana Christensen” da era dos reality shows. Por ser uma personagem secundária, o desenvolvimento (ou a falta dele, no caso) dela é o mais aceitável. O mesmo acontece com Sarah Wayne Callies, que também faz um bom trabalho como a problemática irmã do anti-herói da história.
É um filme esforçado, não tenho dúvida, até por se tratar claramente de um “filme B” sem um grande orçamento. Mas só esforço não é o bastante. Da produção que não conseguiria fazer Vancouver parecer Los Angeles nem se recomeçasse o trabalho do zero (nem um filtro nas cenas externas tentaram usar para amenizar isto), ao roteiro pouco desenvolvido e, por fim, à direção extremamente literal e pouco criativa em momentos-chave da obra, o que acaba por ser mais memorável no filme é, ironicamente, o conjunto de mortes exibidas no This Is Your Death... Justamente o que a peça pretendia criticar. Se o objetivo maior era atacar o fato de que estamos chegando perigosamente perto da era em que a morte será televisionada, a crítica acabou morrendo também no palco do programa. Trágico.
Se no século XIX você era rei por nascimento e no século XXI você se torna rei simplesmente por associação, no século XX você ainda precisava fazer alguma coisa para se tornar parte da realeza. Normalmente o caminho era se notabilizar em alguma área de destaque na sociedade. Seja como um exímio atleta, um genial político, um artista talentoso, um cientista esforçado ou, quem sabe, um legítimo showman.
Não tendo lá nenhuma aptidão física aparente para ser atleta ou conhecimento intelectual para ser um cientista de renome àquela altura da vida, restava a Rupert Pupkin (Robert De Niro) seguir pelo caminho do show business. E quem poderia guiá-lo melhor que alguém que já havia chegado lá? É aí que Jerry Langford (Jerry Lewis) entra na jogada e muda completamente a vida do comediante, sem sequer se dar conta disto a princípio.
O roteiro tenta a todo instante nos convencer de que aquela farsa jamais poderia prosperar, nos movimentos quase circulares que o personagem precisa fazer vez após outra para tentar atingir seus objetivos. Mas não é exatamente isto que toda farsa faz? E o pior: quando menos se espera, tudo se encaixa perfeitamente e soa bastante razoável até para quem mais duvidava do que se via na tela.
Temos aqui um estudo muito interessante sobre a "cultura da celebridade" e o impacto da fama instantânea na nossa sociedade, algo ainda pouco trabalhado à época do filme. Ao mesmo tempo, o filme aborda questões como obsessão e outros transtornos mentais e o submundo dos stalkers no pano de fundo com maestria.
É realmente impossível não fazer a associação com o recente Coringa, ainda mais sabendo que Robert De Niro consegue estar brilhantemente dos dois lados da moeda, tanto quanto algoz quanto como vítima do mesmo tipo de trama. Um trabalho excepcional (ainda que parecido com o que ele já havia feito em Taxi Driver) de construção do personagem, como sempre.
Sandra Bernhard na pele da obcecada Masha também consegue executar uma personagem que teria tudo para ser caricata a ponto de comprometer o filme com precisão. Jerry Lewis, igualmente, também foi muito bem escalado. Como o “rei da comédia” original, ninguém melhor que ele para interpretar aquele que tem sua coroa ameaçada por um jovem que, apesar de aparentemente louco, não é de todo ingênuo e sabe jogar com o sistema.
No fim, é impossível recriminar Todd Phillips por beber muito desta fonte, já que este é um trabalho sem igual de Martin Scorcese. Um daqueles filmes que consegue mesclar humor e drama, verdade e mentira, e mesmo realidade e fantasia, com primor.
Como comédia, não arranca muitas risadas. Como drama, não faz lágrimas escorrerem pelo resto. Como farsa, no entanto, gera sérias reflexões sobre a nossa sociedade. Até porque, se a plateia não hesitou ao dar risadas mesmo ao fim do monólogo, quando todas aquelas “piadas” eram a mais pura verdade, não seria esta a prova de que a nossa realidade é tão absurdamente farsesca quanto os universos paralelos que Rupert criava em sua cabeça? E, sendo isto verdade, seria Rupert Pupkin o único doente mental dessa história? Fica o questionamento.
Até onde você iria para ser alguém? Omitiria informações e trairia a confiança daqueles que dizem ser seus amigos? Ou, quem sabe, burlaria o código de honra ao qual você se submeteu e trapacearia quando surgisse oportunidade para conseguir vantagem para si? Estas são as perguntas sobre as quais Código de Honra nos faz refletir.
David Greene (Brendan Fraser) é um jovem de uma família humilde do interior da Pensilvânia. Exímio atleta, tem a oportunidade única de ser recrutado para uma escola da elite no interior de Connecticut para fortalecer o time do colégio.
De início, ele parece se encaixar perfeitamente naquele ambiente, apesar de não pertencer àquele mundo. O seu “pertencimento” do ponto de vista dos outros, no entanto, depende da omissão sobre a sua própria identidade. Ao mascarar suas origens, David começa a achar que faz parte da turma... Mas será que algum dia ele realmente poderia ser membro daquele clube?
Infelizmente não. E o filme é um retrato fidedigno do que é o preconceito. Uma simples revelação colocou todo o mundo de David de cabeça para baixo de uma hora para outra. Mas, se ele pecou por omitir, ao menos não pecou por mentir. E daí surge o condão da outra discussão essencial que este filme trouxe: a desonra.
Os erros que fogem ao nosso alcance (seja o nosso credo - como no filme -, ou a nossa cor de pele, nossa classe social, enfim, nossas origens), muitas vezes não são perdoados pelos outros. Mas os erros de caráter que, pelo contrário, são sempre passíveis de serem evitados, são facilmente admitidos pelos pares e mesmo contornados. Se o mundo é capitalista e elitista, dinheiro, conexões ou a apresentação da carteirinha do clube certamente não atrapalham na “correção” que se pretende, não é mesmo?
No fim das contas, os dois assuntos são muito complexos para serem abordados a contento pelo filme. Por vários e vários minutos, perde-se tempo com tramas pouco relevantes para as discussões centrais. Todo o arco do jovem que sofre um colapso nervoso e do professor de francês, por exemplo, é completamente desnecessário para qualquer uma das discussões.
Apesar do roteiro errático, a produção trabalha a reconstituição de época com muito esforço. Dos ambientes mais rústicos da pequena Scranton ao belo internato, temos um retrato dos Estados Unidos dos anos 50, na era áurea que muitos consideram como o “pico do modo de vida americano”.
As performances são, em geral, boas. Matt Damon é o destaque do elenco de longe, com o papel mais significativo. Longe de ser um mero vilão caricato, o roteiro conseguiu trabalhar bem o desenvolvimento do personagem e torná-lo realista. A belíssima Amy Locane também está encantadora no papel. Se visse o filme à época, apostaria numa bela carreira pela frente para a moça (algo que, infelizmente, não se concretizou, sabe-se lá porquê).
Infelizmente, não imagino que o filme em si seja lá muito marcante. Um tratamento mais aprofundado e focado no roteiro teria ajudado muito a transpor as mensagens principais para a tela do cinema. Talvez o erro tenha sido não focar na crítica ao sistema, ao contrário do que se fez em A Sociedade dos Poetas Mortos.
Afinal, é o sistema o responsável por nos fazer esconder nossa identidade ou esquecer a nossa honra quando podemos burlá-lo. Ao tentar lidar com questões tão complexas de forma muito mais pragmática, Código de Honra, em comparação, acaba por ser um filme muito menos memorável.
Ao começar a assistir As Loucuras de Rose, você não dá nada pelo filme. “Mais uma historinha de uma menina pobre que vai em busca do seu sonho louco num cenário improvável”, você pode imaginar. E quem apontasse isso como mote do filme nem estaria totalmente errado, a bem da verdade. Essa premissa é completamente verdadeira. Mas toda a forma com que se desenvolve está cercada por uma atmosfera de autenticidade poucas vezes igualada em produções do tipo.
Até porque com certeza todo mundo já se imaginou como uma estrela. Na nossa sociedade, todo mundo ouve dizer que é “especial” desde criança. Quando a vida adulta chega, no entanto, fica claro que pouquíssimos realmente chegam lá. É este o baque que vive Rose-Lynn Harlan (Jessie Buckley) nesta inusitada dramédia no estilo coming-of-age. A busca pelo estrelato entra em conflito constante com o que a vida lhe reservou até aquele ponto. Até aí, nada demais, certo? Mas todo o trabalho dos envolvidos é que faz total diferença para tornar este filme uma joia rara.
A começar pelo trabalho da atriz principal, Jessie Buckley. Ela circula entre o bizarro e o rotineiro, a burrice e a inteligência, o desprendimento e o compromisso, a juventude e a maturidade e, principalmente, entre o riso e as lágrimas, com uma naturalidade que poucas atrizes conseguem reproduzir. Qualquer intérprete menos lapidada poderia soar extremamente artificial num papel tão excêntrico. Jessie Buckley, por outro lado, soube equilibrar todas essas facetas da personagem de modo a torná-la essencialmente humana. E, para além disso, verossímil.
Julie Walters também está fantástica. Ela já é conhecida por tirar leite de pedra quando participa de filmes mais baqueados. Quando pega material bom, como este aqui, então... Não poderíamos esperar menos que uma performance estupenda! Como a mãe da protagonista, ela foi a responsável pelos momentos mais emocionantes do filme, inclusive. Aqueles que te fazem chorar de forma natural, sem apelar para cargas dramáticas excessivas e artificiais, ao mesmo tempo em que consegue não descambar para o sentimentaloide.
Entre os outros atores, Sophie Okonedo também faz uma participação muito carismática como Susannah, e os atores mirins também fizeram um ótimo trabalho. Para além das performances, outros aspectos da produção também são bastante marcantes, principalmente o figurino da personagem principal.
Por se tratar de um filme entrelaçado com o mundo da música, entretanto, a escolha da trilha sonora certa era vital para fazer tudo funcionar com maestria; entre alguns clássicos da música country e outras faixas menos conhecidas, mas que se encaixam muito bem com o que vive a personagem na tela, temos uma boa seleção, sempre embalada na voz da atriz principal, o que só contribui para reforçar a conexão entre as canções e Rose.
O ponto alto da obra é a maravilhosa canção original, infelizmente esnobada pelo Oscar e outras premiações, que encapsula perfeitamente o ápice da trama em forma de música. Diferentemente de muitas outras canções originais que ganharam muito mais reconhecimento, esta daqui realmente se encaixa de forma essencial no filme. Uma pena que a tenham preterido em favor de outras canções muito mais mecânicas e sem vida feitas quase que exclusivamente como “iscas de premiações”.
Em geral, um trabalho de altíssimo nível em todos os sentidos. Roteiro sucinto e direto, sempre tomando cuidado para retomar e fechar tramas que estavam em aberto. Uma montagem firme, que mantém um ritmo muito interessante a todo instante. E, acima de tudo, uma direção segura para juntar todas as peças por parte de Tom Harper. Inspirador sem ser clichê demais e louco na medida certa. Recomendadíssimo.
Baseado em Fatos Reais
3.1 189 Assista Agora"Escreva sobre o que você sabe". Esta é uma recomendação que escritores mais experientes sempre fazem para autores mais jovens. Delphine Dayrieux (Emmanuelle Seigner), apesar de já não tão jovem, seguiu o conselho à risca e resolveu escrever sobre os últimos momentos de vida da mãe, por mais que a experiência fosse dolorosa sequer para relembrar, quanto mais para eternizar nas páginas de um romance.
Ainda que tenha sido muito aclamada e bem-sucedida, a obra representa para Delphine um intenso ponto de conflito na sua vida. A escritora desenvolve uma sentimento de culpa quase sobre-humano por ter exposto a história da mãe para ganhar reconhecimento no mundo literário. E, em meio ao dilema entre a felicidade pelo sucesso e a tristeza carregada pela culpa, surge Elle (Eva Green).
Ambas têm belos cabelos ruivos e penetrantes olhos azuis, mas a maior semelhança entre as duas é, curiosamente, o fato de ambas serem escritoras. E Elle tenta, desde sempre, convencer Delphine de que ela precisa escrever o "livro escondido", de uma forma cada vez mais flagrantemente obsessiva. Primeiro com encontros cada vez mais frequentes, depois mudando-se para a casa da escritora e, por fim, viajando com ela para uma casa de campo em um lugarejo isolado.
E é aí no lugarejo que a verdadeira história se revela. Elle, como a vimos, nunca existiu. Pelo menos não daquela maneira. Foi só uma criação da cabeça de Delphine (muito provavelmente ela própria se projetando naquela idade), que sujeitou-se àquela experiência toda para expiar o sentimento de culpa por ter exposto a mãe para fazer sucesso.
Aliás, faz todo o sentido que Delphine tenha passado por tudo aquilo que Elle alegava viver. O isolamento, a falta de reconhecimento por seu trabalho como ghostwriter e, pior, todas as experiências traumatizantes que Elle relatou podem, muito bem, ser aquelas que Delphine de fato viveu quando mais nova.
Daí, fica uma dúvida carregada de uma ironia dramática fenomenal (que o filme deixa em aberto): a história "baseada em fatos reais" que ela contou no seu romance subsequente foi a da sua própria vida, que Elle tanto queria que ela contasse ao mundo, ou a que ela criou na sua cabeça para expiar a culpa pelo que fez à mãe, e que precisava "viver" para recontar num novo romance?
Um trabalho sensacional das duas atrizes principais. Sempre muito seguras em cena, mesmo nas situações mais estapafúrdias, as duas mantêm a atenção do espectador até o fim. Polanski também faz um trabalho majestoso de subversão das nossas expectativas. As coisas vão sendo inferidas pouco a pouco, e todas as dicas já estavam lá desde o começo, mas a gente só consegue ir percebendo a ironia da coisa toda exatamente da forma que ele queria.
E é justamente no encontro da verdade com a mentira e da realidade com a fantasia que vive a ironia que sustenta a obra do início ao desfecho. Se o ideal é sempre "escrever sobre o que você sabe", você precisa de fato viver para escrever sobre algo com substância e autenticidade. Nem que isso tenha de ser levado ao limite da própria vida para que possa fazer sentido para você. E, como Delphine muito habilmente descobriu, não só para você, como para todo o mundo também. "Sentido", afinal, não deriva de "sentir" à toa.
Sem Fôlego
3.0 76 Assista AgoraA velha história da busca pela realização de sonhos. Duas crianças, em duas épocas diferentes, precisam superar a distância que as separa da grande Nova Iorque, o único lugar onde podem realizar aquilo que o destino as reservou. Mas não é só a distância que complica as coisas. As adversidades que a vida impõe, seja pelo nascimento ou pelas circunstâncias estranhas, também precisam ser superadas.
E, assim, Rose (Millicent Simmonds) e Ben (Oakes Fegley), partem em suas jornadas. Ela quer encontrar uma atriz de cinema mudo. Ele, o pai perdido. No fim, ela não encontra quem nós esperávamos. Ele, por sua vez, descobre muito mais sobre o pai do que poderia imaginar (e de uma fonte bastante improvável).
O filme fica meio parado até realmente dar aquele estalo e acontecer de fato. Mas isto é, de certa forma, só um reflexo de como vemos o cinema como meio audiovisual. Como aqui precisava prevalecer só o visual em muitos momentos, pela deficiência dos protagonistas, é possível encarar isso como uma crítica ao ritmo como vivenciamos as coisas. E, talvez, como sequer nos damos conta de que muita gente à nossa volta vivencia as coisas em ritmos totalmente diferentes.
O contraste entre as eras também é muito bem executado. A escolha pelo pastiche do cinema mudo, em seus exageros e caricaturas, para retratar o fim dos anos 20, em contraste com o mundo colorido (ao mesmo tempo que, paradoxalmente, problemático) da década de 70, pode até ser formulaica, mas é bastante bem executada na tela.
Da mesma forma, os atores mirins (tanto os protagonistas quanto o jovem Jamie, interpretado por Jaden Michael) têm um carisma inegável e entregam bons trabalhos. As veteranas Michelle Williams (aparece muito pouco, infelizmente) e Julianne Moore (embora um tanto quanto contida para uma atriz de cinema mudo), igualmente, também conquistam a gente quando aparecem na tela.
O filme pode não ser tão marcante quanto Carol (2015) ou Longe do Paraíso (2003) no currículo do diretor Todd Haynes, mas é um bom trabalho. Não se deixe enganar pelo título traduzido, que nada tem a ver com a trama. Infelizmente, o filme não é daqueles que nos deixa "sem fôlego". Na maior parte do tempo, as histórias se desenvolvem com pouca emoção e o filme chega a ficar um pouco cansativo. Mas, quando tudo se conecta, o lampejo é realmente maravilhoso. Vale a pena.
Roda Gigante
3.3 309Uma roda-gigante leva a pessoa de baixo para cima e de cima para baixo. De certa forma, toda carreira é assim. Cheia de altos e baixos. E a única certeza que alguém pode ter é de que não se pode estar no topo sempre, por mais que se tente. Ainda mais quando sua carreira já dura seis décadas (e, felizmente, indo para a sétima). Roda Gigante não é um filme ruim. Mas, para um filme de Woody Allen, fica ali entre o meio da descida e o chão no passeio na roda-gigante, sem sombra de dúvidas.
A começar pelo roteiro, que é um tanto quanto previsível. O desenrolar das situações é feito de maneira quase cronometrada, sem muitas surpresas. As maiores ironias da história (um salva-vidas salvando uma vida) e os clichês hollywoodianos (atriz fracassada que vira garçonete é um clássico, afinal) são até bem explorados, mas o elenco enxuto e os trabalhos anteriores do diretor já indicam muito claramente para onde a história vai.
A concisão do elenco até poderia favorecer o desenvolvimento dos personagens, mas acaba sendo só uma forma de reforçar a sensação de previsibilidade mesmo. E, com tanto tempo na tela, a sensação de "over" das atuações se intensifica. Kate Winslet é uma ótima atriz e faz aqui um trabalho muito bom, mas consigo entender perfeitamente a crítica. Juno Temple, por exemplo, parece muito mais despretensiosamente natural no papel.
O ponto alto é a fotografia, de longe. Aproveitando a época em que se passa o filme, a equipe consegue emular as cores chapadas da era Technicolor com precisão. E melhor: usando a semiótica a serviço da trama de forma exemplar. O design de produção também é magnífico, remontando um ambiente com tantos detalhes como um parque de diversões com exuberância.
No fim das contas, o filme passa longe de ser uma experiência ruim. É até interessante rever o "apartamento debaixo da montanha-russa de Coney Island" de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) e reviver histórias como a do garoto que passa o dia fazendo traquinagens, tal qual o Joe de A Era do Rádio (1987), e se refugiando nas salas de cinema, assim como a Cecilia de A Rosa Púrpura do Cairo (1985)...
O problema é que, trazendo tantas lembranças destas excepcionais obras anteriores, não tem como não lembrar que todas as três eram como estar no topo do passeio na roda-gigante. E Roda Gigante, infelizmente, não tem o mesmo frescor e, nem de longe, é capaz de evocar as mesmas sensações.
Estranhos Visitantes
2.3 55 Assista AgoraRaras vezes vi um filme tão desfocado. É uma tentativa de fazer drama familiar, com tons de suspense psicológico, que batia na ficção científica, tentava apostar no terror barato e, no fim, acabava virando uma comédia pastelão pelo simples ridículo da situação. Se há uma escala de falta de qualidade por aí, esse daqui conseguiu bater qualquer meta e se tornar "coisa de outro mundo".
E não me refiro nem aos efeitos especiais datados, até porque não se poderia esperar nada diferente de um filme de 1989, mas é realmente assustador como o diretor não resolveu trabalhar o material de outra forma quando algo beira o ridículo dessa maneira.
É impressionante como até setores que já eram bem estabelecidos, como o da maquiagem, conseguem fazer os personagens parecerem bizarros a troco de precisamente nada. A ambientação, então, até tenta parecer mais excêntrica que o próprio filme, com os cenários dominados por quadros exóticos e escolhas de figurino questionáveis, mas fica só na tentativa.
A trilha sonora também soa completamente alienígena num filme deste gênero. Mas não de uma maneira positiva, infelizmente. Afinal, parece ter sido simplesmente chupada de um episódio aleatório de Melrose Place, e muito me surpreendeu saber que foi produzida por ninguém menos que Eric Clapton (!), sabe-se lá como.
Christopher Walken é outro nome de destaque que chama a atenção pelo envolvimento aqui. Um ator competentíssimo, ninguém tem a menor dúvida. Mas até ele parece canastrão com um material tão ruim. Os outros atores menos experientes, então, nem se fala. Os melhores deles são, no máximo, passáveis.
O roteiro é arrastadíssimo e, no fim, não entrega nada. Entre os montes de baboseiras que os personagens enunciam no começo e as investigações sobre os eventos que não levam a lugar algum do desenvolvimento, a conclusão do filme é completamente insatisfatória.
Não por ser aberta, necessariamente, até porque esta é a graça de muitos mistérios da ufologia. Mas por parecer que você simplesmente teve uma hora e quarenta e sete minutos da sua vida abduzidos. Simplesmente esperando algo interessante acontecer. E, no fim, não aconteceu nada.
Na verdade, foi exatamente isto que ocorreu aqui. Numa tentativa de ser o Poltergeist dos filmes de suspense envolvendo extraterrestres dos anos 80, isso daqui se tornou só um "estranho visitante" nessa categoria. Na categoria de filmes absurdamente bizarros e risíveis daquela (ou de qualquer outra) década, no entanto, estaria absolutamente em casa.
Sexy Por Acidente
3.2 311 Assista AgoraUm daqueles filmes que você encontra quase que "por acidente" no catálogo, e começa a assistir sem qualquer compromisso, mas que verdadeiramente conseguem surpreender positivamente. É uma comédia bem escrachada, na maior parte do tempo, mas consegue sair do raso e passar uma mensagem bacana, no fim das contas.
Numa era em que todo mundo acha que precisa estar perfeito a todo instante para aparecer no Instagram ou no Facebook, o sentimento de inadequação constante é um problema urgente na nossa sociedade. E não há uma única pessoa no mundo que não tenha "inadequações" aos olhos dos outros.
Renee (Amy Schumer) é só mais uma entre bilhões de pessoas que se sentem assim todos os dias. E, ao quebrar o ciclo de autodepreciação de forma acidental, ela se torna outra pessoa de uma hora para outra. Mas é só quando ela realmente percebe o que houve que ela encontra a verdadeira libertação. Afinal, o truque da queda foi só isto: um truque. Porque, no fim, tudo que ela precisava ter, esteve sempre lá. E que bom que ela conseguiu perceber isto a tempo.
Talvez eu tivesse gostado ainda mais do filme se o roteiro fosse mais focado nessas questões. A comédia física ficava muito forçada em alguns momentos, e algumas falas por vezes beiravam o grosseiro. Em geral, no entanto, me pareceu uma atualização muito bem-vinda para esse gênero de comédia.
O avanço em relação a um O Amor É Cego (2001) da vida, por exemplo, é bem claro. Em vez de recorrer a truques como a troca de atores ou ao trabalho de caracterização de outro mundo que só uma equipe de maquiagem hollywoodiana pode proporcionar, o filme preferiu seguir a linha da encenação farsesca, o que só reforçou a mensagem.
Uma pena que o sentimento de "peixe fora d'água" da Avery LeClaire (Michelle Williams), por exemplo, não tenha sido melhor explorado. Foi uma coisa até bem inferida, mas que ficou um tanto quanto no background, quando poderia ter rendido mais como um contraponto bastante forte à protagonista.
O roteiro poderia ter se retroalimentado um pouquinho mais (havia uma oportunidade para um subplot interessante entre o Ethan e a Mallory, a meu ver) e o Grant LeClaire (Tom Hopper) pareceu um tanto quanto sem função na esmagadora maior parte do tempo, mas gostei bastante do direcionamento que a obra tomou para trabalhar a questão do que é realmente sexy. Porque, afinal, pode até parecer clichê, mas realmente de nada adianta ter uma bela embalagem, ao mesmo tempo em que não há nada que valha a pena ser embalado por dentro.
O filme passa longe de ser revolucionário, ou mesmo a experiência cinematográfica mais gostosa do ano de 2018, mas é certamente um filme gostosinho. E não há problema algum em ser só "gostosinho"! Como Renee provou, o que se tem a dizer é o que mais importa. E Sexy por Acidente tem uma mensagem legal para transmitir. Só isso já faz o filme mais que valer a pena.
Viveiro
3.2 767 Assista AgoraUma visão completamente negativa da vida adulta convencional, mascarada por aquilo que todo mundo parece querer, mas que nem sempre realmente quer. De início, um emprego e um carro. Depois, um relacionamento. A partir daí, uma casa e, quase que por consequência, um filho.
É nessa exata jornada que embarcam Gemma (Imogen Poots) e Tom (Jesse Eisenberg), quando vão com um corretor de imóveis a um subúrbio - muito bem nomeado - conhecido como Yonder. Lá, eles vivem uma nova vida de casal a um ritmo perversamente rápido. E sem chance de escapar.
Todas as bizarrices apresentadas são apenas metáforas para as coisas da vida. O buraco que só cresce é a depressão cada vez mais profunda. O carro é o refúgio que todo mundo mantém para fugir da vida de vez em quando. A comida sem gosto é a própria rotina. As casas todas iguais são o retrato da vida suburbana que a mídia tenta nos vender, por mais que, muitas vezes, nada do que apareça na TV pareça fazer o mínimo sentido. E o relacionamento destruído é mera consequência.
O filho também é só um reflexo das escolhas do casal, como todo o resto. E o desconhecido que ele supostamente encontra pode, muito bem, ser só um problema incontornável com o qual os pais - ou, neste caso, a mãe - não sabem lidar. E, assim, os dias parecem anos, ao mesmo tempo em que os anos parecem dias. Porque a rotina se estabeleceu de forma inexorável.
E, no fim, parece que o propósito de toda a existência era só alimentar o sistema. O sistema que nos alimenta com a comida que não gostamos de comer, que nos dá empregos que não queremos e que, se muito, nos dá uma casa imensa no subúrbio que nunca precisamos ter para sermos realmente felizes... Mas que, lá no fundo, continuamos a acreditar que pode nos trazer a felicidade, de uma maneira ou de outra.
O filme realmente é um pouco cansativo e o "truque" fica repetitivo depois de um tempo (algo até estranho, tendo em conta que a duração é de apenas 97 minutos), mas é uma reflexão até interessante sobre a vida de casal na sociedade moderna.
Talvez uma forma de vender uma vida "menos segura", bem longe daquilo que nossos pais puderam nos oferecer, nessa nova era de capitalismo cada vez mais feroz em que quase ninguém tem condições de manter o mesmo padrão de vida? Possivelmente. A indústria cultural sempre tem formas muito insidiosas de "vender" certos valores.
Mas talvez seja, lá no fundo, uma crítica firme à forma como a vida segura que nossos pais nos deram nos tornou apenas bichinhos num vivário. Se os peixes têm suas pedrinhas reluzentes no aquário e os pássaros têm seus poleiros amadeirados no aviário, aos humanos resta ter uma casa no subúrbio e fim? Numa visão negativa, como a mostrada no filme, infelizmente é só isto. Por um ângulo positivo, no entanto, podemos nos acalentar com o fato de que o nosso vivário não tem vidros nos prendendo dentro dele. Ainda.
Ingrid Vai Para o Oeste
3.3 234 Assista AgoraO oeste. Aquele velho lugar, rodeado de uma atmosfera quase mística, que permanece na memória coletiva dos americanos. A direção para onde as pessoas rumam para se esquecer do passado, viver o presente e construir um novo futuro... Mas o que acontece quando o passado permanece vivo na memória, o presente é vivido unicamente através dos outros e o futuro é, justamente por isso, totalmente incerto?
É com esta situação que se depara a jovem Ingrid Thorburn (Aubrey Plaza). Longe de ser a típica mocinha, ela é uma stalker mais que preparada para enfrentar a nova era digital, na posse do seu celular e da sua conta no Instagram. E o seu novo alvo é a influenciadora Taylor Sloane (Elizabeth Olsen), aquela pessoa que sempre tem um livro que não leu para indicar, um novo lugar legal que não frequenta para divulgar e uma nova amiga que mal conhece para nas fotos marcar.
Mas nem por ser vítima ela se torna automaticamente uma mocinha, da mesma forma que Ingrid não é necessariamente uma vilã. Na verdade, o roteiro trata as duas como seres humanos minimamente realistas, com claras qualidades de um lado equilibradas com sérios defeitos de outro. De certa forma, a verdade sublinhada é de que as duas são igualmente obsessivas. Uma pela vida da outra, e outra pela própria vida.
O final, enfim, revela o grande propósito de toda a trama. Se toda história se repete uma vez como tragédia, o filme é o próprio relato dessa tragédia. Todas as situações vexatórias vão se repetir e a personagem não vai sequer entender o que se passa. Ao fim do ato, no entanto, está construída a base para que a história mais uma vez se repita. Só que, desta vez, como farsa. Afinal, se até aquele ponto a personagem tinha "um brilho próprio no olhar", a partir dali só seria mais uma Instagirl... Como ela tanto almejou ser, aliás.
Uma performance excepcional de Aubrey Plaza nesse difícil papel, que precisava ficar equilibrado entre o "assustadoramente bizarro" e o "aparentemente normal" a todo instante. Da mesma forma, Elizabeth Olsen transparece uma naturalidade incrível como o alvo da atenção - indesejada, ainda que ironicamente também desejada - da sua stalker.
Acho que a crítica poderia ter indo um pouco mais fundo nos assuntos abordados e, de fato, o tratamento dado para o suicídio é pouco consciente. No entanto, a banalidade da trama combinou perfeitamente com a realidade que o filme tentou retratar. Afinal, se na era da rede social você pode sair de fracassada completa a ídolo de milhões com um único viral, pelo menos agora você não precisa ir rumo ao oeste para ser alguém. Uma pena que Ingrid não estivesse sequer disposta a perceber isto. E é uma pena ainda maior que ela não seja a única.
Moonlight: Sob a Luz do Luar
4.1 2,4K Assista AgoraSabe aquele tipo de filme que consegue subverter completamente o que se espera dele? Moonlight é esse tipo de filme. E o melhor: faz isso com uma naturalidade quase sobrenatural, sem precisar recorrer a truques extravagantes ou exageros artificialmente colocados na trama apenas para chocar ou emocionar o espectador.
Em três atos, acompanhamos a vida do pequeno Little, do jovem Chiron e do adulto Black. E, apesar dos nomes diferentes, todos são a exata mesma pessoa. Com personalidades diferentes, no entanto, porque nosso modo de agir sempre é moldado de acordo com as circunstâncias que nos levaram até aquele ponto nas nossas vidas. Ainda mais naquelas condições, em que a reinvenção é quase que parte do instinto de sobrevivência.
O que é impressionante é a consistência na performance dos três atores que representaram Chiron na tela. Alex Hibbert, Ashton Sanders e Trevante Rhodes conseguem manter o mesmo olhar perdido, a mesma fala distante e a mesma delicadeza - embrutecida pouco a pouco - nas expressões com muita solidez. Excelente trabalho da direção na manutenção desse tom perfeito.
Todos os atores coadjuvantes também conseguem trabalhar facetas dos personagens com uma humanidade fora do comum. Mahershala Ali é o destaque óbvio por ser praticamente o protagonista do primeiro ato. E ele consegue verbalizar lições que vão reverberar até o fim do filme com uma suavidade que consegue, curiosamente, não contrastar em nada com a aparência mais bruta do personagem.
Da mesma forma, Naomie Harris também consegue humanizar com muita firmeza uma personagem que facilmente poderia ter caído nas armadilhas da estereotipagem nas mãos de uma intérprete menos capaz. Igualmente, os outros coadjuvantes também fazem trabalhos excepcionais.
O maior triunfo do filme, no entanto, é conseguir ir contra a corrente de praticamente todos os outros filmes que abordam os mesmos temas. Filmes com temática LGBT muitas vezes não apostam na delicadeza apresentada aqui. Dramas focados na drogas, igualmente, muitas vezes resvalam para o sensacionalismo e o proselitismo antidrogas, o que também não acontece em Moonlight. Mais que tudo, o filme prova que é possível, sim, fazer um filme com um elenco totalmente negro e torná-lo tanto comercialmente viável quanto criticamente aclamado, ao contrário do que boa parte de Hollywood parece pensar.
Com um roteiro fluido e sucinto, uma edição segura, apoiada numa trilha que aprofunda as sensações vividas na tela sem ser excessivamente melodramática, performances fenomenais por parte do elenco e, claro, uma direção mais que eficaz amarrando tudo, Moonlight é, certamente, um dos melhores filmes da década passada.
Se, sob a luz do luar, garotos negros ficam azuis, foi bom perceber que, numa noite de 2017, sob as luzes dos holofotes da cerimônia de entrega do Oscar, esses garotos azuis receberam o tão merecido garoto dourado em mãos. La La Land ainda consegue promover surpresas agradáveis quando quer, afinal.
Tempo de Decisão
3.2 38 Assista AgoraUm retrato de uma geração que, pela primeira vez, teve tempo para decidir. Montado a partir de curtos momentos tirados de um longo ano das vidas daqueles jovens, acompanhamos as dúvidas, as indecisões e os conflitos criados a partir do momento de virada que é a chegada da vida adulta. E todos esses dramas surgem imbuídos, aqui, de um academicismo raso muitas vezes típico dessa faixa etária.
Esta é a exata mesma fórmula que Noah Baumbach usou posteriormente em Frances Ha, por exemplo. Lá, com muito mais sucesso que aqui, aliás, até porque o principal problema de Tempo de Decisão é o excesso de personagens. Enquanto o foco de Frances Ha é muito bem delimitado, aqui a atenção fica espalhada em diversos personagens que, até pelo curto tempo de duração da peça, não são tão bem desenvolvidos.
Em alguns momentos, determinados personagens simplesmente somem da narrativa. E não fazem qualquer falta. Sinal de que seus arcos poderiam, muito bem, ter sido transplantados para outros, de forma a desenvolvê-los melhor e criar mais solidez no desenvolvimento da trama.
Grover (Josh Hamilton) e Jane (Olivia d'Abo) protagonizam os momentos mais memoráveis da obra justamente por serem os personagens mais bem trabalhados. Chet (Eric Stoltz) também se mostra extremamente necessário como o contraponto improvável aos amigos, tornando-se, de uma certa forma, o principal mensageiro do mote da obra.
Os outros, no entanto, resvalam com facilidade para os arquétipos básicos que você encontra em todo grupo de amigos. Skippy (Jason Wiles), por exemplo, é até alvo de uma piada do tipo lá pelo meio do filme. Mas, se o propósito do personagem era, praticamente, ser só uma piada em alguma cena, é sinal de que não é lá tão necessário para a trama.
Para um filme de estreia de baixo orçamento, é uma produção até interessante. Nada de outro mundo, infelizmente. Mas é sempre legal ver como o diretor conseguiu ir aprimorando essa mesma fórmula usada ao longo da sua filmografia.
Como na vida, também no trabalho ele conseguiu ir evoluindo ao longo do tempo. Se, no começo, ele parecia estar "chutando e gritando" ao dirigir um filme, agora ele já está naquele estágio em que vive uma verdadeira "história de um casamento" com a indústria cinematográfica. E, pelo menos neste caso, esperamos que este casamento nunca acabe em divórcio, claro.
Colette
3.7 171 Assista AgoraParece que alguns filmes epônimos sobre mulheres extraordinárias sempre caem na mesma armadilha: tentam recontar toda a vida da mulher com base num relacionamento, como se tudo relacionado a ela derivasse daquilo. Assim como, por exemplo, Amelia (2009) no passado, este filme comete o exato mesmo erro.
No lugar de focar na mulher em si, a trama tenta relacionar todo o desenvolvimento dela enquanto personagem como algo derivado do relacionamento com um homem apenas porque isto gera um roteiro mais simples de ser trabalhado na tela. Mas, se por um lado este caminho é mais fácil de se trabalhar, também gera bem menos impacto para o espectador.
Não à toa, o choque que Colette gerou na sociedade francesa aqui fica parecendo um tanto quanto tépido. Mais que apenas um desfile de personagens femininas, vestidas como Claudine e recitando trechos dos livros, ou a pletora de produtos inspirados na personagem mostrados a esmo, a impressão que fica é a de que muito mais poderia ser feito para trabalhar a verdadeira reverberação do trabalho da protagonista na Paris da Belle Époque.
E, se assim não aconteceu, muito disso se deve à direção extremamente convencional para uma cinebiografia. Uma figura tão à frente do seu tempo merecia, também, um trabalho mais agressivo na tentativa de destoar do corriqueiro. Não era esta a essência da própria Colette que o filme tentou transmitir, afinal?
Neste ponto, o trabalho de Keira Knightley é bom e seguro, mas é possível entender porque não foi lá tão intensamente elogiado. Já vimos a atriz tantas vezes com esse mesmo visual que as personagens chegam a se confundir. Quando ela é a "garota do interior", parece estar apenas emulando a imagem de Elizabeth Bennet, de Orgulho e Preconceito. Quando acaba por se tornar a "moça da cidade", vira Anna Karenina, usando chapéus igualmente belos, seja na Rússia ou na França. Mais pro fim, ao cortar as madeixas, parece uma versão algumas décadas adiantada da Cecilia de Desejo e Reparação, dobrando a meta de ser uma "mulher prafrentex".
O que mais prejudica o filme é realmente a falta de ousadia na construção. Até os momentos mais ousados parecem quase que mecanicamente inseridos na obra só pelo "shock value". O filme não se torna necessariamente ruim por isso, mas é pouco marcante.
Se a Colette real se estabeleceu figura tão extraordinária, não apenas como escritora, mas como uma verdadeira "entertainer" (mais de meio século antes de o termo ser cunhado, não menos), o filme falhou em demonstrar isto. E, no que ela precisaria apenas do seu monônimo estampado na capa de um livro ou no cartaz de uma peça para criar expectativa surreal para o público, o filme parece ter falhado na tentativa de recriar esta mesma experiência em 111 minutos de arte.
Mundos Opostos
3.4 611 Assista AgoraE você aí, que andava achando que o romance com o crush nunca poderia ir pra frente porque vocês pertencem a "mundos opostos"... Já imaginou como faria se isso fosse levado ao pé da letra?
É esta a vida de Adam (Jim Sturgess) e Eden (Kirsten Dunst). Já que ambos estão presos pelas leis da gravidade, cada qual no seu mundo, a história de amor deles não pode seguir em frente. A menos que eles encontrem uma maneira de burlar as regras da própria natureza. E é a isto que Adam passa a se dedicar para poder estar no Éden, ou melhor, visitar Eden.
Uma pena que o roteiro tenha sido tão raso na criação do romance. Amparado em clichês e em soluções extremamente fáceis, a história não convence. De amnésia convenientemente curável no momento certo aos súbitos aparecimentos e desaparecimentos de vilões (seja a "polícia da fronteira" ou a empresa multinacional para qual ambos trabalhavam, por exemplo), todas as complicações do mundo surgem exatamente quando o roteirista quer criar conflito. Da mesma, tudo se resolve num passe de mágica, quando ele precisa encerrar a obra. E nem todas as tramas abordadas são devidamente encerradas, no fim das contas. Apenas ficamos com o "felizes para sempre" de uma hora para outra.
A partir desta abordagem simples e vaga, o filme perde muito da ironia dramática que poderia carregar. A discussão sobre classe e a mobilidade social (ou, neste caso, a imobilidade social) fica completa apagada no pano de fundo enquanto o espectador acompanha o romance mela-cueca.
Os dois protagonistas são bem esforçados, mas o material não ajuda. O Adam de Jim Sturgess até tem lá seus momentos, mas a Eden de Kirsten Dunst é praticamente uma caricatura. O elenco coadjuvante também não tem lá muita oportunidade para trabalhar nuances. São sempre estereótipos muito bem delimitados. Do colega que está ali apenas para ser alívio cômico ao vilão corporativo malvadão.
O grande destaque fica para os efeitos especiais. Bem executados e a bom serviço da ambientação pretendida para a construção do mundo. Uma pena que até esta construção tenha sido muito simplificada pelo roteiro. Uma montanha sempre se encontrava com uma montanha e um mar sempre estava acima de outro mar quando era conveniente para a história.
No fim das contas, é um filme até interessante. Mas não dá pra tirar da cabeça que poderia ter sido muito melhor desenvolvido a partir da premissa. Talvez em algum "mundo oposto" o resultado tenha sido melhor. Neste daqui, infelizmente, ficou no andar zero. Nem lá, nem cá.
O Artista
4.2 2,1KNove anos depois, finalmente parei para ver O Artista. Esse filme, que causou um verdadeiro rebuliço na indústria cinematográfica no começo da década passada, realmente mereceu a aclamação que recebeu na época, a meu ver. Não é nada de outro mundo, ao contrário do que já vi muita gente falar. Pelo contrário. É, na verdade, um pastiche dos filmes dos anos 20 muito bem trabalhado.
O roteiro não tem nada lá muito inovador. A velha história de ascensão de uma jovem estrela na nova era falada, representada aqui por Peppy Miller (Bérénice Bejo), colocada em contraponto com a queda de um astro do cinema mudo do passado, George Valentin (Jean Dujardin).
E, nessas idas e vindas, os dois se reencontram para viver uma história de amor pouco convencional, mas sempre temperada com o requinte hollywoodiano, seja nas grandes estreias de novas películas, nas mansões nababescas dos grandes astros, ou no set de gravação de uma nova produção. A sacada de transformar a mulher no lado forte da relação, inclusive, é uma boa intenção de modernização da história para o público atual, que certamente seria barrada à época.
E, por ser o lado fraco, George Valentin é quem precisa enfrentar o próprio orgulho para reverter a espiral da morte na qual se enfiou. É possível queimar a própria reputação, os próprios rolos de filmes, ou a própria casa, mas estaria ele disposto a, em nome do orgulho, queimar a própria vida?
Na apresentação dessa tragédia, a performance de Jean Dujardin é magnífica. Consegue transpor os trejeitos dos astros do cinema mudo e adicionar camadas mais modernas – muito mais suaves – à atuação conforme a necessidade. Bérénice Bejo, também sempre muito elogiada, consegue fazer o mesmo. Os dois esbanjam carisma e charme na tela. É simplesmente impossível não reconhecer o talento desses dois artistas em cena.
Penelope Ann Miller, infelizmente pouco lembrada, nas poucas cenas em que aparece, é quem provavelmente consegue ter a atuação mais próxima dos filmes modernos, sem em nada destoar da proposta. Todo o resto dos coadjuvantes também tem participações memoráveis. Sejam as caras e bocas de John Goodman, Missi Pyle parecendo emular Lina Lamont na audição e, claro, a participação do simpático Uggie como o cachorro (e salvador) do protagonista.
Alguns aspectos destroem a perfeição do pastiche, no entanto. Certos movimentos de câmera são, para dizer o mínimo, altamente improváveis para a época. Da mesma forma, alguns efeitos usados só surgiriam depois. A estaticidade da câmera comum à época foi muito bem trabalhada nas cenas de filmes que são mostrados na tela. Mas, no filme em si, isso é deixado de lado por várias vezes.
Acrescentar twists com o uso do som, no entanto, foi uma jogada interessante para manter a atenção do espectador. Se, no miolo, destoou um pouco da proposta, ao menos no final serviu para revelar a verdade sobre a aclamação recebida pelo filme: não fosse pelo truque, talvez ela sequer existisse.
Ou alguém imagina que o filme algum dia teria recebido a mesma atenção que recebeu se fosse uma peça mais convencional, filmada em cores e falada com sotaque francês? A carga de ironia da última cena é excepcional. Ao mesmo passo em que se homenageia Hollywood como um todo (e, especificamente, faz referência clara a lendas como Ginger Rogers e Fred Astaire), o filme também deixa uma pitada irreverente de crítica ácida no subtexto para fechar a história. Genial.
O "truque" todo é muitíssimo bem executado, como poucas vezes se vê. Da trilha sonora majestosamente bem casada com o que se vê na tela ao design de produção muito bem alinhado com filmes da época, unidos a performances excepcionais do elenco e de toda a equipe envolvidos, O Artista deixa ser um mero truque barato de mágico de festa infantil. No fim, torna-se uma verdadeira prova de que realmente existe a tal magia do cinema.
Namorados para Sempre
3.6 2,5K Assista AgoraPossivelmente o filme de romance que mais gostei na vida. O único que me lembro de algum dia ter mexido tanto assim comigo foi As Pontes de Madison. Em geral, nem do gênero gosto muito. Mas Namorados para Sempre conseguiu me arrebatar. Simplesmente por ser realista e autêntico, sem precisar apelar para truques, apenas focando nas performances dos protagonistas.
E que performances viscerais! Os dois têm direcionamentos muito claros que vão sendo expostos pouco a pouco pelo roteiro. Ryan Gosling vai do romântico sonhador ao pai de família responsável com uma firmeza muito bem trabalhada. Longe de parecer excessivamente bobo e caricato, Dean é aquela figura que a gente sonha em encontrar na vida. A pessoa que vai se colocar a seu serviço de forma incondicional, nem que precise renunciar aos próprios planos e sonhos para isso.
Da mesma forma, Michelle Williams é brilhante no papel da carreirista frustrada Cindy Heller. Sempre atentada pelo passado, seja pelo fato de não ter concluído os estudos do jeito que gostaria (apesar de trabalhar na mesma área), pelo encontro fortuito com aquele que um dia considerou ser um par ideal ou, o pior de tudo, pela presença constante da filha, cuja própria existência a levou de forma definitiva para aquele caminho, Cindy é o retrato perfeito daquilo que todos nós temos medo de um dia nos tornar... E acabamos indubitavelmente todos nos tornando assim que a vida adulta bate à porta.
E uma história dessas, que poderia ter sido construída como um melodrama extravagante, é muito bem trabalhada com suavidade e delicadeza. Longe do exagero, as coisas vão se acumulando num ritmo crescente, a ponto de sequer precisarmos ver o miolo daquela história toda para comprá-la. A apresentação do começo e do fim bastam para contar tudo que precisamos ver. E a escolha pela não-linearidade serve muito bem ao propósito de ir apresentando cada pequeno detalhe no momento necessário.
Pensar que esta obra-prima foi realizada com um orçamento mínimo só prova que boas histórias não precisam ser grandes espetáculos pirotécnicos para se transformarem em bons filmes. Muitas vezes só precisam de uma boa condução, performances extremamente dedicadas e uma equipe determinada para fazer tudo funcionar. E Namorados para Sempre teve tudo isto.
Talvez este seja um desses filmes que você precisa relacionar a momentos que aconteceram na sua própria vida para experimentá-lo de um jeito tão forte. Tendo estado tanto do lado da Cindy quanto do lado do Dean na história, então... A intensidade só aumenta.
Ninguém nunca vai ser "namorado para sempre" de alguém. Em matéria de relacionamentos entre seres humanos, a história sempre tem de acabar em algum momento. Por outro lado, alguns filmes têm aquela capacidade de se tornarem atemporais, ficando para sempre marcados na memória de quem os assistiu. E, pelo menos para mim, este certamente será um deles.
O Peso do Passado
3.0 140Não é todo dia que Hollywood produz um thriller policial protagonizado por uma mulher. Protagonizado por uma mulher de cinquenta anos de idade, então... Só por isso, já fiquei interessadíssimo em ver o filme desde que foi anunciado.
No papel da justiceira Erin Bell, Nicole Kidman está formidável. A personagem é uma mistura quase esquizofrênica de todas as características que uma pessoa pode ter, como uma metamorfose ambulante, no meio do caminho entre o desejo de fazer um bom trabalho e a sede de vingança. Ela é boa e ruim. Ausente e presente. Determinada e relapsa. Mas, acima de tudo, humana. E Kidman consegue apresentar bem essas aparentes incongruências, de uma forma que as ações e motivações da personagem fazem total sentido.
Neste ponto, o roteiro, em suas idas e vindas entre o passado e o presente, apenas a ajuda a compor a personagem. Mesmo não sendo eletrizante e frenético a todo instante, o texto trata muito habilmente de fazer contrapontos entre o passado e o presente, atingindo o ápice desses movimentos nas sequências dos assaltos aos bancos.
A direção também é firme na manutenção do tom dramático e não resvala para o óbvio em thrillers policiais. As "cenas de ação" são bem colocadas e pontuais, em vez de desnecessariamente apelativas. O foco é a história de redenção da personagem.
Nisso, a direção e a performance brilhante de Kidman são muito bem ajudadas pela equipe de produção. A maquiagem pode até ter parecido exagerada em alguns momentos, mas o cuidado com a composição do ambiente é inegável. Seja no contraste entre os bairros mais afastados e os mais abastados, ou na recomposição da vida no início dos anos 2000 em oposição à atualidade, há uma preocupação muito clara com os detalhes de cada época e lugar.
A recepção aquém das expectativas é até compreensível, de certa maneira. Como thriller, o filme não gera lá muitas surpresas e nem tem grandes reviravoltas. Como drama, é um tanto quanto podado pela necessidade de trabalhar a trama principal e deixar os conflitos dos personagens de lado. Mas é inegável que a performance destruidora de Nicole Kidman é daquelas que realmente eleva o material. Se este filme vai se tornar um "peso do passado" na bagagem dela, certamente será por ter acrescentado mais uma boa peça à sua filmografia.
Obsessão
3.0 466Um filme absolutamente repulsivo em todos os sentidos e, ao mesmo tempo, absurdamente instigante. Uma combinação que nem sempre dá certo. Mas que, pelo menos aqui, consegue nos levar até o fim, mesmo que aos trancos e barrancos.
A película apresenta a "obsessão" sob vários aspectos. Seja pelo lado do jovem Jack (Zac Efron), obcecado por sua primeira paixão, Charlotte (Nicole Kidman). Ou pelo prisma dela que, por sua vez, é obcecada por presidiários, entre os quais o assassino Hillary van Wetter (John Cusack), que alimenta a sua obsessão de forma igualmente obsessiva. Por fim, podemos também acompanhar a obsessão dos jornalistas Ward (Matthew McConaughey) e Yardley (David Oyelowo), de dois ângulos: de um lado, há a busca incessante pela resolução correta da história e, do outro, a busca por tirar proveito próprio daquela história que se passa na infernalmente quente Flórida dos anos 60.
Toda a atmosfera criada em torno do filme transmite bem o ambiente problemático em que a sociedade americana vive desde sempre. No lugar dos quartos extremamente bem arrumados e dos cabelos muitíssimo bem penteados, aqui há uma busca pelo autêntico que é representado pela bagunça do dia a dia. Justamente o contrário da imagem de perfeição que o cinema americano tenta, desde sempre, projetar.
Os personagens também são um reflexo claro disto. Longe de serem maniqueístas, todos têm tratamentos muito próximos de seres humanos de carne e osso. Com qualidades e defeitos muito aparentes, na maior parte dos casos. E, nisso, as performances bem executadas dos atores conseguem dar verossimilhança a figuras que poderiam muito bem parecer meras caricaturas nas mãos de intérpretes menos competentes.
O maior problema, a meu ver, é o roteiro. Não porque seja ruim, necessariamente. Mas sim porque, a todo instante, insere novas tramas e tenta dar camadas aos personagens que não são propriamente exploradas. As discussões sobre raça ou homossexualidade, por exemplo, não acrescentaram em nada à trama principal. Antes, serviram apenas como distrações e pareceram truques para criar conflitos novos para renovar o interesse do espectador de forma artificial.
A direção também é um pouco errática na manutenção de um tom mais consistente. Em alguns pontos, beirava uma comédia de humor negro. Em outros, era um drama que variava entre os conflitos internos dos personagens e externos inerentes à época em que viviam os personagens. Por fim, nos demais momentos, era só um thriller mais corriqueiro.
Até aspectos de produção que foram bem trabalhados (com destaque para a maquiagem), sofrem com a falta de foco, e o melhor exemplo disto é a sequência das águas-vivas. Ferimentos que pareciam tão graves, a ponto de render uma matéria de circulação nacional, simplesmente sumiram de uma hora para outra, enquanto o cheiro da urina permaneceu no corpo do personagem. Sem sentido.
No geral, é um filme interessante e esforçado. Apesar dos tropeços, as ótimas performances energizam o enredo e nos fazem querer chegar até o fim. É uma pena que, com os tiros pra todo lado de algumas subtramas, a gente fique com a sensação de que algumas das melhores histórias não foram sequer exploradas. Ao mesmo tempo, se a intenção nunca foi discutir nada daquilo que foi só superficialmente inferido, o tratamento dado à trama principal poderia ter sido melhor desenvolvido.
No fim das contas, não é um daqueles filmes tão ruins que vão ser imediatamente esquecidos (ou lembrados para sempre apenas como piada). Mas, infelizmente, também não é um daqueles filmes tão bons que vai criar todo um grupo de espectadores obcecados por anos e anos a fio.
Celebridades
3.2 172 Assista AgoraInteressante como um filme que pretende criticar toda a "cultura de celebridade" da nossa sociedade, vápida e tépida, consegue tornar-se exatamente aquilo que almejava criticar... igualmente vápido e tépido.
Os ataques que o título nos promete ficam, muitas vezes, só nas piadinhas inconsequentes que surgem em situações que soam muito artificialmente fabricadas ao longo da trama. No lugar de apostar na crítica ferina, dá-se preferência ao desenvolvimento das histórias do roteirista Lee Simon (Kenneth Branagh) e sua ex-esposa (Robin Simon), em suas jornadas que seguem os mesmos caminhos, sempre permeados pelo encontros com as celebridades, mas de forma inversa.
Do jeito que o filme foi montado, no entanto, o aspecto de crítica social e o desenvolvimento da trama dos personagens principais não conseguem se sobressair e não há muito sucesso nem por um lado, nem pelo outro. Pelo lado da análise do mundinho pantanoso das celebridades, tudo parece um esquete solto com pouco propósito para o enredo como um todo. Pelo lado do drama dos protagonistas, o trabalho de construção da narrativa é insuficiente e desfocado.
As performances são bastante interessantes, entretanto. Kenneth Branagh consegue mimetizar o trabalho de Allen como ator de forma exemplar. Da mesma forma, Judy Davis também tem um desempenho interessante num papel que, em outros tempos, certamente seria de Mia Farrow. Entre os coadjuvantes, o destaque é certamente de Leonardo DiCaprio que consegue ter alguns dos momentos mais memoráveis de toda a película, mesmo estando na tela por pouquíssimos minutos.
Uma pena, no entanto, que atrizes como Charlize Theron, Melanie Griffith ou Bebe Neuwirth tenham sido desperdiçadas em papéis tão básicos e que, inclusive, beiram (e às vezes ultrapassam, a bem da verdade) os limites da misoginia. Teria sido muito mais interessante trabalhar melhor as personagens de atrizes competentíssimas como Famke Janssen ou Winona Ryder com algumas das facetas que foram transportadas para mais personagens femininas apenas para, talvez, entulhar o elenco com mais e mais celebridades.
No fim das contas, o mais interessante foi ver a história circular e voltar ao exato ponto em que começou. Se o pedido de socorro parecia estar muito distante lá no céu no começo da obra, ao fim ele precisa ser encarado de frente pelo protagonista... Sendo este uma representação do próprio Allen, talvez ele próprio precisasse ter pedido por socorro aqui. Uma pena que, mesmo se tivesse pedido, nem todo o conjunto de celebridades (tanto na frente, quanto por trás das câmeras) do mundo poderia salvá-lo aqui, como parece ter ficado claro, muito ironicamente, como preto no branco.
Circle
3.0 681 Assista AgoraUm conceito interessantíssimo desperdiçado num desenvolvimento mais raso que um pires. Se o objetivo era trazer à tona discussões sérias sobre problemas sérios da sociedade ligados ao "valor" que damos às pessoas, como racismo, sexismo ou classismo, era necessário trabalhar o roteiro com menos personagens e mais profundidade na construção daqueles que permanecessem na história.
Por outro lado, se o objetivo era apenas fazer um slasher film com uma mera pontinha de crítica social, mas com foco claro nas mortes a rodo, deveriam ter investido na produção de algo minimamente interessante para prender a atenção pelos próximos dois minutos, enquanto a próxima morte não vinha. E na morte também, claro. Porque nenhum slasher film que se preze repetiria o mesmo tipo de morte, com pequenas variações, 49 vezes.
Do jeito que o filme foi produzido, no entanto, não é possível ser bem-sucedido nem em uma coisa, nem em outra. A obra é quase um Frankenstein perdido entre esses dois mundos, sem pertencer exatamente a nenhum deles.
O roteiro nunca sai da superfície, as performances são básicas e não têm qualquer desenvolvimento maior, todo o trabalho da equipe de produção precisa apelar para a construção de estereótipos óbvios para apresentar os personagens de maneira rápida e a direção é, igualmente, pouco criativa nas escolhas em todos os sentidos. Visualmente, o filme torna-se até cansativo, mesmo tendo apenas 86 minutos de duração.
O desfecho ainda tem uma pontinha de brilho, por pelo menos apostar na subversão das expectativas que esse gênero de filme gera nos espectadores. Fora isso, a história só circulou em torno de si mesma. Não que haja necessariamente problema numa trama circular. Muito pelo contrário. O problema é quando o caminho que os personagens percorrem para fazer o círculo entre o começo e o fim não tem qualquer vida. E é exatamente isto que acontece aqui.
Boyhood: Da Infância à Juventude
4.0 3,7K Assista AgoraRaras vezes um projeto tão ambicioso e amplo e, ao mesmo tempo, tão simples e contido (algo quase paradoxal mesmo) como Boyhood encontra espaço em Hollywood. Longe de ser ambicioso na tentativa de arrecadar um bilhão de dólares nas bilheterias ou amplo no esforço de atingir todos os nichos de mercado possíveis, o filme prefere ser ambicioso na escala do projeto (doze anos em produção, uma verdadeira eternidade) e amplo no escopo do retrato das vidas envolvidas. Igualmente, o roteiro simples (e, ainda assim, complexo ao mesmo tempo) e a produção contida só agregam à mensagem, em vez de servirem ao fácil entendimento ou a escolhas artísticas muito óbvias e quase mecânicas, como geralmente acontece.
Inclusive, é exatamente isto que confere ao filme uma atmosfera de autenticidade poucas vezes vista em produções hollywoodianas. No lugar de se preocupar com uma perfeição irrealista de cenários, dos figurinos ou da maquiagem dos personagens em cena, o foco aqui fica centrado nas performances. Não foi à toa que esta foi a maior área de reconhecimento do filme.
Há também um grande apego por tentar datar a época em que se passa a história, com várias referências culturais, instantaneamente relembradas por quem viveu naquela mesma época, inseridas na obra. Mas isso não atrapalha o desenvolvimento da trama, porque são meros acessórios para compor o ambiente. E o ambiente é muito bem construído para proporcionar uma experiência que, ainda que não seja extraordinariamente impactante, consegue ser extraordinariamente impressionante.
O que temos aqui é um trabalho incrível de reconstrução da realidade numa obra de ficção projetada para as telas de cinema. Épico em escala e, ao mesmo tempo, muito íntimo no trabalho de investigar o amadurecimento do ser humano em diferentes fases da vida (e nem falo só do Mason, porque o foco maior pode até ser na história dele, mas todos que estão ao seu redor cresceram junto dele e o filme mostra toda essa jornada).
Um retrato da realidade sem grandes retoques, sem reviravoltas absurdas e sem heróis e vilões. Do jeitinho que é a vida. E isto, que muitas vezes é defeito em outras obras, aqui é uma qualidade inexorável. Porque, se o objetivo era retratar a vida com fidelidade, isto foi feito com muito sucesso.
Drugstore Cowboy
3.7 107 Assista AgoraZé droguinha, sim! Mas um Zé droguinha contemplativo com diversas camadas de reflexão. Um road movie, claro! Mas um road movie em que os personagens curiosamente andam, andam e andam, mas, por muito tempo, parecem não sair do lugar. Um filme sobre gente! Gente que não é necessariamente boa ou ruim. Apenas gente.
Um trabalho que poderia ser quase paradoxal, mas que na verdade é um belo exercício de análise do próprio ser humano. Como bem disse Bob (Matt Dillon), “o drogado gosta de saber para onde está indo. E, para saber, só precisa ler o rótulo”. Não é este o sonho de todo mundo? Ter certezas sobre o nosso destino?
Na falta das certezas, entretanto, buscamos ter controle. A maioria tenta controlar seus desejos – e suas frustrações – com aquilo que a vida nos oferece. Hoje em dia são as redes sociais ou os jogos de computador, por exemplo. Em 1971, a maioria também seria parte da “geração televisão” por falta de outra opção. Outros recorrem a vícios potencialmente mais danosos como o uso de drogas. Mas, no fim das contas, existe tanta diferença assim entre uma coisa e outra?
O filme não é exatamente uma tentativa de glamourizar o submundo das drogas (ao contrário do que me disseram), mas é certamente uma visão bem sanitizada deste mesmo mundo, algo que definitivamente me desagradou um pouco. Não porque qualquer usuário de drogas precise se encaixar num estereótipo forçado de uma pessoa quase insana e/ou maltrapilha, longe disso. Mas sim porque, no fim das contas, pareceu que todos eles usaram drogas por anos e anos sem qualquer consequência. Afinal, nem uma cicatriz marcou a pele perfeita da testa de Bob depois de um machucado que pareceu tão grave.
O ponto mais positivo do filme, no entanto, é trazer o mundo das drogas à tona sem fazer juízo de valor imbuído de uma abordagem proselitista e levar a discussão a sério. É apenas algo que existe e que precisa ser debatido pela sociedade, justamente para não se tornar um tabu que passa a ser buscado e cultuado por muitos, tal qual ocorre hoje em dia. É uma obra que não nos deixa necessariamente tristes ou felizes pelos personagens, nem exatamente desesperados ou esperançosos pelo futuro após refletirmos sobre o que assistimos.
Assim como a vida, repleta de inúmeras possibilidades, o que o filme faz é nos dar muita margem para contemplação. Até porque podemos até achar que controlamos uma coisa ou outra, mas qualquer virada pode ser o fim da linha. E esta é a beleza da vida. A nós só resta fazer a escolha sobre os óculos que queremos usar para enxergá-la: enquanto uns vão enxergar a vida com um enquadramento quase quadrado de uma armação que muitos considerariam "careta", outros vão preferir lentes coloridas caleidoscópicas. E ninguém estará necessariamente errado na escolha que fizer. Desde que assuma a responsabilidade por suas decisões, claro. Assim como Bob e seus amigos fizeram.
Fora de Controle
2.7 104 Assista AgoraQuem nunca imaginou o quão interessante deve ser a vida de um produtor de Hollywood? Uma mansão, um carrão, um filme arrasa-quarteirão e, de quebra, um monte de pensão. Esta é exatamente a vida de Ben (Robert De Niro), um produtor que precisa equilibrar tudo e todos ao seu redor para conseguir manter sua rotina em pleno funcionamento. Parece uma premissa com muito potencial, não é? Pena que só parece.
Apesar de se perguntar “o que acabou de acontecer?” em seu título original, a obra passa longe de evocar o mesmo pensamento nos espectadores. Há aqui um monte de arremedos de historinhas possivelmente reais vividas por gente que trabalha em Hollywood, uma vez que o filme é roteirizado por Art Linson com base numa obra em que ele próprio relembra casos dos bastidores hollywoodianos. No entanto, não há nada particularmente interessante em nenhuma das tramas desenvolvidas.
Os personagens são quase todos caricaturas do que se projeta em Hollywood a todo instante. Seja a executiva mandona e firme, o ator temperamental que gosta de dar piti, o diretor esquisito que quer fazer tudo do seu jeito a qualquer preço, a esposa-troféu #1 que cuida dos jardins da mansão que manteve consigo no divórcio, a esposa-troféu #2 que cuida dos filhos que manteve consigo no divórcio... Nenhum deles é desenvolvido apropriadamente e todos parecem meras muletas para reforçar o que quer que se precise fazer para levar a narrativa do protagonista em frente.
E nem isto é feito a contento. O filme é basicamente uma jornada pouquíssimo interessante pelos bastidores da indústria cinematográfica. Naquele mundinho em que tudo se arranja, do comprimido sem prescrição à novinha que vai aonde você quiser... Até ao seu funeral. E, chocantemente, nem assim consegue ser algo minimamente intrigante.
Talvez tenha sido este o objetivo da película: mostrar que, no fim das contas, por trás das suas vidas hollywoodianas, ninguém lá é muito diferente de quem está do lado de fora daquele mundo. As mesmas frustrações são escondidas pelos mesmos mecanismos de escape (remédios, terapia, etc.). Uma pena que isto não exima a história de ser minimamente interessante para se tornar um filme bom. O que definitivamente não é o caso desta peça, que prometia ser totalmente "fora de controle", mas acabou por se revelar completamente apática.
Esta É A Sua Morte
2.8 178 Assista AgoraSe tudo hoje em dia é televisionado, por que não televisionar a morte? É esta a pergunta que o filme evoca. Na era dos reality shows, em que tudo que se pretende fazer com vidas humanas é usá-las como personagens de programas de confinamento, namoro ou competições, o que impediria uma rede de televisão de encerrar vidas ao vivo semanalmente enquanto nos vende aquilo que não precisamos ter nos intervalos comerciais?
É exatamente isto que Adam Rogers (Josh Duhamel), um apresentador de reality shows, tenta fazer após uma experiência traumática. Para executar este trabalho, conta com a ajuda da executiva Ilana Katzenberg (Famke Janssen) e da produtora Sylvia Rowland (Caitlin FitzGerald). Na outra ponta, gente desesperada para tentar tirar proveito do seu último suspiro em nome de promover o bem para aqueles que amam. Gente como Mason Washington (Giancarlo Esposito, também diretor da película).
Uma premissa desesperadora e um conceito bastante crítico à toda uma geração de programas de televisão focados na “realidade”, no entanto, são desperdiçados numa execução extremamente falha.
O roteiro trata de desenvolver as histórias que vão se entrelaçando das formas mais básicas possíveis. À medida em que as ações dos personagens vão se desenvolvendo, as reações dos outros personagens são bastante previsíveis. E, ao fim de tudo, vários dos desfechos ficam em aberto (excetuando o destino do protagonista e da sua irmã, que ficaram bastante claros, todos os outros finais poderiam ter se utilizado ao menos de um simples voiceover ou de uma finalização por meio de texto mesmo, para serem adequadamente encerrados).
O tom do filme também é muito desigual. No começo, o viés satírico é bastante reforçado. A direção das cenas do primeiro reality show, a participação no programa matinal (incluindo uma performance bastante extravagante de James Franco como apresentador do programa), a reação da executiva no switcher da emissora, tudo parece apontar neste sentido. E então o filme abandona tudo isto e segue para um caminho extremamente convencional na sua abordagem, dali até o fim, de uma hora para outra.
No entanto, nem só mantendo um tom mais regular o roteiro se seguraria. Para reforçar a crítica, seria muito mais interessante ter feito um estudo de personagem, ao invés de tentar mostrar muitos ângulos diferentes sem grandes aprofundamentos na história de nenhum deles. Ao tomar este rumo, o protagonista, por exemplo, deixa de uma hora para outra de ser uma caricatura e vira outra completamente distinta. As motivações (fama, dinheiro, etc.) para tal são inferidas, logicamente. Mas o desenvolvimento disto é completamente súbito na tela.
Do jeito que a obra se desenvolveu, a performance de Josh Duhamel teria de ser muito mais firme para parecer minimamente realista. Famke Janssen, no entanto, tem um bom desempenho como a “Diana Christensen” da era dos reality shows. Por ser uma personagem secundária, o desenvolvimento (ou a falta dele, no caso) dela é o mais aceitável. O mesmo acontece com Sarah Wayne Callies, que também faz um bom trabalho como a problemática irmã do anti-herói da história.
É um filme esforçado, não tenho dúvida, até por se tratar claramente de um “filme B” sem um grande orçamento. Mas só esforço não é o bastante. Da produção que não conseguiria fazer Vancouver parecer Los Angeles nem se recomeçasse o trabalho do zero (nem um filtro nas cenas externas tentaram usar para amenizar isto), ao roteiro pouco desenvolvido e, por fim, à direção extremamente literal e pouco criativa em momentos-chave da obra, o que acaba por ser mais memorável no filme é, ironicamente, o conjunto de mortes exibidas no This Is Your Death... Justamente o que a peça pretendia criticar. Se o objetivo maior era atacar o fato de que estamos chegando perigosamente perto da era em que a morte será televisionada, a crítica acabou morrendo também no palco do programa. Trágico.
O Rei da Comédia
4.0 366 Assista AgoraSe no século XIX você era rei por nascimento e no século XXI você se torna rei simplesmente por associação, no século XX você ainda precisava fazer alguma coisa para se tornar parte da realeza. Normalmente o caminho era se notabilizar em alguma área de destaque na sociedade. Seja como um exímio atleta, um genial político, um artista talentoso, um cientista esforçado ou, quem sabe, um legítimo showman.
Não tendo lá nenhuma aptidão física aparente para ser atleta ou conhecimento intelectual para ser um cientista de renome àquela altura da vida, restava a Rupert Pupkin (Robert De Niro) seguir pelo caminho do show business. E quem poderia guiá-lo melhor que alguém que já havia chegado lá? É aí que Jerry Langford (Jerry Lewis) entra na jogada e muda completamente a vida do comediante, sem sequer se dar conta disto a princípio.
O roteiro tenta a todo instante nos convencer de que aquela farsa jamais poderia prosperar, nos movimentos quase circulares que o personagem precisa fazer vez após outra para tentar atingir seus objetivos. Mas não é exatamente isto que toda farsa faz? E o pior: quando menos se espera, tudo se encaixa perfeitamente e soa bastante razoável até para quem mais duvidava do que se via na tela.
Temos aqui um estudo muito interessante sobre a "cultura da celebridade" e o impacto da fama instantânea na nossa sociedade, algo ainda pouco trabalhado à época do filme. Ao mesmo tempo, o filme aborda questões como obsessão e outros transtornos mentais e o submundo dos stalkers no pano de fundo com maestria.
É realmente impossível não fazer a associação com o recente Coringa, ainda mais sabendo que Robert De Niro consegue estar brilhantemente dos dois lados da moeda, tanto quanto algoz quanto como vítima do mesmo tipo de trama. Um trabalho excepcional (ainda que parecido com o que ele já havia feito em Taxi Driver) de construção do personagem, como sempre.
Sandra Bernhard na pele da obcecada Masha também consegue executar uma personagem que teria tudo para ser caricata a ponto de comprometer o filme com precisão. Jerry Lewis, igualmente, também foi muito bem escalado. Como o “rei da comédia” original, ninguém melhor que ele para interpretar aquele que tem sua coroa ameaçada por um jovem que, apesar de aparentemente louco, não é de todo ingênuo e sabe jogar com o sistema.
No fim, é impossível recriminar Todd Phillips por beber muito desta fonte, já que este é um trabalho sem igual de Martin Scorcese. Um daqueles filmes que consegue mesclar humor e drama, verdade e mentira, e mesmo realidade e fantasia, com primor.
Como comédia, não arranca muitas risadas. Como drama, não faz lágrimas escorrerem pelo resto. Como farsa, no entanto, gera sérias reflexões sobre a nossa sociedade. Até porque, se a plateia não hesitou ao dar risadas mesmo ao fim do monólogo, quando todas aquelas “piadas” eram a mais pura verdade, não seria esta a prova de que a nossa realidade é tão absurdamente farsesca quanto os universos paralelos que Rupert criava em sua cabeça? E, sendo isto verdade, seria Rupert Pupkin o único doente mental dessa história? Fica o questionamento.
Código de Honra
3.6 111 Assista AgoraAté onde você iria para ser alguém? Omitiria informações e trairia a confiança daqueles que dizem ser seus amigos? Ou, quem sabe, burlaria o código de honra ao qual você se submeteu e trapacearia quando surgisse oportunidade para conseguir vantagem para si? Estas são as perguntas sobre as quais Código de Honra nos faz refletir.
David Greene (Brendan Fraser) é um jovem de uma família humilde do interior da Pensilvânia. Exímio atleta, tem a oportunidade única de ser recrutado para uma escola da elite no interior de Connecticut para fortalecer o time do colégio.
De início, ele parece se encaixar perfeitamente naquele ambiente, apesar de não pertencer àquele mundo. O seu “pertencimento” do ponto de vista dos outros, no entanto, depende da omissão sobre a sua própria identidade. Ao mascarar suas origens, David começa a achar que faz parte da turma... Mas será que algum dia ele realmente poderia ser membro daquele clube?
Infelizmente não. E o filme é um retrato fidedigno do que é o preconceito. Uma simples revelação colocou todo o mundo de David de cabeça para baixo de uma hora para outra. Mas, se ele pecou por omitir, ao menos não pecou por mentir. E daí surge o condão da outra discussão essencial que este filme trouxe: a desonra.
Os erros que fogem ao nosso alcance (seja o nosso credo - como no filme -, ou a nossa cor de pele, nossa classe social, enfim, nossas origens), muitas vezes não são perdoados pelos outros. Mas os erros de caráter que, pelo contrário, são sempre passíveis de serem evitados, são facilmente admitidos pelos pares e mesmo contornados. Se o mundo é capitalista e elitista, dinheiro, conexões ou a apresentação da carteirinha do clube certamente não atrapalham na “correção” que se pretende, não é mesmo?
No fim das contas, os dois assuntos são muito complexos para serem abordados a contento pelo filme. Por vários e vários minutos, perde-se tempo com tramas pouco relevantes para as discussões centrais. Todo o arco do jovem que sofre um colapso nervoso e do professor de francês, por exemplo, é completamente desnecessário para qualquer uma das discussões.
Apesar do roteiro errático, a produção trabalha a reconstituição de época com muito esforço. Dos ambientes mais rústicos da pequena Scranton ao belo internato, temos um retrato dos Estados Unidos dos anos 50, na era áurea que muitos consideram como o “pico do modo de vida americano”.
As performances são, em geral, boas. Matt Damon é o destaque do elenco de longe, com o papel mais significativo. Longe de ser um mero vilão caricato, o roteiro conseguiu trabalhar bem o desenvolvimento do personagem e torná-lo realista. A belíssima Amy Locane também está encantadora no papel. Se visse o filme à época, apostaria numa bela carreira pela frente para a moça (algo que, infelizmente, não se concretizou, sabe-se lá porquê).
Infelizmente, não imagino que o filme em si seja lá muito marcante. Um tratamento mais aprofundado e focado no roteiro teria ajudado muito a transpor as mensagens principais para a tela do cinema. Talvez o erro tenha sido não focar na crítica ao sistema, ao contrário do que se fez em A Sociedade dos Poetas Mortos.
Afinal, é o sistema o responsável por nos fazer esconder nossa identidade ou esquecer a nossa honra quando podemos burlá-lo. Ao tentar lidar com questões tão complexas de forma muito mais pragmática, Código de Honra, em comparação, acaba por ser um filme muito menos memorável.
As Loucuras de Rose
3.5 46 Assista AgoraAo começar a assistir As Loucuras de Rose, você não dá nada pelo filme. “Mais uma historinha de uma menina pobre que vai em busca do seu sonho louco num cenário improvável”, você pode imaginar. E quem apontasse isso como mote do filme nem estaria totalmente errado, a bem da verdade. Essa premissa é completamente verdadeira. Mas toda a forma com que se desenvolve está cercada por uma atmosfera de autenticidade poucas vezes igualada em produções do tipo.
Até porque com certeza todo mundo já se imaginou como uma estrela. Na nossa sociedade, todo mundo ouve dizer que é “especial” desde criança. Quando a vida adulta chega, no entanto, fica claro que pouquíssimos realmente chegam lá. É este o baque que vive Rose-Lynn Harlan (Jessie Buckley) nesta inusitada dramédia no estilo coming-of-age. A busca pelo estrelato entra em conflito constante com o que a vida lhe reservou até aquele ponto. Até aí, nada demais, certo? Mas todo o trabalho dos envolvidos é que faz total diferença para tornar este filme uma joia rara.
A começar pelo trabalho da atriz principal, Jessie Buckley. Ela circula entre o bizarro e o rotineiro, a burrice e a inteligência, o desprendimento e o compromisso, a juventude e a maturidade e, principalmente, entre o riso e as lágrimas, com uma naturalidade que poucas atrizes conseguem reproduzir. Qualquer intérprete menos lapidada poderia soar extremamente artificial num papel tão excêntrico. Jessie Buckley, por outro lado, soube equilibrar todas essas facetas da personagem de modo a torná-la essencialmente humana. E, para além disso, verossímil.
Julie Walters também está fantástica. Ela já é conhecida por tirar leite de pedra quando participa de filmes mais baqueados. Quando pega material bom, como este aqui, então... Não poderíamos esperar menos que uma performance estupenda! Como a mãe da protagonista, ela foi a responsável pelos momentos mais emocionantes do filme, inclusive. Aqueles que te fazem chorar de forma natural, sem apelar para cargas dramáticas excessivas e artificiais, ao mesmo tempo em que consegue não descambar para o sentimentaloide.
Entre os outros atores, Sophie Okonedo também faz uma participação muito carismática como Susannah, e os atores mirins também fizeram um ótimo trabalho. Para além das performances, outros aspectos da produção também são bastante marcantes, principalmente o figurino da personagem principal.
Por se tratar de um filme entrelaçado com o mundo da música, entretanto, a escolha da trilha sonora certa era vital para fazer tudo funcionar com maestria; entre alguns clássicos da música country e outras faixas menos conhecidas, mas que se encaixam muito bem com o que vive a personagem na tela, temos uma boa seleção, sempre embalada na voz da atriz principal, o que só contribui para reforçar a conexão entre as canções e Rose.
O ponto alto da obra é a maravilhosa canção original, infelizmente esnobada pelo Oscar e outras premiações, que encapsula perfeitamente o ápice da trama em forma de música. Diferentemente de muitas outras canções originais que ganharam muito mais reconhecimento, esta daqui realmente se encaixa de forma essencial no filme. Uma pena que a tenham preterido em favor de outras canções muito mais mecânicas e sem vida feitas quase que exclusivamente como “iscas de premiações”.
Em geral, um trabalho de altíssimo nível em todos os sentidos. Roteiro sucinto e direto, sempre tomando cuidado para retomar e fechar tramas que estavam em aberto. Uma montagem firme, que mantém um ritmo muito interessante a todo instante. E, acima de tudo, uma direção segura para juntar todas as peças por parte de Tom Harper. Inspirador sem ser clichê demais e louco na medida certa. Recomendadíssimo.