Essa pérola escondida da Disney apresenta, apesar da história fraca, uma experiência estética e abstrações narrativas interessantes.
Como experiência estética refiro-me ao fato de que, sim, tudo é visualmente muito bonito e bem cuidado, os cenários são agradáveis, os figurinos transitam entre o fabuloso e o cafona e os acontecimentos emulam de forma muito competente as movimentações cartunescas das animações clássicas do estúdio.
Já as abstrações narrativas mencionadas englobam uma porção de boas ideias espalhadas pela obra (as árvores falantes, as invenções dos fabricantes de brinquedos, os ciganos etc.), mas que não se conectam organicamente bem enquanto uma narrativa só.
Além disso, a trilha sonora não marca, e os personagens - com exceção do vilão, seus ajudantes e do fabricante de brinquedos - são majoritariamente desinteressantes.
O exagero típico desses filmes me agrada, mas aqui ele acaba caindo em uma infantilidade gritante tão frequentemente, que imagino que a obra possa ter ficado datada inclusive para a época - o que pode, talvez, explicar o fato de os musicais live action seguintes da Disney terem trazido mais seriedade no plano de fundo e um enredo com uma consistência mais madura, como foi o caso de Mary Poppins, a magnum opus da Disney dessa época, e o irregular Se Minha Cama Voasse, que articulava bruxaria e guerra.
A narrativa me lembrou em diversos momentos o saudoso Central do Brasil: um road movie dramático vivido por dois indivíduos que precisam chegar ao pai do garoto e, a princípio, nada têm em comum - a começar pela disparidade de idades, que se reflete em suas diferentes visões sobre o mundo -, mas que pouco a pouco começam a se reconhecer na solidão do outro.
O clássico de Walter Salles, porém, utilizava esse arco narrativo para se aprofundar nas veias de nosso país, cruzando-a com diversas outras vozes preenchidas por distâncias e saudades. Aqui, a ideia é completamente outra: colocar dois homens frente às suas ideias de masculinidade e desconstruir a figura do macho que marcou toda a carreira de Eastwood.
Outra coisa que distancia os dois filmes é que a relação entre Eastwood e o menino é trabalhada com bem menos nuances e conflitos. Eles se aproximam rápido demais, e as estranhezas, que deveriam ser sempre retomadas, são esquecidas, e só reaparecem nos momentos finais para que a lição de moral possa ser pronunciada, algo ao qual o formato esquemático do roteiro não podia escapar.
Os melhores momentos ficam para a comprida sequência na cidadezinha próxima à fronteira, na qual os protagonistas se encontram diante de sua existência ideal. Esses momentos são belos, transmitem uma sensação boa e afagam, ainda que superficialmente, a hospitalidade mexicana.
É divertido e imaginativo, como podemos esperar do universo mágico de J.K. Rowling. Aqui, explorando a conexão entre o mundo bruxo e a nossa realidade (algo que sempre me despertou curiosidade ao longo da série Harry Potter, e que só havia sido pincelado com mais detalhes em As Relíquias da Morte - Parte I), a autora e roteirista solta seus personagens em um roteiro tradicional de aventura: existe o arco principal, que consiste na busca pelas criaturas perdidas; o engano que cruza os caminhos do protagonista e de seu novo escudeiro, aqui servindo como o típico alívio cômico da narrativa; as personagens femininas que repentinamente se vêm atadas a eles e inevitavelmente criam laços; a tensão romântica; o beijo na chuva; e o conflito político, evidente na ascensão do novo grande vilão da saga.
Não há nada de novo no formato da história, mas há muita criatividade na concepção visual dos ambientes, na dinâmica administrativa e burocrática do mundo bruxo, no detalhamento dos animais fantásticos e na caracterização bastante simbólica do protagonista.
Serve, portanto, mais como instrumento para matar nossa curiosidade e expandir a mitologia desse universo do que como o início promissor de uma nova saga. Ao mesmo tempo que é relativamente interessante e possui sequências bem conduzidas, o desfecho se prolonga demais e o clímax é desastrado: os efeitos visuais ao fim são exagerados, turbulentos demais e incômodos. A aparição do vilão ao fim também não me empolgou muito, de forma que se esse filme fosse apenas um exemplar avulso, eu não me importaria.
José Mojica Marins perambula em trajes espalhafatosos pela cidade e destila críticas e mensagens filosóficas aos diversos tipos presentes na sociedade. Isso resume a dinâmica de um filme cuja maior parte da duração não diz nada, não desenvolve a narrativa, não explora o personagem, tampouco é interessante de se acompanhar: uma sequência de andanças e encontros que não levam a lugar nenhum.
A crítica e as reflexões são boas, porém rasas demais para um filme cujo argumento termina aí. Dentre as poucas sequências que realmente valem a pena, destaco a cena do velório - toda aquele arco da família, aliás, renderia um filme mais interessante.
Sicario, como se pode esperar dos filmes de Villeneuve, é um filme tenso, atmosférico e lentamente conduzido. A despeito do tema, as cenas de ação são poucas, e o foco recai muito mais sobre a inserção da personagem de Emily Blunt naquele novo e suspeito ambiente: os cenários são vastos, quentes, solitários, além de muito bem explorados pelos planos aéreos (lembra o que é feito mais tarde, em escala monumental e em contexto extraterrestre, em Duna); a paleta de cores quase exclusivamente bege e azul chama a atenção e confere uma estética própria àquele universo; e os personagens são controversos, dando não só à protagonista mas também ao espectador o benefício da dúvida. Mais que um filme sobre uma operação policial, é uma narrativa clássica sobre o indivíduo frente à dinâmica de funcionamento de algo que ultrapassa sua compreensão de certo e errado.
Apesar das excelentes ambientações (os cenários satisfazem os olhos e se conectam belamente à incessante trilha sonora inspirada na música francesa, oferecendo certo charme ao filme) e de algumas situações realmente divertidas, é um filme de humor fraco, que se apoia totalmente na sequência atropelada de absurdos, nas caras e bocas de Rebel Wilson e na diferença gritante entre seu jeito espalhafatoso com a discrição arrogante de Anne Hathaway.
É um daqueles filmes que, de tão ruins, chegam a ficar bons. Nada faz sentido, as reviravoltas são ilógicas, a certa altura da narrativa o roteiro parece estar desgovernado e o desfecho é previsível.
Quando o filme termina, ficou em mim a sensação sensação que faltou algo. Talvez a longa preparação de uma hora - um dos pontos altos do filme, durante a qual o enigmático contexto vai sendo descortinado em doses deliciosamente econômicas - tenha sido boa demais para um clímax tão fácil.
Ainda assim, uma experiência inventiva, ácida e, mesmo faltando sutileza na crítica, tudo é compensado pela beleza sombria e pela verdade aterrorizante que sustentam a obra.
Olivia Colman supera-se mais uma vez ao mergulhar em uma personagem tão labiríntica como Leda. Ela e Jessie Buckley acabam por constituir, com harmonia fabulosa, faces contínuas de uma mesma persona, complexa e sob constante pressão psicológica ao se defrontar com gatilhos de seu próprio passado.
Existe muito sendo discutido aqui, questões de foro íntimo feminino, mas com projeção significativa para toda a sociedade: as dificuldades e os controversos sentimentos suscitados pela maternidade, o papel da mulher entre os filhos e sua carreira, a liberdade e a família, tudo retratado com honestidade, sem romantizações e julgamentos.
E é isso que torna o filme diferenciado ao lidar com esses temas: baseado no romance de uma das mais célebres autoras contemporâneas (que ainda não tive a oportunidade de ler), percebe-se um grande distanciamento e muita sutileza ao trazer temas tão complexos sem cair em lugares-comuns perigosos, generalizantes e em tom de julgamento. Privilegia-se, em vez disso, a experiência individual de ser mãe, que certamente é diferente de mulher para mulher.
O filme é ainda esteticamente agradável: as paisagens da ilha são belamente exploradas, o que fica evidente na representação das construções gregas, praias, bosques, bares, cenas introspectivas como as de Olivia Colman boiando na água ou deixando-se cair à orla do mar, tudo emoldurado por uma incrível trilha sonora de Dickon Hinchliffe que ressoa na cabeça após o fim do filme.
Baseando-se em uma riqueza de personagens entrelaçados por uma mitologia própria, é uma pena que o filme não tenha tempo de aproveitar o potencial de cada um ao longo de sua duração, tampouco de explorar mais a fundo a projeção da família Madrigal dentro daquela comunidade, algo somente pincelado.
Além disso, considero a falta de um vilão algo acertado, permitindo que o enredo se movimente apenas pelas tensões condicionadas pela própria família a si mesma, como comumente ocorre na vida real.
Apenas o clímax, apressado e linear demais, acabou fugindo do tom criativo e cheio de possibilidades que vinha se projetando até então. Faltou algo.
Existe, como era de se esperar, um grande respeito por Belfast e seus habitantes. A cidadezinha é retratada já de início como um cenário altamente lúdico, idílico, no qual diversas crianças brincam na rua enquanto os moradores perambulam felizes entre si. Chega a ser nítido como tal imagem precisa ser extremamente dócil e infantilizada, para contrastar com a destruição que irrompe logo depois. Essa dualidade entre inocência e guerra acompanha todo o filme.
Como em muitas obras que visam a espelhar conflitos políticos por um olhar infantil, se desdobram aqui uma série de aventuras infantis episódicas, entrecortadas por lampejos de discursos políticos explícitos, transmitidos pela mídia ou expostos entre os adultos - mas pouco profundos.
Brannagh acerta em traçar tais aventuras das crianças com bom humor e inocência, além de explorar bem o espaço de Belfast, suas ruas, prédios e céus (é um filme de fato muito em filmado e várias cenas são visualmente lindas, com ângulos de câmera belíssimos), mas falha em articular tudo isso com os conflitos adultos de forma orgânica ou ainda em criar personagens que realmente estabeleçam laços com o espectador.
Para além da história bobinha e da ascensão profissional tipicamente retratada nesses enlatados, o filme diverte ao desnudar um pouco o universo da TV e espelhar coisas que podemos reconhecer constantemente nos hábitos televisivos de nosso próprio país: a hierarquia entre programas com diferentes níveis de prestígio, a dualidade entre seriedade e entretenimento, as novas formas de angariar audiência em uma era de virais e memes (não explicitamente mencionados nesse filme, visto que memes ainda estavam em ascensão na época desta produção) etc.
O elenco é ótimo, e embora a personagem caricata de Rachel McAdams exagere em certos momentos, tornando-se irritante ao demarcar bem o estereótipo da jovem doidinha e atrapalhada, ela tem seus momentos de brilho, principalmente quando em confronto direto com um Harrison Ford irredutível e não menos divertido.
O título em português é muito apropriado: ao fazer referência ao clássico do faroeste Os Brutos Também Amam, o subtítulo acrescentado aqui a Tampopo expõe a influência do faroeste sobre esta comédia gastronômica japonesa: o protagonista misterioso desembarca em um restaurante em meio às suas andanças e, como nos clássicos do gênero, só se retira ao terminada sua missão. Aqui, porém, sua missão não tem a ver com vinganças ou combates (embora duelos corpo a corpo tambéem estejam presentes), mas resume-se em ajudar a reformular um restaurante, desde seu cardápio até sua identidade visual, quase como um episódio de Pesadelo na Cozinha sem o sotaque francês ou as humilhações. Os personagens partem em uma jornada quase épica em busca do lámen ideal: andam por restaurantes como frequentassem saloons, apreendem técnicas culinárias milenares e se enfrentam usando como arma a comida e o paladar.
Eu não imaginava o quanto a busca por uma receita ideal poderia render uma comédia tão divertida e tão cheia de referências a outros gêneros (é impressão minha ou temos quase no fim um aceno até mesmo a Acossado, do Godard?). Os personagens são carismáticos, a exploração do lamen - em todas as suas formas e ingredientes - aguça o interesse e a vontade de prová-los, e os rituais gastronômicos para prepará-los e servi-los completam o serviço.
O filme, aliás, explora de forma geral a relação do ser humano com a comida e o paladar. A narrativa principal é entrecortada por enquetes divertidas ou experimentais que retratam a relação do ser humano com o alimento, resultando em experiencias que perpassam a etiqueta, o sexo, o tato e a morte. Coisa de doido.
Frank Capra era mestre em contar histórias espirituosas e otimistas no coração do sistema capitalista, retratando com certo cinismo instituições triturando os indivíduos e personagens ricos cruéis, que trazem em si a acumulação desmedida de capital. Para dar conta disso, os pobres e o cidadão médio, representando a celebração à vida e os valores familiares, são necessariamente bons e íntegros.
Essa dualidade, hoje já batida, se tece de tal forma em seus filmes que as narrativas resultam de certa forma coloridas, ingênuas, irreais, quase contos de fada sobre o último fio de esperança no túnel do sonho americano falido. Em A Felicidade Não Se Compra, com um toque de fantasia, esse estilo acha seu lugar ideal. Por outro lado, em Do Mundo Nada Se Leva, no qual não há anjos ou realidades paralelas, faz-se necessária uma parcela de boa vontade do espectador em relevar o comportamernto exagerado e até infantilizado da família Vanderfeld, que fundam aqui o nível já mencionado dos pobres em paz com a vida.
Existe, para além disso, um punhado de cenas bem divertidas - o caos promovido pela família, refletido no conjunto de ações aleatórtias ocorrendo paralelamente em contraposição à rigidez caricata da família Kirby, rende os melhores momentos, como era de se esperar - e um discurso que, apesar de ser muito importante e ainda atual, não encontra talvez o seu melhor tom (talvez ideal para a época).
Por fim, um passatempo divertido, inofensivo e que vale a pena pelos momentos únicos de dança e de fúria pela vida que eram a cereja do bolo nos filmes de Capra.
Ainda que consigamos prever tudo com muita facilidade - todos os personagens são facilmente desvendados e os mistérios que vão sendo jnseridos não se sustentam por mais de alguns minutos -, é impossível ignorar o charme e o clima clássico que enriquecem a atmosfera do filme: a trilha sonora sedutora, atores lindos brilhando em figurinos e cenários finíssimos, o silêncio das sequências noturnas... tudo constrói um ar de mistério e luxo tão típico de filmes de investigação dessa época, que tal estilo, um ano depois, conseguiu ser perfeitamente parodiado por Blake Edwards em A Pantera Cor-de-Rosa e nos filmes subsequentes (para mim, o ápice artístico desse gênero). Para além do cuidado estético, temos ainda a já mencionada elegância do elenco e os lindos cenários jamaicanos. É gostoso de acompanhar e entregou, já de primeira, muito pelo qual o protagonista é até hoje reconhecido.
Esse filme tem basicamente tudo que eu procuro em um filme de terror: uma história minimamente interessante, certo cuidado estético (tem cenas muito bem filmadas e um ótimo uso do vermelho e da transfiguração dos cenários), uma solução inesperada (escrota sim, repugnante, talvez até ridícula, mas criativa e divertida) e a repugnância, a repulsa, causadas seja pela matança sangrenta seja pela criatura aberrante de onde tudo nasce.
Só tive curiosidade em ver esse após Licorice Pizza, que me causou mais estranhamento do que riso ou bons sentimentos. Aqui não foi diferente. O humor de Paul Thomas Anderson é enigmático, muito pessoal e se sustenta na fuga à obviamente e lógica dos acontecimentos. Aqui, ainda que o casal principal não tenha me cativado tanto, reconheço a importância deste movimento narrativo dentro do emaranhado de arcos que atravessam o personagem (a pressão familiar, a história dos pudins e das milhas, o excelente arco do disc-sexo). Melhor ainda é como tudo age sobre o protagonista como uma bomba-relógio, causando um desconforto no espectador por meio das longas sequências e da trilha sonora angustiante.
A narrativa da família desajustada não é original, e aqui continua não sendo a dinâmica familiar o melhor do filme (acho, inclusive, que o que mais o enfraquece é a repetição dos momentos dramáticos e introspectivos nos quais os personagens refletem reiteradamente sobre sua relação com os familiares, algo que fica cada vez mais frequente próximo ao desfecho). O que mais chama atenção aqui é a anarquia, o humor genuinamente bom (foi uma das animações que mais me fizeram rir nos últimos tempos ) e na concepção visual original, que transita entre o cartunesco e um futurismo meio abstrato.
Michael Myers é, hoje, um dos personagens mais importantes do cinema de terror - e, dos mascarados, o mais enigmático e assustador. Seus movimentos são lentos e restritos, mas certeiros; suas aparições são sorrateiras; sua resistência faz com que, apesar dos ataques, ele sempre retorne.
E o início do pesadelo é bem diferente da sequência sanguinária de mortes que se observa nos filmes de psicopatas contemporâneos: aqui, as mortes são precedidas por um lento desenvolvimento da atmosfera. O terror, antes de tudo, se constrói na dimensão da protagonista, por meio do terror de estar sendo constantemente observada por uma figura estrategicamente posicionada nos cenários, sensação reforçada por aparecimentos e desaparecimentos do mascarado cada vez mais próximo e pela câmera ativa de Carpenter, que desliza pelos cenários, às vezes pegando partes do corpo de Myers junto de seu ponto de vista, às vezes perdendo-o por aí.
O desfecho traz consigo os momentos menos críveis do filme, quando a personagem empreende uma sequência de ações ingênuas nada inteligentes e realistas - o que só consigo enxergar como escorregões do roteiro para prolongar o clímax. Ainda assim, o filme transpira habilidade na construção do suspense e na construção de um personagem tão central no gênero.
Uma das obras mais sofisticadas de Anderson é, talvez, também a mais difícil de se conectar. Ao mesmo tempo que os cenários belíssimos, os enquadramentos inventivos e as situações inusitadas pedem tempo para serem apreciados, a narração em tom jornalístico - um texto robusto, aliás, escrito com propriedade e inteligência - não interrompe em nenhum momento a chuva de informações e referências. Além disso, o filme traz consigo uma junção de linguagens que reforçam a sensação de um mergulho em documentos e obras de época: jornal, biografia, manifesto, teatro, quadrinhos... É uma narrativa, portanto, que inscreve, nessa dimensão sofisticada e inteligentemente projetada, histórias de amor, paixão, arte e revolução.
Um delírio - no pior sentido da palavra. Mesmo com um roteiro fraco e pouco original, a possibilidade de se produzir um filme pelo menos envolvente existe, mas aqui tudo é falho para além das dimensões usuais: o filme todo é bagunçado, os acontecimentos são soltos, desconexos, quase nenhuma ponta aberta pelo roteiro se fecha, a edição é de um mau gosto tremendo - algumas cenas me deixaram consideravelmente agoniado - e as piadas são ruins. Pelo menos tudo ocorre muito rápido. É como uma bad trip.
Dentro de uma narrativa bastante convencional, que articula a entrada abrupta de um indivíduo inesperado no mundo do crime e a busca pela compensação da ausência paternal, Clint Eastwood brilha em um papel muito bem composto: Earl Stone é um personagem governado por dores, solidão e culpa, e a forma de externalização desses sentimentos nunca cai no sentimentalismo barato ou no dramalhão. O foco, por outro lado, recai na forma tranquila e devagar com que o protagonista leva sua vida, cantando na estrada e fazendo as coisas no seu ritmo, sem medos ou lágrimas. Para além do carisma do personagem, o desfecho do filme é realista e bonito. Não há redenção fácil aqui, e o personagem demonstra saber disso desde a primeira cena.
Menos profundo ou original do que eu esperava, Princesa Mononoke recupera a já antiga tensão conflituosa entre ser humano e natureza, causada principalmente pela sede de domínio que movimenta o progresso e a industrialização. Aqui, porém, o protagonista é externo a essa dualidade e surge fundando a possibilidade de conciliação e a harmonia da convivência entre os dois lados.
O grande diferencial da anomação se encontra no nível dos personagens: de um lado, somos apresentados uma mitologia de criaturas indiscutivelmente interessantes, como é típico do Studio Ghibli - destaco a concepção sombria dos macacos e a poesia metaforizada na existência e nas diversas faces de Shishigami, o deus da floresta; do outro lado, os personagens estão sempre liderados por personagens femininas muito bem escritas, como a vilã do filme, Lady Eboshi, e a própria Princesa Mononoke. As duas personagens servem como linha de frente para o combate tematizado pelo filme e espelham interesses distintos.
Nesse âmbito, a animação equilibra cenas visualmente bonitas, principalmente quando as vastas paisagens naturais são representadas quase em forma de pintura, e cenas não econômicas de violência, que não poupam partes do corpo sendo decepadas. Pena que a longa duração não contribui para um filme de ritmo totalmente regular.
Certa dose de boa vontade e concentração são requeridas para esse filme que, justamente por causa de seu maior trunfo - a estrutura anárquica e a edição fora do previsível -, se torna pouco fácil de se acompanhar. Desde o início, somos conduzidos por uma narração jornalística que parece aplicar uma unidade à desordem de acontecimentos e imagens sobrepostas, que surgem como manchetes de jornais jogadas uma a uma diante de nos nossos olhos. E o texto da narração é, em si, fantástico - forte, atmosférico, proferido em tom por vezes catastrófico e crítico. Apesar do bandido do título, não é somente o personagem que entra no raio X analítico de Sganzerla: o personagem está inserido dentro de uma sociedade de funcionamento problemático que ainda reflete muito da dinâmica de nossa sociedade. Destaque para J. B. da Silva, uma figura política que têm muito para dizer sobre líderes contemporâneos.
O Mundo Encantado dos Brinquedos
3.0 7 Assista AgoraEssa pérola escondida da Disney apresenta, apesar da história fraca, uma experiência estética e abstrações narrativas interessantes.
Como experiência estética refiro-me ao fato de que, sim, tudo é visualmente muito bonito e bem cuidado, os cenários são agradáveis, os figurinos transitam entre o fabuloso e o cafona e os acontecimentos emulam de forma muito competente as movimentações cartunescas das animações clássicas do estúdio.
Já as abstrações narrativas mencionadas englobam uma porção de boas ideias espalhadas pela obra (as árvores falantes, as invenções dos fabricantes de brinquedos, os ciganos etc.), mas que não se conectam organicamente bem enquanto uma narrativa só.
Além disso, a trilha sonora não marca, e os personagens - com exceção do vilão, seus ajudantes e do fabricante de brinquedos - são majoritariamente desinteressantes.
O exagero típico desses filmes me agrada, mas aqui ele acaba caindo em uma infantilidade gritante tão frequentemente, que imagino que a obra possa ter ficado datada inclusive para a época - o que pode, talvez, explicar o fato de os musicais live action seguintes da Disney terem trazido mais seriedade no plano de fundo e um enredo com uma consistência mais madura, como foi o caso de Mary Poppins, a magnum opus da Disney dessa época, e o irregular Se Minha Cama Voasse, que articulava bruxaria e guerra.
Cry Macho: O Caminho para Redenção
3.0 179 Assista AgoraA narrativa me lembrou em diversos momentos o saudoso Central do Brasil: um road movie dramático vivido por dois indivíduos que precisam chegar ao pai do garoto e, a princípio, nada têm em comum - a começar pela disparidade de idades, que se reflete em suas diferentes visões sobre o mundo -, mas que pouco a pouco começam a se reconhecer na solidão do outro.
O clássico de Walter Salles, porém, utilizava esse arco narrativo para se aprofundar nas veias de nosso país, cruzando-a com diversas outras vozes preenchidas por distâncias e saudades. Aqui, a ideia é completamente outra: colocar dois homens frente às suas ideias de masculinidade e desconstruir a figura do macho que marcou toda a carreira de Eastwood.
Outra coisa que distancia os dois filmes é que a relação entre Eastwood e o menino é trabalhada com bem menos nuances e conflitos. Eles se aproximam rápido demais, e as estranhezas, que deveriam ser sempre retomadas, são esquecidas, e só reaparecem nos momentos finais para que a lição de moral possa ser pronunciada, algo ao qual o formato esquemático do roteiro não podia escapar.
Os melhores momentos ficam para a comprida sequência na cidadezinha próxima à fronteira, na qual os protagonistas se encontram diante de sua existência ideal. Esses momentos são belos, transmitem uma sensação boa e afagam, ainda que superficialmente, a hospitalidade mexicana.
Animais Fantásticos e Onde Habitam
4.0 2,2K Assista AgoraÉ divertido e imaginativo, como podemos esperar do universo mágico de J.K. Rowling. Aqui, explorando a conexão entre o mundo bruxo e a nossa realidade (algo que sempre me despertou curiosidade ao longo da série Harry Potter, e que só havia sido pincelado com mais detalhes em As Relíquias da Morte - Parte I), a autora e roteirista solta seus personagens em um roteiro tradicional de aventura: existe o arco principal, que consiste na busca pelas criaturas perdidas; o engano que cruza os caminhos do protagonista e de seu novo escudeiro, aqui servindo como o típico alívio cômico da narrativa; as personagens femininas que repentinamente se vêm atadas a eles e inevitavelmente criam laços; a tensão romântica; o beijo na chuva; e o conflito político, evidente na ascensão do novo grande vilão da saga.
Não há nada de novo no formato da história, mas há muita criatividade na concepção visual dos ambientes, na dinâmica administrativa e burocrática do mundo bruxo, no detalhamento dos animais fantásticos e na caracterização bastante simbólica do protagonista.
Serve, portanto, mais como instrumento para matar nossa curiosidade e expandir a mitologia desse universo do que como o início promissor de uma nova saga. Ao mesmo tempo que é relativamente interessante e possui sequências bem conduzidas, o desfecho se prolonga demais e o clímax é desastrado: os efeitos visuais ao fim são exagerados, turbulentos demais e incômodos. A aparição do vilão ao fim também não me empolgou muito, de forma que se esse filme fosse apenas um exemplar avulso, eu não me importaria.
Finis Hominis: O Fim do Homem
3.5 33 Assista AgoraJosé Mojica Marins perambula em trajes espalhafatosos pela cidade e destila críticas e mensagens filosóficas aos diversos tipos presentes na sociedade. Isso resume a dinâmica de um filme cuja maior parte da duração não diz nada, não desenvolve a narrativa, não explora o personagem, tampouco é interessante de se acompanhar: uma sequência de andanças e encontros que não levam a lugar nenhum.
A crítica e as reflexões são boas, porém rasas demais para um filme cujo argumento termina aí. Dentre as poucas sequências que realmente valem a pena, destaco a cena do velório - toda aquele arco da família, aliás, renderia um filme mais interessante.
Sicario: Terra de Ninguém
3.7 944 Assista AgoraSicario, como se pode esperar dos filmes de Villeneuve, é um filme tenso, atmosférico e lentamente conduzido. A despeito do tema, as cenas de ação são poucas, e o foco recai muito mais sobre a inserção da personagem de Emily Blunt naquele novo e suspeito ambiente: os cenários são vastos, quentes, solitários, além de muito bem explorados pelos planos aéreos (lembra o que é feito mais tarde, em escala monumental e em contexto extraterrestre, em Duna); a paleta de cores quase exclusivamente bege e azul chama a atenção e confere uma estética própria àquele universo; e os personagens são controversos, dando não só à protagonista mas também ao espectador o benefício da dúvida. Mais que um filme sobre uma operação policial, é uma narrativa clássica sobre o indivíduo frente à dinâmica de funcionamento de algo que ultrapassa sua compreensão de certo e errado.
As Trapaceiras
2.7 316 Assista AgoraApesar das excelentes ambientações (os cenários satisfazem os olhos e se conectam belamente à incessante trilha sonora inspirada na música francesa, oferecendo certo charme ao filme) e de algumas situações realmente divertidas, é um filme de humor fraco, que se apoia totalmente na sequência atropelada de absurdos, nas caras e bocas de Rebel Wilson e na diferença gritante entre seu jeito espalhafatoso com a discrição arrogante de Anne Hathaway.
É um daqueles filmes que, de tão ruins, chegam a ficar bons. Nada faz sentido, as reviravoltas são ilógicas, a certa altura da narrativa o roteiro parece estar desgovernado e o desfecho é previsível.
A Escolhida
3.5 291Quando o filme termina, ficou em mim a sensação sensação que faltou algo. Talvez a longa preparação de uma hora - um dos pontos altos do filme, durante a qual o enigmático contexto vai sendo descortinado em doses deliciosamente econômicas - tenha sido boa demais para um clímax tão fácil.
Ainda assim, uma experiência inventiva, ácida e, mesmo faltando sutileza na crítica, tudo é compensado pela beleza sombria e pela verdade aterrorizante que sustentam a obra.
A Filha Perdida
3.6 573Olivia Colman supera-se mais uma vez ao mergulhar em uma personagem tão labiríntica como Leda. Ela e Jessie Buckley acabam por constituir, com harmonia fabulosa, faces contínuas de uma mesma persona, complexa e sob constante pressão psicológica ao se defrontar com gatilhos de seu próprio passado.
Existe muito sendo discutido aqui, questões de foro íntimo feminino, mas com projeção significativa para toda a sociedade: as dificuldades e os controversos sentimentos suscitados pela maternidade, o papel da mulher entre os filhos e sua carreira, a liberdade e a família, tudo retratado com honestidade, sem romantizações e julgamentos.
E é isso que torna o filme diferenciado ao lidar com esses temas: baseado no romance de uma das mais célebres autoras contemporâneas (que ainda não tive a oportunidade de ler), percebe-se um grande distanciamento e muita sutileza ao trazer temas tão complexos sem cair em lugares-comuns perigosos, generalizantes e em tom de julgamento. Privilegia-se, em vez disso, a experiência individual de ser mãe, que certamente é diferente de mulher para mulher.
O filme é ainda esteticamente agradável: as paisagens da ilha são belamente exploradas, o que fica evidente na representação das construções gregas, praias, bosques, bares, cenas introspectivas como as de Olivia Colman boiando na água ou deixando-se cair à orla do mar, tudo emoldurado por uma incrível trilha sonora de Dickon Hinchliffe que ressoa na cabeça após o fim do filme.
Encanto
3.8 805Baseando-se em uma riqueza de personagens entrelaçados por uma mitologia própria, é uma pena que o filme não tenha tempo de aproveitar o potencial de cada um ao longo de sua duração, tampouco de explorar mais a fundo a projeção da família Madrigal dentro daquela comunidade, algo somente pincelado.
Além disso, considero a falta de um vilão algo acertado, permitindo que o enredo se movimente apenas pelas tensões condicionadas pela própria família a si mesma, como comumente ocorre na vida real.
Apenas o clímax, apressado e linear demais, acabou fugindo do tom criativo e cheio de possibilidades que vinha se projetando até então. Faltou algo.
Belfast
3.5 291 Assista AgoraExiste, como era de se esperar, um grande respeito por Belfast e seus habitantes. A cidadezinha é retratada já de início como um cenário altamente lúdico, idílico, no qual diversas crianças brincam na rua enquanto os moradores perambulam felizes entre si. Chega a ser nítido como tal imagem precisa ser extremamente dócil e infantilizada, para contrastar com a destruição que irrompe logo depois. Essa dualidade entre inocência e guerra acompanha todo o filme.
Como em muitas obras que visam a espelhar conflitos políticos por um olhar infantil, se desdobram aqui uma série de aventuras infantis episódicas, entrecortadas por lampejos de discursos políticos explícitos, transmitidos pela mídia ou expostos entre os adultos - mas pouco profundos.
Brannagh acerta em traçar tais aventuras das crianças com bom humor e inocência, além de explorar bem o espaço de Belfast, suas ruas, prédios e céus (é um filme de fato muito em filmado e várias cenas são visualmente lindas, com ângulos de câmera belíssimos), mas falha em articular tudo isso com os conflitos adultos de forma orgânica ou ainda em criar personagens que realmente estabeleçam laços com o espectador.
Uma Manhã Gloriosa
3.4 737 Assista AgoraPara além da história bobinha e da ascensão profissional tipicamente retratada nesses enlatados, o filme diverte ao desnudar um pouco o universo da TV e espelhar coisas que podemos reconhecer constantemente nos hábitos televisivos de nosso próprio país: a hierarquia entre programas com diferentes níveis de prestígio, a dualidade entre seriedade e entretenimento, as novas formas de angariar audiência em uma era de virais e memes (não explicitamente mencionados nesse filme, visto que memes ainda estavam em ascensão na época desta produção) etc.
O elenco é ótimo, e embora a personagem caricata de Rachel McAdams exagere em certos momentos, tornando-se irritante ao demarcar bem o estereótipo da jovem doidinha e atrapalhada, ela tem seus momentos de brilho, principalmente quando em confronto direto com um Harrison Ford irredutível e não menos divertido.
Tampopo: Os Brutos Também Comem Spaghetti
4.0 67O título em português é muito apropriado: ao fazer referência ao clássico do faroeste Os Brutos Também Amam, o subtítulo acrescentado aqui a Tampopo expõe a influência do faroeste sobre esta comédia gastronômica japonesa: o protagonista misterioso desembarca em um restaurante em meio às suas andanças e, como nos clássicos do gênero, só se retira ao terminada sua missão. Aqui, porém, sua missão não tem a ver com vinganças ou combates (embora duelos corpo a corpo tambéem estejam presentes), mas resume-se em ajudar a reformular um restaurante, desde seu cardápio até sua identidade visual, quase como um episódio de Pesadelo na Cozinha sem o sotaque francês ou as humilhações. Os personagens partem em uma jornada quase épica em busca do lámen ideal: andam por restaurantes como frequentassem saloons, apreendem técnicas culinárias milenares e se enfrentam usando como arma a comida e o paladar.
Eu não imaginava o quanto a busca por uma receita ideal poderia render uma comédia tão divertida e tão cheia de referências a outros gêneros (é impressão minha ou temos quase no fim um aceno até mesmo a Acossado, do Godard?). Os personagens são carismáticos, a exploração do lamen - em todas as suas formas e ingredientes - aguça o interesse e a vontade de prová-los, e os rituais gastronômicos para prepará-los e servi-los completam o serviço.
O filme, aliás, explora de forma geral a relação do ser humano com a comida e o paladar. A narrativa principal é entrecortada por enquetes divertidas ou experimentais que retratam a relação do ser humano com o alimento, resultando em experiencias que perpassam a etiqueta, o sexo, o tato e a morte. Coisa de doido.
Do Mundo Nada Se Leva
4.2 111 Assista AgoraFrank Capra era mestre em contar histórias espirituosas e otimistas no coração do sistema capitalista, retratando com certo cinismo instituições triturando os indivíduos e personagens ricos cruéis, que trazem em si a acumulação desmedida de capital. Para dar conta disso, os pobres e o cidadão médio, representando a celebração à vida e os valores familiares, são necessariamente bons e íntegros.
Essa dualidade, hoje já batida, se tece de tal forma em seus filmes que as narrativas resultam de certa forma coloridas, ingênuas, irreais, quase contos de fada sobre o último fio de esperança no túnel do sonho americano falido. Em A Felicidade Não Se Compra, com um toque de fantasia, esse estilo acha seu lugar ideal. Por outro lado, em Do Mundo Nada Se Leva, no qual não há anjos ou realidades paralelas, faz-se necessária uma parcela de boa vontade do espectador em relevar o comportamernto exagerado e até infantilizado da família Vanderfeld, que fundam aqui o nível já mencionado dos pobres em paz com a vida.
Existe, para além disso, um punhado de cenas bem divertidas - o caos promovido pela família, refletido no conjunto de ações aleatórtias ocorrendo paralelamente em contraposição à rigidez caricata da família Kirby, rende os melhores momentos, como era de se esperar - e um discurso que, apesar de ser muito importante e ainda atual, não encontra talvez o seu melhor tom (talvez ideal para a época).
Por fim, um passatempo divertido, inofensivo e que vale a pena pelos momentos únicos de dança e de fúria pela vida que eram a cereja do bolo nos filmes de Capra.
007 Contra o Satânico Dr. No
3.7 293 Assista AgoraAinda que consigamos prever tudo com muita facilidade - todos os personagens são facilmente desvendados e os mistérios que vão sendo jnseridos não se sustentam por mais de alguns minutos -, é impossível ignorar o charme e o clima clássico que enriquecem a atmosfera do filme: a trilha sonora sedutora, atores lindos brilhando em figurinos e cenários finíssimos, o silêncio das sequências noturnas... tudo constrói um ar de mistério e luxo tão típico de filmes de investigação dessa época, que tal estilo, um ano depois, conseguiu ser perfeitamente parodiado por Blake Edwards em A Pantera Cor-de-Rosa e nos filmes subsequentes (para mim, o ápice artístico desse gênero). Para além do cuidado estético, temos ainda a já mencionada elegância do elenco e os lindos cenários jamaicanos. É gostoso de acompanhar e entregou, já de primeira, muito pelo qual o protagonista é até hoje reconhecido.
Maligno
3.3 1,2KEsse filme tem basicamente tudo que eu procuro em um filme de terror: uma história minimamente interessante, certo cuidado estético (tem cenas muito bem filmadas e um ótimo uso do vermelho e da transfiguração dos cenários), uma solução inesperada (escrota sim, repugnante, talvez até ridícula, mas criativa e divertida) e a repugnância, a repulsa, causadas seja pela matança sangrenta seja pela criatura aberrante de onde tudo nasce.
Embriagado de Amor
3.6 479 Assista AgoraSó tive curiosidade em ver esse após Licorice Pizza, que me causou mais estranhamento do que riso ou bons sentimentos. Aqui não foi diferente. O humor de Paul Thomas Anderson é enigmático, muito pessoal e se sustenta na fuga à obviamente e lógica dos acontecimentos. Aqui, ainda que o casal principal não tenha me cativado tanto, reconheço a importância deste movimento narrativo dentro do emaranhado de arcos que atravessam o personagem (a pressão familiar, a história dos pudins e das milhas, o excelente arco do disc-sexo). Melhor ainda é como tudo age sobre o protagonista como uma bomba-relógio, causando um desconforto no espectador por meio das longas sequências e da trilha sonora angustiante.
A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas
4.0 494A narrativa da família desajustada não é original, e aqui continua não sendo a dinâmica familiar o melhor do filme (acho, inclusive, que o que mais o enfraquece é a repetição dos momentos dramáticos e introspectivos nos quais os personagens refletem reiteradamente sobre sua relação com os familiares, algo que fica cada vez mais frequente próximo ao desfecho). O que mais chama atenção aqui é a anarquia, o humor genuinamente bom (foi uma das animações que mais me fizeram rir nos últimos tempos ) e na concepção visual original, que transita entre o cartunesco e um futurismo meio abstrato.
Halloween: A Noite do Terror
3.7 1,2K Assista AgoraMichael Myers é, hoje, um dos personagens mais importantes do cinema de terror - e, dos mascarados, o mais enigmático e assustador. Seus movimentos são lentos e restritos, mas certeiros; suas aparições são sorrateiras; sua resistência faz com que, apesar dos ataques, ele sempre retorne.
E o início do pesadelo é bem diferente da sequência sanguinária de mortes que se observa nos filmes de psicopatas contemporâneos: aqui, as mortes são precedidas por um lento desenvolvimento da atmosfera. O terror, antes de tudo, se constrói na dimensão da protagonista, por meio do terror de estar sendo constantemente observada por uma figura estrategicamente posicionada nos cenários, sensação reforçada por aparecimentos e desaparecimentos do mascarado cada vez mais próximo e pela câmera ativa de Carpenter, que desliza pelos cenários, às vezes pegando partes do corpo de Myers junto de seu ponto de vista, às vezes perdendo-o por aí.
O desfecho traz consigo os momentos menos críveis do filme, quando a personagem empreende uma sequência de ações ingênuas nada inteligentes e realistas - o que só consigo enxergar como escorregões do roteiro para prolongar o clímax. Ainda assim, o filme transpira habilidade na construção do suspense e na construção de um personagem tão central no gênero.
A Crônica Francesa
3.5 287 Assista AgoraUma das obras mais sofisticadas de Anderson é, talvez, também a mais difícil de se conectar. Ao mesmo tempo que os cenários belíssimos, os enquadramentos inventivos e as situações inusitadas pedem tempo para serem apreciados, a narração em tom jornalístico - um texto robusto, aliás, escrito com propriedade e inteligência - não interrompe em nenhum momento a chuva de informações e referências. Além disso, o filme traz consigo uma junção de linguagens que reforçam a sensação de um mergulho em documentos e obras de época: jornal, biografia, manifesto, teatro, quadrinhos... É uma narrativa, portanto, que inscreve, nessa dimensão sofisticada e inteligentemente projetada, histórias de amor, paixão, arte e revolução.
Super-Heróis: A Liga da Injustiça
1.9 782AMIGOS PARA SEMPRE
A MENOS QUE UM MONSTRO OTÁRIO DESTRUA TUDOOOO
Os Parças
2.1 179Um delírio - no pior sentido da palavra. Mesmo com um roteiro fraco e pouco original, a possibilidade de se produzir um filme pelo menos envolvente existe, mas aqui tudo é falho para além das dimensões usuais: o filme todo é bagunçado, os acontecimentos são soltos, desconexos, quase nenhuma ponta aberta pelo roteiro se fecha, a edição é de um mau gosto tremendo - algumas cenas me deixaram consideravelmente agoniado - e as piadas são ruins. Pelo menos tudo ocorre muito rápido. É como uma bad trip.
A Mula
3.6 355 Assista AgoraDentro de uma narrativa bastante convencional, que articula a entrada abrupta de um indivíduo inesperado no mundo do crime e a busca pela compensação da ausência paternal, Clint Eastwood brilha em um papel muito bem composto: Earl Stone é um personagem governado por dores, solidão e culpa, e a forma de externalização desses sentimentos nunca cai no sentimentalismo barato ou no dramalhão. O foco, por outro lado, recai na forma tranquila e devagar com que o protagonista leva sua vida, cantando na estrada e fazendo as coisas no seu ritmo, sem medos ou lágrimas. Para além do carisma do personagem, o desfecho do filme é realista e bonito. Não há redenção fácil aqui, e o personagem demonstra saber disso desde a primeira cena.
Princesa Mononoke
4.4 944 Assista AgoraMenos profundo ou original do que eu esperava, Princesa Mononoke recupera a já antiga tensão conflituosa entre ser humano e natureza, causada principalmente pela sede de domínio que movimenta o progresso e a industrialização. Aqui, porém, o protagonista é externo a essa dualidade e surge fundando a possibilidade de conciliação e a harmonia da convivência entre os dois lados.
O grande diferencial da anomação se encontra no nível dos personagens: de um lado, somos apresentados uma mitologia de criaturas indiscutivelmente interessantes, como é típico do Studio Ghibli - destaco a concepção sombria dos macacos e a poesia metaforizada na existência e nas diversas faces de Shishigami, o deus da floresta; do outro lado, os personagens estão sempre liderados por personagens femininas muito bem escritas, como a vilã do filme, Lady Eboshi, e a própria Princesa Mononoke. As duas personagens servem como linha de frente para o combate tematizado pelo filme e espelham interesses distintos.
Nesse âmbito, a animação equilibra cenas visualmente bonitas, principalmente quando as vastas paisagens naturais são representadas quase em forma de pintura, e cenas não econômicas de violência, que não poupam partes do corpo sendo decepadas. Pena que a longa duração não contribui para um filme de ritmo totalmente regular.
O Bandido da Luz Vermelha
3.9 268 Assista AgoraCerta dose de boa vontade e concentração são requeridas para esse filme que, justamente por causa de seu maior trunfo - a estrutura anárquica e a edição fora do previsível -, se torna pouco fácil de se acompanhar. Desde o início, somos conduzidos por uma narração jornalística que parece aplicar uma unidade à desordem de acontecimentos e imagens sobrepostas, que surgem como manchetes de jornais jogadas uma a uma diante de nos nossos olhos. E o texto da narração é, em si, fantástico - forte, atmosférico, proferido em tom por vezes catastrófico e crítico. Apesar do bandido do título, não é somente o personagem que entra no raio X analítico de Sganzerla: o personagem está inserido dentro de uma sociedade de funcionamento problemático que ainda reflete muito da dinâmica de nossa sociedade. Destaque para J. B. da Silva, uma figura política que têm muito para dizer sobre líderes contemporâneos.