É de fato uma obra que não esconde sua origem teatral: a economia de cenários e personagens, o excesso de diálogos e sua duração contribuem para que a narrativa seja quase composta por uma cena única, comprida, como um ato totalmente dedicado aos conflitos entre os personagens e à revelação de seus sonhos e traumas. O grande destaque, entretanto, fica mesmo para as atuações: Viola Davis constrói uma personagem forte, de armadura resistente, enquanto Chadwick Boseman ganha o filme com uma flexibilidade que acompanha as nuances psicológicas de seu personagem. Seus momentos em cena são grandes!
As decisões narrativas de Emerald Fennell conduzem o filme a direções criativas, sendo impossível ter certeza do que realmente ocorrerá na próxima cena. Com isso, traça-se uma vingança que, em vez de seguir o sangue e a violência comuns nesse tipo de filme, poupa-o de conclusões genéricas e opta pelo desmascaramento do cidadão de bem, incorrendo ainda no espelhamento e no reconhecimento tardio do machismo velado pelos próprios personagens e, certamente, por muitos espectadores. Além disso, a mão expressiva de Fennell enquanto diretora emoldura essa narrativa com uma montagem moderninha e ritmo constante, intercalando agilmente momentos de tensão e humor ácido, expresso principalmente por meio dos diálogos afiados.
O excesso de ingenuidade e a simplicidade do roteiro abrem espaço para um filme de formato bem tradicional: adolescentes no meio de conflitos adolescentes e trocando diálogos adolescentes, sem grandes reflexões, tampouco se aprofundando em problemáticas sociais. E justamente no cerne dessa inocência, que às vezes pincela formas de sexualidade, a narrativa funda um universo próprio: jovem, inocente, seguro, alternativo e gostoso de se acompanhar. Cenas como as de Guilherme Lobo e Fabio Audi andando de bicicleta de madrugada, ao som de Cícero, pelas ruas vazias dos Jardins são bons exercícios cinematográficos de expressar possibilidades cotidianas de forma doce, pelo simples prazer de fabular.
A degradação social, moral, física e psicológica das famílias escravocratas após a abolição é retomada para discutir as relações entre passado e presente. Entretanto, o discurso não fica explícito, sendo priorizada a experiência cinematográfica. Assim, a loucura e a desintegração das personagens, agarradas de forma ressentida a um tempo em dissolução, é contada por meio de uma narrativa lenta, atmosférica e mórbida. Essa abordagem foge do tom comumente didáticos ou melodramáticos dado a esse tema, típico das telenovelas e filmes de época mais tradicionais. Aqui, a problemática social se reveste de drama sombrio, que flerta com o suspense psicológico e o metafísico sem nunca realmente render-se a essas abordagens. O texto é forte e vem acompanhado de performances ágeis, revelando atrizes promissoras e em sintonia.
O roteiro em si não traz nada de novo, pelo contrário, lança mão de uma série de acontecimentos e artifícios que podem ser facilmente reconhecidos, sendo possível prever tudo que vai acontecer em seguida. O que agrada é, como de costume em animações da Pixar, a abordagem: há um visível frescor de criatividade na condução das situações, na construção dos personagens (todos interessantíssimos, por sinal) e na forma como as relações entre eles vão se tecendo. Como consequência, temos uma sucessão de acontecimentos muito engraçados e bonitos. O final é de partir o coração, mas não poderia ser outro.
O retorno de personagens tão queridos não poderia ter sido mais desastrado. O filme é uma bagunça, mal escrito, mal dirigido e mal interpretado. Os atores viraram caricaturas de seus personagens do passado, deslocados em um roteiro sem sentido e munidos de piadas que não funcionam (Magda, por exemplo, se tornou uma personagem constrangedora de se acompanhar). Além disso, o humor é de muito mal gosto, antiquado em relação aos tempos atuais e, surpreendentemente, incompatível até mesmo com o humor da série original (a cena de Tom Cavalcante no banheiro é possível de se imaginar em outras sitcoms, mas não em Sai de Baixo, que passava longe da comédia escatológica). Os melhores momentos seguem centrados no discurso de Caco Antibes, que é, aliás, o único que parece ainda fazer sentido ali. Tem momentos divertidos, mas são raros.
A arte e a loucura são levados a um extremo de beleza e horror nessa obra peculiar de Jodorowsky. Essa dupla face do sublime com o repulsivo, aliás, preenche todo o filme, seja pelo flerte entre personagens belamente caracterizados e com características constantemente disfuncionais, ou quando a poesia se eleva como resultado da dramaticidade e do grotesco. Em nível narrativo, portanto, essa dupla face é alcançada pela articulação entre uma história de loucura, morte e dependência com o mundo do entretenimento, do circo, da música, da mágica. Mas o grande trunfo de Jodorowsky é mesmo a questão estética: as imagens são de muito bom gosto, e a trilha sonora é excelente. A junção de ambos fornece muitos momentos de encantamento perante o terrível: o que são as mãos de Fenix a serviço da mãe, seja nas cenas de assassinato ou ao piano?
Ao contrário do triunfo de Menzel em "Trens Estreitamente Vigiados", no qual a carga dramática e histórica se materializava em silêncios e ao redor de uma poesia visual que se desencadeava lentamente, aqui a opressão do regime encontra sua crítica principalmente no falatório, nos discursos explícitos para além da medida, o que cansa já nos primeiros minutos. Os momentos mais belos, por outro lado, são aqueles que expõem, em meio a tanta rigidez e autoritarismo, a fascinação pelo ser humano e a beleza do toque - a cena das mulheres prisioneiras e dos homens trabalhando juntos é sensacional. No fim, fica a sensação de um filme interessante, com uma mensagem forte, mas que não teve todo seu potencial aproveitado.
A economia de cenários e situações dá ao filme uma estrutura teatral, sob o qual uma longa cena se desenrola aos olhos do público sem que os atores se recolham às coxias. Por outro lado, a força que age sobre eles está o tempo todo oculta, mas onipresente, na forma de dispositivos de controle eletrônicos ou simbólicos que tornam o ar cada vez mais claustrofóbico. A mesma claustrofobia se faz presente nos flashbacks, quando somos arremessados para dentro da festa e, pelos olhos do protagonista, cruzamos com olhares desconfiados e sussurros comprometedores para onde quer que a câmera se dirija. Não há sossego na dimensão social e tampouco no âmbito psicológico dos personagens, que, desnudados por seus medos, assumem comportamentos intrigantes, controversos e, de certa forma, espelham o sistema que os molda. O desfecho é a coroação dessa relação entre sistema e indivíduo.
Sem grandes acontecimentos e conflitos, Chloé Zhao propõe uma experiência de confinar o espectador junto à solidão/liberdade de Fern, ambientando-nos em uma dança de encontros e partidas que, assim como a vida, ocorrem ao acaso. E é em nome dessa casualidade que a cineasta se concentra no dia a dia da protagonista, na trivialidade das ações nas esferas privada e profissional, além de nos trazer paisagens belamente enquadradas, vastas o suficiente para caber tanta solidão. Tudo fica ainda mais interessante de se acompanhar pela naturalidade de Frances McDormand, que, em uma atuação magnífica, vagueia pelas estradas e empregos com um misto de tristeza, introspecção e vontade de conhecer. É um filme minimalista, silencioso e reflexivo - as relações de trabalho e a morte servem como molduras-irmãs para pensar a perda e a possibilidade de uma nova existência.
Uma história certamente dolorida, mas cuja execução resultou aquém de seu potencial. A relação entre os dois personagens não cativa tanto quanto deveria e entrega poucos bons momentos, resguardando-os mais para o fim da narrativa. Vale muito mais a pena pelo prazer de ver Sophia Loren em cena e pelo interessante processo de amadurecimento do personagem principal.
Este é um exemplo de um filme de tribunal realmente interessante, pois lida com uma matéria visivelmente densa, mas de forma dinâmica, menos engessada do que poderia ser. Aaron Sorkin consegue achar o equilíbrio entre a rapidez, os diálogos afiados e o melodrama, para transmitir aos espectadores um sentimento ininterrupto de injustiça e impotência. Claro que, para isso, o filme demarca bem sua posição, vilanizando pessoas e delatando instituições sem sutileza alguma, o que não se torna uma desvantagem, pois é feito com coragem. Além disso, o elenco é espetacular. Ver Sacha Baron Cohen em cena é um deleite.
Tem seus equívocos, mas não deixar de ser narrativamente interessante: à frente da destruição desenfreada, há o desespero reiterado diante da perda e da morte, que entrega cenas mais melancólicas e sensíveis. Já a grandiosidade dos monstros, em cenas de batalha muito bem concebidas, descarta o heroísmo artificial dos humanos e sublinha a incapacidade das instituições diante de um conflito dessa magnitude. Por outro lado, alguns ótimos atores são subaproveitados (Sally Hawkins, Juliette Binoche) e as cenas noturnas são escuras demais, causando uma dificuldade real de assimilação dos acontecimentos.
A escolha de Woody Allen pela Rússia tem algumas consequências: a presença de um dos momentos de humor mais exagerado, insólito e visual de sua carreira, além de "personagens de vilarejo" bastante excêntricos, o que, talvez não coincidentemente, eram marcas das comédias dramáticas dos países vizinhos para retratar os traumas da guerra; relações pessoais, atos heroicos e pensamentos profundos sobre amor e morte, típicos calhamaços russos, aqui satirizados com muita classe; e uma estética visual de muito bom gosto. Para coroar, temos Allen e Diane Keaton completamente sincronizados e um falatório filosófico habilmente caricato ("To love is to suffer" é uma das minhas citações favoritas do cinema).
As quatro irmãs apresentam, durante boa parte do tempo, um comportamento acentuadamente infantil, principalmente Katharine Hepburn, governada por uma espécie de síndrome de Peter Pan que exige uma atuação melindrosa e exaltada. Essa abordagem permite que se observe nela o maior nível de amadurecimento, até alcançar o tom charmoso de sua interpretação dos momentos finais do filme. Para além disso, os acontecimentos e diálogos açucarados, em meio a uma atmosfera visivelmente acalentadora, o aproximam dos típicos "filmes de Natal" otimistas da época, um pouco mais esquecido, talvez, pela ingenuidade hoje ultrapassada.
A distância temporal que separa esse filme do original japonês de Ishirô Honda permite que o enredo ouse com cenas de ação eletrizantes, um visual grandioso para a criatura e sequências de perseguição certamente muito influenciadas por obras como Jurassic Park. Por outro lado, as reflexões coletivas em torno do papel da ciência perdem espaço para os conflitos privados de personagens não muito interessantes e de atitudes inconsistentes. Relevando isso e os visíveis furos no roteiro, resta ainda um punhado de momentos divertidos, trash, suspensos de qualquer realidade.
É um filme coeso e com um ritmo adequado. O suspense se desenvolve de forma natural, mesmo depois da primeira aparição de um Godzilla visivelmente datado para os dias de hoje. O que chama a atenção, entretanto, é a rede de aflições e interesses que cruzam os próprios humanos. A visão antidestrutiva dos cientistas coloca em pauta a dupla face da ciência enquanto instituição provedora da vida e da morte. Destaque para a trilha sonora, que se mostra cheia de personalidade já nos créditos iniciais.
Durante a Grande Depressão, faltava dinheiro, mas sobrava criatividade. Com esta constatação metalinguística, tem-se início um musical agridoce, divertido e que nunca perde de vista as tensões sociais e econômicas vigentes de sua época, colocando o dinheiro como a entidade em torno da qual giram todas as relações pessoais e profissionais. Do ponto de vista do gênero, constata-se uma economia de números musicais, mas os poucos que se apresentam são fortes, criativos e belissimamente filmados, recorrendo a concepções estéticas de muito bom gosto (destaco aqui The Shadow Waltz, Remember My Forgotten Man e We're In The Money). No nível narrativo, irrompe em meio a esse cenário sombrio uma comédia romântica que, apesar dos excessos e da conclusão bobinha, se entrelaça com o contexto histórico, apresenta diálogos ágeis, que mantêm o ritmo do filme, e deixa as excelentes Joan Blondell, Ruby Keeler e Aline McMahon brilharem, altamente divertidas e em completa sintonia.
A velocidade do filme não me incomoda, pelo contrário, é a única forma de tratar de tanto conteúdo em uma duração de duas horas, sem que nada pareça explorado de menos. Tudo a que se propõe está lá: a cidade caótica e futurista, os grupos de rebeldes, a rivalidade entre gangues com motos superequipadas, a tecnologia saindo do controle, tudo o que foi necessário para ajudar a fixar as bases do gênero cyberpunk. Talvez o clímax tenha ficado longo demais, a ponto de não haver mais para onde levar tanta destruição, mas é possível relevar, considerando que o que move a narrativa é justamente a tensão entre tecnologia e poder, que pode não ter outro resultado além desse.
Apesar do ritmo ágil e da estrutura não-linear, que tornam o filme um clímax contínuo, o resultado parece não fazer muito sentido. As soluções extremamente fáceis e as mudanças inconsistentes dos personagens não são convincentes nem para públicos menos exigentes. Pelo menos é curto e sabe onde parar. Isso evita a inserção de dramas adolescentes mais prolongados e pouco profundos onde não caberia.
A arte de se contar histórias se prova, às vezes, em narradores cheios de personalidade e charme, que parecem pegar o espectador pela mão e conduzi-lo por meio de situações inusitadas que parecem críveis daquele ponto de vista. É o narrador que molda e torna essa história tão atraente, tão cheia de classe e de ritmo ágil. Mas apesar do carisma de Dennis Price, quem rouba a cena é Alec Guiness, em sua espetacular e versátil manipulação de oito personagens tão distintos, mas com traços de semelhança, como parte da mesma unidade passível de destruição que eles representam para o ponto de vista do narrador - o nosso ponto de vista.
A proposta é original, mas muito mal executada, resultando em uma espécie de viagem que não deu certo. O termo "viagem" se adequa aqui pelo fato de o filme todo se esticar em uma excursão interminável dentro da mente curiosa e psicodélica de José Mojica Marins, deixando de entregar um enredo consistente e, por outro lado, não podendo ser aproveitado como experiência contemplativa, pois o visual é justificadamente feio. Intercalando-se a esses momentos de caos generalizado, sempre retorna a figura admirável do Zé do Caixão com mensagens metafísicas e igualmente planas sobre a vida e a morte. Faltou algo para prover um conteúdo melhor a toda essa bagunça.
Aqui, a desintegração da família vem com a morbidez necessária para provocar o espectador e resumir a vida a um peso. Entre as deficiências manifestas e os transtornos ocultos, acompanhamos a trajetória de personagens estranhos e silenciosos demais para deixar escapar o que realmente nutrem pelo resto do seio familiar. Tudo o que sabemos, ao longo da sequência bem filmada de perversidades, é que a narrativa não abre espaços para o perdão.
A genialidade de Buñuel perpassa vários níveis desta obra: começa na ideia visivelmente original (e por que não divertida?) de evasão dos empregados e isolamento dos patrões, que funciona justamente pelo estranhamento de vê-los presos a nada, a não ser a seus próprios papéis sociais coletivamente impostos; depois, tem início a sequência de situações absurdas que exalam criatividade e desenvolvem bem a ideia inicial, potencializando-a às últimas consequências. Embora os comportamentos selvagens e animalizados dos personagens tenham teor universal, os diálogos expõem crueldades que só poderiam ser ditas pela alta sociedade, por meio de venenos destilados sem a menor compaixão pela vida humana que seguem atuais.
A Voz Suprema do Blues
3.5 541 Assista AgoraÉ de fato uma obra que não esconde sua origem teatral: a economia de cenários e personagens, o excesso de diálogos e sua duração contribuem para que a narrativa seja quase composta por uma cena única, comprida, como um ato totalmente dedicado aos conflitos entre os personagens e à revelação de seus sonhos e traumas. O grande destaque, entretanto, fica mesmo para as atuações: Viola Davis constrói uma personagem forte, de armadura resistente, enquanto Chadwick Boseman ganha o filme com uma flexibilidade que acompanha as nuances psicológicas de seu personagem. Seus momentos em cena são grandes!
Bela Vingança
3.8 1,3K Assista AgoraAs decisões narrativas de Emerald Fennell conduzem o filme a direções criativas, sendo impossível ter certeza do que realmente ocorrerá na próxima cena. Com isso, traça-se uma vingança que, em vez de seguir o sangue e a violência comuns nesse tipo de filme, poupa-o de conclusões genéricas e opta pelo desmascaramento do cidadão de bem, incorrendo ainda no espelhamento e no reconhecimento tardio do machismo velado pelos próprios personagens e, certamente, por muitos espectadores. Além disso, a mão expressiva de Fennell enquanto diretora emoldura essa narrativa com uma montagem moderninha e ritmo constante, intercalando agilmente momentos de tensão e humor ácido, expresso principalmente por meio dos diálogos afiados.
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho
4.1 3,2K Assista AgoraO excesso de ingenuidade e a simplicidade do roteiro abrem espaço para um filme de formato bem tradicional: adolescentes no meio de conflitos adolescentes e trocando diálogos adolescentes, sem grandes reflexões, tampouco se aprofundando em problemáticas sociais. E justamente no cerne dessa inocência, que às vezes pincela formas de sexualidade, a narrativa funda um universo próprio: jovem, inocente, seguro, alternativo e gostoso de se acompanhar. Cenas como as de Guilherme Lobo e Fabio Audi andando de bicicleta de madrugada, ao som de Cícero, pelas ruas vazias dos Jardins são bons exercícios cinematográficos de expressar possibilidades cotidianas de forma doce, pelo simples prazer de fabular.
Todos os Mortos
3.1 29 Assista AgoraA degradação social, moral, física e psicológica das famílias escravocratas após a abolição é retomada para discutir as relações entre passado e presente. Entretanto, o discurso não fica explícito, sendo priorizada a experiência cinematográfica. Assim, a loucura e a desintegração das personagens, agarradas de forma ressentida a um tempo em dissolução, é contada por meio de uma narrativa lenta, atmosférica e mórbida. Essa abordagem foge do tom comumente didáticos ou melodramáticos dado a esse tema, típico das telenovelas e filmes de época mais tradicionais. Aqui, a problemática social se reveste de drama sombrio, que flerta com o suspense psicológico e o metafísico sem nunca realmente render-se a essas abordagens. O texto é forte e vem acompanhado de performances ágeis, revelando atrizes promissoras e em sintonia.
Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica
3.9 663 Assista AgoraO roteiro em si não traz nada de novo, pelo contrário, lança mão de uma série de acontecimentos e artifícios que podem ser facilmente reconhecidos, sendo possível prever tudo que vai acontecer em seguida. O que agrada é, como de costume em animações da Pixar, a abordagem: há um visível frescor de criatividade na condução das situações, na construção dos personagens (todos interessantíssimos, por sinal) e na forma como as relações entre eles vão se tecendo. Como consequência, temos uma sucessão de acontecimentos muito engraçados e bonitos. O final é de partir o coração, mas não poderia ser outro.
Sai de Baixo - O Filme
2.2 202 Assista AgoraO retorno de personagens tão queridos não poderia ter sido mais desastrado. O filme é uma bagunça, mal escrito, mal dirigido e mal interpretado. Os atores viraram caricaturas de seus personagens do passado, deslocados em um roteiro sem sentido e munidos de piadas que não funcionam (Magda, por exemplo, se tornou uma personagem constrangedora de se acompanhar). Além disso, o humor é de muito mal gosto, antiquado em relação aos tempos atuais e, surpreendentemente, incompatível até mesmo com o humor da série original (a cena de Tom Cavalcante no banheiro é possível de se imaginar em outras sitcoms, mas não em Sai de Baixo, que passava longe da comédia escatológica). Os melhores momentos seguem centrados no discurso de Caco Antibes, que é, aliás, o único que parece ainda fazer sentido ali. Tem momentos divertidos, mas são raros.
Santa Sangre
4.2 150A arte e a loucura são levados a um extremo de beleza e horror nessa obra peculiar de Jodorowsky. Essa dupla face do sublime com o repulsivo, aliás, preenche todo o filme, seja pelo flerte entre personagens belamente caracterizados e com características constantemente disfuncionais, ou quando a poesia se eleva como resultado da dramaticidade e do grotesco. Em nível narrativo, portanto, essa dupla face é alcançada pela articulação entre uma história de loucura, morte e dependência com o mundo do entretenimento, do circo, da música, da mágica. Mas o grande trunfo de Jodorowsky é mesmo a questão estética: as imagens são de muito bom gosto, e a trilha sonora é excelente. A junção de ambos fornece muitos momentos de encantamento perante o terrível: o que são as mãos de Fenix a serviço da mãe, seja nas cenas de assassinato ou ao piano?
Andorinhas Por Um Fio
4.0 5Ao contrário do triunfo de Menzel em "Trens Estreitamente Vigiados", no qual a carga dramática e histórica se materializava em silêncios e ao redor de uma poesia visual que se desencadeava lentamente, aqui a opressão do regime encontra sua crítica principalmente no falatório, nos discursos explícitos para além da medida, o que cansa já nos primeiros minutos. Os momentos mais belos, por outro lado, são aqueles que expõem, em meio a tanta rigidez e autoritarismo, a fascinação pelo ser humano e a beleza do toque - a cena das mulheres prisioneiras e dos homens trabalhando juntos é sensacional. No fim, fica a sensação de um filme interessante, com uma mensagem forte, mas que não teve todo seu potencial aproveitado.
Orelha
3.8 11 Assista AgoraA economia de cenários e situações dá ao filme uma estrutura teatral, sob o qual uma longa cena se desenrola aos olhos do público sem que os atores se recolham às coxias. Por outro lado, a força que age sobre eles está o tempo todo oculta, mas onipresente, na forma de dispositivos de controle eletrônicos ou simbólicos que tornam o ar cada vez mais claustrofóbico. A mesma claustrofobia se faz presente nos flashbacks, quando somos arremessados para dentro da festa e, pelos olhos do protagonista, cruzamos com olhares desconfiados e sussurros comprometedores para onde quer que a câmera se dirija. Não há sossego na dimensão social e tampouco no âmbito psicológico dos personagens, que, desnudados por seus medos, assumem comportamentos intrigantes, controversos e, de certa forma, espelham o sistema que os molda. O desfecho é a coroação dessa relação entre sistema e indivíduo.
Nomadland
3.9 896 Assista AgoraSem grandes acontecimentos e conflitos, Chloé Zhao propõe uma experiência de confinar o espectador junto à solidão/liberdade de Fern, ambientando-nos em uma dança de encontros e partidas que, assim como a vida, ocorrem ao acaso. E é em nome dessa casualidade que a cineasta se concentra no dia a dia da protagonista, na trivialidade das ações nas esferas privada e profissional, além de nos trazer paisagens belamente enquadradas, vastas o suficiente para caber tanta solidão. Tudo fica ainda mais interessante de se acompanhar pela naturalidade de Frances McDormand, que, em uma atuação magnífica, vagueia pelas estradas e empregos com um misto de tristeza, introspecção e vontade de conhecer. É um filme minimalista, silencioso e reflexivo - as relações de trabalho e a morte servem como molduras-irmãs para pensar a perda e a possibilidade de uma nova existência.
Rosa e Momo
3.7 302 Assista AgoraUma história certamente dolorida, mas cuja execução resultou aquém de seu potencial. A relação entre os dois personagens não cativa tanto quanto deveria e entrega poucos bons momentos, resguardando-os mais para o fim da narrativa. Vale muito mais a pena pelo prazer de ver Sophia Loren em cena e pelo interessante processo de amadurecimento do personagem principal.
Os 7 de Chicago
4.0 582 Assista AgoraEste é um exemplo de um filme de tribunal realmente interessante, pois lida com uma matéria visivelmente densa, mas de forma dinâmica, menos engessada do que poderia ser. Aaron Sorkin consegue achar o equilíbrio entre a rapidez, os diálogos afiados e o melodrama, para transmitir aos espectadores um sentimento ininterrupto de injustiça e impotência. Claro que, para isso, o filme demarca bem sua posição, vilanizando pessoas e delatando instituições sem sutileza alguma, o que não se torna uma desvantagem, pois é feito com coragem. Além disso, o elenco é espetacular. Ver Sacha Baron Cohen em cena é um deleite.
Godzilla
3.1 2,1K Assista AgoraTem seus equívocos, mas não deixar de ser narrativamente interessante: à frente da destruição desenfreada, há o desespero reiterado diante da perda e da morte, que entrega cenas mais melancólicas e sensíveis. Já a grandiosidade dos monstros, em cenas de batalha muito bem concebidas, descarta o heroísmo artificial dos humanos e sublinha a incapacidade das instituições diante de um conflito dessa magnitude. Por outro lado, alguns ótimos atores são subaproveitados (Sally Hawkins, Juliette Binoche) e as cenas noturnas são escuras demais, causando uma dificuldade real de assimilação dos acontecimentos.
A Última Noite de Boris Grushenko
4.0 218 Assista AgoraA escolha de Woody Allen pela Rússia tem algumas consequências: a presença de um dos momentos de humor mais exagerado, insólito e visual de sua carreira, além de "personagens de vilarejo" bastante excêntricos, o que, talvez não coincidentemente, eram marcas das comédias dramáticas dos países vizinhos para retratar os traumas da guerra; relações pessoais, atos heroicos e pensamentos profundos sobre amor e morte, típicos calhamaços russos, aqui satirizados com muita classe; e uma estética visual de muito bom gosto. Para coroar, temos Allen e Diane Keaton completamente sincronizados e um falatório filosófico habilmente caricato ("To love is to suffer" é uma das minhas citações favoritas do cinema).
As Quatro Irmãs
3.7 22 Assista AgoraAs quatro irmãs apresentam, durante boa parte do tempo, um comportamento acentuadamente infantil, principalmente Katharine Hepburn, governada por uma espécie de síndrome de Peter Pan que exige uma atuação melindrosa e exaltada. Essa abordagem permite que se observe nela o maior nível de amadurecimento, até alcançar o tom charmoso de sua interpretação dos momentos finais do filme. Para além disso, os acontecimentos e diálogos açucarados, em meio a uma atmosfera visivelmente acalentadora, o aproximam dos típicos "filmes de Natal" otimistas da época, um pouco mais esquecido, talvez, pela ingenuidade hoje ultrapassada.
Godzilla
2.6 430 Assista AgoraA distância temporal que separa esse filme do original japonês de Ishirô Honda permite que o enredo ouse com cenas de ação eletrizantes, um visual grandioso para a criatura e sequências de perseguição certamente muito influenciadas por obras como Jurassic Park. Por outro lado, as reflexões coletivas em torno do papel da ciência perdem espaço para os conflitos privados de personagens não muito interessantes e de atitudes inconsistentes. Relevando isso e os visíveis furos no roteiro, resta ainda um punhado de momentos divertidos, trash, suspensos de qualquer realidade.
Godzilla
3.8 125 Assista AgoraÉ um filme coeso e com um ritmo adequado. O suspense se desenvolve de forma natural, mesmo depois da primeira aparição de um Godzilla visivelmente datado para os dias de hoje. O que chama a atenção, entretanto, é a rede de aflições e interesses que cruzam os próprios humanos. A visão antidestrutiva dos cientistas coloca em pauta a dupla face da ciência enquanto instituição provedora da vida e da morte. Destaque para a trilha sonora, que se mostra cheia de personalidade já nos créditos iniciais.
Cavadoras de Ouro
3.8 26Durante a Grande Depressão, faltava dinheiro, mas sobrava criatividade. Com esta constatação metalinguística, tem-se início um musical agridoce, divertido e que nunca perde de vista as tensões sociais e econômicas vigentes de sua época, colocando o dinheiro como a entidade em torno da qual giram todas as relações pessoais e profissionais. Do ponto de vista do gênero, constata-se uma economia de números musicais, mas os poucos que se apresentam são fortes, criativos e belissimamente filmados, recorrendo a concepções estéticas de muito bom gosto (destaco aqui The Shadow Waltz, Remember My Forgotten Man e We're In The Money). No nível narrativo, irrompe em meio a esse cenário sombrio uma comédia romântica que, apesar dos excessos e da conclusão bobinha, se entrelaça com o contexto histórico, apresenta diálogos ágeis, que mantêm o ritmo do filme, e deixa as excelentes Joan Blondell, Ruby Keeler e Aline McMahon brilharem, altamente divertidas e em completa sintonia.
Akira
4.3 869 Assista AgoraA velocidade do filme não me incomoda, pelo contrário, é a única forma de tratar de tanto conteúdo em uma duração de duas horas, sem que nada pareça explorado de menos. Tudo a que se propõe está lá: a cidade caótica e futurista, os grupos de rebeldes, a rivalidade entre gangues com motos superequipadas, a tecnologia saindo do controle, tudo o que foi necessário para ajudar a fixar as bases do gênero cyberpunk. Talvez o clímax tenha ficado longo demais, a ponto de não haver mais para onde levar tanta destruição, mas é possível relevar, considerando que o que move a narrativa é justamente a tensão entre tecnologia e poder, que pode não ter outro resultado além desse.
ViihTube: Amiga do Inimigo
1.3 49Apesar do ritmo ágil e da estrutura não-linear, que tornam o filme um clímax contínuo, o resultado parece não fazer muito sentido. As soluções extremamente fáceis e as mudanças inconsistentes dos personagens não são convincentes nem para públicos menos exigentes. Pelo menos é curto e sabe onde parar. Isso evita a inserção de dramas adolescentes mais prolongados e pouco profundos onde não caberia.
As Oito Vítimas
4.1 33 Assista AgoraA arte de se contar histórias se prova, às vezes, em narradores cheios de personalidade e charme, que parecem pegar o espectador pela mão e conduzi-lo por meio de situações inusitadas que parecem críveis daquele ponto de vista. É o narrador que molda e torna essa história tão atraente, tão cheia de classe e de ritmo ágil. Mas apesar do carisma de Dennis Price, quem rouba a cena é Alec Guiness, em sua espetacular e versátil manipulação de oito personagens tão distintos, mas com traços de semelhança, como parte da mesma unidade passível de destruição que eles representam para o ponto de vista do narrador - o nosso ponto de vista.
A Estranha Hospedaria dos Prazeres
2.9 27A proposta é original, mas muito mal executada, resultando em uma espécie de viagem que não deu certo. O termo "viagem" se adequa aqui pelo fato de o filme todo se esticar em uma excursão interminável dentro da mente curiosa e psicodélica de José Mojica Marins, deixando de entregar um enredo consistente e, por outro lado, não podendo ser aproveitado como experiência contemplativa, pois o visual é justificadamente feio. Intercalando-se a esses momentos de caos generalizado, sempre retorna a figura admirável do Zé do Caixão com mensagens metafísicas e igualmente planas sobre a vida e a morte. Faltou algo para prover um conteúdo melhor a toda essa bagunça.
De Punhos Cerrados
4.1 33 Assista AgoraAqui, a desintegração da família vem com a morbidez necessária para provocar o espectador e resumir a vida a um peso. Entre as deficiências manifestas e os transtornos ocultos, acompanhamos a trajetória de personagens estranhos e silenciosos demais para deixar escapar o que realmente nutrem pelo resto do seio familiar. Tudo o que sabemos, ao longo da sequência bem filmada de perversidades, é que a narrativa não abre espaços para o perdão.
O Anjo Exterminador
4.3 377 Assista AgoraA genialidade de Buñuel perpassa vários níveis desta obra: começa na ideia visivelmente original (e por que não divertida?) de evasão dos empregados e isolamento dos patrões, que funciona justamente pelo estranhamento de vê-los presos a nada, a não ser a seus próprios papéis sociais coletivamente impostos; depois, tem início a sequência de situações absurdas que exalam criatividade e desenvolvem bem a ideia inicial, potencializando-a às últimas consequências. Embora os comportamentos selvagens e animalizados dos personagens tenham teor universal, os diálogos expõem crueldades que só poderiam ser ditas pela alta sociedade, por meio de venenos destilados sem a menor compaixão pela vida humana que seguem atuais.