Um filme que consegue misturar ação e ficção científica com fortes doses de história e mitologia de forma até convincente. O roteiro é um exercício de ficção histórica que, curiosamente, consegue se passar em outro planeta, ao mesmo tempo em que é capaz de trabalhar questões tão na ordem do dia para os terráqueos quanto escravidão e, principalmente, o poder do conhecimento.
Este foi, inclusive, o aspecto mais importante abordado pelo filme. Em época de ressurgimento de autocratas obscurantistas, a trama reforça a importância do conhecimento em diversos aspectos. Da linguagem, para permitir a comunicação entre os diferentes. Da escrita, para permitir o acesso a pensamentos mais complexos e para guiar a codificação do conhecimento. De todas as bugigangas que os humanos levaram ao planeta desconhecido também, claro, porque a todos se deve dar o direito de conhecer o diferente: de um simples isqueiro - que era capaz de coisas incríveis para um povo tão primitivo - a uma barra de chocolate. Conhecer, afinal, está no radical de conhecimento não por acaso.
A falta do conhecimento, por outro lado, reforçava a escravidão. Quanto mais obscurantistas são os líderes, mais escrava é a população. Num mundo em que a escrita sequer é permitida, então, isto é elevado a um nível máximo. Ali, o líder supremo ao menos tinha poderes quase sobrenaturais (ainda que perfeitamente plausíveis do ponto de vista de uma tecnologia avançada) para mostrar aos súditos escravizados. Aqui na Terra (e, também, mais precisamente, no Brasil), contentamo-nos cada vez com líderes com vocabulários limitados a menos de cem palavras por esses dias... Fica aí uma reflexão.
Reflexão, inclusive, feita pelo próprio Dr. Daniel Jackson (James Spader), o protagonista da história. Se a falta de um "poderoso" geraria um vácuo, ele era de longe o mais capacitado para promover o progresso naquela terra distante. Claro que ele também tinha interesses próprios ali (desenvolvidos até de forma bastante carismática no decorrer do filme), mas o comportamento "mais humano" teria sido voltar à Terra e se aproveitar das benesses da jornada como herói (e facilitar a produção de uma continuação caça-níquel, aliás ;). Interessante a mensagem de solidariedade acima da busca pela notoriedade ou por riquezas acima de tudo e de todos.
Cientificamente, a única coisa que destoou completamente foi o fato de a sonda ter se comunicado quase instantaneamente com a base na Terra, mesmo estando do outro lado do universo. Se o portal ainda estivesse aberto, poderia-se dizer que a mensagem havia sido transmitida por este. Mas já estava fechado. E, se estava de fato do outro lado do universo, não teria como informar a localização atual à Terra naquela velocidade que ultrapassava em muitas vezes a própria velocidade da luz. Única bola fora muito óbvia, no entanto, o que já é muito melhor que a média para filmes do tipo.
Os efeitos especiais são datados, obviamente, mas parecem ter sido grandiosos para a época. A construção do mundo, no entanto, poderia ter sido mais criativa. O planeta era basicamente uma Terra primitiva, com um híbrido de camelo/cachorro que destoava disto. E só. De resto, nada de muito extraordinário.
Este é um filme que, inclusive, renderia muito se fosse refilmado e trabalhado com os efeitos e tecnologias de hoje. Há aqui uma base muito sólida para a construção de todo um universo fictício com base na obra. Não foi à toa que foi exatamente isto que aconteceu, né?
Como filme, em geral, é suficiente. É um tanto quanto recheado de alguns clichês - tanto no roteiro quanto nos aspectos de produção e montagem - típicos dos gêneros de ação e ficção científica e as atuações são, em geral, apenas aceitáveis ou boas, mas é um filme bastante esforçado.
No entanto, a mensagem, mesmo que repassada de um jeito clichê e nada inovador, só ganha relevância com o passar do tempo e confere ao filme uma importância bastante contemporânea. Quem dera todos pudessem ler as entrelinhas e perceber isto. Talvez, assim, não tivéssemos tanta gente por aí repetindo coisas que não fazem sentido por mera interdição intelectual (ou "ideológica", para usar um termo que está na moda) para proteger o seu mito. O povo supostamente primitivo daquele pequeno planeta deixou de ser escravo no momento em que fez isto... Quando será que o povo supostamente avançado do nosso pequeno planeta vai fazer o mesmo?
“A história repete-se sempre, pelo menos duas vezes”, afirmou Hegel. É sob este prisma que Woody Allen trabalha a mola principal da trama de O Sonho de Cassandra. Os mesmos personagens repetem situações similares em diferentes momentos da vida.
Temos aqui dois irmãos, Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell), que já haviam velejado quando ainda eram crianças, graças ao tio Howard (Tom Wilkinson), e que haviam gravado aquela experiência com um dos melhores momentos das suas vidas. Já adultos, compram um barco e relembram a história da infância enquanto repetem pela primeira vez a experiência de explorar o mar.
Mas a vida adulta, com seus riscos e responsabilidades, se impõe. E põe em xeque não só mais momentos de prazer enquanto velejam por aí, mas sim todo o mundo de ambos. O momento em que eles compram o barco, afinal de contas, representa o primeiro sinal da tragédia. Um sinal que os dois envolvidos sequer perceberam.
O roteiro é um exemplar trabalho de desenvolvimento de uma trama quase circular imbuída de uma alta carga de ironia dramática. Enquanto escreve e dirige uma tragédia moderna, com ritmo, harmonia e trilha sonora (especialmente desenvolvida para este filme, ao contrário do que acontece na esmagadora maioria das obras de Allen) próprios, o diretor deixa claro aos espectadores que aquela história cíclica só poderia terminar de duas formas: ou como farsa ou como tragédia.
Ao optar pela tragédia, o filme se torna uma experiência catártica que nos faz revisitar vários conceitos; partindo do vício e da dependência, a discussão do filme alcança Deus (que aqui não é usados apenas como uma muleta para piadas sobre judeus que são ateus) e mesmo a noção de culpa cristã. Tudo isto é revisitado pelos personagens, ainda que a tragédia por vir não tenha sido percebida.
O que não significa que os sinais não tenham sido dados, no entanto. Para Terry, o alerta era o nome do cachorro vencedor (que depois deu nome ao barco). Para Ian, o papo furado do playboy que queria se engraçar com Angela sobre tragédias gregas.
E, no fim, quando o momento no barco se repetiu pela segunda vez, era necessário se fazer uma escolha. Caberia a Ian tentar farsear a realidade para seguir em frente, mesmo com consequências irremediáveis gravíssimas, ou permitir que o ciclo se fechasse da forma natural. Ao optar por este caminho, a história se encerra da única forma possível: de maneira trágica.
É até compreensível que este não seja lá o filme mais aclamado da carreira do diretor. Àquela altura (ainda que existam muitos pontos de convergência em algumas discussões propostas), não era bem isto que se esperava de “um filme escrito e dirigido por Woody Allen”. Ainda assim, acabou sendo uma experiência renovadora bastante promissora logo depois do péssimo Scoop, que, no caminho contrário, era um filme muito mais típico do cânone alleniano, mas completamente raso e amparado quase que unicamente no estilo do diretor.
Boas performances do elenco, principalmente de Ewan McGregor (entre os dois protagonistas), Hayley Atwell (como uma representação da tentação na era moderna) e Tom Wilkinson (como o responsável direto por tentar os personagens principais). A trilha sonora é outro destaque, sendo extremamente instigante e muito bem usada a serviço da criação de tensão, ainda que tenha dado ao filme um ar mais convencional, de fato.
No fim das contas, se na mitologia grega Cassandra foi considerada louca ao tentar avisar aos outros sobre a tragédia que os vitimaria, já deixo claro que meu nome não é Cassandra e eu recomendaria este filme sem medo. Até porque, apesar de se tratar de uma tragédia, este é um filme que passa longe de ser trágico.
O Amor, a Morte e o Tempo. Os três fatores que regulam toda a vida de uma pessoa neste mundo. Um deles é responsável pelos melhores momentos que vivemos. O outro, pelos piores. O terceiro é o caminho entre um e outro, numa montanha-russa em constante movimento que chamamos de vida.
Howard (Will Smith), o protagonista do filme, vive um momento de baixa. Após a perda precoce da filha, ele não consegue se recuperar mesmo após dois anos de luto. Com a depressão, vem o isolamento, o fim do casamento e o abandono do trabalho na própria empresa, ainda bastante dependente da atuação dele. E, com tudo isso, as perguntas surgem (e são feitas aos destinatários apropriados por meio de cartas): Por que me abandonou, Amor? Por que você a levou, Morte? Por que eu não tive mais... Tempo?
Ao mesmo tempo, os colegas de trabalho criam um plano para tentar salvar a empresa e, enfim, poderem seguir em frente com as suas vidas, atreladas à de Howard pelo destino. Eles resolvem contratar um grupo de atores para se passarem pela Morte, pelo Amor e pelo Tempo.
Uma ideia extremamente interessante, ainda que não exatamente inovadora, e que poderia render bastante, não fosse o roteiro tão mecânico no desenvolvimento da trama. As situações se sucediam de maneira extremamente formulaica e previsível. Os dois plot twists, nesse sentido, se tornaram totalmente apáticos e desinteressantes.
O filme poderia ter sido salvo se a farsa do trio tivesse sido revelada para todos eles, e não apenas para o Howard. Quando eles percebessem que Howard não estava realmente falando com ninguém naquelas filmagens, e que eles, por consequência, também não tinham falado com ninguém, aquele seria o ponto central de virada na história, em que cada um precisaria, de fato, enfrentar o porquê de ter sido enganado por cada um dos membros do trio.
O desenvolvimento ali poderia ser muito mais interessante que apenas repetir os encontros com os “atores” que permearam o filme inteiro. Pequenos pontos de combate e reflexão muito mais intensos e poderosos que poderiam ser um clímax exclusivo para cada um dos personagens. Mas preferiram não seguir este caminho. No fim, eles apenas seguiram em frente e continuaram entrando em contato com cada um dos “atores” como se eles realmente fossem meros atores de fato.
O twist da esposa também já era previsível desde o momento em que todas as características da filha batiam. Inclusive, extremamente forçado e pouco natural dado o desenvolvimento das coisas. Novamente, uma relação extremamente artificializada pelo roteirista apenas para promover um plot twist que não rendeu nenhuma surpresa para quem estava atento à história. Muito mais interessante teria sido ter transformado a personagem em uma quarta “atriz” (podia ser a representação da própria Vida, por exemplo) ali colocada para também pôr Howard no rumo certo. Seria até uma virada mais condizente com a proposta inteira da obra.
Não é um filme ruim. Inclusive, é tecnicamente muito bom e os atores são de primeira linha. Para um drama desse porte, no entanto, muito me surpreende o fato de eu não ter me emocionado de fato em nenhum momento. Uma prova de que a mecanicidade formulaica do roteiro e a direção muito objetiva e pragmática atrapalharam completamente o desenvolvimento da história.
O filme teria se beneficiado muito de um tratamento mais fantasioso para contar este conto incomum. Até porque, assim como numa fileira de peças de dominó, no mundo real tudo também está conectado. Um movimento aqui vai gerar um movimento acolá, numa cadeia interminável de ações e reações. O segredo é achar a beleza oculta em cada uma das peças e em cada um dos movimentos que elas fazem. O problema do filme, pelo menos para mim, é exatamente o fato de não ter conseguido passar essa mensagem. Até porque, quando você consegue prever cada pequeno passo com exatidão, a beleza pode até estar ali, só que não estará exatamente oculta.
Não sou lá o maior fã de comédias românticas em geral, mas essa daqui tinha uma premissa improvável, então resolvi arriscar. E não me arrependi. O roteiro soube equilibrar de forma correta doses de romance incomum com uma comédia que atirava para todos os lados, mas que fazia isto com sucesso, conseguindo ir do humor mais escrachado à ironia mais sutil em poucos minutos.
Comece a assistir munido de um almanaque de cultura pop, no entanto. Assim como os discursos da Charlotte que chegavam a referenciar Barrados no Baile, o roteiro traz constantemente piadas que fazem menção a diversas obras, momentos e nomes - que povoaram a cultura americana dos anos 90 até a atualidade - que só verdadeiros conhecedores de música, cinema, televisão, política ou mesmo do submundo das drogas vão entender. Inclusive, um ponto fraco do filme que o torna bem menos acessível (e mais suscetível a se tornar datado muito brevemente).
Charlize Theron faz um trabalho espetacular, como de costume. Não que a personagem seja lá propriamente desafiadora para uma atriz como ela, obviamente. Mas, ainda assim, uma ótima oportunidade para mostrar ao público sua veia cômica. Seth Rogen também faz um bom trabalho, até porque o papel não é lá muito diferente daquilo que ele está acostumado a interpretar.
Entre os coadjuvantes, Bob Odenkirk se destaca nas poucas cenas em que aparece como o presidente - nada interessado em política, diga-se de passagem - que surgiu no mundo da televisão... Enquanto uns saem de séries políticas, outros saem de reality shows e outros de programas de auditório de quinta categoria da emissora quinta colocada. Cada país tem o presidente que merece, né?
Em resumo, um filme bem montado e divertido. O roteiro não apresenta lá nenhuma grande novidade para o gênero, mas a direção é bastante segura e o nível de qualidade da produção é surpreendentemente alto para um filme de comédia (gênero cada vez mais relegado às sobras na distribuição dos orçamentos dos estúdios) do fim da década passada. Rendeu boas risadas e conseguiu fazer críticas interessantes, ainda que rasas, a vários problemas da nossa sociedade atual.
E o que me parecia improvável ao ler a premissa, no fim das contas, rendeu um trabalho interessante. Talvez nada que vá reinventar o gênero ou a indústria do cinema, mas uma peça atrativa no grande esquema. Como tanto Charlotte quanto Fred descobriram, a vida é feita de concessões. Improvavelmente, talvez seja esta a maior mensagem que o filme quis passar. E esta é uma mensagem extremamente importante numa era de extremismos tão radicais e irredutíveis quanto a que vivemos hoje.
Não é todo dia que a gente vê um "guy movie" tão impecavelmente estiloso quanto Drive. Visualmente, uma obra extremamente rebuscada: fotografia interessante, iluminação marcante, figurino vistoso, trilha sonora caprichosamente selecionada e bem colocada e edição muito bem feita.
Mas nem todo o estilo do mundo conseguiria salvar um roteiro desses. Os personagens principais eram quase caricaturas de arquétipos típicos dos filmes hollywoodianos. Seja o mocinho que só quer fazer o bem e não quer saber de dinheiro ou a mocinha que só quer cuidar da família (só faltou acrescentar o plot de atriz frustrada que virou garçonete para ser mais clichê) e ser feliz. Os personagens secundários, então, nem se fala, são quase NPCs...
Os atores até são muito esforçados e entregam boas performances. Ryan Gosling, em especial, tira leite de pedra para tornar esse personagem minimamente palatável. Adiciona camadas ao motorista sempre que pode, mas o personagem soa unidimensional porque não há explicação quanto às motivações, ou apresentação de um background que explique minimamente como ele chegou àquele ponto. E, quando se apresenta uma motivação (salvar a família do apartamento ao lado), isto é feito de modo extremamente superficial e irrealista.
Não tendo apoio no passado, o roteiro também não se sustenta no presente. A polícia que apareceu em poucos minutos e tinha até helicóptero para perseguir o Impala prata no início do filme não existe no meio quando tiros de escopeta são disparados a torto e a direito num hotel de beira de estrada? A polícia que vai atrás de saber da mulher de um bandido quando ela o viu pela última vez pouco após a morte deste é a mesma polícia que, no fim, não é chamada por ninguém quando tem gente basicamente se matando no meio de um estacionamento à luz do dia? Inverossímil.
Para o futuro, o filme também se apoia na irredutibilidade altamente improvável do personagem. É até interessante a escolha por não resvalar para o clichê do "final feliz" do romance insosso que se tentou criar. Mas a escolha por deixar o dinheiro para trás naquela situação, não. Afinal, se ele não queria dinheiro, era cúmplice de crimes no começo do filme a troco de quê? Se só pela adrenalina da coisa, o trabalho como dublê não bastaria para satisfazer essa necessidade? E, se não pela adrenalina, é uma necessidade inata de ajudar bandidos com os quais ele sequer quer ter contato depois daqueles momentos? Novamente: pouco plausível.
É realmente uma pena, porque, como experiência audiovisual, esse filme realmente se supera ao abandonar totalmente os padrões quase que impostos aos filmes de ação. Mas, com essa história assentada entre o clichê e o bizarro que exige uma suspensão de descrença fora do comum, o filme não funcionou a contento pra mim.
Talvez tivesse sido melhor trabalhar essa história como uma DLC muito estilosa de GTA: San Andreas. Dirija o carro de corrida na pista e impressione Bernie. Leve Blanche e Standard até a loja de penhores. Esmague a cabeça do aleatório no elevador e assuste Irene. Jogue o carro de Nino do penhasco. Mate Bernie e fuja da cena do crime sem o dinheiro... É, pensando bem, nem como DLC de um jogo tão extravagante quanto GTA essa história colaria.
Uma discussão interessante sobre a dor. Não apenas a dor física, que você pode contornar com cápsulas, drágeas ou comprimidos. Mas também a dor psicológica. Aquela para a qual não existe remédio que possa ser indicado por um médico (ou por um farmacêutico de uma cidade do interior do México). O tipo de dor que corrói a alma a ponto de a vida não parecer fazer sentido.
É este o dilema que vive Claire (Jennifer Aniston). A experiência traumática que a levou até aquele ponto da sua vida é constantemente relembrada. Não apenas pela dor que a personagem sente a todo instante, mas também pelas cicatrizes espalhadas pelo corpo facilmente vistas num espelho (e pelos outros), pela necessidade de se readaptar aos novos movimentos que seu corpo ainda em recuperação a permite fazer, pela mudança brusca de uma rotina à qual estava acostumada para outra completamente diferente, pelas lembranças que vêm constantemente à tona, mas, acima de tudo, pela ausência. Se para as dores existem as pílulas, para a ausência, não há qualquer remédio. Ou será que há?
É esta a pergunta que a personagem responde sem sequer perceber. A ausência só pode ser superada com a presença. A partir do momento em que ela decide se tornar presente para combater a ausência, a sua vida começa a mudar. Seja ajudando a fazer uma criança feliz no dia do seu aniversário, auxiliando um pai a lidar com a perda da mãe desta mesma criança, tratando a fiel empregada com mais respeito e até admiração e ajudando-a a não se sentir inferior frente à maldade alheia, ou mesmo ajudando uma garota aproveitadora do interior a transitar entre o mundo provinciano de Boise e a cosmopolita Los Angeles, por mais que isso lhe custe alguns trocados. Pouco a pouco, a partir de cada pequeno passo desses, a vida ganha novos momentos dignos de serem lembrados. Assim como o momento que ficou eternizado numa fotografia acima do sofá da sala.
Uma ótima atuação de Jennifer Aniston, aproveitando aqui sua veia cômica (desta vez puxada para um humor negro cínico da personagem) mesclada a um roteiro dramático que, ainda que sucinto, tem alta qualidade. O elenco secundário também não deixa por menos. Adriana Barraza, principalmente, faz um trabalho extremamente carismático como a leal Silvana.
Talvez o filme não tenha conseguido alcançar maior reconhecimento por não ser um drama mais típico e vistoso. Aqui, muita coisa fica apenas inferida e em segundo plano. Mas, nem por isso, o filme deixa de carregar uma mensagem extremamente necessária: Toda dor pode ser curada. Talvez nem sempre pelos meios convencionais. Mas só é possível descobrir se é possível superá-la se nós também buscarmos a mudança. Assim como Claire descobriu no exato momento em que levantou o banco do carro e voltou a encarar o mundo de frente.
É simplesmente impossível não traçar um paralelo entre este maravilhoso filme e a intrigante telenovela brasileira de mesmo nome. Talvez pelo fato de as duas produções discutirem temas universais, ainda que com abordagens completamente distintas, principalmente em virtude do meio escolhido para que as histórias fossem contadas. Ambas são obras focadas nos mesmos motes: ambição e poder; orgulho e preconceito; ascensão e queda; mas, acima de tudo, ambas tratam do controle.
Abigail é a Flora. Finalmente livre da sarjeta na qual foi jogada e disposta a atingir o topo novamente, luta para se reerguer da melhor maneira possível: passando-se por boazinha até o momento necessário, e depois revelando sua verdadeira face.
Sarah é a Donatela. Aquela que manteve uma vida confortável e achava estar protegida e no controle da situação. Não contava, entretanto, com a astúcia da rival a quem um dia chegou a dar espaço.
Anne é a Lara. Dividida entre as atenções das duas postulantes ao posto de “favorita”, ela pode até parecer infantil, frágil e boba. Na verdade, entretanto, apenas guarda a própria perspicácia para os momentos certos. Afinal de contas, é ela quem tem o controle da situação.
Mas esta obra também intitulada A Favorita claramente não é uma telenovela. E, ao contrário da novela, em que as personagens se encaixavam precisamente como mocinhas e vilãs, aqui isto não acontece. Da mesma forma, aqui as coisas não se resolvem com um final feliz.
Quando Sarah alertou Abigail para os jogos diferentes que cada uma delas estava jogando, ela já estava muito adiante na história, que, para ela, teria um desfecho muito previsível. E Abigail sequer percebeu isto e realmente achou que tinha vencido.
No fim, se uma ambicionava o controle da rainha para ter o poder político na palma das mãos, enquanto a outra queria mantê-la sob suas rédeas apenas para garantir para si a vida confortável que lhe havia sido tirada no passado, a verdade é que nenhuma das duas poderia vencer o jogo de fato.
Porque a favorita da história só poderia ser a própria rainha. Ela, por nascimento, sempre teria de ser adulada. As outras duas eram apenas peões. Talvez aqueles que começam o jogo nas casas D2 e E2, muito próximos da rainha, mas indistinguíveis entre si e, portanto, dispensáveis.
E o mais interessante de tudo é que a mensagem do filme nem é exatamente esta. Se todas as personagens estavam presas a um eterno jogo de xadrez, a maior reflexão que a obra nos proporciona é a visão de que, se a vida é um jogo, nós somos não exatamente peões, mas talvez os próprios coelhos que Anne tinha como filhos.
Assim como Sarah, Abigail, a Rainha Anne ou os coelhos desta última, podemos fazer a escolha entre comer cenouras ou manipular um outro ser vivo como se este fosse um mero joguete, mas, na hora de voltar para a jaula, acabamos todos aprisionados. Da mesma forma que Sarah ficou presa no papel de exilada (longe do reino que tanto quis controlar), Abigail no papel de serva (do qual tanto quis se livrar) e Anne no papel de rainha (que a ela pouco interessava, pois só queria as benesses da função).
Para nós, fica uma lição: quanto mais acharmos que estamos trabalhando pela nossa libertação, muitas vezes só estamos apertando as amarras que nos prendem às nossas próprias jaulas sem que sequer percebamos.
Vice retoma a mesma fórmula do filme anterior do diretor Adam McKay, A Grande Aposta (2015). As duas histórias têm premissas parecidas: a busca pelo poder e o retrato da ambição - muitas vezes desmedida - dos envolvidos. No entanto, enquanto uns buscam o poder gerado pelo dinheiro, outros buscam o poder gerado pela política.
É esta a escolha feita pelo protagonista, Dick Cheney (Christian Bale), e pela maior parte dos personagens secundários. Ao longo do filme, passamos por vários momentos marcantes da escalada política do personagem e vamos, aos poucos, conhecendo os meandros dos jogos de poder da maior potência do planeta.
O roteiro não desaponta e escolhe momentos interessantes para pontuar a evolução dos personagens, sem se tornar excessivamente detalhista e enfadonho, ao mesmo tempo em que mostra diversas perspectivas e caminhos que levaram o protagonista a se tornar o que é, de modo a torná-lo menos maniqueísta. De certa forma, a falta do mesmo cuidado com alguns personagens secundários os torna unidimensionais, mas, como o foco era a história do Dick, isto não prejudica a narrativa como um todo.
A direção também interfere muito habilidosamente no desenvolvimento da trama. A sacada da finalização falsa do filme ainda pela metade, com um belo final hollywoodiano, foi simplesmente genial. Se Dick Cheney fosse o típico herói americano, faria todo sentido que a história terminasse ali. Mas ele não era.
Assim como nenhum dos personagens era, na verdade. E, talvez justamente por isso, o filme tenha rendido atuações tão seguras. Christian Bale fez um trabalho monstruoso de caracterização do personagem (aliás, muito bem ajudado pela equipe de maquiagem, que seja pontuado) e Amy Adams fez um ótimo trabalho ao não ser engolida por esse monstro quando precisaram dividir a atenção das câmeras. A cena em que eles enunciam Shakespeare poderia ter facilmente ter se tornado ridícula nas mãos de atores menos experientes. E, embora não tenha soado natural, evidentemente (como era a intenção), foi muito bem executada. Steve Carell e Sam Rockwell flertam com o perigo da unidimensionalidade mencionada acima, pela falta de maior desenvolvimento de arcos próprios, mas entregam bons trabalhos e não destoam.
Talvez pelo fato de a temática do filme ser um pouco mais acessível, em relação a A Grande Aposta, foi mais fácil tornar as "explicações" sobre determinados pontos muito mais diretas e menos pedantes. Alfred Molina não precisou dar suas credenciais enquanto distribuía os cardápios. Da mesma forma, Naomi Watts não precisou chamar ninguém de burro enquanto dizia que era uma grande gostosa colocada na apresentação de um jornal - e no filme - para atrair o público. Apesar disso, ambos passaram informações importantes sem comprometer o contexto da trama. Ótimas pontas e uma evolução muito precisa no uso desta fórmula pelo diretor.
Em resumo, é interessante notar que, para muitos, Vice fica na vice entre os filmes do Adam McKay. Para mim, entretanto, pela direção mais firme e um trabalho, em geral, mais focado que A Grande Aposta, é certamente uma pole position muito merecida na filmografia do diretor, pelo menos até aqui. E o pobre Ricky Bobby pode apenas sonhar com este lugar no pódio, aliás.
Antes de tudo, a forma como Artista do Desastre conseguiu subverter as expectativas de uma produção hollywoodiana é incomparável. É um filme muito bem produzido, mas trabalhado propositadamente com toda uma estética de produção de baixa qualidade feita diretamente para televisão, tão comum nos Estados Unidos. Obviamente, trata-se de um paralelo com o próprio filme que originou toda esta saga: The Room.
Ali também temos um pretenso filme hollywoodiano, com direito a custos de produção milionários e equipe gabaritada, ainda que transpire todo um aspecto amador. Entretanto, não é possível se deixar enganar pela estética barata, porque o conteúdo do filme é sensacional. Aproveitando todas as pequenas idiossincrasias dos personagens e os detalhes mais obscuros por trás de uma ideia maluca como a que originou este filme, temos um baita roteiro.
Sem grandes rodeios, e sempre firme e seguro para mostrar momentos centrais na construção dos personagens, o encaminhamento dado ao roteiro foi essencial para tornar a história palatável para quem não conhece The Room, ao mesmo tempo em que conseguiu dar camadas a personagens que facilmente poderiam ser tratados apenas como caricaturas nas mãos de roteiristas menos capazes.
Para além do roteiro, é impossível não elogiar o trabalho de James Franco. Tal como Wiseau, ele também é uma ameaça em várias frentes (dirigiu, produziu e atuou... faltou apenas trabalhar o roteiro para se igualar ao "artista do desastre" original). O acerto no tratamento dado a este filme certamente é, em boa parte, mérito dele, que também já aventurou pelo mundo das produções feitas diretamente para TV. A atuação também é magnífica, revelando a grande atenção a detalhes e maneirismos que poderiam ter passado despercebidos.
Ainda no que diz respeito ao trabalho dos atores, é impossível deixar de reconhecer o esforço de trazer uma quantidade tão grande de estrelas já consolidadas e fazê-las parecerem verossímeis em papéis tão pequenos. Ari Graynor, principalmente, representou muito bem o papel da jovem atriz Juliette Danielle, e foi ótimo ver o próprio Tommy Wiseau fazendo uma ponta no filme.
Mais que tudo, Artista do Desastre é uma prova de que até os pastiches mais descarados (com direito a cenas literalmente reencenadas da mesma maneira, confrontadas lado a lado com sua inspiração original) conseguem ser muito mais interessantes que o milésimo remake, reboot ou prequel de alguma franquia originada em 1900 e bolinha. Mas apenas quando feitos do jeito certo, logicamente. Hollywood deveria tomar notas, aliás. Até porque, aqui, não há desastre algum. Apenas artistas. E, claro, arte.
O título traduzido nos leva a crer que se trata desses filmes de comédia bobinhos que costumavam produzir nos anos 80: uma mãe esconde um grande segredo - ela é uma sereia! - e precisa fugir de cada cidade em que vive com suas filhas tão logo este segredo pode ser revelado.
Mas o filme passa longe dessa premissa fantasiosa. Trata-se, na verdade, de uma dramédia muito bem construída sobre o crescimento e amadurecimento da jovem Charlotte Flax nos Estados Unidos dos anos 60. Uma época em que não só ela vivia conflitos familiares com sua excêntrica mãe, a destemida Sra. Flax, mas em que o mundo perfeito das famílias de comercial de margarina começou a ser posto em xeque.
O roteiro é bem amarrado e vai direto ao ponto, proporcionando uma visão tríplice do que é ser mulher em diferentes fases da vida. Nisso, é muito bem ajudado pelas atuações excepcionais de todos os atores principais. Winona Ryder, Cher e, claro, da jovem Christina Ricci, que aqui deu início a uma bela e longeva carreira. Bob Hoskins, e mesmo Michael Schoeffling (vitimado também aqui pelo typecasting), igualmente fizeram um ótimo trabalho.
De certa forma, a maior mensagem fica apenas inferida: todas as mulheres são sereias. Não porque se fantasiam como tal para ir a festas de fim de ano, ou mesmo porque são obcecadas por nadar e mergulhar desde a primeira infância... Mas sim porque todas carregam um mistério e um encanto que é reservado apenas ao mundo feminino.
E se, em outra era, caberia a um príncipe fisgá-las e a uma bruxa colocar um par de pernas em cada uma delas para que elas pudessem ser adequadas ao papel que a elas a sociedade reservou, é maravilhoso ver que, pelo menos aqui, não havia qualquer pretensão de reproduzir esta mensagem. Como sereias, as mulheres também são livres para escolher seus destinos. Mesmo que queiram nadar contra a corrente.
Estilo acima da substância. Para além da ótima trilha sonora, de rotinas de dança coreografadas de forma interessante e do carisma inegável da atriz principal, a bela Jennifer Beals, Flashdance tem muito pouco a oferecer.
Um roteiro fraquíssimo daquele tipo do mais básico dos básicos, com direito a todos os clichês possíveis, a começar pela história principal da "garota pobre numa condição desfavorável que vai em busca do sonho".
Na verdade, parece que o roteiro todo foi montado nas coxas para esconder o fato de que aqui tínhamos vários videoclipes feitos para vender singles e álbuns da trilha sonora e um ou outro produto ocasionalmente encaixado no filme, do tênis da Nike à latinha de Pepsi Diet.
A maior contribuição deste filme foi ser o modelo que o Joe Esterzhas provavelmente utilizou depois para escrever Showgirls, que satiriza justamente o "sonho americano" que a personagem vive aqui.
Mas, o que lá é bem trabalhado e bem construído, aqui é só um monte de remendos reunidos às pressas para construir esse comercial de 95 minutos disfarçado de filme voltado à geração MTV. E o mais impressionante é que, entre os dois filmes, este daqui seria considerado clássico antes do outro. Trágico.
Um ótimo trabalho de Paul Thomas Anderson, principalmente pela direção primorosa que deu vivacidade e textura a um trabalho que poderia facilmente se tornar burocrático pela época, cenário e texto envolvidos. O roteiro poderia ser um pouco mais conciso, no entanto, o que, de toda forma, não prejudicou as atuações brilhantes oferecidas pelo elenco. Além dos sempre mencionados Daniel Day-Lewis e Lesley Manville, destacaria também Vicky Krieps pela sutileza sempre acompanhada de grande segurança e consistência na construção da personagem.
Mais que um filme sobre a relação entre amor e poder ou sobre um relacionamento tóxico, há aqui uma grande discussão sobre o controle na (e da) vida de uma pessoa. A necessidade humana que muitos possuem de se sentir sob pleno controle de todos os aspectos da sua existência todo instante. Da sua vida, em toda a rotina diária, que vai das roupas e aparência pessoal à carreira e a maneira como se portar perante os outros. Outros que, aliás, representam o ponto de descontrole. Porque podemos até controlar todos os nossos impulsos, se tivermos uma capacidade quase que sobrenatural para tal, mas nem com uma capacidade sobrenatural poderíamos controlar os outros.
E é exatamente isto que Alma representa. O ponto de virada entre o controle e a falta deste. Se, antes, havia um perfeito equilíbrio nas coisas, ela é o momento em que o jogo fica de ponta-cabeça e as regras não mais se aplicam. Se, num primeiro instante, pode parecer que isto ocorrer por ela não se adequar ao ambiente ou às situações sociais que dali surgiam, a verdade é que, no momento em que ela se adequa, passa a representar o descontrole quando também perde o controle e age com o intuito de subverter o sistema.
E a subversão não é nem o momento fulcral da obra, ainda que muito importante. Mas é, antes, um anticlímax para o momento em que, havendo a revelação, todo o conflito central deixa de existir. Porque o problema nunca foi um relacionamento tóxico em si, mas sim o fato de não haver controle sobre aquela relação, o que gerava caos. Mas não haveria problema algum com um caos controlado. Porque, como em toda história já contada pela civilização ocidental, é o conflito constante que leva a história adiante.
E ambos, embora muito diferentes, em suas criações, idades, relacionamentos e visões de mundo, pareciam partilhar desta mesma visão. No momento em que eles decidem por aquilo, a história pode seguir em frente. Da mesma forma que seguiria não apenas nesta, mas em todas as outras vidas que poderiam vir pela frente. Porque raras pessoas estariam dispostas a compartilhar daquele tipo de experiência. Talvez também por medo de perderem o controle. Ou, talvez, por terem medo de perderem o controle do medo.
E pensar que havia uma baita história a ser revelada aqui (que foi, inclusive, inferida, mas não desenvolvida). No entanto, preferiram seguir pelo lado de apresentar, enquadrar e consolidar as pessoas envolvidas em arquétipos esquisitos do início ao fim...
É um filme esforçado (e ousaria dizer que até bem-intencionado, apesar de tudo), mas o roteiro é muito falho. Começa com uma proposta e termina com outra completamente diferente; personagens secundários aparecem e desaparecem do nada; o backstory dos personagens principais não é tão bem trabalhado; e, por fim, algumas das tramas paralelas não têm qualquer seguimento posterior.
Enfim, pode-se dizer que é um retrato da vida. Vários recortes e mais recortes e muitas coisas que só podem ser inferidas. OK. Mas determinadas escolhas tornam a obra não apenas superficial como também problemática. Como um telefilme do Lifetime, já estaria ótimo. Como um dos filmes hollywoodianos mais aclamados do ano em que foi lançado... tenho minhas dúvidas se isso é o bastante.
Por outro lado, temos aqui atuações muito firmes e seguras. Annette Bening e Julianne Moore, atrizes de alto calibre que são, conseguem dar camadas às personagens, mesmo quando o roteiro e a direção parecem tentar encaixá-las nas caixinhas dos estereótipos para tornar a película palatável para o público da época. Uma pena que o material que elas tinham como base não era melhor.
Talvez eu devesse ter assistido com menos expectativas, até por ter esperado bastante tempo para finalmente ver a obra, mas acho que o título original soa bem indicativo da qualidade do filme. Tinha tudo para ser mais, entretanto, pela temática inusitada e pelo talento notório de muitos dos envolvidos. Uma pena que tenham optado pelo "OK" no lugar do "sensacional".
"O Relatório" explora um período turbulento da história recente dos Estados Unidos: a guerra ao terror levada a cabo por todas as administrações do país a qualquer custo desde 11 de setembro de 2001. Mas explora uma fase tão perturbadora da história de um país por um viés pouco visto, mostrando o que se desenvolve nos bastidores do mundo burocrático dos órgãos governamentais.
Acompanhamos o desenvolvimento de investigações conduzidas por Daniel Jones (Adam Driver), sob a supervisão da Senadora Dianne Feinstein (Annette Bening), ao longo de vários anos de árduo trabalho. Dos idos de 2001, numa leve contextualização de acontecimentos ligados ao 11 de setembro, até o fim de 2014, quando o relatório finalmente é publicado, vários momentos envolvidos na sua confecção são registrados pelo filme.
Infelizmente, o título indica claramente o tipo de experiência que o espectador vivenciará ao assistir a película: uma jornada maçante e quase burocrática, tanto quanto a confecção de um relatório de 6 700 páginas. Na tentativa de pincelar vários pequenos trechos da produção do documento, o roteiro se perde numa infinidade de personagens secundários e tramas paralelas que, muitas vezes, parecem estar ali apenas para preencher o tempo de arte. Ou, em muitos casos, apenas para tentar chocar o espectador numa tentativa quase robótica de emocioná-lo gratuitamente.
Alguns personagens são tratados com uma abordagem abertamente maniqueísta (algo extremamente notório no caso dos psicólogos, Mitchell e Jessen, mas não apenas destes). Na outra ponta, outros são apresentados como personagens relevantes, mas depois somem na trama labiríntica.
Uma abordagem mais enxuta e focada no dilema entre interesses públicos e privados e, principalmente, no conflito entre o dever do trabalho e a ameaça à própria vida pessoal, seria mais interessante para desenvolver o enredo. Adam Driver, afinal, fez um sólido trabalho como o personagem principal. Da mesma forma, Annette Bening apenas reafirma a sua competência como grande atriz em mais uma atuação firme e precisa.
Tecnicamente, é um bom filme em que os fatos vão, aos poucos, se encaixando, para concluir a narrativa a contento. No entanto, falta vivacidade, o que é no mínimo estranho, por se tratar de um tema tão atual e controverso como este. Uma produção sólida, com desempenhos seguros, mas sem intensidade alguma. Entre ler um relatório ou um bom livro, a maioria escolheria a segunda opção. Da mesma forma, entre "O Relatório" e muitas das ótimas opções que 2019 nos ofereceu, não é tão difícil imaginar qual alternativa o público escolheria...
O sonho americano tem várias facetas. Para uns, uma enorme casa nos subúrbios rodeado por uma cerca branca, uma bela esposa, dois lindos filhos e um leal cachorro, amigo de todas as horas. Para outros, é chegar ao topo da sociedade o mais rápido possível, custe o que custar. É este o caminho que os personagens de 54 escolhem perseguir.
Shane O'Shea (Ryan Phillippe) é o protagonista da história. Longe da moralidade típica dos mocinhos que lutavam pelo sonho americano tradicional, ele tem a lábia e (o que é mais importante, neste caso) a aparência, para tentar alcançar o auge à sua maneira. Nesta jornada, conhece os outros personagens: a cantora iniciante Anita (Salma Hayek), o marido ciumento Greg (Breckin Meyer), a atriz ambiciosa Julie Black (Neve Campbell) e o dono do bar que deu ao jovem a oportunidade de correr atrás do seu objetivo, Steve Rubell (Mike Myers).
Todos esses encontros e desencontros acontecem na mais notória casa noturna de Nova Iorque, a 54. Belamente recriada para o filme, a boate é também apresentada como se um personagem fosse, resultando numa apresentação incrível focada numa esmerada reconstrução da ambientação da época (como bem provado pelas imagens reais durante os créditos, que se confundem com fotos da própria produção).
A uma apresentação segura e firme, no entanto, se sucede um desenvolvimento pobre. O roteiro parece pouco se esforçar para fugir dos esquemas simplistas típicos de filmes sobre um "pequeno garoto na cidade grande" que presencia o crescimento, o apogeu e o fim de algo. Apesar de tentar inferir a todo momento que não se pretende ser algo sanitizado e superficial, o desenrolar da história descamba claramente para este lado, de forma a não polarizar o público.
A interferência na edição é notável, principalmente nos momentos finais do filme. Algumas tramas se desenvolvem de forma confusa, outras parecem ter pouca conexão com o que veio antes ou o que vai acontecer depois, e alguns momentos careciam de maior tempo para que pudessem ajudar na construção dos personagens.
Prejudicados pela edição esquizofrênica, pelo roteiro raso e pela direção inexperiente, os atores, em geral, não entregam bons trabalhos. Ryan Phillippe se sai bem nas cenas sem camisa, e mal nas cenas com emoção, comprometendo os pontos altos do filme. Mike Myers, por outro lado, mostra esforço em seu primeiro papel dramático e consegue criar uma persona minimamente verossímil para o dono da boate, ainda que não consiga escapar completamente das armadilhas da edição e da conclusão clichê dada ao roteiro.
As ingerências externas de um estúdio que gostaria de tornar a película mais palatável para o grande público parecem ser o principal problema do filme. No entanto, não é possível dizer que estaríamos diante de uma grande obra, não fosse este o caso. Como a vida noturna, 54 oferece aos espectadores muito brilho, muita luz e muita música boa. Mas, no centro de tudo, predomina o vazio que não será preenchido com uma ida ao bar, um passeio na sacada ou uma reflexão existencial sobre a vida no meio da pista de dança logo após uma trágica morte. Até porque se, por um lado, não havia lugar melhor para se frequentar que a boate 54 na Nova Iorque do fim da década de 70, por outro não se pode dizer que não havia filme melhor que 54 para se assistir em 1998.
É impressionante como as histórias da infância são sempre as mais marcantes. Adoráveis Mulheres é um exemplo claro disto. Longe de ser um conto de fadas infantil, mas também às vezes tida como uma obra dispensável por alguns pela sua temática juvenil, esta nova versão prova, com toda uma nova perspectiva, que uma obra como esta é, pelo contrário, cada vez mais indispensável para que possamos entender o nosso mundo.
O universo feminino explorado e bem delineado, pela presença de tantos perfis distintos e complexos, é, aliás, o grande destaque da obra. Pouco a pouco conhecemos cada uma das adoráveis mulheres e passamos a rir, a torcer e a se emocionar com cada um dos seus passos. A falta de linearidade do roteiro só contribui para a construção de cada uma das personagens, tornando suas tramas mais dinâmicas que em outras versões e conferindo um frescor à história.
Para acompanhar um bom roteiro, uma direção fluida e segura de Greta Gerwig que conseguiu conferir ritmo a uma obra adaptada e, ao mesmo tempo, imprimir pessoalidade, sem comprometer o material original, provando passar longe de ser um one-trick pony (como injustamente a acusaram após o lançamento de Lady Bird há dois anos).
Na tela, atuações muito fortes de Saoirse Ronan e Florence Pugh, merecidamente reconhecidas pela Academia. Para além delas, destaque para Eliza Scanlen, no papel da jovem Beth, com uma performance que conseguiu combinar fragilidade e vitalidade de forma inigualável. O fechamento da trama da personagem é, aliás, o ponto mais emocionante de toda a película. E olha que momentos emocionantes não faltam!
Se, aparentemente, não vivemos mais no mesmo universo dos anos 1860 (seja em Nova Iorque, em Paris, ou mesmo na pequena Concord), por outro lado, encontramos uma Jo, uma Meg, uma Beth ou uma Amy toda vez que saímos à rua. Na verdade, é possível que cada um de nós consiga se espelhar facilmente numa delas.
Porque cada uma representa um pouco do que é ser mulher e, indo além, carrega uma essência daquilo que é ser humano. Mais que uma irmã rebelde, uma filha obediente, uma jovem conciliadora ou uma garota ambiciosa, todas elas são um pouco de cada um de nós. E as escolhas que cada uma faz são o reflexo do que vivemos todos os dias. Porque, afinal, a vida é feita de escolhas.
Mas seriam as escolhas totalmente dispostas e entregues ao livre arbítrio tanto lá como aqui? Até porque, se hoje, na superfície, se diz que as mulheres não vivem mais sob as mesmas limitações da época, não é bem isso que vemos na prática. O mundo moderno realmente superou as antigas tradições de forma absoluta e incontestável? Difícil de crer.
No fim, o principal ensinamento que as "mulherzinhas" podem nos deixar é, muito provavelmente, uma das melhores citações do filme (livremente traduzida): "As mulheres, elas têm mentes, e têm almas, e não só apenas corações! E elas têm ambição, e têm talento, e não apenas beleza! Eu estou cansada de ouvir as pessoas dizendo que elas só servem para amar!". Se aplicarmos isto não apenas às mulheres, mas também a todos que são prejudicados e inferiorizados todos os dias, seja pela cor da pele, pela orientação sexual, pela fé que professam, pelo país onde nasceram, pela idade que possuem ou pela região de onde vêm, talvez o mundo possa, um dia, se tornar um lugar mais adorável. Talvez.
Sutileza. Numa era de extravagâncias e exageros, não só a palavra, como também o significado por trás do termo "sutileza" parecem estar fora de moda. E, assim como a personagem que queria nadar contra a corrente (tanto metafórica quanto fisicamente), o filme segue o mesmo caminho, nos apresentando possibilidades muitas vezes descartadas. Descartadas porque muito do que se pensa sobre a história é voltado para o mundo político ou conflitos bélicos, por exemplo. Pouco do estudo do passado ainda é voltado para as vicissitudes da vida privada. Quanto mais a vida privada de um efêmero casal lésbico na França do século XVIII.
E é esta a perspectiva que temos. Construída lentamente, de forma delicada e refinada, a trama vai se desenvolvendo de forma a nos envolver plenamente naquela história de amor. Sem arroubos desnecessários ou maquinagens artificiais. Apenas conduzindo os nossos sentidos de acordo com os sentidos das próprias personagens. Com um olhar de esguelha ou um toque inesperado, muito já é comunicado. Sentidos que revelam, aos poucos, os sentimentos que surgem de onde menos se espera.
As personagens, em si, não eram mais importantes que a história. Tanto que seus nomes sequer são mencionados durante a maior parte do filme. O da condessa, por exemplo, sequer é revelado. A história não é necessariamente delas, mas de todas as mulheres de então, justamente porque elas funcionam como alegorias da mulher em cada um dos seus arquétipos da época; a moça vivida da cidade, livre e independente, vivida e experiente, mas limitada por regras sociais. A jovem enclausurada num convento, obrigada a mudar toda sua vida para agradar à sua mãe e também se conformar às normas da sociedade de então. A mãe que vê na filha um tíquete para reviver uma vida da qual sente falta, e que precisa ver aquela aposta dar certo de uma forma ou de outra. E a criada. Aquela que normalmente fica apenas nos cantos da tela. Mas que, aqui, tem um papel ativo. Não apenas como um penduricalho que serve unicamente ao desenvolvimento de tramas das outras personagens, mas como alguém que tem vida própria.
E, se os nomes ou os personagens em si não eram o mais importante, não podemos dizer o mesmo das atrizes. Sem tamanho talento, seria impossível tornar esta obra possível. Todas fazem um excepcional trabalho de se conformarem às expectativas das suas personagens, ao mesmo tempo em que conseguem transpor isso, saindo da mera caricatura e dando um grau imensurável de autenticidade à história.
Tecnicamente, o filme também é irretocável. O cuidado com a fotografia é incomparável. As cenas noturnas são de um primor surreal. Como uma tela pintada na Renascença, a película também se constrói como uma obra pintada em chiaroscuro. As cenas diurnas, no entanto, sabem se aproveitar da luz natural para refinar os detalhes que se perdem nas nuances tonais geradas pela escuridão. Para além, a obra foge da dicotomia simplória em que o claro é necessariamente bom e o escuro objetivamente ruim. Aqui, o que é "ruim" acontece durante o dia e muito do que é "bom" acontece durante a noite. Tudo isto possível apenas graças a um roteiro bem amarrado e a um zelo técnico incomparável que o acompanhou a quase todo momento.
Um dos poucos momentos em que se pode dizer que houve um passo em falso foi a sequência da fogueira. Única e exclusivamente pela faixa gravada em estúdio sendo usada em um espaço aberto, com uma acústica completamente alienígena. Impactante e estupenda, ainda, sem dúvidas. E necessária para o desenrolar da história. Mas poderia ter sido repensada, de forma a manter o ar de naturalidade intenso que o filme conseguiu manter em todos os outros instantes. Ou, até mesmo, eliminada, já que a "descrição da música" seria retomada lá pelo fim. Seria um incremento à carga de emoção daquele momento, inclusive.
Pontualidades deixadas de lado, é claramente um grande filme. Sabe aquela obra de arte que vai sendo pintada pouco a pouco? Eu não sei. Não sou artista. Mas não posso dizer o mesmo de Céline Sciamma e de toda a equipe envolvida na produção deste filme. Cada cena era como uma pincelada usada para dar vida à tela. E o mais inacreditável é que, se Marianne precisou de algumas semanas para se contentar com sua obra final, Céline Sciamma conseguiu nos deixar em chamas com o seu retrato em meros 120 minutos. Uma obra-prima.
Filme complicado. Não tanto pelo tema, sempre delicado e complexo, ao mesmo tempo em que é interessante e de extrema relevância, mas mais pelas escolhas confusas que poderiam ter sido evitadas. A começar pelo roteiro; os roteiristas tentaram basear a obra em dois livros diferentes. Na tentativa de mostrar os dois lados da história, o filme perde foco. Num primeiro momento, é um claro veículo para tentar render um Oscar ao Steve Carell, com tudo girando em torno do personagem dele. No outro, ele some completamente e a história segue um padrão mais alinhado com outros filmes do gênero, mudando completamente de ritmo.
No que se deve parabenizar o filme por mostrar um ângulo diferente da questão, ao trabalhar como o vício afeta aqueles que estão no entorno do viciado, também não é possível deixar de pensar que a história mais interessante foi deixada de lado. Isso não seria um problema em si, não fosse pela abordagem utilizada, em que acabamos por ver um ciclo repetitivo de recuperação e recaída sem fim. Realista? Sim. Emocionante? Cada vez menos e menos sempre que se repete e volta a se repetir mais uma vez. Para um drama hollywoodiano, esta não é uma estratégia muito certeira.
Na repetição constante, inclusive, fica evidente a falta de cuidado com a caracterização dos personagens. Pelo menos alguns anos se passam na história, mas as mudanças são extremamente sutis (para não dizer imperceptíveis). Nic vai de adolescente prodígio a jovem adulto problemático sem mudar praticamente nada externamente. Nem nos piores momentos do vício exibe pistas visuais mais fortes do problema que alguns hematomas no braço. A mesma coisa fica patente nos cenários e no figurino, por exemplo. O filme parece estar quase que congelado num mesmo ano fixo ali no início dos anos 2000, quando tudo na década foi se transformando muito mais rapidamente que em qualquer momento anterior da história.
A montagem do filme, então, vai de uma tentativa consciente de inovar ao propor uma colagem de "pequenos momentos da vida", que num primeiro momento são curiosos e atiçam nossa vontade de ver no que vão resultar, a uma decisão por abandonar todo este trabalho não-linear e, então, partir para o tipo de edição mais padronizado possível para este tipo de trama. Uma edição inconsistente com um roteiro já fragilizado.
Ressalte-se que os atores não tem nada a ver com nada disto e fizeram suas partes com esmero, executando um bom trabalho dentro das perspectivas do roteiro. Além dos elogios rendidos sempre aos protagonistas, Steve Carell e Timothée Chalamet, destacaria também Maura Tierney, em uma performance contida, mas segura e eficaz. Uma pena, inclusive, ver atores gabaritados como Timothy Hutton e LisaGay Hamilton fazendo papéis que são, literalmente, pontas (soltas) que pouquíssimo acrescentam à história como um todo.
Aliás, por se tratar de um tema tão forte, é de se impressionar com a falta de emoção que este filme transmitiu. A falta de exploração do background que era pincelado pouco a pouco ao longo da trama foi certamente a causa disto. A película se tornou uma experiência quase burocrática, e pouco construtiva como retrato do que leva ao vício em drogas, tendendo mais a um moralismo difuso (numa provável tentativa de se tornar palatável para as grandes massas neste fim de década), que a uma apreciação real do problema em todas suas nuances. Apontam os erros, mas não exploram soluções. Mostram as consequências, mas nunca trabalham as causas.
No fim, acabou sendo uma experiência bem arrastada, ao mesmo tempo que incompleta, e pouco provocativa. Deu o que pensar? Sim. Mas deu o que falar? Francamente, acho que não. E, para um filme com esta temática, isto é um tanto quanto decepcionante. É uma obra tão bonita quanto o jovem menino. Bem filmada e esteticamente agradável. Mas, assim como o menino, também confusa e perdida.
Um daqueles filmes que têm uma premissa sensacional, mas um desenvolvimento muito aquém do que poderia ter sido, e que deixa isso muito claro a olhos nus. Preferiram encher o filme de clichês e plot twists previsíveis a fazer uma película séria envolvendo os problemas retratados. Nada contra. Mas só se o tom fosse focado decididamente nesse lado da coisa. E não era. E daí o filme fica com aquele ar esquizofrênico, meio que "comandado por muitas vozes", mas sem um foco definido.
O desenvolvimento dos personagens é muito fraco. Pouco do backstory de ambos é explorado. Apenas inferido rapidamente e sem muito efeito prático para a história contada. Daí surge uma sensação de unidimensionalidade muito forte que engloba o filme. Pode ter sido uma escolha certa para reforçar o lado cômico do enredo, nas situações mais surreais possíveis. Mas foi uma escolha errada para dar sustentação às tramas que foram desenvolvidas.
Entretanto, não posso dizer que foi um filme ruim por completo. Teve méritos muito claros em algumas áreas. Os protagonistas foram bem esforçados e conseguiram trabalhar um relacionamento como esse com boa química, na medida do possível. Alguns dos coadjuvantes também conseguiram tirar leite de pedra e render boas atuações, ainda que isso não seja novidade nenhuma para alguém como J.K. Simmons, que é praticamente sempre destaque em todo filme que faz.
O ruim é que os problemas do roteiro (com um ritmo descompassado e, principalmente, um clímax e um desfecho muito apressados e simplistas), a desatenção na edição, a iluminação inconstante e a direção desfocada prejudicam muito mais o todo.
Em resumo: um daqueles filmes "malfeitinhos", mas extremamente simpáticos. Pra quem gosta exclusivamente de louboutins, esse definitivamente não é um deles. Mas, às vezes, também pode ser legal andar descalço.
Fiquei meio balançado com esse filme. Por um lado, gostei muito da forma como foi construído. A sacada de separar os atos de acordo com o cabelo dela foi muito boa para delinear o tipo de evolução narrativa que vamos acompanhar em cada etapa. Deve ser algo do livro que conseguiram trazer muito bem para a tela.
Por outro lado, o que me incomodou muito foi a construção de alguns personagens e algumas narrativas. A mãe dela é quase uma caricatura da madrasta dos contos de fada; uma pessoa preocupada excessivamente com as aparências e que foi uma figura prejudicial na vida da filha, mas do nada tudo se resolve sem trauma e ela se torna uma pessoa boa por ter "dado um salto"?
O pai, por outro lado, também é mal construído; aparentemente, é um personagem bom e o contraponto necessário à mãe, como uma presença construtiva na vida da filha, mas nada disso é bem explorado porque acharam mais importante torná-lo um objeto a ser adorado - e que só serve para desenvolver tramas alheias - do que aprofundar a trama dele.
Também acho que algumas coisas foram tratadas com superficialidade excessiva, de modo a tornar o filme palatável para todos os públicos. Transformar racismo estrutural numa mera questão de "cabelo errado" foi um erro, a meu ver. A discussão podia ter sido melhor explorada, nesse sentido. E até parecia que iam por esse lado da discussão, com a presença da Zoe (e também do pai dela), mas perderam o fio da meada quando preferiram amenizar a personagem dela em nome da aceitação simbólica por parte de um grupo, e a vestimenta dela foi bem sintomática nesse sentido.
A crítica à devoção desmedida ao outro também ficou abalada no momento em que uma personagem tão firme e convicta como a protagonista resolveu voltar atrás na sua decisão, apenas para criar um twist clichê logo na sequência. A crítica à cultura do consumismo, porém, foi pontual e certeira. Tanto quando isso era o foco, como no caso da apresentação na agência, quanto nos momentos em que isso poderia parecer secundário, como no passeio no parque.
Acho que o filme tinha um potencial muito maior para ser algo mais profundo e discutir as coisas com mais assertividade, mas acabou caindo na armadilha da pasteurização de alguns filmes "pra cima" da Netflix. Tem atuações seguras e convincentes (principalmente da protagonista, Sanaa Lathan), é tecnicamente bom (nada de outro mundo nem exatamente inovador), mas comete erros que poderiam ter sido evitados.
De qualquer forma, como bem mostrou o final, o importante não é ser perfeito, mas sim fazer sua parte para mudar o mundo. Neste aspecto, esse filme foi um passo positivo. Poderia ter avançado muito mais, mas qualquer fio de avanço já conta muito nos dias de hoje.
Acho que comecei a assistir com a expectativa muito alta, porque gostei muito de Rose Red quando vi uns milênios atrás, mas fiquei um pouco decepcionado. Não porque o filme tem baixa qualidade. Muito pelo contrário. A qualidade de quase tudo é bem alta. Dos atores, do quilate de Helen Mirren e Jason Clarke, passando pela ambientação de época requintada, e chegando aos efeitos de ótimo padrão, é tudo de muito bom gosto.
Mas parece que a premissa foi desperdiçada. O roteiro aparentava não se decidir se o foco era proporcionar jump scares gratuitos ou tentar reencenar fatos supostamente reais. Daí algumas coisas não foram bem explicadas, e outras pareceram pontas soltas.
Se comparado com verdadeiras porcarias do "terror" atual, como o remake de Poltergeist ou a enésima tentativa de repetir Atividade Paranormal, ou esses filmes de "terror adolescente" como Verdade ou Desafio, é uma verdadeira obra-prima. Mas, numa era que também nos trouxe películas como Invocação do Mal, que parece ter sido o "blueprint" para este filme, deixa um pouco a desejar.
Cresceu muito no último ato, mas achei todo o desenvolvimento bem mediano. Acho que faltou mais profundidade para que realmente pudesse emocionar. Poderiam ter trabalhado melhor o backstory da tia e a sua influência na protagonista, ou a relação complicada com a mãe, ou mesmo a amizade de longa data com a amiga "perfeitinha", por exemplo. Tudo isso foi tratado de forma superficial, a meu ver, como meros clichês do gênero.
Lá pelo fim, começou a engrenar de vez. Números muito bem executados e desenvolvimentos pertinentes que pareceram autênticos para fechar todas as tramas, do relacionamento com a mãe ao início de um namoro com o colega de trabalho. Tudo pareceu muito natural e condizente com a realidade.
Não é o melhor filme do mundo. Como comédia, não é daquelas de matar de rir. Como drama, não tem a fundura necessária para emocionar de fato. Como a dramédia que é, fica meio perdida na tentativa de ser uma coisa ou outra. Mas tem uma mensagem muito importante e necessária nos dias de hoje, ajudada por uma construção interessante em torno do material da Dolly Parton (que, confesso, não conhecia na maior parte, mas fiquei animado a descobrir) e uma carga poderosa de autenticidade envolta nos mínimos detalhes que fazem o filme valer a pena. Mais que uma opção "fofinha", uma opção fofíssima.
Stargate: A Chave para o Futuro da Humanidade
3.5 225 Assista AgoraUm filme que consegue misturar ação e ficção científica com fortes doses de história e mitologia de forma até convincente. O roteiro é um exercício de ficção histórica que, curiosamente, consegue se passar em outro planeta, ao mesmo tempo em que é capaz de trabalhar questões tão na ordem do dia para os terráqueos quanto escravidão e, principalmente, o poder do conhecimento.
Este foi, inclusive, o aspecto mais importante abordado pelo filme. Em época de ressurgimento de autocratas obscurantistas, a trama reforça a importância do conhecimento em diversos aspectos. Da linguagem, para permitir a comunicação entre os diferentes. Da escrita, para permitir o acesso a pensamentos mais complexos e para guiar a codificação do conhecimento. De todas as bugigangas que os humanos levaram ao planeta desconhecido também, claro, porque a todos se deve dar o direito de conhecer o diferente: de um simples isqueiro - que era capaz de coisas incríveis para um povo tão primitivo - a uma barra de chocolate. Conhecer, afinal, está no radical de conhecimento não por acaso.
A falta do conhecimento, por outro lado, reforçava a escravidão. Quanto mais obscurantistas são os líderes, mais escrava é a população. Num mundo em que a escrita sequer é permitida, então, isto é elevado a um nível máximo. Ali, o líder supremo ao menos tinha poderes quase sobrenaturais (ainda que perfeitamente plausíveis do ponto de vista de uma tecnologia avançada) para mostrar aos súditos escravizados. Aqui na Terra (e, também, mais precisamente, no Brasil), contentamo-nos cada vez com líderes com vocabulários limitados a menos de cem palavras por esses dias... Fica aí uma reflexão.
Reflexão, inclusive, feita pelo próprio Dr. Daniel Jackson (James Spader), o protagonista da história. Se a falta de um "poderoso" geraria um vácuo, ele era de longe o mais capacitado para promover o progresso naquela terra distante. Claro que ele também tinha interesses próprios ali (desenvolvidos até de forma bastante carismática no decorrer do filme), mas o comportamento "mais humano" teria sido voltar à Terra e se aproveitar das benesses da jornada como herói (e facilitar a produção de uma continuação caça-níquel, aliás ;). Interessante a mensagem de solidariedade acima da busca pela notoriedade ou por riquezas acima de tudo e de todos.
Cientificamente, a única coisa que destoou completamente foi o fato de a sonda ter se comunicado quase instantaneamente com a base na Terra, mesmo estando do outro lado do universo. Se o portal ainda estivesse aberto, poderia-se dizer que a mensagem havia sido transmitida por este. Mas já estava fechado. E, se estava de fato do outro lado do universo, não teria como informar a localização atual à Terra naquela velocidade que ultrapassava em muitas vezes a própria velocidade da luz. Única bola fora muito óbvia, no entanto, o que já é muito melhor que a média para filmes do tipo.
Os efeitos especiais são datados, obviamente, mas parecem ter sido grandiosos para a época. A construção do mundo, no entanto, poderia ter sido mais criativa. O planeta era basicamente uma Terra primitiva, com um híbrido de camelo/cachorro que destoava disto. E só. De resto, nada de muito extraordinário.
Este é um filme que, inclusive, renderia muito se fosse refilmado e trabalhado com os efeitos e tecnologias de hoje. Há aqui uma base muito sólida para a construção de todo um universo fictício com base na obra. Não foi à toa que foi exatamente isto que aconteceu, né?
Como filme, em geral, é suficiente. É um tanto quanto recheado de alguns clichês - tanto no roteiro quanto nos aspectos de produção e montagem - típicos dos gêneros de ação e ficção científica e as atuações são, em geral, apenas aceitáveis ou boas, mas é um filme bastante esforçado.
No entanto, a mensagem, mesmo que repassada de um jeito clichê e nada inovador, só ganha relevância com o passar do tempo e confere ao filme uma importância bastante contemporânea. Quem dera todos pudessem ler as entrelinhas e perceber isto. Talvez, assim, não tivéssemos tanta gente por aí repetindo coisas que não fazem sentido por mera interdição intelectual (ou "ideológica", para usar um termo que está na moda) para proteger o seu mito. O povo supostamente primitivo daquele pequeno planeta deixou de ser escravo no momento em que fez isto... Quando será que o povo supostamente avançado do nosso pequeno planeta vai fazer o mesmo?
Anos 90
3.9 503mikael Sousa
Como vim para aqui meu. Deus eu só
tenho 6. anos
O Sonho de Cassandra
3.4 231 Assista Agora“A história repete-se sempre, pelo menos duas vezes”, afirmou Hegel. É sob este prisma que Woody Allen trabalha a mola principal da trama de O Sonho de Cassandra. Os mesmos personagens repetem situações similares em diferentes momentos da vida.
Temos aqui dois irmãos, Ian (Ewan McGregor) e Terry (Colin Farrell), que já haviam velejado quando ainda eram crianças, graças ao tio Howard (Tom Wilkinson), e que haviam gravado aquela experiência com um dos melhores momentos das suas vidas. Já adultos, compram um barco e relembram a história da infância enquanto repetem pela primeira vez a experiência de explorar o mar.
Mas a vida adulta, com seus riscos e responsabilidades, se impõe. E põe em xeque não só mais momentos de prazer enquanto velejam por aí, mas sim todo o mundo de ambos. O momento em que eles compram o barco, afinal de contas, representa o primeiro sinal da tragédia. Um sinal que os dois envolvidos sequer perceberam.
O roteiro é um exemplar trabalho de desenvolvimento de uma trama quase circular imbuída de uma alta carga de ironia dramática. Enquanto escreve e dirige uma tragédia moderna, com ritmo, harmonia e trilha sonora (especialmente desenvolvida para este filme, ao contrário do que acontece na esmagadora maioria das obras de Allen) próprios, o diretor deixa claro aos espectadores que aquela história cíclica só poderia terminar de duas formas: ou como farsa ou como tragédia.
Ao optar pela tragédia, o filme se torna uma experiência catártica que nos faz revisitar vários conceitos; partindo do vício e da dependência, a discussão do filme alcança Deus (que aqui não é usados apenas como uma muleta para piadas sobre judeus que são ateus) e mesmo a noção de culpa cristã. Tudo isto é revisitado pelos personagens, ainda que a tragédia por vir não tenha sido percebida.
O que não significa que os sinais não tenham sido dados, no entanto. Para Terry, o alerta era o nome do cachorro vencedor (que depois deu nome ao barco). Para Ian, o papo furado do playboy que queria se engraçar com Angela sobre tragédias gregas.
E, no fim, quando o momento no barco se repetiu pela segunda vez, era necessário se fazer uma escolha. Caberia a Ian tentar farsear a realidade para seguir em frente, mesmo com consequências irremediáveis gravíssimas, ou permitir que o ciclo se fechasse da forma natural. Ao optar por este caminho, a história se encerra da única forma possível: de maneira trágica.
É até compreensível que este não seja lá o filme mais aclamado da carreira do diretor. Àquela altura (ainda que existam muitos pontos de convergência em algumas discussões propostas), não era bem isto que se esperava de “um filme escrito e dirigido por Woody Allen”. Ainda assim, acabou sendo uma experiência renovadora bastante promissora logo depois do péssimo Scoop, que, no caminho contrário, era um filme muito mais típico do cânone alleniano, mas completamente raso e amparado quase que unicamente no estilo do diretor.
Boas performances do elenco, principalmente de Ewan McGregor (entre os dois protagonistas), Hayley Atwell (como uma representação da tentação na era moderna) e Tom Wilkinson (como o responsável direto por tentar os personagens principais). A trilha sonora é outro destaque, sendo extremamente instigante e muito bem usada a serviço da criação de tensão, ainda que tenha dado ao filme um ar mais convencional, de fato.
No fim das contas, se na mitologia grega Cassandra foi considerada louca ao tentar avisar aos outros sobre a tragédia que os vitimaria, já deixo claro que meu nome não é Cassandra e eu recomendaria este filme sem medo. Até porque, apesar de se tratar de uma tragédia, este é um filme que passa longe de ser trágico.
Beleza Oculta
3.7 888 Assista AgoraO Amor, a Morte e o Tempo. Os três fatores que regulam toda a vida de uma pessoa neste mundo. Um deles é responsável pelos melhores momentos que vivemos. O outro, pelos piores. O terceiro é o caminho entre um e outro, numa montanha-russa em constante movimento que chamamos de vida.
Howard (Will Smith), o protagonista do filme, vive um momento de baixa. Após a perda precoce da filha, ele não consegue se recuperar mesmo após dois anos de luto. Com a depressão, vem o isolamento, o fim do casamento e o abandono do trabalho na própria empresa, ainda bastante dependente da atuação dele. E, com tudo isso, as perguntas surgem (e são feitas aos destinatários apropriados por meio de cartas): Por que me abandonou, Amor? Por que você a levou, Morte? Por que eu não tive mais... Tempo?
Ao mesmo tempo, os colegas de trabalho criam um plano para tentar salvar a empresa e, enfim, poderem seguir em frente com as suas vidas, atreladas à de Howard pelo destino. Eles resolvem contratar um grupo de atores para se passarem pela Morte, pelo Amor e pelo Tempo.
Uma ideia extremamente interessante, ainda que não exatamente inovadora, e que poderia render bastante, não fosse o roteiro tão mecânico no desenvolvimento da trama. As situações se sucediam de maneira extremamente formulaica e previsível. Os dois plot twists, nesse sentido, se tornaram totalmente apáticos e desinteressantes.
O filme poderia ter sido salvo se a farsa do trio tivesse sido revelada para todos eles, e não apenas para o Howard. Quando eles percebessem que Howard não estava realmente falando com ninguém naquelas filmagens, e que eles, por consequência, também não tinham falado com ninguém, aquele seria o ponto central de virada na história, em que cada um precisaria, de fato, enfrentar o porquê de ter sido enganado por cada um dos membros do trio.
O desenvolvimento ali poderia ser muito mais interessante que apenas repetir os encontros com os “atores” que permearam o filme inteiro. Pequenos pontos de combate e reflexão muito mais intensos e poderosos que poderiam ser um clímax exclusivo para cada um dos personagens. Mas preferiram não seguir este caminho. No fim, eles apenas seguiram em frente e continuaram entrando em contato com cada um dos “atores” como se eles realmente fossem meros atores de fato.
O twist da esposa também já era previsível desde o momento em que todas as características da filha batiam. Inclusive, extremamente forçado e pouco natural dado o desenvolvimento das coisas. Novamente, uma relação extremamente artificializada pelo roteirista apenas para promover um plot twist que não rendeu nenhuma surpresa para quem estava atento à história. Muito mais interessante teria sido ter transformado a personagem em uma quarta “atriz” (podia ser a representação da própria Vida, por exemplo) ali colocada para também pôr Howard no rumo certo. Seria até uma virada mais condizente com a proposta inteira da obra.
Não é um filme ruim. Inclusive, é tecnicamente muito bom e os atores são de primeira linha. Para um drama desse porte, no entanto, muito me surpreende o fato de eu não ter me emocionado de fato em nenhum momento. Uma prova de que a mecanicidade formulaica do roteiro e a direção muito objetiva e pragmática atrapalharam completamente o desenvolvimento da história.
O filme teria se beneficiado muito de um tratamento mais fantasioso para contar este conto incomum. Até porque, assim como numa fileira de peças de dominó, no mundo real tudo também está conectado. Um movimento aqui vai gerar um movimento acolá, numa cadeia interminável de ações e reações. O segredo é achar a beleza oculta em cada uma das peças e em cada um dos movimentos que elas fazem. O problema do filme, pelo menos para mim, é exatamente o fato de não ter conseguido passar essa mensagem. Até porque, quando você consegue prever cada pequeno passo com exatidão, a beleza pode até estar ali, só que não estará exatamente oculta.
Casal Improvável
3.4 290 Assista AgoraNão sou lá o maior fã de comédias românticas em geral, mas essa daqui tinha uma premissa improvável, então resolvi arriscar. E não me arrependi. O roteiro soube equilibrar de forma correta doses de romance incomum com uma comédia que atirava para todos os lados, mas que fazia isto com sucesso, conseguindo ir do humor mais escrachado à ironia mais sutil em poucos minutos.
Comece a assistir munido de um almanaque de cultura pop, no entanto. Assim como os discursos da Charlotte que chegavam a referenciar Barrados no Baile, o roteiro traz constantemente piadas que fazem menção a diversas obras, momentos e nomes - que povoaram a cultura americana dos anos 90 até a atualidade - que só verdadeiros conhecedores de música, cinema, televisão, política ou mesmo do submundo das drogas vão entender. Inclusive, um ponto fraco do filme que o torna bem menos acessível (e mais suscetível a se tornar datado muito brevemente).
Charlize Theron faz um trabalho espetacular, como de costume. Não que a personagem seja lá propriamente desafiadora para uma atriz como ela, obviamente. Mas, ainda assim, uma ótima oportunidade para mostrar ao público sua veia cômica. Seth Rogen também faz um bom trabalho, até porque o papel não é lá muito diferente daquilo que ele está acostumado a interpretar.
Entre os coadjuvantes, Bob Odenkirk se destaca nas poucas cenas em que aparece como o presidente - nada interessado em política, diga-se de passagem - que surgiu no mundo da televisão... Enquanto uns saem de séries políticas, outros saem de reality shows e outros de programas de auditório de quinta categoria da emissora quinta colocada. Cada país tem o presidente que merece, né?
Em resumo, um filme bem montado e divertido. O roteiro não apresenta lá nenhuma grande novidade para o gênero, mas a direção é bastante segura e o nível de qualidade da produção é surpreendentemente alto para um filme de comédia (gênero cada vez mais relegado às sobras na distribuição dos orçamentos dos estúdios) do fim da década passada. Rendeu boas risadas e conseguiu fazer críticas interessantes, ainda que rasas, a vários problemas da nossa sociedade atual.
E o que me parecia improvável ao ler a premissa, no fim das contas, rendeu um trabalho interessante. Talvez nada que vá reinventar o gênero ou a indústria do cinema, mas uma peça atrativa no grande esquema. Como tanto Charlotte quanto Fred descobriram, a vida é feita de concessões. Improvavelmente, talvez seja esta a maior mensagem que o filme quis passar. E esta é uma mensagem extremamente importante numa era de extremismos tão radicais e irredutíveis quanto a que vivemos hoje.
Drive
3.9 3,5K Assista AgoraNão é todo dia que a gente vê um "guy movie" tão impecavelmente estiloso quanto Drive. Visualmente, uma obra extremamente rebuscada: fotografia interessante, iluminação marcante, figurino vistoso, trilha sonora caprichosamente selecionada e bem colocada e edição muito bem feita.
Mas nem todo o estilo do mundo conseguiria salvar um roteiro desses. Os personagens principais eram quase caricaturas de arquétipos típicos dos filmes hollywoodianos. Seja o mocinho que só quer fazer o bem e não quer saber de dinheiro ou a mocinha que só quer cuidar da família (só faltou acrescentar o plot de atriz frustrada que virou garçonete para ser mais clichê) e ser feliz. Os personagens secundários, então, nem se fala, são quase NPCs...
Os atores até são muito esforçados e entregam boas performances. Ryan Gosling, em especial, tira leite de pedra para tornar esse personagem minimamente palatável. Adiciona camadas ao motorista sempre que pode, mas o personagem soa unidimensional porque não há explicação quanto às motivações, ou apresentação de um background que explique minimamente como ele chegou àquele ponto. E, quando se apresenta uma motivação (salvar a família do apartamento ao lado), isto é feito de modo extremamente superficial e irrealista.
Não tendo apoio no passado, o roteiro também não se sustenta no presente. A polícia que apareceu em poucos minutos e tinha até helicóptero para perseguir o Impala prata no início do filme não existe no meio quando tiros de escopeta são disparados a torto e a direito num hotel de beira de estrada? A polícia que vai atrás de saber da mulher de um bandido quando ela o viu pela última vez pouco após a morte deste é a mesma polícia que, no fim, não é chamada por ninguém quando tem gente basicamente se matando no meio de um estacionamento à luz do dia? Inverossímil.
Para o futuro, o filme também se apoia na irredutibilidade altamente improvável do personagem. É até interessante a escolha por não resvalar para o clichê do "final feliz" do romance insosso que se tentou criar. Mas a escolha por deixar o dinheiro para trás naquela situação, não. Afinal, se ele não queria dinheiro, era cúmplice de crimes no começo do filme a troco de quê? Se só pela adrenalina da coisa, o trabalho como dublê não bastaria para satisfazer essa necessidade? E, se não pela adrenalina, é uma necessidade inata de ajudar bandidos com os quais ele sequer quer ter contato depois daqueles momentos? Novamente: pouco plausível.
É realmente uma pena, porque, como experiência audiovisual, esse filme realmente se supera ao abandonar totalmente os padrões quase que impostos aos filmes de ação. Mas, com essa história assentada entre o clichê e o bizarro que exige uma suspensão de descrença fora do comum, o filme não funcionou a contento pra mim.
Talvez tivesse sido melhor trabalhar essa história como uma DLC muito estilosa de GTA: San Andreas. Dirija o carro de corrida na pista e impressione Bernie. Leve Blanche e Standard até a loja de penhores. Esmague a cabeça do aleatório no elevador e assuste Irene. Jogue o carro de Nino do penhasco. Mate Bernie e fuja da cena do crime sem o dinheiro... É, pensando bem, nem como DLC de um jogo tão extravagante quanto GTA essa história colaria.
Cake - Uma Razão Para Viver
3.4 699 Assista AgoraUma discussão interessante sobre a dor. Não apenas a dor física, que você pode contornar com cápsulas, drágeas ou comprimidos. Mas também a dor psicológica. Aquela para a qual não existe remédio que possa ser indicado por um médico (ou por um farmacêutico de uma cidade do interior do México). O tipo de dor que corrói a alma a ponto de a vida não parecer fazer sentido.
É este o dilema que vive Claire (Jennifer Aniston). A experiência traumática que a levou até aquele ponto da sua vida é constantemente relembrada. Não apenas pela dor que a personagem sente a todo instante, mas também pelas cicatrizes espalhadas pelo corpo facilmente vistas num espelho (e pelos outros), pela necessidade de se readaptar aos novos movimentos que seu corpo ainda em recuperação a permite fazer, pela mudança brusca de uma rotina à qual estava acostumada para outra completamente diferente, pelas lembranças que vêm constantemente à tona, mas, acima de tudo, pela ausência. Se para as dores existem as pílulas, para a ausência, não há qualquer remédio. Ou será que há?
É esta a pergunta que a personagem responde sem sequer perceber. A ausência só pode ser superada com a presença. A partir do momento em que ela decide se tornar presente para combater a ausência, a sua vida começa a mudar. Seja ajudando a fazer uma criança feliz no dia do seu aniversário, auxiliando um pai a lidar com a perda da mãe desta mesma criança, tratando a fiel empregada com mais respeito e até admiração e ajudando-a a não se sentir inferior frente à maldade alheia, ou mesmo ajudando uma garota aproveitadora do interior a transitar entre o mundo provinciano de Boise e a cosmopolita Los Angeles, por mais que isso lhe custe alguns trocados. Pouco a pouco, a partir de cada pequeno passo desses, a vida ganha novos momentos dignos de serem lembrados. Assim como o momento que ficou eternizado numa fotografia acima do sofá da sala.
Uma ótima atuação de Jennifer Aniston, aproveitando aqui sua veia cômica (desta vez puxada para um humor negro cínico da personagem) mesclada a um roteiro dramático que, ainda que sucinto, tem alta qualidade. O elenco secundário também não deixa por menos. Adriana Barraza, principalmente, faz um trabalho extremamente carismático como a leal Silvana.
Talvez o filme não tenha conseguido alcançar maior reconhecimento por não ser um drama mais típico e vistoso. Aqui, muita coisa fica apenas inferida e em segundo plano. Mas, nem por isso, o filme deixa de carregar uma mensagem extremamente necessária: Toda dor pode ser curada. Talvez nem sempre pelos meios convencionais. Mas só é possível descobrir se é possível superá-la se nós também buscarmos a mudança. Assim como Claire descobriu no exato momento em que levantou o banco do carro e voltou a encarar o mundo de frente.
A Favorita
3.9 1,2K Assista AgoraÉ simplesmente impossível não traçar um paralelo entre este maravilhoso filme e a intrigante telenovela brasileira de mesmo nome. Talvez pelo fato de as duas produções discutirem temas universais, ainda que com abordagens completamente distintas, principalmente em virtude do meio escolhido para que as histórias fossem contadas. Ambas são obras focadas nos mesmos motes: ambição e poder; orgulho e preconceito; ascensão e queda; mas, acima de tudo, ambas tratam do controle.
Abigail é a Flora. Finalmente livre da sarjeta na qual foi jogada e disposta a atingir o topo novamente, luta para se reerguer da melhor maneira possível: passando-se por boazinha até o momento necessário, e depois revelando sua verdadeira face.
Sarah é a Donatela. Aquela que manteve uma vida confortável e achava estar protegida e no controle da situação. Não contava, entretanto, com a astúcia da rival a quem um dia chegou a dar espaço.
Anne é a Lara. Dividida entre as atenções das duas postulantes ao posto de “favorita”, ela pode até parecer infantil, frágil e boba. Na verdade, entretanto, apenas guarda a própria perspicácia para os momentos certos. Afinal de contas, é ela quem tem o controle da situação.
Mas esta obra também intitulada A Favorita claramente não é uma telenovela. E, ao contrário da novela, em que as personagens se encaixavam precisamente como mocinhas e vilãs, aqui isto não acontece. Da mesma forma, aqui as coisas não se resolvem com um final feliz.
Quando Sarah alertou Abigail para os jogos diferentes que cada uma delas estava jogando, ela já estava muito adiante na história, que, para ela, teria um desfecho muito previsível. E Abigail sequer percebeu isto e realmente achou que tinha vencido.
No fim, se uma ambicionava o controle da rainha para ter o poder político na palma das mãos, enquanto a outra queria mantê-la sob suas rédeas apenas para garantir para si a vida confortável que lhe havia sido tirada no passado, a verdade é que nenhuma das duas poderia vencer o jogo de fato.
Porque a favorita da história só poderia ser a própria rainha. Ela, por nascimento, sempre teria de ser adulada. As outras duas eram apenas peões. Talvez aqueles que começam o jogo nas casas D2 e E2, muito próximos da rainha, mas indistinguíveis entre si e, portanto, dispensáveis.
E o mais interessante de tudo é que a mensagem do filme nem é exatamente esta. Se todas as personagens estavam presas a um eterno jogo de xadrez, a maior reflexão que a obra nos proporciona é a visão de que, se a vida é um jogo, nós somos não exatamente peões, mas talvez os próprios coelhos que Anne tinha como filhos.
Assim como Sarah, Abigail, a Rainha Anne ou os coelhos desta última, podemos fazer a escolha entre comer cenouras ou manipular um outro ser vivo como se este fosse um mero joguete, mas, na hora de voltar para a jaula, acabamos todos aprisionados. Da mesma forma que Sarah ficou presa no papel de exilada (longe do reino que tanto quis controlar), Abigail no papel de serva (do qual tanto quis se livrar) e Anne no papel de rainha (que a ela pouco interessava, pois só queria as benesses da função).
Para nós, fica uma lição: quanto mais acharmos que estamos trabalhando pela nossa libertação, muitas vezes só estamos apertando as amarras que nos prendem às nossas próprias jaulas sem que sequer percebamos.
Vice
3.5 488 Assista AgoraVice retoma a mesma fórmula do filme anterior do diretor Adam McKay, A Grande Aposta (2015). As duas histórias têm premissas parecidas: a busca pelo poder e o retrato da ambição - muitas vezes desmedida - dos envolvidos. No entanto, enquanto uns buscam o poder gerado pelo dinheiro, outros buscam o poder gerado pela política.
É esta a escolha feita pelo protagonista, Dick Cheney (Christian Bale), e pela maior parte dos personagens secundários. Ao longo do filme, passamos por vários momentos marcantes da escalada política do personagem e vamos, aos poucos, conhecendo os meandros dos jogos de poder da maior potência do planeta.
O roteiro não desaponta e escolhe momentos interessantes para pontuar a evolução dos personagens, sem se tornar excessivamente detalhista e enfadonho, ao mesmo tempo em que mostra diversas perspectivas e caminhos que levaram o protagonista a se tornar o que é, de modo a torná-lo menos maniqueísta. De certa forma, a falta do mesmo cuidado com alguns personagens secundários os torna unidimensionais, mas, como o foco era a história do Dick, isto não prejudica a narrativa como um todo.
A direção também interfere muito habilidosamente no desenvolvimento da trama. A sacada da finalização falsa do filme ainda pela metade, com um belo final hollywoodiano, foi simplesmente genial. Se Dick Cheney fosse o típico herói americano, faria todo sentido que a história terminasse ali. Mas ele não era.
Assim como nenhum dos personagens era, na verdade. E, talvez justamente por isso, o filme tenha rendido atuações tão seguras. Christian Bale fez um trabalho monstruoso de caracterização do personagem (aliás, muito bem ajudado pela equipe de maquiagem, que seja pontuado) e Amy Adams fez um ótimo trabalho ao não ser engolida por esse monstro quando precisaram dividir a atenção das câmeras. A cena em que eles enunciam Shakespeare poderia ter facilmente ter se tornado ridícula nas mãos de atores menos experientes. E, embora não tenha soado natural, evidentemente (como era a intenção), foi muito bem executada. Steve Carell e Sam Rockwell flertam com o perigo da unidimensionalidade mencionada acima, pela falta de maior desenvolvimento de arcos próprios, mas entregam bons trabalhos e não destoam.
Talvez pelo fato de a temática do filme ser um pouco mais acessível, em relação a A Grande Aposta, foi mais fácil tornar as "explicações" sobre determinados pontos muito mais diretas e menos pedantes. Alfred Molina não precisou dar suas credenciais enquanto distribuía os cardápios. Da mesma forma, Naomi Watts não precisou chamar ninguém de burro enquanto dizia que era uma grande gostosa colocada na apresentação de um jornal - e no filme - para atrair o público. Apesar disso, ambos passaram informações importantes sem comprometer o contexto da trama. Ótimas pontas e uma evolução muito precisa no uso desta fórmula pelo diretor.
Em resumo, é interessante notar que, para muitos, Vice fica na vice entre os filmes do Adam McKay. Para mim, entretanto, pela direção mais firme e um trabalho, em geral, mais focado que A Grande Aposta, é certamente uma pole position muito merecida na filmografia do diretor, pelo menos até aqui. E o pobre Ricky Bobby pode apenas sonhar com este lugar no pódio, aliás.
Artista do Desastre
3.8 555 Assista AgoraAntes de tudo, a forma como Artista do Desastre conseguiu subverter as expectativas de uma produção hollywoodiana é incomparável. É um filme muito bem produzido, mas trabalhado propositadamente com toda uma estética de produção de baixa qualidade feita diretamente para televisão, tão comum nos Estados Unidos. Obviamente, trata-se de um paralelo com o próprio filme que originou toda esta saga: The Room.
Ali também temos um pretenso filme hollywoodiano, com direito a custos de produção milionários e equipe gabaritada, ainda que transpire todo um aspecto amador. Entretanto, não é possível se deixar enganar pela estética barata, porque o conteúdo do filme é sensacional. Aproveitando todas as pequenas idiossincrasias dos personagens e os detalhes mais obscuros por trás de uma ideia maluca como a que originou este filme, temos um baita roteiro.
Sem grandes rodeios, e sempre firme e seguro para mostrar momentos centrais na construção dos personagens, o encaminhamento dado ao roteiro foi essencial para tornar a história palatável para quem não conhece The Room, ao mesmo tempo em que conseguiu dar camadas a personagens que facilmente poderiam ser tratados apenas como caricaturas nas mãos de roteiristas menos capazes.
Para além do roteiro, é impossível não elogiar o trabalho de James Franco. Tal como Wiseau, ele também é uma ameaça em várias frentes (dirigiu, produziu e atuou... faltou apenas trabalhar o roteiro para se igualar ao "artista do desastre" original). O acerto no tratamento dado a este filme certamente é, em boa parte, mérito dele, que também já aventurou pelo mundo das produções feitas diretamente para TV. A atuação também é magnífica, revelando a grande atenção a detalhes e maneirismos que poderiam ter passado despercebidos.
Ainda no que diz respeito ao trabalho dos atores, é impossível deixar de reconhecer o esforço de trazer uma quantidade tão grande de estrelas já consolidadas e fazê-las parecerem verossímeis em papéis tão pequenos. Ari Graynor, principalmente, representou muito bem o papel da jovem atriz Juliette Danielle, e foi ótimo ver o próprio Tommy Wiseau fazendo uma ponta no filme.
Mais que tudo, Artista do Desastre é uma prova de que até os pastiches mais descarados (com direito a cenas literalmente reencenadas da mesma maneira, confrontadas lado a lado com sua inspiração original) conseguem ser muito mais interessantes que o milésimo remake, reboot ou prequel de alguma franquia originada em 1900 e bolinha. Mas apenas quando feitos do jeito certo, logicamente. Hollywood deveria tomar notas, aliás. Até porque, aqui, não há desastre algum. Apenas artistas. E, claro, arte.
Minha Mãe é uma Sereia
3.4 220 Assista AgoraO título traduzido nos leva a crer que se trata desses filmes de comédia bobinhos que costumavam produzir nos anos 80: uma mãe esconde um grande segredo - ela é uma sereia! - e precisa fugir de cada cidade em que vive com suas filhas tão logo este segredo pode ser revelado.
Mas o filme passa longe dessa premissa fantasiosa. Trata-se, na verdade, de uma dramédia muito bem construída sobre o crescimento e amadurecimento da jovem Charlotte Flax nos Estados Unidos dos anos 60. Uma época em que não só ela vivia conflitos familiares com sua excêntrica mãe, a destemida Sra. Flax, mas em que o mundo perfeito das famílias de comercial de margarina começou a ser posto em xeque.
O roteiro é bem amarrado e vai direto ao ponto, proporcionando uma visão tríplice do que é ser mulher em diferentes fases da vida. Nisso, é muito bem ajudado pelas atuações excepcionais de todos os atores principais. Winona Ryder, Cher e, claro, da jovem Christina Ricci, que aqui deu início a uma bela e longeva carreira. Bob Hoskins, e mesmo Michael Schoeffling (vitimado também aqui pelo typecasting), igualmente fizeram um ótimo trabalho.
De certa forma, a maior mensagem fica apenas inferida: todas as mulheres são sereias. Não porque se fantasiam como tal para ir a festas de fim de ano, ou mesmo porque são obcecadas por nadar e mergulhar desde a primeira infância... Mas sim porque todas carregam um mistério e um encanto que é reservado apenas ao mundo feminino.
E se, em outra era, caberia a um príncipe fisgá-las e a uma bruxa colocar um par de pernas em cada uma delas para que elas pudessem ser adequadas ao papel que a elas a sociedade reservou, é maravilhoso ver que, pelo menos aqui, não havia qualquer pretensão de reproduzir esta mensagem. Como sereias, as mulheres também são livres para escolher seus destinos. Mesmo que queiram nadar contra a corrente.
Flashdance: Em Ritmo de Embalo
3.4 643 Assista AgoraEstilo acima da substância. Para além da ótima trilha sonora, de rotinas de dança coreografadas de forma interessante e do carisma inegável da atriz principal, a bela Jennifer Beals, Flashdance tem muito pouco a oferecer.
Um roteiro fraquíssimo daquele tipo do mais básico dos básicos, com direito a todos os clichês possíveis, a começar pela história principal da "garota pobre numa condição desfavorável que vai em busca do sonho".
Na verdade, parece que o roteiro todo foi montado nas coxas para esconder o fato de que aqui tínhamos vários videoclipes feitos para vender singles e álbuns da trilha sonora e um ou outro produto ocasionalmente encaixado no filme, do tênis da Nike à latinha de Pepsi Diet.
A maior contribuição deste filme foi ser o modelo que o Joe Esterzhas provavelmente utilizou depois para escrever Showgirls, que satiriza justamente o "sonho americano" que a personagem vive aqui.
Mas, o que lá é bem trabalhado e bem construído, aqui é só um monte de remendos reunidos às pressas para construir esse comercial de 95 minutos disfarçado de filme voltado à geração MTV. E o mais impressionante é que, entre os dois filmes, este daqui seria considerado clássico antes do outro. Trágico.
Trama Fantasma
3.7 805 Assista AgoraUm ótimo trabalho de Paul Thomas Anderson, principalmente pela direção primorosa que deu vivacidade e textura a um trabalho que poderia facilmente se tornar burocrático pela época, cenário e texto envolvidos. O roteiro poderia ser um pouco mais conciso, no entanto, o que, de toda forma, não prejudicou as atuações brilhantes oferecidas pelo elenco. Além dos sempre mencionados Daniel Day-Lewis e Lesley Manville, destacaria também Vicky Krieps pela sutileza sempre acompanhada de grande segurança e consistência na construção da personagem.
Mais que um filme sobre a relação entre amor e poder ou sobre um relacionamento tóxico, há aqui uma grande discussão sobre o controle na (e da) vida de uma pessoa. A necessidade humana que muitos possuem de se sentir sob pleno controle de todos os aspectos da sua existência todo instante. Da sua vida, em toda a rotina diária, que vai das roupas e aparência pessoal à carreira e a maneira como se portar perante os outros. Outros que, aliás, representam o ponto de descontrole. Porque podemos até controlar todos os nossos impulsos, se tivermos uma capacidade quase que sobrenatural para tal, mas nem com uma capacidade sobrenatural poderíamos controlar os outros.
E é exatamente isto que Alma representa. O ponto de virada entre o controle e a falta deste. Se, antes, havia um perfeito equilíbrio nas coisas, ela é o momento em que o jogo fica de ponta-cabeça e as regras não mais se aplicam. Se, num primeiro instante, pode parecer que isto ocorrer por ela não se adequar ao ambiente ou às situações sociais que dali surgiam, a verdade é que, no momento em que ela se adequa, passa a representar o descontrole quando também perde o controle e age com o intuito de subverter o sistema.
E a subversão não é nem o momento fulcral da obra, ainda que muito importante. Mas é, antes, um anticlímax para o momento em que, havendo a revelação, todo o conflito central deixa de existir. Porque o problema nunca foi um relacionamento tóxico em si, mas sim o fato de não haver controle sobre aquela relação, o que gerava caos. Mas não haveria problema algum com um caos controlado. Porque, como em toda história já contada pela civilização ocidental, é o conflito constante que leva a história adiante.
E ambos, embora muito diferentes, em suas criações, idades, relacionamentos e visões de mundo, pareciam partilhar desta mesma visão. No momento em que eles decidem por aquilo, a história pode seguir em frente. Da mesma forma que seguiria não apenas nesta, mas em todas as outras vidas que poderiam vir pela frente. Porque raras pessoas estariam dispostas a compartilhar daquele tipo de experiência. Talvez também por medo de perderem o controle. Ou, talvez, por terem medo de perderem o controle do medo.
Os Reis do Kong: Uma Disputa Acirrada
4.0 23E pensar que havia uma baita história a ser revelada aqui (que foi, inclusive, inferida, mas não desenvolvida). No entanto, preferiram seguir pelo lado de apresentar, enquadrar e consolidar as pessoas envolvidas em arquétipos esquisitos do início ao fim...
Minhas Mães e Meu Pai
3.4 1,3K Assista grátisÉ um filme esforçado (e ousaria dizer que até bem-intencionado, apesar de tudo), mas o roteiro é muito falho. Começa com uma proposta e termina com outra completamente diferente; personagens secundários aparecem e desaparecem do nada; o backstory dos personagens principais não é tão bem trabalhado; e, por fim, algumas das tramas paralelas não têm qualquer seguimento posterior.
Enfim, pode-se dizer que é um retrato da vida. Vários recortes e mais recortes e muitas coisas que só podem ser inferidas. OK. Mas determinadas escolhas tornam a obra não apenas superficial como também problemática. Como um telefilme do Lifetime, já estaria ótimo. Como um dos filmes hollywoodianos mais aclamados do ano em que foi lançado... tenho minhas dúvidas se isso é o bastante.
Por outro lado, temos aqui atuações muito firmes e seguras. Annette Bening e Julianne Moore, atrizes de alto calibre que são, conseguem dar camadas às personagens, mesmo quando o roteiro e a direção parecem tentar encaixá-las nas caixinhas dos estereótipos para tornar a película palatável para o público da época. Uma pena que o material que elas tinham como base não era melhor.
Talvez eu devesse ter assistido com menos expectativas, até por ter esperado bastante tempo para finalmente ver a obra, mas acho que o título original soa bem indicativo da qualidade do filme. Tinha tudo para ser mais, entretanto, pela temática inusitada e pelo talento notório de muitos dos envolvidos. Uma pena que tenham optado pelo "OK" no lugar do "sensacional".
O Relatório
3.5 111 Assista Agora"O Relatório" explora um período turbulento da história recente dos Estados Unidos: a guerra ao terror levada a cabo por todas as administrações do país a qualquer custo desde 11 de setembro de 2001. Mas explora uma fase tão perturbadora da história de um país por um viés pouco visto, mostrando o que se desenvolve nos bastidores do mundo burocrático dos órgãos governamentais.
Acompanhamos o desenvolvimento de investigações conduzidas por Daniel Jones (Adam Driver), sob a supervisão da Senadora Dianne Feinstein (Annette Bening), ao longo de vários anos de árduo trabalho. Dos idos de 2001, numa leve contextualização de acontecimentos ligados ao 11 de setembro, até o fim de 2014, quando o relatório finalmente é publicado, vários momentos envolvidos na sua confecção são registrados pelo filme.
Infelizmente, o título indica claramente o tipo de experiência que o espectador vivenciará ao assistir a película: uma jornada maçante e quase burocrática, tanto quanto a confecção de um relatório de 6 700 páginas. Na tentativa de pincelar vários pequenos trechos da produção do documento, o roteiro se perde numa infinidade de personagens secundários e tramas paralelas que, muitas vezes, parecem estar ali apenas para preencher o tempo de arte. Ou, em muitos casos, apenas para tentar chocar o espectador numa tentativa quase robótica de emocioná-lo gratuitamente.
Alguns personagens são tratados com uma abordagem abertamente maniqueísta (algo extremamente notório no caso dos psicólogos, Mitchell e Jessen, mas não apenas destes). Na outra ponta, outros são apresentados como personagens relevantes, mas depois somem na trama labiríntica.
Uma abordagem mais enxuta e focada no dilema entre interesses públicos e privados e, principalmente, no conflito entre o dever do trabalho e a ameaça à própria vida pessoal, seria mais interessante para desenvolver o enredo. Adam Driver, afinal, fez um sólido trabalho como o personagem principal. Da mesma forma, Annette Bening apenas reafirma a sua competência como grande atriz em mais uma atuação firme e precisa.
Tecnicamente, é um bom filme em que os fatos vão, aos poucos, se encaixando, para concluir a narrativa a contento. No entanto, falta vivacidade, o que é no mínimo estranho, por se tratar de um tema tão atual e controverso como este. Uma produção sólida, com desempenhos seguros, mas sem intensidade alguma. Entre ler um relatório ou um bom livro, a maioria escolheria a segunda opção. Da mesma forma, entre "O Relatório" e muitas das ótimas opções que 2019 nos ofereceu, não é tão difícil imaginar qual alternativa o público escolheria...
Studio 54
3.3 117O sonho americano tem várias facetas. Para uns, uma enorme casa nos subúrbios rodeado por uma cerca branca, uma bela esposa, dois lindos filhos e um leal cachorro, amigo de todas as horas. Para outros, é chegar ao topo da sociedade o mais rápido possível, custe o que custar. É este o caminho que os personagens de 54 escolhem perseguir.
Shane O'Shea (Ryan Phillippe) é o protagonista da história. Longe da moralidade típica dos mocinhos que lutavam pelo sonho americano tradicional, ele tem a lábia e (o que é mais importante, neste caso) a aparência, para tentar alcançar o auge à sua maneira. Nesta jornada, conhece os outros personagens: a cantora iniciante Anita (Salma Hayek), o marido ciumento Greg (Breckin Meyer), a atriz ambiciosa Julie Black (Neve Campbell) e o dono do bar que deu ao jovem a oportunidade de correr atrás do seu objetivo, Steve Rubell (Mike Myers).
Todos esses encontros e desencontros acontecem na mais notória casa noturna de Nova Iorque, a 54. Belamente recriada para o filme, a boate é também apresentada como se um personagem fosse, resultando numa apresentação incrível focada numa esmerada reconstrução da ambientação da época (como bem provado pelas imagens reais durante os créditos, que se confundem com fotos da própria produção).
A uma apresentação segura e firme, no entanto, se sucede um desenvolvimento pobre. O roteiro parece pouco se esforçar para fugir dos esquemas simplistas típicos de filmes sobre um "pequeno garoto na cidade grande" que presencia o crescimento, o apogeu e o fim de algo. Apesar de tentar inferir a todo momento que não se pretende ser algo sanitizado e superficial, o desenrolar da história descamba claramente para este lado, de forma a não polarizar o público.
A interferência na edição é notável, principalmente nos momentos finais do filme. Algumas tramas se desenvolvem de forma confusa, outras parecem ter pouca conexão com o que veio antes ou o que vai acontecer depois, e alguns momentos careciam de maior tempo para que pudessem ajudar na construção dos personagens.
Prejudicados pela edição esquizofrênica, pelo roteiro raso e pela direção inexperiente, os atores, em geral, não entregam bons trabalhos. Ryan Phillippe se sai bem nas cenas sem camisa, e mal nas cenas com emoção, comprometendo os pontos altos do filme. Mike Myers, por outro lado, mostra esforço em seu primeiro papel dramático e consegue criar uma persona minimamente verossímil para o dono da boate, ainda que não consiga escapar completamente das armadilhas da edição e da conclusão clichê dada ao roteiro.
As ingerências externas de um estúdio que gostaria de tornar a película mais palatável para o grande público parecem ser o principal problema do filme. No entanto, não é possível dizer que estaríamos diante de uma grande obra, não fosse este o caso. Como a vida noturna, 54 oferece aos espectadores muito brilho, muita luz e muita música boa. Mas, no centro de tudo, predomina o vazio que não será preenchido com uma ida ao bar, um passeio na sacada ou uma reflexão existencial sobre a vida no meio da pista de dança logo após uma trágica morte. Até porque se, por um lado, não havia lugar melhor para se frequentar que a boate 54 na Nova Iorque do fim da década de 70, por outro não se pode dizer que não havia filme melhor que 54 para se assistir em 1998.
Adoráveis Mulheres
4.0 974 Assista AgoraÉ impressionante como as histórias da infância são sempre as mais marcantes. Adoráveis Mulheres é um exemplo claro disto. Longe de ser um conto de fadas infantil, mas também às vezes tida como uma obra dispensável por alguns pela sua temática juvenil, esta nova versão prova, com toda uma nova perspectiva, que uma obra como esta é, pelo contrário, cada vez mais indispensável para que possamos entender o nosso mundo.
O universo feminino explorado e bem delineado, pela presença de tantos perfis distintos e complexos, é, aliás, o grande destaque da obra. Pouco a pouco conhecemos cada uma das adoráveis mulheres e passamos a rir, a torcer e a se emocionar com cada um dos seus passos. A falta de linearidade do roteiro só contribui para a construção de cada uma das personagens, tornando suas tramas mais dinâmicas que em outras versões e conferindo um frescor à história.
Para acompanhar um bom roteiro, uma direção fluida e segura de Greta Gerwig que conseguiu conferir ritmo a uma obra adaptada e, ao mesmo tempo, imprimir pessoalidade, sem comprometer o material original, provando passar longe de ser um one-trick pony (como injustamente a acusaram após o lançamento de Lady Bird há dois anos).
Na tela, atuações muito fortes de Saoirse Ronan e Florence Pugh, merecidamente reconhecidas pela Academia. Para além delas, destaque para Eliza Scanlen, no papel da jovem Beth, com uma performance que conseguiu combinar fragilidade e vitalidade de forma inigualável. O fechamento da trama da personagem é, aliás, o ponto mais emocionante de toda a película. E olha que momentos emocionantes não faltam!
Se, aparentemente, não vivemos mais no mesmo universo dos anos 1860 (seja em Nova Iorque, em Paris, ou mesmo na pequena Concord), por outro lado, encontramos uma Jo, uma Meg, uma Beth ou uma Amy toda vez que saímos à rua. Na verdade, é possível que cada um de nós consiga se espelhar facilmente numa delas.
Porque cada uma representa um pouco do que é ser mulher e, indo além, carrega uma essência daquilo que é ser humano. Mais que uma irmã rebelde, uma filha obediente, uma jovem conciliadora ou uma garota ambiciosa, todas elas são um pouco de cada um de nós. E as escolhas que cada uma faz são o reflexo do que vivemos todos os dias. Porque, afinal, a vida é feita de escolhas.
Mas seriam as escolhas totalmente dispostas e entregues ao livre arbítrio tanto lá como aqui? Até porque, se hoje, na superfície, se diz que as mulheres não vivem mais sob as mesmas limitações da época, não é bem isso que vemos na prática. O mundo moderno realmente superou as antigas tradições de forma absoluta e incontestável? Difícil de crer.
No fim, o principal ensinamento que as "mulherzinhas" podem nos deixar é, muito provavelmente, uma das melhores citações do filme (livremente traduzida): "As mulheres, elas têm mentes, e têm almas, e não só apenas corações! E elas têm ambição, e têm talento, e não apenas beleza! Eu estou cansada de ouvir as pessoas dizendo que elas só servem para amar!". Se aplicarmos isto não apenas às mulheres, mas também a todos que são prejudicados e inferiorizados todos os dias, seja pela cor da pele, pela orientação sexual, pela fé que professam, pelo país onde nasceram, pela idade que possuem ou pela região de onde vêm, talvez o mundo possa, um dia, se tornar um lugar mais adorável. Talvez.
Retrato de uma Jovem em Chamas
4.4 902 Assista AgoraSutileza. Numa era de extravagâncias e exageros, não só a palavra, como também o significado por trás do termo "sutileza" parecem estar fora de moda. E, assim como a personagem que queria nadar contra a corrente (tanto metafórica quanto fisicamente), o filme segue o mesmo caminho, nos apresentando possibilidades muitas vezes descartadas. Descartadas porque muito do que se pensa sobre a história é voltado para o mundo político ou conflitos bélicos, por exemplo. Pouco do estudo do passado ainda é voltado para as vicissitudes da vida privada. Quanto mais a vida privada de um efêmero casal lésbico na França do século XVIII.
E é esta a perspectiva que temos. Construída lentamente, de forma delicada e refinada, a trama vai se desenvolvendo de forma a nos envolver plenamente naquela história de amor. Sem arroubos desnecessários ou maquinagens artificiais. Apenas conduzindo os nossos sentidos de acordo com os sentidos das próprias personagens. Com um olhar de esguelha ou um toque inesperado, muito já é comunicado. Sentidos que revelam, aos poucos, os sentimentos que surgem de onde menos se espera.
As personagens, em si, não eram mais importantes que a história. Tanto que seus nomes sequer são mencionados durante a maior parte do filme. O da condessa, por exemplo, sequer é revelado. A história não é necessariamente delas, mas de todas as mulheres de então, justamente porque elas funcionam como alegorias da mulher em cada um dos seus arquétipos da época; a moça vivida da cidade, livre e independente, vivida e experiente, mas limitada por regras sociais. A jovem enclausurada num convento, obrigada a mudar toda sua vida para agradar à sua mãe e também se conformar às normas da sociedade de então. A mãe que vê na filha um tíquete para reviver uma vida da qual sente falta, e que precisa ver aquela aposta dar certo de uma forma ou de outra. E a criada. Aquela que normalmente fica apenas nos cantos da tela. Mas que, aqui, tem um papel ativo. Não apenas como um penduricalho que serve unicamente ao desenvolvimento de tramas das outras personagens, mas como alguém que tem vida própria.
E, se os nomes ou os personagens em si não eram o mais importante, não podemos dizer o mesmo das atrizes. Sem tamanho talento, seria impossível tornar esta obra possível. Todas fazem um excepcional trabalho de se conformarem às expectativas das suas personagens, ao mesmo tempo em que conseguem transpor isso, saindo da mera caricatura e dando um grau imensurável de autenticidade à história.
Tecnicamente, o filme também é irretocável. O cuidado com a fotografia é incomparável. As cenas noturnas são de um primor surreal. Como uma tela pintada na Renascença, a película também se constrói como uma obra pintada em chiaroscuro. As cenas diurnas, no entanto, sabem se aproveitar da luz natural para refinar os detalhes que se perdem nas nuances tonais geradas pela escuridão. Para além, a obra foge da dicotomia simplória em que o claro é necessariamente bom e o escuro objetivamente ruim. Aqui, o que é "ruim" acontece durante o dia e muito do que é "bom" acontece durante a noite. Tudo isto possível apenas graças a um roteiro bem amarrado e a um zelo técnico incomparável que o acompanhou a quase todo momento.
Um dos poucos momentos em que se pode dizer que houve um passo em falso foi a sequência da fogueira. Única e exclusivamente pela faixa gravada em estúdio sendo usada em um espaço aberto, com uma acústica completamente alienígena. Impactante e estupenda, ainda, sem dúvidas. E necessária para o desenrolar da história. Mas poderia ter sido repensada, de forma a manter o ar de naturalidade intenso que o filme conseguiu manter em todos os outros instantes. Ou, até mesmo, eliminada, já que a "descrição da música" seria retomada lá pelo fim. Seria um incremento à carga de emoção daquele momento, inclusive.
Pontualidades deixadas de lado, é claramente um grande filme. Sabe aquela obra de arte que vai sendo pintada pouco a pouco? Eu não sei. Não sou artista. Mas não posso dizer o mesmo de Céline Sciamma e de toda a equipe envolvida na produção deste filme. Cada cena era como uma pincelada usada para dar vida à tela. E o mais inacreditável é que, se Marianne precisou de algumas semanas para se contentar com sua obra final, Céline Sciamma conseguiu nos deixar em chamas com o seu retrato em meros 120 minutos. Uma obra-prima.
Querido Menino
3.8 471 Assista AgoraFilme complicado. Não tanto pelo tema, sempre delicado e complexo, ao mesmo tempo em que é interessante e de extrema relevância, mas mais pelas escolhas confusas que poderiam ter sido evitadas. A começar pelo roteiro; os roteiristas tentaram basear a obra em dois livros diferentes. Na tentativa de mostrar os dois lados da história, o filme perde foco. Num primeiro momento, é um claro veículo para tentar render um Oscar ao Steve Carell, com tudo girando em torno do personagem dele. No outro, ele some completamente e a história segue um padrão mais alinhado com outros filmes do gênero, mudando completamente de ritmo.
No que se deve parabenizar o filme por mostrar um ângulo diferente da questão, ao trabalhar como o vício afeta aqueles que estão no entorno do viciado, também não é possível deixar de pensar que a história mais interessante foi deixada de lado. Isso não seria um problema em si, não fosse pela abordagem utilizada, em que acabamos por ver um ciclo repetitivo de recuperação e recaída sem fim. Realista? Sim. Emocionante? Cada vez menos e menos sempre que se repete e volta a se repetir mais uma vez. Para um drama hollywoodiano, esta não é uma estratégia muito certeira.
Na repetição constante, inclusive, fica evidente a falta de cuidado com a caracterização dos personagens. Pelo menos alguns anos se passam na história, mas as mudanças são extremamente sutis (para não dizer imperceptíveis). Nic vai de adolescente prodígio a jovem adulto problemático sem mudar praticamente nada externamente. Nem nos piores momentos do vício exibe pistas visuais mais fortes do problema que alguns hematomas no braço. A mesma coisa fica patente nos cenários e no figurino, por exemplo. O filme parece estar quase que congelado num mesmo ano fixo ali no início dos anos 2000, quando tudo na década foi se transformando muito mais rapidamente que em qualquer momento anterior da história.
A montagem do filme, então, vai de uma tentativa consciente de inovar ao propor uma colagem de "pequenos momentos da vida", que num primeiro momento são curiosos e atiçam nossa vontade de ver no que vão resultar, a uma decisão por abandonar todo este trabalho não-linear e, então, partir para o tipo de edição mais padronizado possível para este tipo de trama. Uma edição inconsistente com um roteiro já fragilizado.
Ressalte-se que os atores não tem nada a ver com nada disto e fizeram suas partes com esmero, executando um bom trabalho dentro das perspectivas do roteiro. Além dos elogios rendidos sempre aos protagonistas, Steve Carell e Timothée Chalamet, destacaria também Maura Tierney, em uma performance contida, mas segura e eficaz. Uma pena, inclusive, ver atores gabaritados como Timothy Hutton e LisaGay Hamilton fazendo papéis que são, literalmente, pontas (soltas) que pouquíssimo acrescentam à história como um todo.
Aliás, por se tratar de um tema tão forte, é de se impressionar com a falta de emoção que este filme transmitiu. A falta de exploração do background que era pincelado pouco a pouco ao longo da trama foi certamente a causa disto. A película se tornou uma experiência quase burocrática, e pouco construtiva como retrato do que leva ao vício em drogas, tendendo mais a um moralismo difuso (numa provável tentativa de se tornar palatável para as grandes massas neste fim de década), que a uma apreciação real do problema em todas suas nuances. Apontam os erros, mas não exploram soluções. Mostram as consequências, mas nunca trabalham as causas.
No fim, acabou sendo uma experiência bem arrastada, ao mesmo tempo que incompleta, e pouco provocativa. Deu o que pensar? Sim. Mas deu o que falar? Francamente, acho que não. E, para um filme com esta temática, isto é um tanto quanto decepcionante. É uma obra tão bonita quanto o jovem menino. Bem filmada e esteticamente agradável. Mas, assim como o menino, também confusa e perdida.
O Seu Jeito de Andar
3.4 340 Assista AgoraUm daqueles filmes que têm uma premissa sensacional, mas um desenvolvimento muito aquém do que poderia ter sido, e que deixa isso muito claro a olhos nus. Preferiram encher o filme de clichês e plot twists previsíveis a fazer uma película séria envolvendo os problemas retratados. Nada contra. Mas só se o tom fosse focado decididamente nesse lado da coisa. E não era. E daí o filme fica com aquele ar esquizofrênico, meio que "comandado por muitas vozes", mas sem um foco definido.
O desenvolvimento dos personagens é muito fraco. Pouco do backstory de ambos é explorado. Apenas inferido rapidamente e sem muito efeito prático para a história contada. Daí surge uma sensação de unidimensionalidade muito forte que engloba o filme. Pode ter sido uma escolha certa para reforçar o lado cômico do enredo, nas situações mais surreais possíveis. Mas foi uma escolha errada para dar sustentação às tramas que foram desenvolvidas.
Entretanto, não posso dizer que foi um filme ruim por completo. Teve méritos muito claros em algumas áreas. Os protagonistas foram bem esforçados e conseguiram trabalhar um relacionamento como esse com boa química, na medida do possível. Alguns dos coadjuvantes também conseguiram tirar leite de pedra e render boas atuações, ainda que isso não seja novidade nenhuma para alguém como J.K. Simmons, que é praticamente sempre destaque em todo filme que faz.
O ruim é que os problemas do roteiro (com um ritmo descompassado e, principalmente, um clímax e um desfecho muito apressados e simplistas), a desatenção na edição, a iluminação inconstante e a direção desfocada prejudicam muito mais o todo.
Em resumo: um daqueles filmes "malfeitinhos", mas extremamente simpáticos. Pra quem gosta exclusivamente de louboutins, esse definitivamente não é um deles. Mas, às vezes, também pode ser legal andar descalço.
Felicidade Por Um Fio
3.8 465 Assista AgoraFiquei meio balançado com esse filme. Por um lado, gostei muito da forma como foi construído. A sacada de separar os atos de acordo com o cabelo dela foi muito boa para delinear o tipo de evolução narrativa que vamos acompanhar em cada etapa. Deve ser algo do livro que conseguiram trazer muito bem para a tela.
Por outro lado, o que me incomodou muito foi a construção de alguns personagens e algumas narrativas. A mãe dela é quase uma caricatura da madrasta dos contos de fada; uma pessoa preocupada excessivamente com as aparências e que foi uma figura prejudicial na vida da filha, mas do nada tudo se resolve sem trauma e ela se torna uma pessoa boa por ter "dado um salto"?
O pai, por outro lado, também é mal construído; aparentemente, é um personagem bom e o contraponto necessário à mãe, como uma presença construtiva na vida da filha, mas nada disso é bem explorado porque acharam mais importante torná-lo um objeto a ser adorado - e que só serve para desenvolver tramas alheias - do que aprofundar a trama dele.
Também acho que algumas coisas foram tratadas com superficialidade excessiva, de modo a tornar o filme palatável para todos os públicos. Transformar racismo estrutural numa mera questão de "cabelo errado" foi um erro, a meu ver. A discussão podia ter sido melhor explorada, nesse sentido. E até parecia que iam por esse lado da discussão, com a presença da Zoe (e também do pai dela), mas perderam o fio da meada quando preferiram amenizar a personagem dela em nome da aceitação simbólica por parte de um grupo, e a vestimenta dela foi bem sintomática nesse sentido.
A crítica à devoção desmedida ao outro também ficou abalada no momento em que uma personagem tão firme e convicta como a protagonista resolveu voltar atrás na sua decisão, apenas para criar um twist clichê logo na sequência. A crítica à cultura do consumismo, porém, foi pontual e certeira. Tanto quando isso era o foco, como no caso da apresentação na agência, quanto nos momentos em que isso poderia parecer secundário, como no passeio no parque.
Acho que o filme tinha um potencial muito maior para ser algo mais profundo e discutir as coisas com mais assertividade, mas acabou caindo na armadilha da pasteurização de alguns filmes "pra cima" da Netflix. Tem atuações seguras e convincentes (principalmente da protagonista, Sanaa Lathan), é tecnicamente bom (nada de outro mundo nem exatamente inovador), mas comete erros que poderiam ter sido evitados.
De qualquer forma, como bem mostrou o final, o importante não é ser perfeito, mas sim fazer sua parte para mudar o mundo. Neste aspecto, esse filme foi um passo positivo. Poderia ter avançado muito mais, mas qualquer fio de avanço já conta muito nos dias de hoje.
A Maldição da Casa Winchester
2.6 460 Assista AgoraAcho que comecei a assistir com a expectativa muito alta, porque gostei muito de Rose Red quando vi uns milênios atrás, mas fiquei um pouco decepcionado. Não porque o filme tem baixa qualidade. Muito pelo contrário. A qualidade de quase tudo é bem alta. Dos atores, do quilate de Helen Mirren e Jason Clarke, passando pela ambientação de época requintada, e chegando aos efeitos de ótimo padrão, é tudo de muito bom gosto.
Mas parece que a premissa foi desperdiçada. O roteiro aparentava não se decidir se o foco era proporcionar jump scares gratuitos ou tentar reencenar fatos supostamente reais. Daí algumas coisas não foram bem explicadas, e outras pareceram pontas soltas.
Se comparado com verdadeiras porcarias do "terror" atual, como o remake de Poltergeist ou a enésima tentativa de repetir Atividade Paranormal, ou esses filmes de "terror adolescente" como Verdade ou Desafio, é uma verdadeira obra-prima. Mas, numa era que também nos trouxe películas como Invocação do Mal, que parece ter sido o "blueprint" para este filme, deixa um pouco a desejar.
Dumplin'
3.5 421 Assista AgoraCresceu muito no último ato, mas achei todo o desenvolvimento bem mediano. Acho que faltou mais profundidade para que realmente pudesse emocionar. Poderiam ter trabalhado melhor o backstory da tia e a sua influência na protagonista, ou a relação complicada com a mãe, ou mesmo a amizade de longa data com a amiga "perfeitinha", por exemplo. Tudo isso foi tratado de forma superficial, a meu ver, como meros clichês do gênero.
Lá pelo fim, começou a engrenar de vez. Números muito bem executados e desenvolvimentos pertinentes que pareceram autênticos para fechar todas as tramas, do relacionamento com a mãe ao início de um namoro com o colega de trabalho. Tudo pareceu muito natural e condizente com a realidade.
Não é o melhor filme do mundo. Como comédia, não é daquelas de matar de rir. Como drama, não tem a fundura necessária para emocionar de fato. Como a dramédia que é, fica meio perdida na tentativa de ser uma coisa ou outra. Mas tem uma mensagem muito importante e necessária nos dias de hoje, ajudada por uma construção interessante em torno do material da Dolly Parton (que, confesso, não conhecia na maior parte, mas fiquei animado a descobrir) e uma carga poderosa de autenticidade envolta nos mínimos detalhes que fazem o filme valer a pena. Mais que uma opção "fofinha", uma opção fofíssima.