Mesmo quando a sinopse indica uma direção mais sóbria, sugerindo uma narrativa que poderia ser bem tradicional, Almodóvar consegue articulá-la, sem abrir mão de sua sensibilidade, com o estranho, o insólito. Aqui, como em outros de seus filmes, a obsessão está presente, interligando personagens por relações desconfortáveis, excessivas, às vezes mórbidas. O humor inesperado e a originalidade na constituição dos personagens seguem sendo diferenciais e, certos ou não, repulsivos ou não, nenhuma figura escapa à nossa curiosidade. O desfecho foi talvez o que me soou menos comovente, mas nem por isso menos adequado.
Minha primeira experiência com Garrel não podia ter sido mais marcante em questão de traços característicos: o preto-e-branco fecha os personagens em situações frias, distantes, nas quais a insatisfação com o amor prevalece, levando a questionamentos e diálogos sobre sua própria natureza e suas relações com a liberdade. É, assim, um filme de diálogos e silêncios. Dentro desse âmbito, personagens se interligam por meio de identificações mútuas, segredos e desconfianças, em um dança entre pares que, desconfortavelmente ou não, sempre deixa alguém de fora.
Nascido clássico, a obra central de Paulo Gustavo conquista pela simplicidade, pelo formato charmosamente teatral - o monólogo que antes Dona Hermínia tecia nos palcos ganha vida aqui, por meio de esquetes nas quais a voz predominante segue sendo a sua - e o humor exagerado, típico da bomba-relógio que é a personagem: uma fonte inesgotável de desaforos articulam as "falas típicas" de mãe com piadas politicamente incorretas direcionadas a todos os coadjuvantes.
A tecnologia é desconfortável. Isso pode ser afirmado tanto no sentido físico, quando os espaços se descaracterizam a ponto de uma casa não se parecer em nada com um lar, quanto no sentido do estranhamento do ser humano com a máquina. Isso está bem representado no filme, aliando uma crítica social finamente tecida a momentos divertidos. O foco, entretanto, não se sustenta só nesse âmbito: por diversas vezes, motes paralelos são traçados e, não tão engraçados, acabam ocupando a maior parte do filme. Por fim, resulta-se um filme estranho, irregular, mas com momentos de valor.
Criatividade e autoria preenchem essa narrativa estilosa e expressiva. Desde o início, fica claro que o filme toma um rumo próprio, no qual o clima nonsense, manifesto tanto no humor quanto na dramaticidade, dá as cartas, conectando uma sucessão de absurdos que condizem com a personalidade da personagem original - exagero e excesso sempre foram suas maiores características. Embora o enredo não fuja de clichês, apropria-se deles com vigor, enquanto permite que um desfile visual, composto por figurinos exorbitantes e câmeras que exploram bem os espaços decorados, tome conta da tela. A trilha sonora também é de muito bom gosto, reforçando a nova identidade da vilã. Por fim, as Emmas parecem estar se divertindo em seus papéis, o que é muito gostoso de se acompanhar.
É um filme de diálogos - são eles, cheios de nuances, confrontos, mentiras e insinuações, que fazem o ir e vir dos personagens algo tão intrigante, e assim as palavras precedem as ações daquelas figuras, desnudando-as para o público antes mesmo que elas façam o que pretendem. Diante disso, o que se segue é basicamente um jogo: um quebra-cabeça entre variados personagens, movidos por diferentes paixões, do qual alguém inevitavelmente sai ferido. Os figurinos e os cenários grandiosos emolduram, portanto, a decadência de uma sociedade cujos podres se ocultam por trás de um decoro relativamente teatral. A força se resume às interpretações e à velocidade da reação, mas Glenn Close se sobressai, roubando para si cada segundo.
Inequivocamente novelesco, com direto a muito escândalo e confronto de mulheres, o suspense de Adrian Lyne é o portal para a era das icônicas vilãs de Glenn Close, o que sempre lhe caiu muito bem. Sua personagem, um estereótipo da femme fatale selvagem, fogosa e invejosa, ruminando as coisas mais severas em um prédio degradado no centro da cidade, encontra o tom certo na atriz. Oposto a tudo isso, a esposa jovial e higienizada de Dan, sempre metida em roupas claras e em impecável discrição, ancora o personagem no mundo da segurança, do conforto e da falta de aventuras. O desenrolar sexy e tenebroso é o que se espera de uma narrativa desse porte, o que resulta, de certa forma, em saldo positivo.
É um filme que, realmente, não traz nada de novo, mas sugere uma experiência que dificilmente se ignora. Já se tornou clássica a imagem de Ryan Gosling dirigindo à noite, banhado por luzes neon, enquanto uma trilha sonora eletrônica inspira uma atmosfera futurista. É um filme ágil e com poucas palavras - a comunicação minimalista entre o casal principal é certamente uma das mais interessantes dos últimos tempos -, com desenvolvimento inteligente, mas que em algum momento acaba desaguando na violência genérica de grande parte do gênero.
Repugnante e nojento, a obra de Fatih Akin não passa batido pelos espectadores: é aclamada ou repudiada. O diretor lança mão de diversos artifícios para construir a figura monstruosa do protagonista e seu mundo fétido, como cenas explícitas de violência, cenários mórbidos e muita sujeira visual e moral. A escolha do título não poderia ser mais acertada: constantemente, o diretor desloca o foco da mente conturbada do personagem para o time de coadjuvantes que compõem a paisagem do bar Luva Dourada, indivíduos insólitos e decadentes, moralmente questionáveis, que vagueiam por Saint Pauli como almas já sem vida, alguns com histórias, outros somente envoltos pelo mistério. A tensão vem e volta, principalmente, quando esse universo sujo e degradante contrasta com o aspecto limpo e higienizados dos adolescentes, que, como fantasmas, fundam um universo inalcançável para pessoas tão à margem.
Não é um filme que apresenta as reviravoltas e o humor negro típicos dos filmes dos Coen - é, ao contrário, um faroeste bem tradicional, equilibrado até, que poderia ter sido dirigido por vários outros bons diretores. Inclusive o mote da vingança, que marca grande parte das produções de faroeste, está presente aqui de forma menos alardeada. O que mais chama a atenção são o clima de tensão em algumas sequências, as ótimas atuações e a relação dúbia que se tece e se modifica constantemente entre os personagens.
Este violento conto dos Coen é um filme que reúne suas melhores características: uma sucessão de desastres que ligam personagens bem diferentes entre si, alguns dominados pela falta de piedade, outros somente esquisitos em sua ingenuidade. As reviravoltas da narrativa equilibram o suspense e o bom humor, e nessa dualidade, não deixa o interesse do espectador se dissipar, mesmo no desfecho talvez tradicional demais. Frances McDormand está ótima. Nada exuberante, mas simbólica à sua maneira.
Como Orfeu, Marianne aporta em terreno desconhecido, arriscado, pronto para ser explorado, e lá testemunha muito do que, aos olhos da sociedade da época, se constituiria como um tipo de inferno: homossexualidade, sexo, misticismo, aborto, confidência entre mulheres sem uma presença masculina por perto... Tudo isso se desenrola de forma orgânica, delicada, e une as personagens tão naturalmente que é impossível não se ver envolvido.
O que resulta disso é um drama poderoso, bonito em forma e conteúdo, desde os diálogos instigantes até os olhares sempre expressivos entre as personagens, que parecem sempre gritar enquanto estão caladas junto a seus sentimentos - sem nunca deixar de demonstrar com o corpo, com as mãos, com a respiração, com os lábios, o que realmente sentem.
O apelo visual não acaba aí: os figurinos, os cenários, a escolha das cores, as luzes, o fogo no vestido, tudo constitui uma aquarela de formas, imagens e símbolos que visam penetrar na memória, como quadros que pedem para não serem esquecidos pelos visitantes que deixam o museu.
A cena final é uma das mais fortes que já vi, imersa em um lamaçal de sentimentos que se arrastam pelo tempo, adormecidos, e se ativam pelo gatilho da arte, da memória, do passado.
É de fato um pouco bagunçado, como uma sucessão de esquetes que nem sempre parecem inseridas no momento certo. Mas acompanhar Dona Hermínia em situações tão cotidianas é sempre um prazer. Sinto que o arco de São Paulo, com a inserção divertidíssima de Dona Hermínia na metrópole paulistana e em cenários tão juvenis para ela, foi o primeiro grande destaque do filme, sucedido pelas ótimas sequências envolvendo as três irmãs (Herminia, Iesa e Lucia Helena), resistindo juntas e com bom humor ao envelhecimento e à solidão. Se esses dois motes tivessem sido melhor explorados e dado o tom inteiro do filme, teria sido ainda mais gostoso de assistir, mais orgânico.
A moldura literária confere aos contos, já de início, um aspecto meio épico, talvez mítico, que funciona bem no decorrer de grande parte das histórias. Engraçadas, violentas ou melancólicas, o que parece uni-las é justamente essa atmosfera de história sendo contada, como sentimos quando lemos um conto. E em todas elas o visual é estonteante, com grande exploração do espaço e da iluminação. Por outro lado, enquanto as narrativas se desenrolam de forma instigante e inteligente, o final é sempre linear demais, como um balde de água fria diante do que estava sendo tão melhor construído. Falta algo. Não creio que tenha ficado claro o objetivo dos Coen com isso.
Sabe aquele filme que não precisa mostrar explicitamente um assassinato para representar a dimensão do desespero e da barbárie? Tudo está na feição dos personagens, na falta de controle das autoridade, na correria incansável de Aida contra o tempo e a morte. Tudo aqui flui natural, duro e opressivo, corremos junto com a personagem e parecemos sempre voltar ao ponto de partida.
Mundruczó não economiza no realismo para explorar o ambiente vulnerável e angustiante que cerca Martha, seja demorando-se em um parto sofrido, que certamente exigiu muito de Vanessa Kirby para que a cena não caísse no aborrecimento, seja posteriormente explorando o silêncio e as explosões da personagem sem dar explicações sobre seu estado interno. O que inquieta o espectador é a imprevisibilidade da personagem, que age fora de um roteiro pré-visualizável dentro de uma narrativa em que não acontece muita coisa. Mais para perto do desfecho, as coisas começam a esquentar: a interessantíssima cena na casa da mãe, filmada em plano-sequência e recheada de diálogos afiados, é uma dança desconfortável e cautelosa em torno de uma mulher em pedaços, e certamente meu momento favorito da obra.
Não diz muito nem discute nada para além do que estamos vendo na tela: uma família lutando pela sua prosperidade, distantes do sonho americano, jogados à própria sorte e a certo misticismo cultivado pelos personagens. É, contudo, bastante charmoso e equilibrado entre o divertido e o dramático, principalmente após a aparição da ótima Youn Yuh-jung, a alma do filme. Os instantes finais, apesar dos contrassensos narrativos, são bonitos de se ver.
Há um grande problema social sustentando as motivações do enredo, mas o filme nunca consegue alcançá-las, preferindo ficar mesmo no âmbito familiar, nas relações controversas sobre as quais se pautam a ideia de família. Escandalosa, suja e melodramática, a obra possui, claro, interessantes momentos de gritaria e caos, concentrando os bons momentos sempre nas figuras de Amy Adams e Glenn Close. Foi um filme feito para elas.
O primor técnico de David Fincher convida o espectador a um mergulho em camadas sombrias dos bastidores cinematográficos da época, com figurinos deslumbrantes e jogos de luz e sombra que nada devem aos clássicos filmes noir. Além disso, a ótima interpretação de Gary Oldman coroa alguns dos melhores momentos, como seu monólogo na cena de jantar - um dos claros exemplos da criatividade que vez ou outra irradia do roteiro. Mas, infelizmente, a longa duração, abarrotada de referências fílmicas, políticas e ao próprio Cidadão Kane, torna o filme cansativo.
Poderia ser só uma biografia, perdida dentre tantas outras, reais ou fictícias, não fosse pela linguagem original, já exaustamente comentada, que confere ao roteiro a forma de um quebra-cabeça em busca de uma única peça. A misteriosa palavra Rosebud, hoje um símbolo no imaginário popular, de fato consegue explicar toda a complexidade de Charles Foster Kane, cuja construção psicológica movimenta o filme, afeta os personagens e reflete nossa sociedade. E Kane não seria, talvez, tão marcante, se não houvesse a grande performance de Orson Welles, figura alta, rígida e magnética, tão interessante quanto o personagem.
A passagem do mudo sonoro para a dimensão do silêncio, experimentada de forma súbita e agonizante pelo protagonista, tem consequências exuberantes: no enredo, uma charmosa história de adaptação e recomeço; mas o que mais chama a atenção, no nível da forma, é o glorioso aspecto de mixagem de som, que condena os sons a ecos de um mundo distante, que parece constantemente fugir do protagonista. Melhor do que isso, só nos minutos finais, quando, já acostumados ao estado contemplativo e acolhedor do silêncio, somos novamente arremessados ao caos e ao desconforto do barulho, em uma nova empreitada técnica que confere ao espectador todo o desconforto e a falta de espaço do protagonista em nosso mundo desordenado e desarmônico. Grande exemplo de como transpor para todos os níveis, de forma imersiva, a disposição interna de um personagem.
Mais do que acompanhar o desenrolar linear da narrativa e seu desfecho, o que perdura após sua exibição é a discussão onipresente sobre o álcool como entretenimento e escapismo. E, de fato, a abordagem é original: não é um filme que exalta nem condena as experiências alcoólicas, mas sublinha a necessidade imprescindível do controle sobre as próprias escolhas. Os destinos, afinal, não se justificam unicamente pelo efeito do componente alcoólico, mas também pelo fator humano. Mads Mikkelsen está fabuloso e protagoniza algumas das cenas mais divertidas e revigorantes do ano. Destaco também a vasta bagagem de referências filosóficas e artísticas sobre a relação do ser humano com a bebida, que enriquecem e dão propriedade ao texto.
Bem filmado e interpretado, a narrativa conduzida por Shaka King nos presenteia com um bom mergulho dentro das problemáticas relações de poder e violência envolvendo a polícia e a população negra dos Estados Unidos, além de trazer à superfície uma reflexão sobre o papel e a dimensão do ato revolucionário na sociedade contemporânea. Infelizmente, tem problemas de ritmo, o que torna sua exibição mais longa do que deveria ser. Os grandes destaques ficam para Daniela Kaluuya, que incorpora autoridade e acolhimento, e Lakeith Stanfield, que imprime em sue olhar toda a dor de estar cercado por forças conflitantes.
A abordagem para o tema é muito original: a estrutura labiríntica, típica de filmes de suspense, dá ao filme a forma do personagem. Tudo contribui para que nos sintamos como ele: cenas que se repetem, atores trocados, flashbacks em forma de tempo presente, saltos temporais etc. - o que não significa que as escolhas narrativas sejam aleatórias, pelo contrário, todos os elementos que surgem vão tecendo a realidade em doses homeopáticas. No meio de tudo isso, temos uma Olívia Colman que nunca sai do estado de alerta, se desdobrando para equilibrar a harmonia da casa, enquanto Anthony Hopkins dá um show de realismo.
Fale com Ela
4.2 1,0K Assista AgoraMesmo quando a sinopse indica uma direção mais sóbria, sugerindo uma narrativa que poderia ser bem tradicional, Almodóvar consegue articulá-la, sem abrir mão de sua sensibilidade, com o estranho, o insólito. Aqui, como em outros de seus filmes, a obsessão está presente, interligando personagens por relações desconfortáveis, excessivas, às vezes mórbidas. O humor inesperado e a originalidade na constituição dos personagens seguem sendo diferenciais e, certos ou não, repulsivos ou não, nenhuma figura escapa à nossa curiosidade. O desfecho foi talvez o que me soou menos comovente, mas nem por isso menos adequado.
Amante Por Um Dia
3.4 20Minha primeira experiência com Garrel não podia ter sido mais marcante em questão de traços característicos: o preto-e-branco fecha os personagens em situações frias, distantes, nas quais a insatisfação com o amor prevalece, levando a questionamentos e diálogos sobre sua própria natureza e suas relações com a liberdade. É, assim, um filme de diálogos e silêncios. Dentro desse âmbito, personagens se interligam por meio de identificações mútuas, segredos e desconfianças, em um dança entre pares que, desconfortavelmente ou não, sempre deixa alguém de fora.
Minha Mãe é Uma Peça: O Filme
3.7 2,6K Assista AgoraNascido clássico, a obra central de Paulo Gustavo conquista pela simplicidade, pelo formato charmosamente teatral - o monólogo que antes Dona Hermínia tecia nos palcos ganha vida aqui, por meio de esquetes nas quais a voz predominante segue sendo a sua - e o humor exagerado, típico da bomba-relógio que é a personagem: uma fonte inesgotável de desaforos articulam as "falas típicas" de mãe com piadas politicamente incorretas direcionadas a todos os coadjuvantes.
Meu Tio
4.1 115A tecnologia é desconfortável. Isso pode ser afirmado tanto no sentido físico, quando os espaços se descaracterizam a ponto de uma casa não se parecer em nada com um lar, quanto no sentido do estranhamento do ser humano com a máquina. Isso está bem representado no filme, aliando uma crítica social finamente tecida a momentos divertidos. O foco, entretanto, não se sustenta só nesse âmbito: por diversas vezes, motes paralelos são traçados e, não tão engraçados, acabam ocupando a maior parte do filme. Por fim, resulta-se um filme estranho, irregular, mas com momentos de valor.
Cruella
4.0 1,4K Assista AgoraCriatividade e autoria preenchem essa narrativa estilosa e expressiva. Desde o início, fica claro que o filme toma um rumo próprio, no qual o clima nonsense, manifesto tanto no humor quanto na dramaticidade, dá as cartas, conectando uma sucessão de absurdos que condizem com a personalidade da personagem original - exagero e excesso sempre foram suas maiores características. Embora o enredo não fuja de clichês, apropria-se deles com vigor, enquanto permite que um desfile visual, composto por figurinos exorbitantes e câmeras que exploram bem os espaços decorados, tome conta da tela. A trilha sonora também é de muito bom gosto, reforçando a nova identidade da vilã. Por fim, as Emmas parecem estar se divertindo em seus papéis, o que é muito gostoso de se acompanhar.
Ligações Perigosas
4.0 342É um filme de diálogos - são eles, cheios de nuances, confrontos, mentiras e insinuações, que fazem o ir e vir dos personagens algo tão intrigante, e assim as palavras precedem as ações daquelas figuras, desnudando-as para o público antes mesmo que elas façam o que pretendem. Diante disso, o que se segue é basicamente um jogo: um quebra-cabeça entre variados personagens, movidos por diferentes paixões, do qual alguém inevitavelmente sai ferido. Os figurinos e os cenários grandiosos emolduram, portanto, a decadência de uma sociedade cujos podres se ocultam por trás de um decoro relativamente teatral. A força se resume às interpretações e à velocidade da reação, mas Glenn Close se sobressai, roubando para si cada segundo.
Atração Fatal
3.6 444 Assista AgoraInequivocamente novelesco, com direto a muito escândalo e confronto de mulheres, o suspense de Adrian Lyne é o portal para a era das icônicas vilãs de Glenn Close, o que sempre lhe caiu muito bem. Sua personagem, um estereótipo da femme fatale selvagem, fogosa e invejosa, ruminando as coisas mais severas em um prédio degradado no centro da cidade, encontra o tom certo na atriz. Oposto a tudo isso, a esposa jovial e higienizada de Dan, sempre metida em roupas claras e em impecável discrição, ancora o personagem no mundo da segurança, do conforto e da falta de aventuras. O desenrolar sexy e tenebroso é o que se espera de uma narrativa desse porte, o que resulta, de certa forma, em saldo positivo.
Drive
3.9 3,5K Assista AgoraÉ um filme que, realmente, não traz nada de novo, mas sugere uma experiência que dificilmente se ignora. Já se tornou clássica a imagem de Ryan Gosling dirigindo à noite, banhado por luzes neon, enquanto uma trilha sonora eletrônica inspira uma atmosfera futurista. É um filme ágil e com poucas palavras - a comunicação minimalista entre o casal principal é certamente uma das mais interessantes dos últimos tempos -, com desenvolvimento inteligente, mas que em algum momento acaba desaguando na violência genérica de grande parte do gênero.
O Bar Luva Dourada
3.6 341Repugnante e nojento, a obra de Fatih Akin não passa batido pelos espectadores: é aclamada ou repudiada. O diretor lança mão de diversos artifícios para construir a figura monstruosa do protagonista e seu mundo fétido, como cenas explícitas de violência, cenários mórbidos e muita sujeira visual e moral. A escolha do título não poderia ser mais acertada: constantemente, o diretor desloca o foco da mente conturbada do personagem para o time de coadjuvantes que compõem a paisagem do bar Luva Dourada, indivíduos insólitos e decadentes, moralmente questionáveis, que vagueiam por Saint Pauli como almas já sem vida, alguns com histórias, outros somente envoltos pelo mistério. A tensão vem e volta, principalmente, quando esse universo sujo e degradante contrasta com o aspecto limpo e higienizados dos adolescentes, que, como fantasmas, fundam um universo inalcançável para pessoas tão à margem.
Bravura Indômita
3.9 1,4K Assista AgoraNão é um filme que apresenta as reviravoltas e o humor negro típicos dos filmes dos Coen - é, ao contrário, um faroeste bem tradicional, equilibrado até, que poderia ter sido dirigido por vários outros bons diretores. Inclusive o mote da vingança, que marca grande parte das produções de faroeste, está presente aqui de forma menos alardeada. O que mais chama a atenção são o clima de tensão em algumas sequências, as ótimas atuações e a relação dúbia que se tece e se modifica constantemente entre os personagens.
Fargo: Uma Comédia de Erros
3.9 921 Assista AgoraEste violento conto dos Coen é um filme que reúne suas melhores características: uma sucessão de desastres que ligam personagens bem diferentes entre si, alguns dominados pela falta de piedade, outros somente esquisitos em sua ingenuidade. As reviravoltas da narrativa equilibram o suspense e o bom humor, e nessa dualidade, não deixa o interesse do espectador se dissipar, mesmo no desfecho talvez tradicional demais. Frances McDormand está ótima. Nada exuberante, mas simbólica à sua maneira.
Retrato de uma Jovem em Chamas
4.4 902 Assista AgoraComo Orfeu, Marianne aporta em terreno desconhecido, arriscado, pronto para ser explorado, e lá testemunha muito do que, aos olhos da sociedade da época, se constituiria como um tipo de inferno: homossexualidade, sexo, misticismo, aborto, confidência entre mulheres sem uma presença masculina por perto... Tudo isso se desenrola de forma orgânica, delicada, e une as personagens tão naturalmente que é impossível não se ver envolvido.
O que resulta disso é um drama poderoso, bonito em forma e conteúdo, desde os diálogos instigantes até os olhares sempre expressivos entre as personagens, que parecem sempre gritar enquanto estão caladas junto a seus sentimentos - sem nunca deixar de demonstrar com o corpo, com as mãos, com a respiração, com os lábios, o que realmente sentem.
O apelo visual não acaba aí: os figurinos, os cenários, a escolha das cores, as luzes, o fogo no vestido, tudo constitui uma aquarela de formas, imagens e símbolos que visam penetrar na memória, como quadros que pedem para não serem esquecidos pelos visitantes que deixam o museu.
A cena final é uma das mais fortes que já vi, imersa em um lamaçal de sentimentos que se arrastam pelo tempo, adormecidos, e se ativam pelo gatilho da arte, da memória, do passado.
Minha Mãe é Uma Peça 2
3.5 807É de fato um pouco bagunçado, como uma sucessão de esquetes que nem sempre parecem inseridas no momento certo. Mas acompanhar Dona Hermínia em situações tão cotidianas é sempre um prazer. Sinto que o arco de São Paulo, com a inserção divertidíssima de Dona Hermínia na metrópole paulistana e em cenários tão juvenis para ela, foi o primeiro grande destaque do filme, sucedido pelas ótimas sequências envolvendo as três irmãs (Herminia, Iesa e Lucia Helena), resistindo juntas e com bom humor ao envelhecimento e à solidão. Se esses dois motes tivessem sido melhor explorados e dado o tom inteiro do filme, teria sido ainda mais gostoso de assistir, mais orgânico.
A Balada de Buster Scruggs
3.7 536 Assista AgoraA moldura literária confere aos contos, já de início, um aspecto meio épico, talvez mítico, que funciona bem no decorrer de grande parte das histórias. Engraçadas, violentas ou melancólicas, o que parece uni-las é justamente essa atmosfera de história sendo contada, como sentimos quando lemos um conto. E em todas elas o visual é estonteante, com grande exploração do espaço e da iluminação. Por outro lado, enquanto as narrativas se desenrolam de forma instigante e inteligente, o final é sempre linear demais, como um balde de água fria diante do que estava sendo tão melhor construído. Falta algo. Não creio que tenha ficado claro o objetivo dos Coen com isso.
Quo Vadis, Aida?
4.2 177 Assista AgoraSabe aquele filme que não precisa mostrar explicitamente um assassinato para representar a dimensão do desespero e da barbárie? Tudo está na feição dos personagens, na falta de controle das autoridade, na correria incansável de Aida contra o tempo e a morte. Tudo aqui flui natural, duro e opressivo, corremos junto com a personagem e parecemos sempre voltar ao ponto de partida.
Pedaços De Uma Mulher
3.8 544 Assista AgoraMundruczó não economiza no realismo para explorar o ambiente vulnerável e angustiante que cerca Martha, seja demorando-se em um parto sofrido, que certamente exigiu muito de Vanessa Kirby para que a cena não caísse no aborrecimento, seja posteriormente explorando o silêncio e as explosões da personagem sem dar explicações sobre seu estado interno. O que inquieta o espectador é a imprevisibilidade da personagem, que age fora de um roteiro pré-visualizável dentro de uma narrativa em que não acontece muita coisa. Mais para perto do desfecho, as coisas começam a esquentar: a interessantíssima cena na casa da mãe, filmada em plano-sequência e recheada de diálogos afiados, é uma dança desconfortável e cautelosa em torno de uma mulher em pedaços, e certamente meu momento favorito da obra.
Minari - Em Busca da Felicidade
3.9 553 Assista AgoraNão diz muito nem discute nada para além do que estamos vendo na tela: uma família lutando pela sua prosperidade, distantes do sonho americano, jogados à própria sorte e a certo misticismo cultivado pelos personagens. É, contudo, bastante charmoso e equilibrado entre o divertido e o dramático, principalmente após a aparição da ótima Youn Yuh-jung, a alma do filme. Os instantes finais, apesar dos contrassensos narrativos, são bonitos de se ver.
Era Uma Vez um Sonho
3.5 449 Assista AgoraHá um grande problema social sustentando as motivações do enredo, mas o filme nunca consegue alcançá-las, preferindo ficar mesmo no âmbito familiar, nas relações controversas sobre as quais se pautam a ideia de família. Escandalosa, suja e melodramática, a obra possui, claro, interessantes momentos de gritaria e caos, concentrando os bons momentos sempre nas figuras de Amy Adams e Glenn Close. Foi um filme feito para elas.
Mank
3.2 462 Assista AgoraO primor técnico de David Fincher convida o espectador a um mergulho em camadas sombrias dos bastidores cinematográficos da época, com figurinos deslumbrantes e jogos de luz e sombra que nada devem aos clássicos filmes noir. Além disso, a ótima interpretação de Gary Oldman coroa alguns dos melhores momentos, como seu monólogo na cena de jantar - um dos claros exemplos da criatividade que vez ou outra irradia do roteiro. Mas, infelizmente, a longa duração, abarrotada de referências fílmicas, políticas e ao próprio Cidadão Kane, torna o filme cansativo.
Cidadão Kane
4.3 992 Assista AgoraPoderia ser só uma biografia, perdida dentre tantas outras, reais ou fictícias, não fosse pela linguagem original, já exaustamente comentada, que confere ao roteiro a forma de um quebra-cabeça em busca de uma única peça. A misteriosa palavra Rosebud, hoje um símbolo no imaginário popular, de fato consegue explicar toda a complexidade de Charles Foster Kane, cuja construção psicológica movimenta o filme, afeta os personagens e reflete nossa sociedade. E Kane não seria, talvez, tão marcante, se não houvesse a grande performance de Orson Welles, figura alta, rígida e magnética, tão interessante quanto o personagem.
O Som do Silêncio
4.1 988 Assista AgoraA passagem do mudo sonoro para a dimensão do silêncio, experimentada de forma súbita e agonizante pelo protagonista, tem consequências exuberantes: no enredo, uma charmosa história de adaptação e recomeço; mas o que mais chama a atenção, no nível da forma, é o glorioso aspecto de mixagem de som, que condena os sons a ecos de um mundo distante, que parece constantemente fugir do protagonista. Melhor do que isso, só nos minutos finais, quando, já acostumados ao estado contemplativo e acolhedor do silêncio, somos novamente arremessados ao caos e ao desconforto do barulho, em uma nova empreitada técnica que confere ao espectador todo o desconforto e a falta de espaço do protagonista em nosso mundo desordenado e desarmônico. Grande exemplo de como transpor para todos os níveis, de forma imersiva, a disposição interna de um personagem.
Druk: Mais Uma Rodada
3.9 798 Assista AgoraMais do que acompanhar o desenrolar linear da narrativa e seu desfecho, o que perdura após sua exibição é a discussão onipresente sobre o álcool como entretenimento e escapismo. E, de fato, a abordagem é original: não é um filme que exalta nem condena as experiências alcoólicas, mas sublinha a necessidade imprescindível do controle sobre as próprias escolhas. Os destinos, afinal, não se justificam unicamente pelo efeito do componente alcoólico, mas também pelo fator humano. Mads Mikkelsen está fabuloso e protagoniza algumas das cenas mais divertidas e revigorantes do ano. Destaco também a vasta bagagem de referências filosóficas e artísticas sobre a relação do ser humano com a bebida, que enriquecem e dão propriedade ao texto.
Judas e o Messias Negro
4.1 516 Assista AgoraBem filmado e interpretado, a narrativa conduzida por Shaka King nos presenteia com um bom mergulho dentro das problemáticas relações de poder e violência envolvendo a polícia e a população negra dos Estados Unidos, além de trazer à superfície uma reflexão sobre o papel e a dimensão do ato revolucionário na sociedade contemporânea. Infelizmente, tem problemas de ritmo, o que torna sua exibição mais longa do que deveria ser. Os grandes destaques ficam para Daniela Kaluuya, que incorpora autoridade e acolhimento, e Lakeith Stanfield, que imprime em sue olhar toda a dor de estar cercado por forças conflitantes.
Meu Pai
4.4 1,2K Assista AgoraA abordagem para o tema é muito original: a estrutura labiríntica, típica de filmes de suspense, dá ao filme a forma do personagem. Tudo contribui para que nos sintamos como ele: cenas que se repetem, atores trocados, flashbacks em forma de tempo presente, saltos temporais etc. - o que não significa que as escolhas narrativas sejam aleatórias, pelo contrário, todos os elementos que surgem vão tecendo a realidade em doses homeopáticas. No meio de tudo isso, temos uma Olívia Colman que nunca sai do estado de alerta, se desdobrando para equilibrar a harmonia da casa, enquanto Anthony Hopkins dá um show de realismo.