Não sei o porquê de ter protelado Setembro por tanto tempo. Pra minha tardia surpresa, se revelou não somente um dos melhores filmes da fase bergmaniana do Allen, mas um dos seus filmes mais potentes. Acho que vê-lo hoje com toda a polêmica envolvendo suas figuras centrais apenas amplifica tudo— ainda mais por conter uma Mia Farrow (espetacular) tão sorumbática com os desencontros do amor e com os nós emocionais de uma vida estéril e solitária e cheia de traumas. As temáticas centrais também devem ser caras a ambos: quando o assunto é amor, nossas ações estão menos sob o nosso controle do que realmente gostaríamos. Somos inconsequentes, imperfeitos, irracionais e temperamentais e é essa nossa sandice que nos torna fascinantes, como diria a mãe da protagonista, ao reconhecer a própria falibilidade.
É meio demodê ficar falando de aspecto técnico, mas adoro como isso tudo funciona bem aqui, do jazz melancólico que acompanha todo o filme aos enquadramentos, à paleta de cores e à iluminação das cenas. Uma joia. O elenco também, super afiado: muito bacana a química entre a sempre adorável Dianne Wiest e o Sam Waterston. Também adoro como só ao final me dei conta que o filme acontece todo dentro do mesmo ambiente, cheio de traumas e amarguras, tal qual o Gritos e Sussurros que lhe inspira. Um confinamento familiar que me fez pensar no Cassavetes também.
Pela primeira vez em um bom tempo os créditos apareceram e eu estava genuinamente satisfeito com um filme do Woody Allen. Aqui ainda resta um fã apaixonado por sua obra, afinal, mesmo que tenha se desleixado, o cabra é bom e a essa altura não precisa provar mais nada pra ninguém.
Pra lá de decepcionante, mesmo contando com a presença de caras fodas como o Sam Harris (pouquíssimo explorado, diga-se de passagem). Tinha todo o potencial pra ser um doc responsa, mas agrega muito pouco em termos de informações e aplicabilidade na vida das pessoas. Mergulha muito rasteiramente em temas como mindfulness e meditação e dedica mais tempo, pra provar o argumento, aos relatos de gente rica desencantada com seus excessos consumistas. Newsflash: isso não cativa ninguém. Odeio a edição forçadamente bonitinha também, com aquela trilha que vai adotando ares redentores em cenas estratégicas, como se fosse um longo clipe do Coldplay (argh).
Deixa, porém, uma boa mensagem, tanto que ao final do filme me perguntei "o que me faria feliz agora?" e decidi sair pra pedalar no final de tarde, me sentindo vitorioso e minimalista pra caralho.
A Máscara de Satã: ESPLENDOR GÓTICO. Que filme foda. Que preto e branco espetacular. Cenários soturnos, bruxas sendo queimadas, escorpiões, personagens macabros com rostos desfigurados perambulando pelas sombras de um castelo medieval. Que deleite visual da porra. E que presença da Barbara Steele. Com seus olhos esbugalhados e feições diabólicas, ela nasceu para o cinema de horror. A descobri numa adaptação do Poe, Pit and The Pendulum, em que atua ao lado do Vincent Price, e foi amor à primeira vista. Aqui, nas mãos do Mario Bava pré-giallo, toda sua beleza mórbida é aproveitada em toda a sua glória. Que mulher, quanta sensualidade! O resultado é um filme que, apesar de não ter fundado o gênero, emprestou inúmeros elementos para os filmes de terror subsequentes. Vi duas vezes na mesma semana e fiquei de cara com a sofisticação de algumas cenas e planos sequência para um filme feito nos anos 60. Por mais que a trama não surpreenda mais hoje em dia, o filme pulsa com seu vigor artístico.
Essa compulsão das pessoas por respostas, explicações e conclusões ou por antecipar o desfecho das tramas é uma necessidade irritante, quase patológica e, em minha opinião, apenas prejudica a experiência. Em histórias como essa, gosto de me deixar levar e não bancar o espertinho o tempo inteiro (e me gabar disso nas redes sociais). Troco facilmente o alívio do "Sempre soube!" pelo arroubo do "Puta que pariu!", mesmo que os indícios sempre estejam em algum lugar, geralmente escondidos por trás de olhares dissimulados. Não consigo conceber uma cena final mais adequada e impactante para Sharp Objects: o horror expressado no rosto da Amy Adams, tal qual o meu, que fui pego de surpresa pelo desenrolar macabro da história, foi impagável. Sem contar a elegância da coisa toda: não foi necessária nenhuma gota de sangue e, ainda assim, foram os 10 segundos mais perturbadores e estarrecedores que vi em uma série de televisão nos últimos anos.
E o grande feito da série não foi revelar o quão tóxico, disfuncional e autodestrutivo um núcleo familiar consegue ser, mas sim sua habilidade de imergir na doença mental da protagonista ao ponto de se tornar excruciante em diversos momentos. A mente de uma pessoa abusada funciona mesmo daquela forma? Condenada a ruminar, inescapavelmente, todos os traumas à exaustão, costurando lembranças vívidas e terríveis da infância com a vida adulta numa montanha-russa de emoções que não para nunca? Que tormento sem fim deve ser isso. Palmas para a edição por dar tanto realismo ao inferno pessoal da Camille Preaker de forma tão poética e, sobretudo, aos roteiristas por se apoiarem tão somente na complexidade psicológica da trama, sem a necessidade de recorrer à glorificação do sofrimento ou de encontrar uma justificativa rasteira e fácil para todos os males, como o patriarcado tirano e malévolo de The Handmaid’s Tale. O inferno, afinal, está dentro de nós.
A grande ironia de Sharp Objects é que Camille, no final das contas, me pareceu a menos fodida entre as três mulheres – não por ter sobrevivido, mas por ter sido a única cuja humanidade não lhe foi roubada completamente. Difícil dizer se isso foi sua salvação ou a cruz que ela carregará para o resto da vida.
Mais tensão sexual rolando entre Sandra Bullock e Cate Blanchett do que em todas as cenas juntas de Azul é A Cor Mais Quente e A Criada. Queria ser lésbica pra contemplar com toda a plenitude possível a cena que elas estão no restaurante planejando o crime no maior clima.
Sempre paguei pau para o Nosferatu do Herzog como a quintessência vampiresca no cinema, seja pela nuance filosófica e solitária do Kinski, pela beleza cadavérica da Adjani ou pelos momentos de pura desolação e loucura com a chegada da peste negra que o filme mostra brilhantemente. Por isso nunca dei muita bola, com razão, para nada que tenha vindo depois. Quais filmes fariam jus ao Dracula do Browning, ao Vampyr do Dreyer ou ao Nosferatu do Murnau? [cries in german]. Talvez apenas The Hunger do Scott merecesse alguma menção. Foi assim com o Dracula do Coppola, do qual lembrava apenas pelo exagero e estranheza, pelo Reeves passando vergonha e pelo Oldman que parecia um Ozzy novinho (suspiro). Mas porra, revendo-o essa semana de forma descompromissada, fiquei embasbacado no tanto que eu deixei passar, principalmente pela direção de arte que parece trazer vida aos quadros infernais do Gustave Doré e pelo figurino elegantíssimo da Eiko Ishioka que, de tão marcantes, são praticamente personagens centrais do filme (a veste inspirada nas pinturas do Gustav Klimt não me deixa mentir). Notei tanta coisa para elogiar dessa vez, da sensualidade carregada de algumas cenas ao não uso de efeitos especiais, mas truques de câmera engenhosos e matte paintings, que, juntos, deram uma pegada bem idiossincrática e fantasmagórica ao filme. E claro, quase pirei quando reconheci, desavisado, a voz diabólica da Diamanda Galás ecoando em uma das minhas cenas favoritas. Fui dar uma pesquisada e vi que sem algumas obras de arte da pintura para lhe servir de inspiração, a empreitada do Coppola teria sido completamente diferente. E o resultado é esse, uma obra-prima Gótica que consegue ser campy e elegante ao mesmo tempo, como nenhuma outra, injetando uma boa dose de qualidade ao cinema de horror. Ten out of ten.
The Last Shaman aborda vários temas complexos que, isoladamente, já dariam muito trabalho para encapsular nesse formato documental e essa falta de profundidade talvez seja uma falha, mas não o impede de ter algo a dizer. Seu problema mais grave, na verdade, é estrutural. A justaposição de cenas que dão a entender que toda a narrativa foi meticulosamente calculada e construída não necessariamente na ordem dos eventos, mas da sua funcionalidade, é muito conveniente e prejudica a credibilidade da história, mas ela sobrevive porque seu objetivo é outro – e maior: a experiência humana. A ayahuasca é capaz de curar a depressão? Até que ponto a responsabilidade pessoal é determinante para que alguém se liberte do desespero e de suas próprias misérias?
Superados esses problemas, é fácil perceber como somos quase impelidos a olhar com desconfiança a história do James Freeman, fazendo um recorte de classe limitador e míope: “Olha lá o branco rico mimado tentando resolver seus problemas no exótico Terceiro Mundo. Racismo!”. Surpreende-me como podemos relativizar uma abordagem tão credível de um problema tão sério como a depressão com um olhar tão cínico e fechado. Infelizmente, à esquerda do espectro político, essa percepção unilateral se tornou comum. Preocupam-se mais com um ranking de opressão e esquecem que certas misérias são comuns a qualquer ser humano, independente da classe, raça, gênero ou etnia. O capitalismo gera mais crias do que a nossa imaculada virtude moral consegue enxergar.
As cenas em que o James conta ter celebrado a facilidade com que se pode comprar uma arma nos Estados Unidos e em que fala de como se sente morto diante das coisas belas do mundo desenham um cenário muito vívido do inferno dantesco que ocupa a mente de um deprimido. Ser insensível a uma doença mental porque o cara é branco e bancado pelos pais, desconsiderando a sua bravura e determinação para sair do fundo do poço, é uma visão ressentida e mesquinha que fala mais sobre quem alimenta esse posicionamento do que sobre o suposto “privilegiado”.
É essa veracidade, essa busca genuína do protagonista em ter sua humanidade restaurada que salvam o documentário em vários momentos de parecer formulaico demais. Embora eu tenha me frustrado um pouco com o ceticismo espiritual do James, de não reverenciar a cultura do xamanismo, foi essa postura que lhe permitiu não ser seduzido por charlatões – e reside aqui, a meu ver, o grande mérito de The Last Shaman: evidenciar o perigoso apelo comercial da ayahuasca como consequência de sua popularização. Seu chá atrai pessoas de todas as camadas sociais e de vários lugares do mundo pelas mais distintas razões: hedonistas em busca do alucinógeno mais trendy da atualidade; pessoas em busca de um despertar espiritual através do xamanismo, conectando-se consigo mesmos através dos rituais; ou pessoas simplesmente buscando uma forma de superar seus tramas e poder viver suas vidas novamente, como o protagonista. Esse apelo mercadológico da ayahuasca, que lhe sequestra da sua origem milenar como poderosa e sagrada medicina popular, é pernicioso e o protagonista foi muito feliz em perceber o problema.
Mesmo que soe calculado, a visão brutal e pouco romantizada do documentário sobre a trajetória do James Freeman deveria servir como um atestado de sua autenticidade. Três cenas são chave nesse sentido: na primeira experiência com a ayahuasca, um jovem morre ao seu lado, servindo como um alerta que justifica a frase “ayahuasca é para todos, mas nem todos são para ayahuasca.”; a segunda, quando o xamã pede para que James cante e, ao invés de forçar uma mimetização dos ícaros que ouviu, ele canta uma canção no seu próprio idioma que lhe possuía significado (a cena mais tocante do filme), o que me fez pensar sobre a beleza da coexistência; e a terceira, por fim, quando James afirma que não foi “curado” pela ayahuasca, mas que toda a experiência que teve o fez abrir-se para a vida, ter uma relação mais próxima com a terra e fazer as pazes com suas origens.
É essa mistura de racionalidade e respeito ao misticismo, capaz de gerar reflexão e instigar a curiosidade, que faz de The Last Shaman uma boa pedida.
Buñuel e a arte perdida do humor refinado, cáustico e subversivo: não tem pra ninguém. A engenhosidade e a sagacidade desse filme não têm limites. A forma como ele transita entre o real e o onírico e vice-versa, deixando pistas no decorrer de cada tentativa frustrada de jantar, numa espécie de jogo perverso com o espectador, é impagável. Sensacional (e elementar) como ele não vilaniza os personagens, mas os observa e os vai despindo de suas hipocrisias e apatia em relação ao mundo. Vi pela primeira vez e já estou louco para devorá-lo de novo.
O que é a cena onde o sargento conta lá a história de sua infância — quando envenenou seu falso pai seguindo os conselhos de sua mãe fantasma — e a resposta das baronesa é de absoluta indiferença, mais chocadas com o fato de que o restaurante não estava mais servindo chá ou café? Ou a cena que a empregada, bela e jovial, responde que tem 52 anos?
Não sei quando me tornei esse velho com inclinações estetas, mas tenho desenvolvido cada vez mais uma antipatia irremediável ao vulgar e ao explícito no campo das artes; como consequência, uma adoração cada vez maior ao sugestivo, ao mistério e à insinuação maliciosa— sobretudo quando o assunto são nossos impulsos mais primitivos.
Sendo ou não um conservadorismo antiquado, para mim é uma constatação factual: a arte do erotismo sutil está perdida nesse atual oceano pós-moderno de mediocridade, esterilidade e shock value, com provocações cada vez mais desgastadas e inofensivas, incapazes de gerar estímulos sensoriais genuínos. Involuímos do charme provocante e sofisticado de Vogue para o charlatanismo desesperado de Wrecking Ball.
Toda essa digressão aborrecida é o efeito causado por esse tesouro dos anos 40, que conta a história de um grupo de freiras inglesas que são transferidas para os Himalaias para administrar uma enfermaria onde antes existira um palácio dionisíaco. A radicalidade do choque cultural e a aura sexual do lugar as força a reviver recordações e a reavaliar seus propósitos — agora incertos — catalisando tanto desejo, quanto loucura.
A carga erótica em Black Narcissus é tão magnética que é capaz de liberar dopamina no fluxo sanguíneo até daqueles mais incautos. E quais são as alusões mais sexuais do filme? Um batom vermelho e a presença masculina de David Farrar (uma espécie de proto-Daniel Day-Lewis) com suas pernas e torso peludos constantemente à mostra.
Tudo isso num filme cuja fotografia e cenografia são de uma beleza sem precedentes. Deborah Kerr e Kathleen Byron estão um espetáculo a parte nessa obra-prima inesquecível da Technicolor.
April: Martha, you're a first class lesbian and a second rate thinker. Must be all these women's studies. Martha: April really? I am a professor specilialising in domestic labor gender differentiation in American utopianism. April: My point exactly.
Edição over the top. Narração e narrativa ruins. Trilha sonora enojante. Usar Coldplay num documentário sobre a África? Que porra é essa? Não há limites para a cafonice humana.
Apesar do suntuosismo e rigor artístico que, por si só, saciariam meu entusiasmo por dramas históricos, são os pequenos detalhes que diferenciam uma obra como The Crown das incontáveis já produzidas sobre a monarquia britânica. Não falo somente da humanização de personagens demonizados - afinal, tal abordagem já era esperada -, mas da atenção às sutilezas que requerem que as pessoas por trás possuam inegável talento. Duas cenas, em toda a temporada, consagram The Crown em seu prestígio: o diálogo ente Churchill e o pintor Graham Sutherland, onde cada um consegue extrair da obra um do outro uma dor terrível, tão íntima que parecia intransponível, impenetrável. Dois seres humanos desnudos, por trás da austeridade e seriedade que carregavam em seus semblantes. Que cena, meus amigos. John Lithgow é mesmo um gênio da atuação; a outra, também envolvendo o Primeiro-Ministro, é quando Elizabeth lê o trecho da Constituição com o grifo na palavra "trust", remetendo ao início do episódio, e o subsequente sermão, que revela seu amadurecimento enquanto monarca e sobrepuja todas as expectativas criadas para a cena, já que ela se mostra tremendamente íntegra e elegante em sua insubserviência.
Além disso, há algo pesado que paira sobre a narrativa desde o primeiro episódio, e que é refletido na densa paleta de cores da fotografia, que me fez pensar que a série estava sendo demasiado burocrática e dura em sua abordagem dos fatos, mas que aos poucos foi se revelando como a essência da coisa toda. Não há uma cena sequer de glamour em que o ar não pese, em que um dos personagens não demonstre estar sofrendo bastante, seja por frustração ou por infelicidade. Até o Palácio de Buckingham traz um ar confinatório, de enclausuramento, com pouca ou nenhuma luz entrando pelas janelas. É como se embora não houvesse escassez material, todos ali vivessem num permanente estado de pesar, de neblina interior. Achei esse aspecto mais sofisticado que todo o resto. Regojizo total.
Belíssimo, mas imperfeito e nada que Koyaanisqatsi, Baraka e Cosmos: A Spacetime Odyssey já não tenham nos mostrado com muito mais qualidade e de forma menos direcionada. Cate é bae, mas a narração que lhe foi imbuída me pareceu muito fraca, muito bíblica, banal e, portanto, descartável. Por mais que seja parte do estilo idiossincrático do Malick, esse aspecto poético e subjetivo da narrativa – que funciona magistralmente em Tree of Life – se diluiu bastante nos seus últimos filmes (Knight of Cups e Song to Song), como se o diretor tivesse dirigido no modo automático, querendo mais exercitar seu estilo que dizer algo. Uma pena.
Apollo, do Brian Eno, e Live at Pompeii, do Pink Floyd, são as obras mais cósmicas já concebidas pelo Homem. Houvesse uma linguagem audiocosmica universal, a Terra deveria enviar esses dois discos como seus representantes para a Comissão Intergalática. Se Under Stars e Echoes não te fazem flutuar pelas curvas do espaço-tempo, nada mais o fará.
Setembro
3.6 106Não sei o porquê de ter protelado Setembro por tanto tempo. Pra minha tardia surpresa, se revelou não somente um dos melhores filmes da fase bergmaniana do Allen, mas um dos seus filmes mais potentes. Acho que vê-lo hoje com toda a polêmica envolvendo suas figuras centrais apenas amplifica tudo— ainda mais por conter uma Mia Farrow (espetacular) tão sorumbática com os desencontros do amor e com os nós emocionais de uma vida estéril e solitária e cheia de traumas. As temáticas centrais também devem ser caras a ambos: quando o assunto é amor, nossas ações estão menos sob o nosso controle do que realmente gostaríamos. Somos inconsequentes, imperfeitos, irracionais e temperamentais e é essa nossa sandice que nos torna fascinantes, como diria a mãe da protagonista, ao reconhecer a própria falibilidade.
É meio demodê ficar falando de aspecto técnico, mas adoro como isso tudo funciona bem aqui, do jazz melancólico que acompanha todo o filme aos enquadramentos, à paleta de cores e à iluminação das cenas. Uma joia. O elenco também, super afiado: muito bacana a química entre a sempre adorável Dianne Wiest e o Sam Waterston. Também adoro como só ao final me dei conta que o filme acontece todo dentro do mesmo ambiente, cheio de traumas e amarguras, tal qual o Gritos e Sussurros que lhe inspira. Um confinamento familiar que me fez pensar no Cassavetes também.
Pela primeira vez em um bom tempo os créditos apareceram e eu estava genuinamente satisfeito com um filme do Woody Allen. Aqui ainda resta um fã apaixonado por sua obra, afinal, mesmo que tenha se desleixado, o cabra é bom e a essa altura não precisa provar mais nada pra ninguém.
Minimalismo: Um Documentário Sobre Coisas Importantes
3.5 195Pra lá de decepcionante, mesmo contando com a presença de caras fodas como o Sam Harris (pouquíssimo explorado, diga-se de passagem). Tinha todo o potencial pra ser um doc responsa, mas agrega muito pouco em termos de informações e aplicabilidade na vida das pessoas. Mergulha muito rasteiramente em temas como mindfulness e meditação e dedica mais tempo, pra provar o argumento, aos relatos de gente rica desencantada com seus excessos consumistas. Newsflash: isso não cativa ninguém. Odeio a edição forçadamente bonitinha também, com aquela trilha que vai adotando ares redentores em cenas estratégicas, como se fosse um longo clipe do Coldplay (argh).
Deixa, porém, uma boa mensagem, tanto que ao final do filme me perguntei "o que me faria feliz agora?" e decidi sair pra pedalar no final de tarde, me sentindo vitorioso e minimalista pra caralho.
Wild Wild Country
4.3 265Tough titties.
Daniel Sloss: Live Shows
4.4 8It’s time to deflower your sister. Her bushes are out of control.
A Máscara de Satã
3.9 90A Máscara de Satã: ESPLENDOR GÓTICO. Que filme foda. Que preto e branco espetacular. Cenários soturnos, bruxas sendo queimadas, escorpiões, personagens macabros com rostos desfigurados perambulando pelas sombras de um castelo medieval. Que deleite visual da porra. E que presença da Barbara Steele. Com seus olhos esbugalhados e feições diabólicas, ela nasceu para o cinema de horror. A descobri numa adaptação do Poe, Pit and The Pendulum, em que atua ao lado do Vincent Price, e foi amor à primeira vista. Aqui, nas mãos do Mario Bava pré-giallo, toda sua beleza mórbida é aproveitada em toda a sua glória. Que mulher, quanta sensualidade! O resultado é um filme que, apesar de não ter fundado o gênero, emprestou inúmeros elementos para os filmes de terror subsequentes. Vi duas vezes na mesma semana e fiquei de cara com a sofisticação de algumas cenas e planos sequência para um filme feito nos anos 60. Por mais que a trama não surpreenda mais hoje em dia, o filme pulsa com seu vigor artístico.
Objetos Cortantes
4.3 834Essa compulsão das pessoas por respostas, explicações e conclusões ou por antecipar o desfecho das tramas é uma necessidade irritante, quase patológica e, em minha opinião, apenas prejudica a experiência. Em histórias como essa, gosto de me deixar levar e não bancar o espertinho o tempo inteiro (e me gabar disso nas redes sociais). Troco facilmente o alívio do "Sempre soube!" pelo arroubo do "Puta que pariu!", mesmo que os indícios sempre estejam em algum lugar, geralmente escondidos por trás de olhares dissimulados. Não consigo conceber uma cena final mais adequada e impactante para Sharp Objects: o horror expressado no rosto da Amy Adams, tal qual o meu, que fui pego de surpresa pelo desenrolar macabro da história, foi impagável. Sem contar a elegância da coisa toda: não foi necessária nenhuma gota de sangue e, ainda assim, foram os 10 segundos mais perturbadores e estarrecedores que vi em uma série de televisão nos últimos anos.
E o grande feito da série não foi revelar o quão tóxico, disfuncional e autodestrutivo um núcleo familiar consegue ser, mas sim sua habilidade de imergir na doença mental da protagonista ao ponto de se tornar excruciante em diversos momentos. A mente de uma pessoa abusada funciona mesmo daquela forma? Condenada a ruminar, inescapavelmente, todos os traumas à exaustão, costurando lembranças vívidas e terríveis da infância com a vida adulta numa montanha-russa de emoções que não para nunca? Que tormento sem fim deve ser isso. Palmas para a edição por dar tanto realismo ao inferno pessoal da Camille Preaker de forma tão poética e, sobretudo, aos roteiristas por se apoiarem tão somente na complexidade psicológica da trama, sem a necessidade de recorrer à glorificação do sofrimento ou de encontrar uma justificativa rasteira e fácil para todos os males, como o patriarcado tirano e malévolo de The Handmaid’s Tale. O inferno, afinal, está dentro de nós.
A grande ironia de Sharp Objects é que Camille, no final das contas, me pareceu a menos fodida entre as três mulheres – não por ter sobrevivido, mas por ter sido a única cuja humanidade não lhe foi roubada completamente. Difícil dizer se isso foi sua salvação ou a cruz que ela carregará para o resto da vida.
Oito Mulheres e um Segredo
3.6 1,1K Assista AgoraMais tensão sexual rolando entre Sandra Bullock e Cate Blanchett do que em todas as cenas juntas de Azul é A Cor Mais Quente e A Criada. Queria ser lésbica pra contemplar com toda a plenitude possível a cena que elas estão no restaurante planejando o crime no maior clima.
Drácula de Bram Stoker
4.0 1,4K Assista AgoraSempre paguei pau para o Nosferatu do Herzog como a quintessência vampiresca no cinema, seja pela nuance filosófica e solitária do Kinski, pela beleza cadavérica da Adjani ou pelos momentos de pura desolação e loucura com a chegada da peste negra que o filme mostra brilhantemente. Por isso nunca dei muita bola, com razão, para nada que tenha vindo depois. Quais filmes fariam jus ao Dracula do Browning, ao Vampyr do Dreyer ou ao Nosferatu do Murnau? [cries in german]. Talvez apenas The Hunger do Scott merecesse alguma menção. Foi assim com o Dracula do Coppola, do qual lembrava apenas pelo exagero e estranheza, pelo Reeves passando vergonha e pelo Oldman que parecia um Ozzy novinho (suspiro). Mas porra, revendo-o essa semana de forma descompromissada, fiquei embasbacado no tanto que eu deixei passar, principalmente pela direção de arte que parece trazer vida aos quadros infernais do Gustave Doré e pelo figurino elegantíssimo da Eiko Ishioka que, de tão marcantes, são praticamente personagens centrais do filme (a veste inspirada nas pinturas do Gustav Klimt não me deixa mentir). Notei tanta coisa para elogiar dessa vez, da sensualidade carregada de algumas cenas ao não uso de efeitos especiais, mas truques de câmera engenhosos e matte paintings, que, juntos, deram uma pegada bem idiossincrática e fantasmagórica ao filme. E claro, quase pirei quando reconheci, desavisado, a voz diabólica da Diamanda Galás ecoando em uma das minhas cenas favoritas. Fui dar uma pesquisada e vi que sem algumas obras de arte da pintura para lhe servir de inspiração, a empreitada do Coppola teria sido completamente diferente. E o resultado é esse, uma obra-prima Gótica que consegue ser campy e elegante ao mesmo tempo, como nenhuma outra, injetando uma boa dose de qualidade ao cinema de horror. Ten out of ten.
The Last Shaman
3.4 16The Last Shaman aborda vários temas complexos que, isoladamente, já dariam muito trabalho para encapsular nesse formato documental e essa falta de profundidade talvez seja uma falha, mas não o impede de ter algo a dizer. Seu problema mais grave, na verdade, é estrutural. A justaposição de cenas que dão a entender que toda a narrativa foi meticulosamente calculada e construída não necessariamente na ordem dos eventos, mas da sua funcionalidade, é muito conveniente e prejudica a credibilidade da história, mas ela sobrevive porque seu objetivo é outro – e maior: a experiência humana. A ayahuasca é capaz de curar a depressão? Até que ponto a responsabilidade pessoal é determinante para que alguém se liberte do desespero e de suas próprias misérias?
Superados esses problemas, é fácil perceber como somos quase impelidos a olhar com desconfiança a história do James Freeman, fazendo um recorte de classe limitador e míope: “Olha lá o branco rico mimado tentando resolver seus problemas no exótico Terceiro Mundo. Racismo!”. Surpreende-me como podemos relativizar uma abordagem tão credível de um problema tão sério como a depressão com um olhar tão cínico e fechado. Infelizmente, à esquerda do espectro político, essa percepção unilateral se tornou comum. Preocupam-se mais com um ranking de opressão e esquecem que certas misérias são comuns a qualquer ser humano, independente da classe, raça, gênero ou etnia. O capitalismo gera mais crias do que a nossa imaculada virtude moral consegue enxergar.
As cenas em que o James conta ter celebrado a facilidade com que se pode comprar uma arma nos Estados Unidos e em que fala de como se sente morto diante das coisas belas do mundo desenham um cenário muito vívido do inferno dantesco que ocupa a mente de um deprimido. Ser insensível a uma doença mental porque o cara é branco e bancado pelos pais, desconsiderando a sua bravura e determinação para sair do fundo do poço, é uma visão ressentida e mesquinha que fala mais sobre quem alimenta esse posicionamento do que sobre o suposto “privilegiado”.
É essa veracidade, essa busca genuína do protagonista em ter sua humanidade restaurada que salvam o documentário em vários momentos de parecer formulaico demais. Embora eu tenha me frustrado um pouco com o ceticismo espiritual do James, de não reverenciar a cultura do xamanismo, foi essa postura que lhe permitiu não ser seduzido por charlatões – e reside aqui, a meu ver, o grande mérito de The Last Shaman: evidenciar o perigoso apelo comercial da ayahuasca como consequência de sua popularização. Seu chá atrai pessoas de todas as camadas sociais e de vários lugares do mundo pelas mais distintas razões: hedonistas em busca do alucinógeno mais trendy da atualidade; pessoas em busca de um despertar espiritual através do xamanismo, conectando-se consigo mesmos através dos rituais; ou pessoas simplesmente buscando uma forma de superar seus tramas e poder viver suas vidas novamente, como o protagonista. Esse apelo mercadológico da ayahuasca, que lhe sequestra da sua origem milenar como poderosa e sagrada medicina popular, é pernicioso e o protagonista foi muito feliz em perceber o problema.
Mesmo que soe calculado, a visão brutal e pouco romantizada do documentário sobre a trajetória do James Freeman deveria servir como um atestado de sua autenticidade. Três cenas são chave nesse sentido: na primeira experiência com a ayahuasca, um jovem morre ao seu lado, servindo como um alerta que justifica a frase “ayahuasca é para todos, mas nem todos são para ayahuasca.”; a segunda, quando o xamã pede para que James cante e, ao invés de forçar uma mimetização dos ícaros que ouviu, ele canta uma canção no seu próprio idioma que lhe possuía significado (a cena mais tocante do filme), o que me fez pensar sobre a beleza da coexistência; e a terceira, por fim, quando James afirma que não foi “curado” pela ayahuasca, mas que toda a experiência que teve o fez abrir-se para a vida, ter uma relação mais próxima com a terra e fazer as pazes com suas origens.
É essa mistura de racionalidade e respeito ao misticismo, capaz de gerar reflexão e instigar a curiosidade, que faz de The Last Shaman uma boa pedida.
Objetos Cortantes
4.3 834Trash from old money.
O Discreto Charme da Burguesia
4.1 284 Assista AgoraBuñuel e a arte perdida do humor refinado, cáustico e subversivo: não tem pra ninguém. A engenhosidade e a sagacidade desse filme não têm limites. A forma como ele transita entre o real e o onírico e vice-versa, deixando pistas no decorrer de cada tentativa frustrada de jantar, numa espécie de jogo perverso com o espectador, é impagável. Sensacional (e elementar) como ele não vilaniza os personagens, mas os observa e os vai despindo de suas hipocrisias e apatia em relação ao mundo. Vi pela primeira vez e já estou louco para devorá-lo de novo.
O que é a cena onde o sargento conta lá a história de sua infância — quando envenenou seu falso pai seguindo os conselhos de sua mãe fantasma — e a resposta das baronesa é de absoluta indiferença, mais chocadas com o fato de que o restaurante não estava mais servindo chá ou café? Ou a cena que a empregada, bela e jovial, responde que tem 52 anos?
Bom pá caral*o!
Um Dia no Campo
3.8 23"O canto deles faz parte do silêncio."
Narciso Negro
4.0 80 Assista AgoraNão sei quando me tornei esse velho com inclinações estetas, mas tenho desenvolvido cada vez mais uma antipatia irremediável ao vulgar e ao explícito no campo das artes; como consequência, uma adoração cada vez maior ao sugestivo, ao mistério e à insinuação maliciosa— sobretudo quando o assunto são nossos impulsos mais primitivos.
Sendo ou não um conservadorismo antiquado, para mim é uma constatação factual: a arte do erotismo sutil está perdida nesse atual oceano pós-moderno de mediocridade, esterilidade e shock value, com provocações cada vez mais desgastadas e inofensivas, incapazes de gerar estímulos sensoriais genuínos. Involuímos do charme provocante e sofisticado de Vogue para o charlatanismo desesperado de Wrecking Ball.
Toda essa digressão aborrecida é o efeito causado por esse tesouro dos anos 40, que conta a história de um grupo de freiras inglesas que são transferidas para os Himalaias para administrar uma enfermaria onde antes existira um palácio dionisíaco. A radicalidade do choque cultural e a aura sexual do lugar as força a reviver recordações e a reavaliar seus propósitos — agora incertos — catalisando tanto desejo, quanto loucura.
A carga erótica em Black Narcissus é tão magnética que é capaz de liberar dopamina no fluxo sanguíneo até daqueles mais incautos. E quais são as alusões mais sexuais do filme? Um batom vermelho e a presença masculina de David Farrar (uma espécie de proto-Daniel Day-Lewis) com suas pernas e torso peludos constantemente à mostra.
Tudo isso num filme cuja fotografia e cenografia são de uma beleza sem precedentes. Deborah Kerr e Kathleen Byron estão um espetáculo a parte nessa obra-prima inesquecível da Technicolor.
A Festa
3.7 64April: Martha, you're a first class lesbian and a second rate thinker. Must be all these women's studies.
Martha: April really? I am a professor specilialising in domestic labor gender differentiation in American utopianism.
April: My point exactly.
Enchanted Kingdom
3.7 9Edição over the top. Narração e narrativa ruins. Trilha sonora enojante. Usar Coldplay num documentário sobre a África? Que porra é essa? Não há limites para a cafonice humana.
Monty Python em Busca do Cálice Sagrado
4.2 742 Assista AgoraStrange women lying in ponds distributing swords is no basis for a system of government!
A Noite do Jogo
3.5 671Se você não riu na cena da ânsia de vômito, você está morto por dentro.
Tabu
4.0 32Murnau sempre elevando o cinema à última potência.
The Crown (1ª Temporada)
4.5 389Apesar do suntuosismo e rigor artístico que, por si só, saciariam meu entusiasmo por dramas históricos, são os pequenos detalhes que diferenciam uma obra como The Crown das incontáveis já produzidas sobre a monarquia britânica. Não falo somente da humanização de personagens demonizados - afinal, tal abordagem já era esperada -, mas da atenção às sutilezas que requerem que as pessoas por trás possuam inegável talento. Duas cenas, em toda a temporada, consagram The Crown em seu prestígio: o diálogo ente Churchill e o pintor Graham Sutherland, onde cada um consegue extrair da obra um do outro uma dor terrível, tão íntima que parecia intransponível, impenetrável. Dois seres humanos desnudos, por trás da austeridade e seriedade que carregavam em seus semblantes. Que cena, meus amigos. John Lithgow é mesmo um gênio da atuação; a outra, também envolvendo o Primeiro-Ministro, é quando Elizabeth lê o trecho da Constituição com o grifo na palavra "trust", remetendo ao início do episódio, e o subsequente sermão, que revela seu amadurecimento enquanto monarca e sobrepuja todas as expectativas criadas para a cena, já que ela se mostra tremendamente íntegra e elegante em sua insubserviência.
Além disso, há algo pesado que paira sobre a narrativa desde o primeiro episódio, e que é refletido na densa paleta de cores da fotografia, que me fez pensar que a série estava sendo demasiado burocrática e dura em sua abordagem dos fatos, mas que aos poucos foi se revelando como a essência da coisa toda. Não há uma cena sequer de glamour em que o ar não pese, em que um dos personagens não demonstre estar sofrendo bastante, seja por frustração ou por infelicidade. Até o Palácio de Buckingham traz um ar confinatório, de enclausuramento, com pouca ou nenhuma luz entrando pelas janelas. É como se embora não houvesse escassez material, todos ali vivessem num permanente estado de pesar, de neblina interior. Achei esse aspecto mais sofisticado que todo o resto. Regojizo total.
Laura
4.1 132 Assista AgoraI don't use a pen. I write with a goose quill dipped in venom.
A Ternura dos Lobos
3.4 2Preciso!
Aniquilação
3.4 1,6KOlho a caixa de comentários do Filmow por alguns segundos porque tenho quase certeza que pode dar câncer.
Voyage of Time: Life's Journey
3.6 45Belíssimo, mas imperfeito e nada que Koyaanisqatsi, Baraka e Cosmos: A Spacetime Odyssey já não tenham nos mostrado com muito mais qualidade e de forma menos direcionada. Cate é bae, mas a narração que lhe foi imbuída me pareceu muito fraca, muito bíblica, banal e, portanto, descartável. Por mais que seja parte do estilo idiossincrático do Malick, esse aspecto poético e subjetivo da narrativa – que funciona magistralmente em Tree of Life – se diluiu bastante nos seus últimos filmes (Knight of Cups e Song to Song), como se o diretor tivesse dirigido no modo automático, querendo mais exercitar seu estilo que dizer algo. Uma pena.
Pink Floyd: Live at Pompeii
4.8 86Apollo, do Brian Eno, e Live at Pompeii, do Pink Floyd, são as obras mais cósmicas já concebidas pelo Homem. Houvesse uma linguagem audiocosmica universal, a Terra deveria enviar esses dois discos como seus representantes para a Comissão Intergalática. Se Under Stars e Echoes não te fazem flutuar pelas curvas do espaço-tempo, nada mais o fará.