“O Palhaço” parece trabalhar em cima do consenso de que não há nada mais triste do que um palhaço triste. Isso porque um palhaço não é um comediante propriamente dito. Ele faz humor, mas o faz muito mais pensando em alegrar seu espectador do que de fato conquistar suas gargalhadas. Pois há uma diferença. Eu, por exemplo, não aprecio o humor de um palhaço na mesma plenitude que uma criança tende a apreciar, entretanto não me oponho ao seu propósito humorístico e posso facilmente me simpatizar pela performance de um. Quem conhece um pouco de comédia sabe que nem sempre é preciso exaltar a alegria para produzir uma risada. Nós podemos facilmente rir de coisas fúnebres, críticas e até grosseiras; podemos rir da insignificância e estupidez humana, da morbidez do cotidiano, da desgraça alheia e do infeliz status-quo de nossas vidas - e é por isso que temos comediantes de sobra que investem exatamente nesse estilo mais negro do humor; logo, não há porque sustentar a ilusão de que se eles nos fazem rir, é porque devem ser pessoas alegres. Já o palhaço é diferente; ou pelo menos muitos pensam que sim, por sua própria natureza. O palhaço sempre tem um final feliz para suas anedotas; ele pode ser melancólico, malicioso e muito pateta, mas no fim acaba demonstrando sua inocência, seu otimismo e sua revigorante alegria. Para se colocar no centro do picadeiro, em um circo cheio de pessoas que esperam assistir algo alegre e engraçado, é preciso de muita destreza, de uma verdadeira transformação de espírito. Senton Mello encarna justamente esse tipo de palhaço no filme; um que é impecável em seu ofício, especialmente porque sua persona por trás de seu personagem circense é o completo oposto da alegria. Também diretor do filme, Mello constrói o protagonista Benjamin de uma forma particular e sensível. Os momentos de mais fala do personagem durante a trama ocorrem quando ele está na pele do palhaço Pangaré. Pois quando não está, Benjamin é um sujeito constantemente cabisbaixo, que parece mal-adaptado ao seu mundo, que pouco consegue articular suas emoções ou simplesmente desenvolver uma conversa fluída e que dure mais do que alguns minutos. O filme não se cansa de martelar o fato de que algo está errado com Benjamin. Sua mente vive frequentemente abstraída; ele apenas se preocupa com os problemas que precisa resolver; problemas que incluem a necessidade de arrumar um RG, um CPF e um comprovante de residência - e ainda se descobre obcecado com o desejo de possuir um ventilador, objeto que atua como metáfora do estado melancólico do palhaço. Ele parece querer experimentar um pouco da vida fora daquela rotina artística que é por vezes precária e ardilosa, parece querer descobrir-se, ou ter certeza de quem ele realmente é, para aí sim ser, de forma definitiva. Ao seu redor, temos personagens que também pouco desenvolvem qualquer conversa muito longa, porém não por alguma deficiência, mas simplesmente porque o filme decide retratá-los assim, de maneira sutil e subentendida. A narrativa, que muitas vezes lança mão de figuras engraçadas e peculiares, além de situações genuinamente cômicas, confere densidade a praticamente todos os personagens, por meio de pequenos momentos que se acumulam em cima de suas figuras e que desabrocham no final do filme de uma forma particularmente bela - e é especialmente nesse aspecto humano que a direção de Selton Mello impressiona, ao muitas vezes perdurar a câmera no semblante de seus personagens de uma forma pesada e profunda, a fim de capturar com exatidão o que sentem e o que anseiam. Benjamin, como protagonista, tem um foco maior. Sua partida em dado momento do filme sintetiza o modo como a obra procede: de forma sensível, sutil e silenciosa; silêncio que apenas permite a melancólica e espirituosa trilha sonora dizer alguma coisa. Honrando o compromisso humorístico do palhaço, o filme conclui sua grande anedota com um final feliz, otimista, revigorante e, o mais importante, autêntico ao drama sofrido e superado pelo interprete do palhaço Pangaré.
Depois de espancar os clichês na cara e abraçá-los sem desdenho no ótimo “Easy A”, e ainda ser responsável por criar, juntamente com a atriz Emma Stone, uma das protagonistas de comédia romântica mais carismáticas dos últimos tempos, o diretor Will Gluck mais uma vez surpreende com este “Friends with Benefits”, que, assim como em seu filme anterior, novamente pisa no perigoso terreno das comédias românticas modernas que negam os clichês para então abarcá-los sem muitas reservas. É uma tendência perigosa e traiçoeira muito repetida pelos filmes do gênero nos últimos anos, e que geralmente não produz bons resultados, apenas obras equivocadas e auto-indulgentes. Mas Will Gluck parece ter tato para a coisa. Ao contrário dos clichês amorosos e afins da vida de uma adolescente no colegial, que através da nostalgia refletia muitas obras oitentistas do gênero, “Friends with Benefits” funciona num plano mais universal e bem mais moderno - e é curioso o fato do diretor não descartar as intemporais convenções amorosas do cinema, porém surgir com uma nova dinâmica para as interações amorosas na vida real. Mila Kunis e Justin Timberlake são amigos com benefícios, e o benefício significa sexo. Eles são amigos, mas fazem sexo. É como jogar tênis; é uma mera atividade física, prazerosa, que todos desejam e que não deveria necessariamente passar pela burocracia de relações e sentimentos para poder acontecer. Depois de passarem por insatisfatórios relacionamentos, eles se conhecem, se curtem, e entram neste acordo. E a negação dos clichês, tanto cinematográficos (vide o momento anterior ao acordo, quando assistem e discutem um filme ridiculamente romântico) quanto sociais, começa a partir deste momento. Claro, como todo romance moderno que finge não ser clichê, mas que no fundo é, já prevemos qual será o rumo que a trama de “Friends with Benefits” irá tomar a partir dali. Mas devo ressaltar que, embora tome mais ou menos os caminhos que podem ser premeditados, o filme surpreende com cada etapa dessa trilha, e é extremamente convincente e sincero enquanto a percorre. Tudo que é visto no longa possui um senso de modernidade. Todos estão conectados pela tecnologia e por tendências culturais, como flashmobs e aparelhos de telefone de última geração, além de, mais do que nunca, estarem sintonizados com a cultura popular que os ronda. Mesmo assim, o filme arruma um modo de combinar tudo isso com os velhos truísmos amorosos, como, por exemplo, a jogada de se apresentar para o parceiro os pontos turísticos e emblemáticos de uma cidade com a finalidade de conquistá-lo (no filme a conquista tem propósito profissional, mas creio que todos imaginamos do que realmente se tratava), e eventualmente adotar o local como o elemento sorrateiro de uma tríade amorosa. Nova York - e um pouco também de Los Angeles - em “Friends...” é como Nova York nos filmes de Woody Allen, com a diferença de que aqui os personagens mais se encantam por apresentações de flashmob na Times Square e por terraços tranquilos onde não há sinal de celular. Em certo momento do filme, que emula um instante piegas do romance genérico que os personagens Dylan (Timberlake) e Jamie (Kunis) assistiram antes, o rapaz encontra a garota no terraço de um edifício. “Como?”, ela pergunta. Não porque Dylan sabe mais sobre ela do que ela própria sabe, com dito no filme que tinham visto. Mas porque seu celular não atendia, e lá era o único local sem recepção que ele conhecida e do qual ela gostava. O longa nos conduz pela etapa de sexo, a primeira, de forma frenética e engraçada. É o tipo de filme em que mais rimos com os personagens do que deles, já que são naturalmente engraçados um com outro, como amigos, modernos e espirituosos. A etapa mais dramática e sentimental, que surge quando se tornam verdadeiros amigos, soa real, e desperta emoções de ambos os lados, muito porque o roteiro escava com confiança as origens dos personagens através de seus familiares e faz com que isso seja decisivo para os dois. Ambos os atores, Kunis e Timberlake, estão excepcionais: convincentes, carismáticos e em sintonia com as alterações emocionais de seus personagens, ainda apresentam uma química indispensável. A resolução da trama, tão importante neste tipo de filme, é igualmente satisfatória, um desfecho feito do jeito clássico, porém com as aspirações modernas. Sexo? Amor? Nada! Que tal uma flexível amizade?
Há dois princípios básicos para se fazer humor. O primeiro consiste no uso de uma situação inusitada que surge para um personagem comum com a finalidade de extrair dele qualquer reflexo cômico. O segundo é o exato oposto; usar um personagem que age de forma excêntrica, inusitada, em um cenário comum, a fim de conferir para toda uma situação um revestimento humorístico. Em O Guarda, nós basicamente temos o segundo caso; uma situação comum quase toda preenchida por personagens que existem em função do humor. Ainda assim, o filme não é todo risadas; ele também conta com personagens mais “normais” e ainda espera que nos toquemos com alguns aspectos de sua história, e assim apresenta elementos que claramente não pertencem às aspirações cômicas de seu roteiro. E embora o filme seja modesto e despretensioso, ele tenta demais, e por isso falha em sua totalidade, ainda que proporcione ocasionais bons momentos.
Não me há dúvidas de que Reféns pode proporcionar a muita gente uma grande gama de entretenimento e diversão. Enquanto assistimos ao filme, nos sentimos aflitos, interessados e até torcemos pelos personagens do “bem” naquelas situações diminutas e cruciantes que os encurralam. Afinal, é isso que o filme quer de nós: a atenção e a recepção simples e direta do que está se desenrolando na tela. Mas para tornar a experiência ainda mais caprichosa, o longa também deseja nosso reconhecimento cinéfilo ao também dispor de uma trama, diria, “inteligentemente elaborada”, que nem sequer por um minuto - e aqui quase me aproximo de não ser hiperbólico - nos poupa de uma reviravolta ou revelação supostamente impactante.
Quando olhamos para o céu, sentimos essa estranha sensação de esmagamento por todo aquele conjunto de estrelas, planetas, luas, escuridão e infinitos mistérios que constituem o universo. É, também, uma sensação libertadora, mágica; é o que espreme nossos egos e nos faz esquecer por um instante de todas nossas leis morais e materiais aqui da Terra e ceder, virtualmente, à sedução daquilo que está acima de nós. Claro, nós não podemos acessar o que está lá em cima, não de modo casual e ilimitado. Por enquanto permanecemos aqui, em nosso velho e único planeta, que sabidamente já não é mais imune aos olhos indiferentes ou antipáticos daqueles que simplesmente não enxergam nada de especial ou maravilhoso nesse corpo espacial que nos abriga, seja pelo motivo que for. Em “Another Earth”, nós temos dois personagens literalmente no extremo de um triste cenário. A primeira, Rhonda, uma jovem que cumpriu pena na prisão por ter matado em um acidente de carro uma mulher grávida e seu filho pequeno, além de ter mandado para o coma o pai dessa família; o segundo, John, o próprio esposo da mulher e pai do garoto morto, acorda do coma e encara lúcido, pela primeira vez, sua vida sem sua família. Ambos os personagens parecem esmagados diariamente por esse peso que carregam. De um lado um homem que se sente vítima da impiedade do acaso, ainda que cultive uma grande raiva por aquele responsável pelo acidente, e que assim se confina em sua casa em meio a doses de bebida e cochilos constantes; e do outro, alguém que se sente tão culpada pelo que fez que se vê incapacitada de seguir adiante sem que recorra à autopunição ou à compensação daquele que vitimou e mais sofreu por seus atos. A presença da “Terra 2” - ou seja, de uma cópia idêntica do nosso planeta - na narrativa nada mais representa do que a materialização desse sentimento que temos quando olhamos para o céu. É algo novo, que inspirada inúmeras novas possibilidades, para o bem ou para o mal, e que reparte nosso ego em dois, um lá e um cá; é a imensidão do universo concentrada naquela bola azul que de repente tornou tal mágica tão mais palpável ao consumo. A função narrativa deste outro planeta é muito bem estabelecida pelo roteiro, e embora sua presença ainda influa um fundo filosófico que ora ou outra se faz presente no diálogo dos personagens (e que, claro, torna o filme ainda mais interessante), sua existência jamais é alvo de escrutínio por parte da trama, como provavelmente ditaria uma tradicional ficção-científica. Não, pois “Another Earth” é, em sua essência, um poderoso e sensível drama, muito mais preocupado com seus personagens do que qualquer outra coisa, e não por acaso o diretor Mike Cahill exibe cuidado e sensibilidade na concepção e desenvolvimento deles. Rhonda, por exemplo, é apresentada como uma jovem de inteligência notável, embora oprimida pelas oportunidades que não teve devido ao acidente, e por isso é mais do que apropriado que saia desta os mais fantásticos pedaços de diálogo do filme. Em “Another Earth” Rhonda é o foco moral; ela é uma boa pessoa, e tenta fazer o possível para compensar por sua infeliz ação de outrora. Ela chega a questionar se faz aquilo por ela ou por John. Ela subliminarmente admite para ele todo o propósito de estar fazendo aquilo através da fascinante analogia com a história do cosmonauta russo, e demonstra o mesmo zelo com as palavras quando efetivamente revela a ele quem de fato é. E enquanto tudo isso acontece, paira sobre o céu a segunda Terra, a segunda chance, que Rhonda tanto deseja ter, mas que num raciocínio ponderado, porém não menos emotivo, percebe não ser pra ela. Ela percebe que quando John olha para o céu, essa estranha sensação que consome a todos é muito mais cortante e intensa para ele, por tudo o que ele perdeu. A segunda Terra é apenas um dispositivo que permite a redenção desses personagens; a melhor forma de realizarem o que é melhor para um e para o outro. O filme representa o reconhecimento do egoísmo e então sua supressão; representa a redenção como um exercício de ponderação e bom-senso, não apenas de súbita salvação. É uma história bem contada sobre uma pessoa fazendo o bem para a outra, e no caminho também se salvando.
Seguro do poder de sua história, especialmente por esta se tratar de um caso real, A Condenação é um filme que se apóia completamente nos fatos dela para garantir seu sucesso. Dessa forma, podemos não observar no filme uma narrativa que fuja do padrão convencional de dramas biográficos ou uma direção que invista em inovações, mas podemos observar e sermos atraídos principalmente pelos detalhes que mantém o teor de sua história eficientemente ativo e comovente e, é claro, pelas irrepreensíveis atuações de Hilary Swank e Sam Rockwell, além de todo um elenco de apoio cuidadoso na concepção de cada um dos personagens, tornando-os sempre rígidos e palpáveis.
No final de “Terri”, quando o protagonista homônimo trilha o caminho matagoso que cotidianamente percorria para ir de casa até a escola, pude perceber, ao notar o singelo sorriso de Terri, enquanto o sol lhe banhava, do que realmente o filme se tratava. “Terri” é um daqueles filmes que prezam a simplicidade narrativa em busca de pintar um retrato autêntico e passível de estudo de seu protagonista, desenvolvendo-o por meio de elementos de seu dia-a-dia e das mudanças que se fazem presentes a partir do início da trama, e eventualmente, traçando por meio disso sua evolução. “Terri” nos introduz a um protagonista que logo na sua primeira aparição em tela já notifica o espectador de seus problemas mais óbvios. Com o passar da narrativa, observamos o garoto obeso e rejeitado em seu colégio aturar as questões mais clichês que uma pessoa como ele costuma enfrentar. E sem dúvida “Terri” é um filme clichê. Há, entretanto, de ser levado em conta a extensão desse clichê, pois um protagonista como Terri é, de certa forma, um clichê da vida, não só dos filmes. Ele sofre do tão dito bullying e também estabelece uma inusitada conexão com pessoas, como com o condescendente diretor da escola, o perturbado e importuno garoto Chad, e a garota bonita com aspecto de líder de torcida que eventualmente passa a ser rejeitada por toda a escola devido a certo incidente. O diretor, interpretado pelo sempre ótimo John C. Reilly, é construído com saboreio pelo ator, responsável pelas ocasionais cenas de humor que o filme apresenta tão bem. Mas seu personagem também é aquele que toma como inevitável responsabilidade cuidar e zelar pelas figuras que mais precisam de ajuda na escola, os tais “estranhos”, ou “monstros”, como dizem no filme. Ele é, de certa forma, o ponto gravitacional de toda a narrativa. Como mostrado no filme, Sr. Fitzgerald foi uma vez um garoto rejeitado, e sua assumida boa ação não passa de uma forma de fazer para aqueles alunos o que talvez não fizeram para ele, e mostrar, através de discursos cheios de divertidas analogias e morais, como eles podem se tornar uma pessoa melhor para si próprios, apesar de todas as atribulações que os acompanham. Sr. Fitzgerald se coloca na mesma altura de Terri, ele reconhece que não tem todas as cartas para salvá-lo, seja lá do que for; apenas que ele quer ajudar o garoto. O diretor não diz que ele também aceita alguma ajuda, porém acaba abrindo uma brecha para recebê-la. Pois no final, depois que Terri descobre que o diretor anda dormindo em seu carro e os dois partilham de momentos agradáveis e amigáveis dentro da escola, a dupla acaba se estabelecendo como amigos que prestam ajuda moral mutuamente, e não só de um para o outro. E além dele, Terri também se aproxima da bela Heather, logo quando ela mais precisava de alguma generosidade emocional. Chad, um garoto que demonstra sua carência através de gestos impertinentes, também estabelece uma relação vagamente próxima de Terri. O filme é basicamente sobre esse firmamento de relações, que podem não ter significado definido e concreto, mas que de uma forma humana e reconfortante aproxima essas figuras e seus problemas interiores, e através de uma condescendência disfarçada, talvez um pouco quista, mas consentida por todos, acabam se ajustando. Não permanentemente, talvez não idealmente, talvez ainda lidando com a vergonha. Mas em um sentido vago, acabam se sentindo bem, especialmente, é claro, o nosso protagonista, como nos confidencia a cena final. A narrativa de “Terri” algumas vezes passa aquela impressão de que não sabe bem o que quer transmitir, apenas que quer transmitir algo, recorrendo aos já citados clichês para imprimir o peso e o imediatismo dos problemas dos personagens - e que, como são clichês passáveis, acabam funcionando em favor dos arcos de seus personagens -, e aparentemente não sabendo bem manejar os pólos de sua temática. Há, no entanto, uma sequência fascinante no ato final do filme, quando Terri, sua amiga Heather e o problemático Chad passam a noite juntos. Esse segmento do longa fascina particularmente por sua extensão - destoando do ritmo sucessivo e subentendido de cenas que a montagem emprega - e por sua volubilidade de sentimentos. A situação é estranha, constrangedora, desconfortante, mas também excitante. Ela tem um significado íntimo para aqueles personagens, que incertos experimentam a sensação da conexão e interioridade humana. É tudo muito sensível, ainda que estranho, e Terri não sai ileso daquilo. Ele fica melhor, ele ganha uma motivação para sorrir.
Há tempos não via o conceito de “entretenimento familiar” estampado de forma tão impudica por todos os cantos de um filme. A concepção popular do tipo de “programa destinado a toda a família” sempre abarcou qualidades positivas, inofensivas, aparentemente instrutivas e altamente divertidas. Conceber um produto com o intuído de ser um “entretenimento familiar” se tornou praticamente um sinônimo de produção ruim, com narrativas gastas, sem nenhuma fagulha de inovação artística ou conceitual. Todos se sentem à vontade para sentar na frente da televisão ou ir ao cinema para assistir a um filme que seja “para a família”. Pois todos sabem o que vão encontrar nesse tipo de obra, tanto em termos de forma quanto de conteúdo. Só restam, então, os pequenos caprichos que o filme inventará para poder entreter o espectador sem que este busque na memória um filme exatamente igual àquele que está vendo - e, assim, o julgue repetitivo, ou uma cópia. E pra não dizer que “Mr. Popper’s Penguins” não oferece nada de novo, é justo dizer que o filme tem pinguins, muitos deles. Pinguins que são pintados aqui como animais mais inteligentes do que de costume, engraçadinhos e antropoides. As aves muito lembram aquelas criaturinhas presentes em massa nos filmes modernos de animação, cuja única função - já que geralmente carecem de relevância narrativa - é a de conquistar o espectador com sua “fofoura”, esperteza e divertimento. E ainda que os pinguins aqui sejam personagens decisivos e tenham importância narrativa, só o fato de existiram já é enervante. Porque os pinguins não são divertidos, eles querem ser, o roteiro faz de conta que são, e os personagens entram na onda. Na verdade, todos os pinguins - que possuem cada um uma característica nítida que os diferencia e os dá nome - são irritantes, muito irritantes, e é sintomático que os personagens ao redor deles também sejam. Pois se podemos declarar que um personagem é divertido apenas por ser, podemos também declarar que ele é irritante apenas por ser. Mas neste caso ainda há muito mais fundamento: a inacreditável apegação do protagonista Popper por seus pinguins vem a calhar com os valores que o filme quer transmitir - e isso, mais o fato de que todos são personagens bobos que se comportam de forma estúpida, é razão o suficiente para que sejam irritantes. E mais: o uso das criaturas como metáfora é óbvio, e se torna cada vez mais óbvio com o passar do tempo. Jim Carrey, que é um cara simpático, só precisou mesmo desta qualidade para ganhar o papel, uma vez que seus dotes cômicos são suprimidos, simplesmente não aparecem. Seu personagem, que teve problemas com seu pai, sintomaticamente também possui problemas em ser um bom pai. E aí ele tem um filho pequeno que nunca deseja desapontar, mas geralmente o faz mesmo assim; uma filha adolescente que ora o acha um ótimo pai, ora o pior pai do mundo, e cujo único grande drama é a falta de consideração paterna por suas incertezas amorosas; e uma ex-mulher que - adivinhem - ele ainda quer de volta. A princípio, ele não quer nada com os pinguins, que são presentes de seu recém-falecido pai. Mas ele eventualmente aprende a apreciar suas companhias, aprende que com eles pode unificar toda a sua família - sem contar que o personagem também serve de porta-voz para o roteiro que parece querer exprimir seu desdém pelos “bons cuidados com os animais” ao conceber o agente do zoológico como um vilão unidimensional e alastrar a mensagem de que apenas amor e carinho são necessários para cuidar bem de pinguins (e por extensão da mensagem metafórica, de qualquer um). (E convenhamos que, mesmo que o zoológico não seja o melhor lugar para os animais, tampouco é o apartamento de um homem). Voltando para o fato dos pinguins serem irritantes, bem, eles são. Porque são responsáveis por toda a besteira não construtiva que a premissa do filme imprime pela enésima vez, só que agora na forma de pinguins, ao invés de qualquer outro dispositivo narrativo que exemplifique para as crianças, pais e demais: “vamos nos amar, vamos ser pessoas melhores, vamos ficar juntos, a família deve permanecer unida”. E este é, sem dúvida, o “melhor” exemplo de “entretenimento familiar” que temos. Eu passo.
Nos últimos tempos, os filmes românticos - principalmente as comédias românticas - parecem ter passado por uma ligeira renovação. É notável como os romances formuláicos e clichês de dois protagonistas cederam espaço para aqueles que, a fim de renovar o gênero e brincar com as convenções dele, apostam não apenas em dois personagens perdidamente apaixonados um pelo outro, mas vários deles, em um só filme, dividindo as mesmas amarguras e doçuras do amor e do estado de paixão. É mais ou menos como aquela noção presente no humor de que se repetirmos uma piada ruim várias vezes, ou então aumentar sua proporção, ela eventualmente se tornará engraçada. Divergências sobre essa artimanha à parte, “Crazy, Stupid, Love.” é mais um filme que traz praticamente todo o seu elenco envolvido em algum tipo de relacionamento problemático ou querendo se envolver em um também problemático. Mas se o longa segue a tendência atual das comédias românticas, ele o faz de forma particularmente interessante, ao criar sub-tramas que não apenas se convergem num sentido temático como também de dependência direta. Cada personagem apaixonado tem um tipo de ligação com o outro, e essas ligações são exatamente os problemas de seus relacionamentos ou supostos relacionamentos. O quadro geral da narrativa é bastante intrincado, e por isso mesmo o filme consegue soar interessante e fresco em meio a tantos semelhantes. Mas não podemos esquecer, “Crazy, Stupid, Love.” é também uma comédia, e uma muito boa. Aliás, diria até que tão mais o filme funciona por seu humor quanto por seu lado romântico. Steve Carell encarna o protagonista Cal, e o roteiro é generoso com o ator; o oferece um papel que não só lhe concede a chance de explorar seus dotes cômicos mais característicos como também entende o potencial dramático que ele pode evocar, permitindo ao ator investir com sucesso principalmente no estado depressivo que o personagem assume em alguns momentos da história. O humor de “Crazy...” vigora mais durante a primeira hora de projeção, quando a película encontra na parceria dinâmica entre o deprimido e recém descasado Cal e o garanhão e invejavelmente elegante personagem de Ryan Goslin, Jacob, um enfoque bem-sucedido para compor os momentos mais engraçados. Cal é simplesmente hilário em qualquer diálogo seu com mulheres; e Jacob, ainda que tenha sua persona desgastada em favor da comédia, desperta boas risadas quando desempenha o papel de Sr. Miyagi para Cal. A professora dissimulada que cai na rede de Cal (e que, surpresa: é professora de seu filho!), interpretada por Marisa Tomei, é também um alto ponto cômico do filme. Mas o maior deles, sem dúvida, é aquele em que todos dos personagens apaixonados inesperadamente se encontram em um mesmo lugar e surpresas e pequenas tragédias se rompem. A cena é um marco no filme; pode parecer um pouco forçada, mas se sustenta diante das peças anteriormente estabelecidas e é também o melhor uso da “situação clichê” que o roteiro ora ou outra emprega de forma auto-consciente. Mas para tudo isso - brincadeiras com as próprias convenções e aumento de proporção - há um romance, aquele que é independente da comédia; aquele que precisa provar-se para além de seu propósito cômico. E é justamente neste aspecto que “Crazy...” coloca a perder sua força, seu frescor. O personagem de Goslin, por exemplo, é um pegador nato no começo do filme, funcionando relativamente bem como membro cômico. E se humanizá-lo (eufemismo para “questionar sua moral e subitamente transformá-lo em uma pessoa que o roteiro julga ser melhor”) é interessante a princípio, o roteirista acaba desenvolvendo seu arco de forma artificial e típica somente pelo bem de reforçar seu ponto de vista temático. É infeliz observar, também, como o roteiro demonstra preguiça em ressaltar os eventos internos de seus personagens. É preciso que o sonho de Cal - após ter ido para a cama com várias mulheres - seja ilustrado para sabermos que ele ainda se importa com sua mulher; é preciso que Jacob tenha uma noite de conversinhas - ao invés de sexo - com a personagem de Emma Stone para que acreditemos que ele quer algo mais com ela; é preciso que a personagem de Julianne Moore telefone para Cal pra falar sobre um assunto quando na verdade... Bem, estes são apenas alguns exemplos da fragilidade de “Crazy, Stupid, Love.” na esfera do romance. Sim, sim, o discurso de formatura dado por Cal é passável e autêntico ao personagem, mas ainda muito óbvio. O filme é bonito, tem suas partes melancólicas e até amorosas que devem ser levadas em consideração, mas se sai muito melhor quando quer ser engraçado. Eu apreciei o filme, ri com o filme, mas o único insight que ele me ofereceu sobre relações humanas e especialmente amorosas é a de que há almas-gêmeas e a de que devo lutar por elas. Bem, eu tentarei, mas prefiro muito mais assistir ao filme de novo e dar mais algumas boas risadas com ele.
A nostalgia tem a capacidade de nos fazer desejar aquilo que já se passou, de querer reviver aquele momento ou fase da vida. Mas o distanciamento que nós temos daquilo é precisamente importante; é o que faz o sentimento nostálgico ser o que é, uma simples sensação de saudade, de adulação do que se encontra registrado em documentos e memórias, mas que nunca tomará forma novamente, não da exata maneira como uma vez foi. A arte, por outro lado, é aquela que não só nos proporciona uma escapatória para lugares inimagináveis e completamente fictícios, como também para aqueles que já foram uma vez lugares concretos, momentos e sentimentos, mas que hoje não passam de recordações. Nós temos no gênero da ficção-científica, por exemplo, uma imensa leva de obras que mediante a ideia da viagem no tempo já transportou personagens para diversas épocas e lugares com o intuito de ou consertar algo malfeito ou simplesmente reviver um instante saudoso. Em “Midnight in Paris”, Woody Allen adentra no famigerado mundo da viagem no tempo justamente para fazer o último: reviver. Entretanto, o cineasta não trabalha essa ideia com o revestimento da pseudo-ciência e das propriedades físicas que supostamente permitiriam uma viagem através do tempo. Não, Allen não está interessado em ficção-científica; Allen está interessado na mágica, no encanto, naquele sentimento de exaltação em torno de um deslumbre que nos leva a lugares que anteriormente apenas habitavam nossas memórias. A lógica interna empregada por Woody Allen em sua narrativa consta que em determinado ponto da cidade de Paris, exatamente à meia-noite, na batida dos sinos, um personagem pode ser subitamente deslocado para a década de 1920. Uma década que além de aspirar o inveterado brilhantismo da capital francesa, também era meca artística dos nomes mais conceituados da literatura, pintura e até mesmo do cinema. E com essa sacada oportuna, Allen se deleita com as possibilidades cômicas de seu roteiro ao conceber um protagonista carismático e jogá-lo em uma realidade titilante, que abarca tanto o estilo romantizado parisiense quanto o caricato de seus personagens históricos. O cineasta não tem intenção de explicar as propriedades mágicas de sua desvairada aventura. A magia simplesmente acontece, como se fosse parte fundamental da idealizada e elegante Paris. Uma cidade que logo no início do filme já nos é apresentada por meio das tomadas que consignam os principais e mais belos pontos turísticos da metrópole - e que, por serem tomadas que dispensam qualquer encenação, contrastam e ao mesmo tempo fundem-se com o restante de Paris que é vista no decorrer do filme, sugerindo a natureza mágica da cidade não apenas como um elemento subjetivo, mas natural da mesma. Abusando das possibilidades de seus regressos ao passado, a trama de “Midnight in Paris” cruza no caminho do protagonista feito por Owen Wilson, o escritor de filmes hollywoodianos Gil, as mais diversas figuras artísticas da antiga Paris, e pertinentemente as usa em favor de seu protagonista, além de assim construir inspirados momentos de humor que se revelam cada vez mais inspirados e oportunos - como quando, no restaurante em que se desilude ao se despedir de Adriana, encontra-se com o grupo de surrealistas formado pelo fotógrafo Man Ray, o cineasta Luis Buñuel e o pintor Salvador Dali, que surgem em um momento demasiado conveniente, e por isso mesmo hilário, resultando em uma das sequências mais engraçadas de todo o longa. Como enobrece a magia, o deslumbre, “Midnight in Paris” confere a Gil um desfecho daqueles típicos da Era de Ouro do cinema, mas mesmo assim consegue identificar problemas com sua tese e sua antítese. Tampouco o protagonista atura um final amargo, preso aos laços de sua noiva e seus amigos pedantes e aborrecidos, tampouco permanece no passado com a belíssima Adriane, que quando regressa ainda mais no tempo (naquela que acreditava ser sua Era de Ouro, o ponto nostálgico onde sonhava habitar), faz o protagonista compreender o grande problema que é viver no passado, e perceber o verdadeiro encanto da nostalgia, cuja agridoce beleza deve ser apreciada à distância. Resta a Gil, então, a síntese: permanecer e conviver com seu presente, mas no desfrute absoluto da nostalgia, quando encontra um par que vive em seu tempo mas que respira o passado; o par ideal, e que prazerosamente o acompanha debaixo da chuva de Paris.
Quando pensamos em filmes com temáticas esportivas, a primeira coisa que nos vem à cabeça são as morais que o gênero costumeiramente oferece ao seu espectador. A vitória, a superação e o espírito esportivo são valores que andam de mãos dadas com os desafios que a prática da competição desportiva produz, sendo assim fácil estabelecer analogias e metáforas que podem ser aplicadas tanto na vida quanto no meio esportivo, já que, evidentemente, “vencer”, “superar” e “motivar” são palavrinhas universais e um tanto quanto abrangentes. Portanto, se estes valores tão vagos e de certa forma triviais continuam a ser estabelecidos firmemente por este gênero do cinema, como compelir espectadores com uma história que carrega tudo isso e mais um pouco? Como sair ileso dos clichês e das morais baratas sendo que o mundo esportivo, por regra, não se desfaz de tais valores?
Há muitas similaridades entre as noções de viagem no tempo de “O Homem do Futuro” e de outros filmes e séries de tevê que já abordaram o tema. Pegando emprestado muitas delas, este longa do diretor Cláudio Torres passa distante de soar original no que tange a ficção-científica aqui apresentada. Mas longe de fazer disso um problema, o cineasta concebe uma narrativa bem amarrada, segura o bastante para emular ideias do sub-gênero das viagens no tempo, e absolutamente autônoma na aplicação de seu tom, criando um filme que é ora uma comédia caricata, ora um romance tocante, ora uma verdadeira aventura que faz jus aos melhores e mais despretensiosos exemplares da ficção-científica. No filme, Wagner Moura tem a oportunidade de encarnar até três versões de um mesmo personagem, alcunhado de “Zero”. Na representação das três versões, Moura demonstra um divertimento absoluto, concebendo primeiramente um caricato “cientista maluco” com todos os trejeitos e maneirismos exigidos pelo tipo - algo que se reflete também em seu figurino e no seu cabelo totalmente anarquizado. Da mesma forma, Moura compõe um típico nerd estudante de física que, além de todas as características que um personagem deste tipo demanda, ainda tem o adicional da gagueira, tornando-o ainda mais caricato, porém muito mais desajustado e divertido. Por fim, a terceira versão de Zero, um homem bem mais maduro e confiante, mas não menos fracassado, é construído por Wagner como se fosse uma pessoa completamente diferente, contrastando abundantemente com a personalidade de sua versão adulta e louca e de sua versão jovem e nerd. As diferentes representações de Moura, aliás, causam um curioso fenômeno na relação dos personagens. Em certo momento, as três versões de Zero se encontram na mesma linha temporal, e de maneira exponencial suas personalidades vão se intensificando e se distinguindo uma da outra. O nerd passa a ser mais bobo e infantil, o cientista mais nervoso e esbaforido, e a terceira versão de Zero alguém muito mais seguro e consciente do que qualquer outro. Toda a caracterização dos personagens, bem como suas relações entre si, são pontos cruciais para o bem sucedido humor que o filme apresenta, se revelando tão eficaz quanto seu pano de fundo romântico, além de conferir uma visão nítida das diferenças que variadas realidades temporais podem causar a uma mesma pessoa. E ainda que acerte em cheio na sua abordagem cômica, “O Homem do Futuro” tem o romance como elemento fundamental de sua trama, que equilibra com eficiência os momentos de humor e os momentos sentimentais. E se tem uma coisa que faz de “O Homem do Futuro” um filme fluido e envolvente é o seu ritmo turbulento desde o início, já logo estabelecendo e nos preparando para a intensidade emocional de sua história, que mesmo apostando em uma tonalidade variável, jamais abandona a atmosfera irrequieta e urgente de sua narrativa. Enquanto a trilha instrumental do filme cumpre seu papel ao auxiliar a atmosfera das cenas, as ótimas canções que vez ou outra tomam conta de nossos ouvidos são certeiras ao evocar a nostalgia da época (que, aliás, é muito bem retratada pela direção de arte e pelos figurinos), além de também funcionarem como constantes no meio de toda essa equação temporal, simbolizando um elemento familiar para os personagens nas diversas linhas temporais. “O Homem do Futuro” ainda conta com uma interessante interpretação das consequências da mudança do tempo. O filme, ao seu final, parece assumir uma agridoce ideia de que os momentos mais efêmeros, porém felizes, devem ser perpetuados e não alterados pelo bem do quadro geral, já que a mudança eventualmente traria implicações ainda mais infelizes do que o que estaria prestes a acontecer logo após o momento de alegria repetido tantas vezes durante o filme. A troca de um momento único e marcante por um panorama mais confortante não parece ser uma boa escolha, diz o filme - e não apenas pela razão de se evitar uma desgraça maior, mas simplesmente pela lástima que seria excretar aquela felicidade que vive naquele pequeno momento, assim como quase todos os momentos felizes de nossas vidas habitam os instantes mais breves e fugazes. Mas infelizmente o final da narrativa não reforça essa noção, investindo em um desfecho que apesar de coerente e bem amarrado, é um perfeito exemplo da “síndrome do final feliz” entrando na frente de uma ideia muito mais interessante. Entretanto, “O Homem do Futuro” se faz mesmo valer por todo o seu resto, e é certamente um dos filmes de mistura de gêneros mais interessantes dos últimos anos.
Este é mais um conto de predestinação. E é mais um que une essa supersticiosa noção com uma trama fundamentada na ficção-científica, tornando o desafio de explicar tal processo esotérico ainda mais criativo e complexo. E Contra o Tempo (Source Code, no original) se sai consideravelmente bem na tarefa de reinvestir num tema já, de certa forma, gasto e criar uma narrativa envolvente e mitologicamente intrigante.
O estilo de vida peculiar que Hugh Hefner, o criador e dono da revista Playboy, mantém e sempre manteve é costumeiramente visto com olhares cínicos ou que somente enxergam em sua figura algo de cômico, ridículo e extravagante - especialmente por já ser uma pessoa de idade avançada, o que misteriosamente reforça ainda mais a “ridiculez” que ronda sua personalidade. E se há algo de realmente valioso que este documentário tem a oferecer para aqueles cujo pensamento se enquadra na descrição acima, é o fato de revelar o que qualquer um com a disposição para enxergar além das aparências poderia descobrir sem muito esforço - e isso já é um grande favor que o filme faz.
Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, no original) tem uma ideia simples mas interessante. É, basicamente, uma versão povoada por mulheres daquelas “comédias de constrangimento” comumente associadas a homens. E apenas isso já permite aos roteiristas sacarem agradáveis surpresas para a criação de gags e situações cômicas que carreguam os traços femininos como parte essencial de seu humor. Mas Missão Madrinha de Casamento não seria tão engraçado se simplesmente seguisse o caminho da inversão de gênero, já que o que as “comédias masculinas” (uma distinção estúpida, é verdade) de qualidade têm como mérito não é o fato de voltarem suas tramas para personagens homens, e sim por simplesmente conterem piadas boas e um humor que é desenvolvido de forma astuta e/ou inteligente.
A vida passa, e cada um que passa por ela é defrontado por dois mistérios extremos: o nascer e o morrer. Dizer que em determinado ponto nascemos e em outro morremos é uma certeza garantida pela experiência humana, que tem percepção o bastante para definir o surgimento e o desaparecimento da vida em um organismo. Mas estaria a vida intrinsecamente conectada ao nosso arquétipo material? Se não, para onde ela iria depois que sua breve trajetória por entre nossos corpos chegasse ao fim? Essas questões de ampla dimensão são trazidas à tona em “The Tree of Life”, mas este não é um filme de divagações infinitas e abstratas; seu alicerce está no núcleo familiar que, não à toa, é envolvido por toda a magnitude do universo, desde o seu especulado princípio até o seu inacessível fim; desde as suas mais microscópicas manifestações até seus mais vastos e desmesurados aspectos, que nos fazem constatar o quão breve e pequeno somos diante de toda essa imensidão, tanto em dimensões físicas quanto em significado. Mas a mais fascinante beleza reside justamente neste contraste, entre o pequeno e o grande, entre um lado e o outro, entre a vida e a morte, o amor e o ódio. Esta é a beleza do universo, uma beleza trágica porém perfeita dentro de uma amálgama de imperfeições. E há, sim, um significado íntimo que sublinha todas as manifestações de vida. Nós, como humanos, só conseguimos compreender um tipo de significado, o nosso próprio. Com esta percepção, a direção não convencional de Terrence Malick tem como finalidade evocar aquilo que desperta em nós emoções, prazeres, anseios, afeto e desgosto. O diretor registra a intimidade de um típico ambiente familiar de uma época específica ao mesmo tempo em que sumariza a magnificência da origem do universo. Em ambos extremos, a complexidade é vigente. Há simplesmente muitas formas, emoções, sensações e dúvidas. Por isso, é com surpresa que testemunhamos a capacidade única com que Malick sintetiza o desenvolvimento da vida em seus mais variados estágios de beleza visual e emocional. Além do mais, o diretor se coloca sempre na altura de seus personagens, de modo com que virtualmente respiremos junto deles. “The Tree of Life” flui como uma obra de música clássica. A tonalidade de cada passagem varia de forma nítida, diluindo-se delicadamente conforme as emoções são impressas na tela. Visualmente, o filme é como um mosaico; as peças, aparentemente desconexas, formam uma espiral de filosofia e natureza humana, desvendando os sentimentos mais interiores de seus personagens e fazendo-os crescer durante a narrativa, assim como tudo cresce e se desenvolve durante o filme. Ilustrando a inquietude perfurante diante daquilo que nos intimida, o longa pinta a rígida figura paterna como um intimidante contraste de amor e ódio para seus filhos, assim como também sugere semelhante característica para a totalidade do universo e do suposto Deus, duas coisas que se impõem rigorosamente diante da insuficiência humana, às vezes nos recompensando com generosidade, às vezes com crueldade. De certa maneira, todos esses contrastes, todo esse conjunto de dualidades estão subjetivamente fundidos com nossa experiência de vida. Nós vemos as coisas através das óticas da pessoalidade; nós sentimos, nós desejamos e até nossos esforços mais racionais são revestidos do que chamamos de subjetividade - e assim descobrimos (ou inventamos) o significado em tudo, nas pequenas ou grandes coisas, num imaginário Deus ou em um simples e palpável pé de neném. Afinal, como poderíamos viver de outras formas se somos necessariamente espremidos pelo nascer e pelo morrer? “The Tree of Life” é uma poderosa ferramenta de evocação. O filme joga com elementos intrigantes e desperta as mais profundas sensações humanas ao exprimir a beleza do que há distante e do que há perto, flertando assim com a angustia do nascer, crescer e morrer, em suas mais extremas concepções. No final, percebemos que responder questões é um exercício ocioso e fútil dada esta incrível narrativa proposta. Mas ao menos o filme nos faz sentir, pois temos um histórico de emoções reservado em nossas mentes, e cada uma dessas emoções corresponde a algo mostrado aqui. A pergunta a se fazer é: o que você sentiu?
Dando início ao seu filme com uma narração satírica sobre a personalidade e brilhantismo da cidade de Nova York e seu distrito Manhattan, Woody Allen incorpora neste filme uma quantia abundante de referências ao que parece lhe trazer prazer na vida, e inclusive encarna em seu personagem um sujeito de extremo raciocínio neurótico (como de costume), narcisístico, sistemático e abalado pelas próprias idiossincrasias que nunca o deixam em paz - mas que também o fazem ser o que ele é, como deseja ser.
Em O Agente da Estação (The Station Agent, no original) nós temos um anão como protagonista. Seus anseios, dificuldades e atribulações cotidianas são retratadas, eventualmente. Mas Fin, o anão interpretado por um excelente Peter Dinklage, embora indiscutivelmente o miolo dramático de todo o filme e o único com “problemas” físicos patentes, não é o único personagem que recebe as sensíveis pinceladas emocionais da trama.
“Attack the Block” é o tipo de conto que busca heroicizar um personagem marginalizado e moralmente corrompido através de uma situação que o desafia e muda de forma absoluta seu estilo consolidado de vida, proporcionando a ele uma redenção e transforma-o exatamente no oposto do que era antes. Este personagem aqui é Moses, o líder de um grupo de jovens criminosos que defendem um bloco de classe baixa na cidade de Londres. Moses é o típico jovem marginal que nunca tomou a iniciativa de pensar nas coisas que faz, apenas fazendo-as ao assumir uma espécie conformismo com a vida que lhe cerca e cerca seus amigos. Tudo muda, então, quando há uma invasão alienígena no bloco onde vivem, impondo uma situação de urgência que acomete o grupo de Moses e os encurrala por também desencadear uma série de outros percalços, como a ameaça do líder mor do bloco, que passa a perseguir Moses por suspeitar de uma traição, e, claro, a polícia, que coloca-se no caminho dos delinquentes depois que uma moça roubada por eles denuncia o delito. Além do óbvio subtexto da redenção, “Attack the Block” é especialmente divertido e igualmente sensível por também evocar outras qualidades humanas em meio aos seus personagens, principalmente qualidades que dizem respeito ao envolvimento de pessoas diferentes por buscarem um objetivo em comum - que aqui seria basicamente o de sobreviver. Não apenas os membros da gangue do bloco têm de se unir com a moça que horas atrás tinham assaltado (e vice-versa, o que torna, por parte dela, a união bem mais hesitante), como também assumem a responsabilidade de sobreviver não ao se esconderem ou fugirem do perigo, mas ao enfrentá-lo. Assim, o filme emprega aquela sensação de adrenalina manifestada pela urgência de ter de combater um inimigo misterioso e que se difere totalmente das condutas e riscos da vida criminosa que assola o bloco. Em determinado momento da trama, inclusive, um personagem observa que está morrendo de medo daquela situação sinistra, mas que está achando aquilo “irado” - coisa que nos diz muito sobre o impulso de enfrentar uma ameaça com todas as forças apenas por ser uma ameaça. Os personagens de “Attack the Block”, principalmente os membros da gangue e a jovem enfermeira Sam, são todos divertidos; tendo cada um deles uma personalidade saliente o bastante para nos envolvermos e nos importarmos com cada passo que executam - o que é mérito do roteiro, que é hábil ao criar personagens interessantes mesmo sob a margem dos estereótipos, apresentando de forma ágil e sutil as suas particularidades e a maneira como agem. Dessa forma, fica até difícil não torcer pela redenção de Moses, pela sobrevivência de cada um dos membros da gangue, pela extinção dos perigos, e pela inusitada amizade que Sam estabelece com os marginais que a roubara anteriormente. E com exceção da sobrevivência de todos os membros da gangue, que acaba não se sucedendo, tudo isso acontece: os alienígenas são dizimados, o cara mal acaba morrendo da pior forma possível e Moses alcança a redenção depois de perceber que foi ele quem atraiu o problema e era ele quem deveria se sacrificar e acabar definitivamente com todo aquele caos - o que ele faz, sendo intensamente ovacionado pelos moradores do bloco. E ao mesmo tempo em que o desfecho de “Attack the Block” cai na mesmice, ele não deixa de soar como uma releitura mais pé no chão e despretensiosa de filmes de ação com temáticas similares, assim como todo o restante do longa - já que, ao evocar todas as sensações predominantes de filmes do tipo, “Attack the Block” o faz de uma maneira astuciosamente cômica e gore, assumindo descompromisso, e o faz também com um trabalho de produção, direção e montagem que procura encontrar o realismo em meio a tantas situações irreais, sem que assim deixe de provocar empolgação e tensão em quem assiste; algo que, somado com a qualidade de “conto de redenção” que o filme eficientemente constrói em torno de seu protagonista, acaba formando um exemplar de gênero quase impecável e altamente divertido.
Olhando em retrospecto, e principalmente depois de conferir este novo filme da saga “X-Men”, a aventura dos mutantes no cinema é composta em sua essência por uma questão pessoal do personagem Magneto. Claro, não há como não reconhecer a importância que outros personagens, tais como Wolverine, Jean Grey, Charles Xavier e Vampira, têm para o universo X nos cinemas, principalmente se considerarmos a trilogia inicial. No entanto, o investimento profundo, ainda que moderado, no drama pessoal de Erik nos três primeiros filmes veio a calhar perfeitamente com o peso recebido pelo personagem em “X-Men: First Class”. Se ajustando a um contexto histórico que não só revela-se elegante em termos de retratação, como também em termos narrativos, ao fazer uso do cenário da Guerra Fria para criar uma narrativa complexa e significativa, “X-Men: First Class” não deixa, porém, de atuar como um “preenche lacunas”. Embora negligencie um grande detalhe do terceiro filme e com isso crie o único furo na história que posso identificar, o longa se sai incrivelmente bem na função de ligar os pontos e encaixar seus eventos com aqueles futuros que vimos nos filmes anteriores. E ao se encarregar de preencher lacunas, o filme inevitavelmente explora mais os personagens que anteriormente conhecíamos, o que nos dá a admirável oportunidade de conhecer mais sobre Mística, uma personagem que tem suas dimensões acrescidas por este filme, nos ajudando a compreender sua futura personalidade fria e principalmente testemunharmos que na época ela era a que mais sofria com sua diferença genética. Aliás, o fato de “X-Men: First Class” explorar o surgimento do preconceito sofrido pelos mutantes, ao passo que eles tornam-se cada vez mais notáveis, não só é importante para a história como um todo, sendo este fenômeno a grande causa de discórdia entre homo sapiens e mutantes, como também magnificamente representado por alguns pontos em particular. Um deles, a relação entre Fera e Mística, surge como elemento novo na história, e também retrata de forma sensível a manifestação do discurso do orgulho mutante, que embora essencialmente possua a mesma e simples filosofia, ganha traços diferentes dentro das ideologias opostas de Xavier e Magneto. Por falar em Xavier, é interessante como este é pintado como um jovem entusiasmado e ávido por tudo o que se relacione com mutações - conjunto de características que se contrasta de forma orgânica com o cauteloso e sereno Xavier dos anos seguintes. Por outro lado, a imensa extensão das habilidades do personagem se torna um verdadeiro incômodo em alguns momentos, tendo sua quase ilimitada capacidade telepática uma função de demasiada conveniência na trama, parecendo facilitar tudo para as ações dos X-Men e para as necessidades do roteiro. Outro que chega a causar incômodo é o vilão interpretado por Kevin Bacon, Sebastian Shaw, cujos propósitos são exatamente os mesmos de Magneto, com a diferença de que o personagem de Shaw não é explorado de forma devida e tampouco parece reter motivos emocionais que justifiquem seu objetivo. Mas apesar disso, Shaw ainda é um bom alvo para Magneto, que neste filme tem sua personalidade trabalhada através de sua busca por vingança contra o homem que matou sua mãe e o transformou em quem ele é e também pela forte relação que estabelece com Charles Xavier. Relação que, aliás, se desmancha em uma sequência fantástica a vinte minutos do fim, onde não só a ironia de os mutantes deterem uma terceira guerra mundial e legitimarem uma guerra contra eles próprios os atinge, como também a fissura entre dois dos mais orgulhosos representantes da comunidade mutante - fato que viria a gerar implicações individuais para ambos os ex-amigos e também gerais para toda a causa dos mutantes. Se beneficiando de efeitos visuais primorosos e arrojados, o diretor Matthew Vaughn exibe uma fascinante condução criativa de suas cenas, concebendo desde sequências de ação eletrizantes até planos e sequências marcantes pela sensação que despertam (algo também auxiliado pela inventiva montagem do filme), seja numa série de cenas mais divertidas e irreverentes como as que ilustram Xavier e Erik recrutando novos mutantes (com direito a uma ponta hilária de Wolverine), seja pela arrepiante cena da moeda, que estabelece um paralelo visual (e simbólico) entre a morte de Shaw e a traição que Erik executa em Xavier. O certo é que, apesar de apresentar problemas aqui e ali, “X-Men: First Class” é um filme que faz jus aos três longas que o sucedeu, não só se mantendo fiel aos eventos deles, como respeitando seus personagens e os elevando a níveis ainda mais altos.
O que aconteceria se, de repente, uma cura milagrosa para um tipo específico de característica portada por minorias surgisse na comunidade científica e logo se popularizasse como alternativa viável para aqueles que querem se livrar de sua “doença”? A trilogia “X-Men” tem um subtexto simples e objetivo, mas ao ser desenvolvido de forma leal e pertinente nestes três filmes, talvez seja - entre mutantes com habilidades bizarras e confrontos caóticos -, o que há de mais precioso nesta saga. Em “X-Men: The Last Stand” tudo é elevado ao seu limite: por um lado somos apresentados ao pano de fundo do filme, a vacina que providencia a supressão do gene mutante, tornando-o permanentemente inativo; do outro, Jean Grey simbolicamente emerge das cinzas, e liberta toda a fúria que havia reprimido, tornando-se a mutante mais poderosa e mais perigosa de toda a Terra. É de uma sábia conveniência o fato de que estas duas questões são levantadas no mesmo filme, pois enquanto a vacina promete cessar a humanidade dos perigos mutantes, Jean Grey se revela como o exemplar mais ideal dos riscos que os poderes mutantes podem trazer ao mundo, já que, ao contrário de Magneto, por exemplo, as habilidades de Jean são perigosas por si só, e não por uma questão de ética ou moral de quem as possui. E ao lidar com estes assuntos, o roteiro deste terceiro filme retrata seus personagens - novos e antigos - de uma forma coerente com os dilemas que os assaltam. Vampira, por exemplo, não vê benefício algum em ter a habilidade que tem, e por isso, compreensivelmente, se livra delas; um desfecho feliz e orgânico para uma personagem que dificilmente tomaria a decisão contrária em prol de uma ideologia - algo que felizmente o roteiro não ousou fazer. Em contrapartida, personagens como Hank (o Fera) e, claro, Magneto, resistem à ideia de uma cura - o primeiro, acreditando apenas na cura voluntária; o segundo, opondo-se absolutamente à existência da mesma. Dessa forma, outras questões são levantadas a partir de uma já estabelecida, como o orgulho possuído por alguns mutantes, que veem na possibilidade da extinção de seus dons uma afronta ao que lhes pertencem naturalmente, se firmando assim em uma posição ideológica igualmente compreensível. (E é curioso ressaltar como Fera, ao defender a existência da cura, observa o fato de que muitas pessoas desejariam recorrer a esta medida por sofrerem com a massiva discriminação, quando há um contraponto claro e orgulhoso que de certa forma tange o que Charles Xavier propugnava: a igualdade por meio da conscientização e superação natural do preconceito, não por medidas extremas como a aqui vista). Com uma temática tão sugestiva, podemos relacionar tranquilamente esta muito hipotética possibilidade com qualquer causa de discriminação da nossa realidade, e é por isso que o roteiro deste terceiro capítulo é consciente o suficiente para mais uma vez fazer as perguntas certas e explorar suas vertentes, como se estivesse imaginado a situação ficcional dos mutantes posta na realidade de quem está do outro lado da tela. “X-Men: The Last Stand” consegue discorrer de forma brilhante seu subtexto ao mesmo tempo em que cria sub-tramas interessantes que se convergem naturalmente em um confronto épico e fantástico. Os efeitos visuais do filme se revelam verdadeiros deslumbres nesta ocasião final (bem como, devo ser justo, no filme todo), que é pintada de forma tão caótica e intensa pelos efeitos especiais bem como emocional pelo roteiro e seus personagens, culminando em uma combinação de elementos técnicos e narrativos que se fundem em tela quando Wolverine toma a brava e comovente decisão de matar Jean Grey. E não apenas essa cena decisiva guarda uma grande força emocional. A sequência que retrata a morte e os eventos recém morte de Charles Xavier são imensamente comoventes. A figura afável de Xavier parte de forma chocante, e vê-lo se desintegrando em frente a Magneto é um momento extraordinário por vários motivos. Um deles, claro, o fato de Erik demonstrar um genuíno pânico pela morte de seu velho amigo - mesmo que defini-los como “amigos” não faça exatamente jus ao termo -, e, em seguida, suprimir suas emoções e continuar com o que a princípio estava ali pra fazer. Talvez seja essa ambivalência de um vilão; ou a ousadia de por um final ligeiramente feliz na história, porém com grandes perdas no meio do caminho; além, claro, da rica abordagem temática; que faz este filme e toda a trilogia ser não apenas um bem sucedido exemplar de ação e heroísmo do cinema, mas um conto cinematográfico profundo e relevante revestido por um universo fantástico e instigante.
O universo de “X-Men” tem, sem dúvida alguma, uma coleção interessantíssima e fascinante de personagens. E se o que, por um lado, os fazem ser interessantes são suas habilidades das mais diversas, pelo outro o que os fazem ser fascinantes é a maneira como a personalidade e o comportamento de cada um são reflexos de suas capacidades mutantes. E nesta sequência de “X-Men” isso é ressaltado de forma decisiva. Dando continuidade ao “problema dos mutantes” (expressão repetida debochadamente pelos mutantes em relação ao impasse global que aflige suas existências na sociedade), “X-Men 2” já se inicia com uma sequência de ação fantástica no interior da Casa Branca, introduzindo sua narrativa logo no centro político mais simbólico dos Estados Unidos. Mas embora o roteiro nos levasse a acreditar que aquele ataque ao presidente era apenas uma revolta de um novo mutante, o desdobramento da narrativa nos revela que não, e que na verdade tudo aquilo era apenas uma manipulação do verdadeiro vilão deste filme, o coronel do exército William Stryker. Além de almejar a destruição de todos os mutantes da Terra, através de um plano tão engenhoso quanto o de Magneto no primeiro filme, Stryker também foi o responsável pela “criação” de Wolverine - ou, em outras palavras, quem introduziu o elemento adamantium em Logan. Desta forma, a trama de “X-Men 2” abre espaço para o surgimento de um personagem importante e de grande conveniência, e que embora ainda seja retratado como um típico sujeito austero e obscuro, tem a seu favor um histórico que confere sentido aos seus atos. E assim como no primeiro filme, o roteiro deste longa administra com harmonia o enfoque dramático de seus personagens, ampliando suas dimensões e vasculhando suas histórias, como é o caso de Wolverine, cujo misterioso passado é cavado e finalmente selado em uma resolução orgânica e eficiente para o personagem. Já Jean Grey tem suas capacidades telepáticas e telecinéticas cada vez mais exploradas pela trama, dando continuidade no que começara a ser feito no primeiro longa, e assim se mostra decisiva em um dos momentos mais comoventes da narrativa, quando sente no potencial de sua habilidade um clamor para assumir uma situação extrema e entregar a sua vida em benefício dos outros. Por outro lado, Magneto (que articula uma simples mas genial fuga da prisão de plástico) passa a ver os aliados de Xavier como necessários parceiros para impedir a eliminação dos mutantes (e é admirável testemunhar a ambivalência do aparente vilão enquanto que se confunde no meio dos heróis), porém também não deixa de lado suas segundas intenções, que se revelam muito mais extremistas do que as de seu plano anterior - o que faz sentido, uma vez que a amargura pela humanidade que o personagem já tinha eventualmente veio a se intensificar durante o tempo que permaneceu preso. É também interessante notar como o novo personagem, Noturno, dono da habilidade de teletransporte, é, além de simpático e útil para a trama, também uma figura bem construída pelo roteiro, que o estabelece como um ser profundamente religioso, vindo a calhar coerentemente com seus poderes e, eventualmente, suas ações durante a história. A construção de personagens, aliás, é o forte de “X-Men”; e nesta continuação, assim como no primeiro filme, todos eles (com exceção de um ou outro) recebem sua dose de profundidade dramática; seja pela exploração de seus passados e de suas origens ou pelas responsabilidades exigidas por suas habilidades. Tirando proveito disso, diversas sequências do filme se destacam, como a cena de extrema tensão onde o jato dos X-Men é atingido por um míssil e a personagem de Vampira é lançada ao céu. Sabemos, intuitivamente, que ninguém ali irá morrer, mas ainda assim ficamos extasiados pela dinâmica improvisada que os mutantes executam para superarem aquele obstáculo - e assim procedem diversas outras cenas do filme, o que também dá a Bryan Singer, o diretor, uma oportunidade e tanto para conceber sequências de tirar o fôlego. Uma delas, e que foge deste exemplo anterior, mas que se destaca visualmente, é a impressionante cena de luta entre Wolverine e uma mutante semelhante a ele. Além da briga entre os dois carregar um significado pessoal para o personagem Logan, a sequência chama a atenção pela sofisticação de movimentos dos dois personagens e a forma impecável como Singer conduz sua câmera. Em “X-Men 2”, a temática estabelecida no primeiro filme, embora menos proeminente aqui, continua intacta e sua implicações são abordadas. A trama, inteligente, lança mão de um desfecho eficaz e mais uma vez eleva a ansiedade do espectador para o seguinte capítulo dessa grande história e da história de cada um de seus ótimos personagens.
A maneira como o roteiro de “X-Men” emprega os personagens mutantes na realidade é de uma pertinência preciosa e imprescindível. Logo no início do filme, após um breve flashback onde visualizamos um momento dramático da vida de Erik/Magneto (o que imediatamente e eficientemente estabelece um peso emocional ao personagem - algo importante, considerando sua disposição como vilão), somos apresentados logo de cara ao efeito que uma população habitada por pessoas com poderes especiais (e ameaçadores) causaria na sociedade. E é admirável como o roteiro de “X-Men” faz as perguntas certas e estabelece convincentemente os dois pólos do debate - um, advogado pelos próprios mutantes, a favor da preservação da liberdade de seus semelhantes; outro, advogado pela grande massa política norte-americana (e mundial) e social, contra o direito ao livre-arbítrio de tais seres. Dessa forma, “X-Men” não só tem um pano de fundo político-social interessantíssimo, como o aborda de maneira ideal, mesmo que não se aprofunde totalmente nas ramificações de tal assunto. Isso porque a trama deste longa tem um funcionamento extremamente econômico, e não por isso deixa de ser eficaz; sabendo administrar bem a distribuição de informações (afinal, o universo dos mutantes é carregado de uma razoável mitologia, o que demanda explicações), o enfoque emocional de seus vários personagens (embora alguns deles careçam um pouco disso), bem como toda a discussão existencial referente ao impasse global sobre os mutantes. E já que tudo na narrativa é desenvolvido com rapidez, o modo econômico escolhido pelos roteiristas para guiar a trama não poderia ser mais do que necessário. Mas também não seria garantia de uma boa narrativa se a economia fosse assim apenas por ser, já que um dos grandes méritos do longa reside na sua capacidade de depositar em cada cena um elemento de interesse aos personagens, algo que lhes faça sentir diferente - e também o espectador sentir como eles - e mover suas ações adiante. A empatia é uma palavra importante neste filme; não só para o espectador, que se pega completamente levado pela situação dos mutantes, como também para os personagens entre si. No começo da história, a jovem Vampira sofre um evento traumático, quando ao beijar seu namorado, suga suas forças vitais, futuramente deixando sequelas no garoto - o que a impele a abandonar seu lar. Além dela, Logan (Wolverine), se ocupa com lutas amadoras em um ringue dentro de um bar no meio do nada, enfrentando qualquer brutamontes que o ouse desafiar - tudo isso para garantir alguns trocados. As sequências em que os dois personagens são apresentados carregam uma qualidade equiparável de profundidade dramática (com destaque maior para a de Logan, que é mais sutil, demonstrando o aborrecimento e absolutamente nenhum divertimento que o viril sujeito tem ao facilmente abater seus oponentes de luta). E quando, convenientemente, os dois personagens se encontram, há uma empatia imediata de um pelo outro (inicialmente apenas de Vampira por Logan), e um forte e convincente laço é estabelecido entre os dois, algo que se revela bastante relevante para o desdobramento da narrativa. E dessa maneira “X-Men” segue construindo seus personagens e suas relações, apresentando também um simpático e bem intencionado professor Xavier e o maléfico (agora na versão adulta) Magneto, que embora seja retratado como um vilão aparentemente tradicional (o que quase eleva o sentido da palavra “maléfico” ao seu retrato mais clichê), é interpretado por Ian McKellen de forma convincente e sensível, além do personagem ser dotado de uma inteligência notável e, apesar das aspirações maquiavélicas, de um objetivo compreensível - o que, mais uma vez, evoca a empatia dos espectadores; nesse caso se identificando muito mais com a finalidade do plano de Magneto, o que é um tanto quanto interessante em uma história que aparentemente preze pelo típico maniqueísmo visto em outros filmes de heróis. Embora “X-Men” ainda tenha suas falhas (como a exploração extremamente rasa das personagens Tempestade e Ciclopes (sem falar dos capangas de Magneto), salvando-se apenas por seus curiosos poderes; um ligeiro excesso de didatismo em alguns pontos; e diálogos pouco inspirados), o filme consegue manter sua qualidade por sua trama de dimensões largas, além de envolvente; cenas de ação que nos poupa de distrações, inclusive às vezes assumindo uma identidade estratégica (afinal, com poderes tão distintos, a porrada desenfreada dá lugar à dinâmica e estratégia de grupo para superar os percalços); e principalmente por seus bem construídos personagens, cada um com seus dramas e relações bem estabelecidas pelo roteiro, o que nos faz ansiar imensamente pelo desdobramento de cada uma de suas histórias - bem como do cenário geral - nos filmes seguintes.
Não é fácil ignorar seu passado. Por mais que um recomeço soe tentador e ideal, jamais se revelará como uma tarefa simples, sendo que o passado jamais deixará de marcar presença em seu dia-a-dia; fato que implica diretamente no seu modo de ser, já que toda a construção de sua personalidade se deve pelos fatos e influências que ocorreram com você e ao seu redor durante os anos que viveu. Em “The Beaver”, Walter Black, um pai de família e bem sucedido executivo, padece de uma depressão profunda, chegando a tentar o suicídio porém sendo inesperadamente salvo por si mesmo - ou pelo boneco castor que de repente passa a utilizar como uma espécie alterego. Na tentativa de distanciar-se psicologicamente das pessoas e de suas ações, o novo Walter usa o castor como meio de comunicação, estabelecendo ao boneco uma personalidade absolutamente mais desinibida e bem humorada do que a do antigo Walter, que vivia constantemente sob um estado de melancolia e indiferença para com tudo e todos. Durante essa nova atitude comportamental, Walter Black é frequentemente confrontado por sua mulher sobre o homem que deixou de ser para se tornar uma figura estranha que anda com um fantoche na mão o tempo todo. Sua mulher, Meredith, também o lembra de seu passado - que ele diz ainda recordar, mas que evidentemente ignora. “The Beaver” não é um filme ruim, mas é um filme que deixa primeiras impressões bacanas para desenvolvê-las sem muita profundidade ou ousadia. Primeiramente, a figura de Walter Black é fascinante, sendo conduzida por Mel Gibson com excelência, tanto na representação que faz de um homem ansioso, na miséria emocional e sem vontade de viver como na engraçada personificação do fantoche castor, que possui uma personalidade de nítida simpatia. O longa, dirigido por Jodie Foster, estabelece um interessante tom em sua narrativa, fazendo uso de uma trilha sonora levemente bem-humorada e especialmente melancólica, representando perfeitamente o contraste entre o deprimente e o engraçado que habita a figura de Walter e seu fantoche. A trama também concede uma considerável porção de atenção para Porter, o filho de Walter que o odeia. Porter, ao mesmo tempo em que não se relaciona bem com seu pai (especialmente depois deste adotar o fantoche castor), também divide muitas características com ele, e por isso se martiriza para se livrar delas. Tentando estabelecer um paralelo principal entre pai e filho, o roteiro infelizmente deixa Meredith (também Jodie Foster) meio reclusa durante a narrativa, retratando-a como uma esposa comum que nunca tem a oportunidade de demonstrar suas particularidades da forma como seu marido e seu filho têm. E é também uma pena que a sub-trama envolvendo Porter seja desenvolvida de forma cada vez mais periférica durante a narrativa, resultando em uma resolução fácil e artificial que ainda investe em um dispensável romance entre o jovem e uma garota de sua escola, tudo para suscitar a reconciliação entre o garoto e seu pai. Embora interessantes e curiosamente expostas no início, as reflexões propostas por “The Beaver” acabam tomando a forma simplista da “moral ao final da história” quando o filme atinge seus minutos finais - e a última passagem do longa apenas mostra a ideia de um típico final feliz sendo executada da forma mais automática e manjada possível, assim como praticamente todo seu decepcionante e insosso terceiro ato. “The Beaver” certamente dá indícios de que poderia ser um filme melhor: provavelmente um estudo de personagem mais profundo e atencioso como praticamente é em seu início; ou então um filme cujo foco é no protagonista mas que também compreenda seus outros personagens com diligência. Mas tudo isso, claro, tendo em mente que o elemento mais interessante de sua história é o personagem Walter Black, o homem que passou a se comunicar através de um fantoche castor para passar por cima de seu passado e da pessoa que um dia foi. No fim, Walter Black cai facilmente no esquecimento, sendo retratado apenas como um simples personagem problemático hollywoodiano que consegue sua realização perfeita e ideal. Que bom para ele, pelo menos.
O Palhaço
3.6 2,2K Assista Agora“O Palhaço” parece trabalhar em cima do consenso de que não há nada mais triste do que um palhaço triste. Isso porque um palhaço não é um comediante propriamente dito. Ele faz humor, mas o faz muito mais pensando em alegrar seu espectador do que de fato conquistar suas gargalhadas. Pois há uma diferença. Eu, por exemplo, não aprecio o humor de um palhaço na mesma plenitude que uma criança tende a apreciar, entretanto não me oponho ao seu propósito humorístico e posso facilmente me simpatizar pela performance de um. Quem conhece um pouco de comédia sabe que nem sempre é preciso exaltar a alegria para produzir uma risada. Nós podemos facilmente rir de coisas fúnebres, críticas e até grosseiras; podemos rir da insignificância e estupidez humana, da morbidez do cotidiano, da desgraça alheia e do infeliz status-quo de nossas vidas - e é por isso que temos comediantes de sobra que investem exatamente nesse estilo mais negro do humor; logo, não há porque sustentar a ilusão de que se eles nos fazem rir, é porque devem ser pessoas alegres. Já o palhaço é diferente; ou pelo menos muitos pensam que sim, por sua própria natureza. O palhaço sempre tem um final feliz para suas anedotas; ele pode ser melancólico, malicioso e muito pateta, mas no fim acaba demonstrando sua inocência, seu otimismo e sua revigorante alegria. Para se colocar no centro do picadeiro, em um circo cheio de pessoas que esperam assistir algo alegre e engraçado, é preciso de muita destreza, de uma verdadeira transformação de espírito. Senton Mello encarna justamente esse tipo de palhaço no filme; um que é impecável em seu ofício, especialmente porque sua persona por trás de seu personagem circense é o completo oposto da alegria. Também diretor do filme, Mello constrói o protagonista Benjamin de uma forma particular e sensível. Os momentos de mais fala do personagem durante a trama ocorrem quando ele está na pele do palhaço Pangaré. Pois quando não está, Benjamin é um sujeito constantemente cabisbaixo, que parece mal-adaptado ao seu mundo, que pouco consegue articular suas emoções ou simplesmente desenvolver uma conversa fluída e que dure mais do que alguns minutos. O filme não se cansa de martelar o fato de que algo está errado com Benjamin. Sua mente vive frequentemente abstraída; ele apenas se preocupa com os problemas que precisa resolver; problemas que incluem a necessidade de arrumar um RG, um CPF e um comprovante de residência - e ainda se descobre obcecado com o desejo de possuir um ventilador, objeto que atua como metáfora do estado melancólico do palhaço. Ele parece querer experimentar um pouco da vida fora daquela rotina artística que é por vezes precária e ardilosa, parece querer descobrir-se, ou ter certeza de quem ele realmente é, para aí sim ser, de forma definitiva. Ao seu redor, temos personagens que também pouco desenvolvem qualquer conversa muito longa, porém não por alguma deficiência, mas simplesmente porque o filme decide retratá-los assim, de maneira sutil e subentendida. A narrativa, que muitas vezes lança mão de figuras engraçadas e peculiares, além de situações genuinamente cômicas, confere densidade a praticamente todos os personagens, por meio de pequenos momentos que se acumulam em cima de suas figuras e que desabrocham no final do filme de uma forma particularmente bela - e é especialmente nesse aspecto humano que a direção de Selton Mello impressiona, ao muitas vezes perdurar a câmera no semblante de seus personagens de uma forma pesada e profunda, a fim de capturar com exatidão o que sentem e o que anseiam. Benjamin, como protagonista, tem um foco maior. Sua partida em dado momento do filme sintetiza o modo como a obra procede: de forma sensível, sutil e silenciosa; silêncio que apenas permite a melancólica e espirituosa trilha sonora dizer alguma coisa. Honrando o compromisso humorístico do palhaço, o filme conclui sua grande anedota com um final feliz, otimista, revigorante e, o mais importante, autêntico ao drama sofrido e superado pelo interprete do palhaço Pangaré.
Amizade Colorida
3.5 3,0K Assista AgoraDepois de espancar os clichês na cara e abraçá-los sem desdenho no ótimo “Easy A”, e ainda ser responsável por criar, juntamente com a atriz Emma Stone, uma das protagonistas de comédia romântica mais carismáticas dos últimos tempos, o diretor Will Gluck mais uma vez surpreende com este “Friends with Benefits”, que, assim como em seu filme anterior, novamente pisa no perigoso terreno das comédias românticas modernas que negam os clichês para então abarcá-los sem muitas reservas. É uma tendência perigosa e traiçoeira muito repetida pelos filmes do gênero nos últimos anos, e que geralmente não produz bons resultados, apenas obras equivocadas e auto-indulgentes. Mas Will Gluck parece ter tato para a coisa. Ao contrário dos clichês amorosos e afins da vida de uma adolescente no colegial, que através da nostalgia refletia muitas obras oitentistas do gênero, “Friends with Benefits” funciona num plano mais universal e bem mais moderno - e é curioso o fato do diretor não descartar as intemporais convenções amorosas do cinema, porém surgir com uma nova dinâmica para as interações amorosas na vida real. Mila Kunis e Justin Timberlake são amigos com benefícios, e o benefício significa sexo. Eles são amigos, mas fazem sexo. É como jogar tênis; é uma mera atividade física, prazerosa, que todos desejam e que não deveria necessariamente passar pela burocracia de relações e sentimentos para poder acontecer. Depois de passarem por insatisfatórios relacionamentos, eles se conhecem, se curtem, e entram neste acordo. E a negação dos clichês, tanto cinematográficos (vide o momento anterior ao acordo, quando assistem e discutem um filme ridiculamente romântico) quanto sociais, começa a partir deste momento. Claro, como todo romance moderno que finge não ser clichê, mas que no fundo é, já prevemos qual será o rumo que a trama de “Friends with Benefits” irá tomar a partir dali. Mas devo ressaltar que, embora tome mais ou menos os caminhos que podem ser premeditados, o filme surpreende com cada etapa dessa trilha, e é extremamente convincente e sincero enquanto a percorre. Tudo que é visto no longa possui um senso de modernidade. Todos estão conectados pela tecnologia e por tendências culturais, como flashmobs e aparelhos de telefone de última geração, além de, mais do que nunca, estarem sintonizados com a cultura popular que os ronda. Mesmo assim, o filme arruma um modo de combinar tudo isso com os velhos truísmos amorosos, como, por exemplo, a jogada de se apresentar para o parceiro os pontos turísticos e emblemáticos de uma cidade com a finalidade de conquistá-lo (no filme a conquista tem propósito profissional, mas creio que todos imaginamos do que realmente se tratava), e eventualmente adotar o local como o elemento sorrateiro de uma tríade amorosa. Nova York - e um pouco também de Los Angeles - em “Friends...” é como Nova York nos filmes de Woody Allen, com a diferença de que aqui os personagens mais se encantam por apresentações de flashmob na Times Square e por terraços tranquilos onde não há sinal de celular. Em certo momento do filme, que emula um instante piegas do romance genérico que os personagens Dylan (Timberlake) e Jamie (Kunis) assistiram antes, o rapaz encontra a garota no terraço de um edifício. “Como?”, ela pergunta. Não porque Dylan sabe mais sobre ela do que ela própria sabe, com dito no filme que tinham visto. Mas porque seu celular não atendia, e lá era o único local sem recepção que ele conhecida e do qual ela gostava. O longa nos conduz pela etapa de sexo, a primeira, de forma frenética e engraçada. É o tipo de filme em que mais rimos com os personagens do que deles, já que são naturalmente engraçados um com outro, como amigos, modernos e espirituosos. A etapa mais dramática e sentimental, que surge quando se tornam verdadeiros amigos, soa real, e desperta emoções de ambos os lados, muito porque o roteiro escava com confiança as origens dos personagens através de seus familiares e faz com que isso seja decisivo para os dois. Ambos os atores, Kunis e Timberlake, estão excepcionais: convincentes, carismáticos e em sintonia com as alterações emocionais de seus personagens, ainda apresentam uma química indispensável. A resolução da trama, tão importante neste tipo de filme, é igualmente satisfatória, um desfecho feito do jeito clássico, porém com as aspirações modernas. Sexo? Amor? Nada! Que tal uma flexível amizade?
O Guarda
3.6 92 Assista AgoraHá dois princípios básicos para se fazer humor. O primeiro consiste no uso de uma situação inusitada que surge para um personagem comum com a finalidade de extrair dele qualquer reflexo cômico. O segundo é o exato oposto; usar um personagem que age de forma excêntrica, inusitada, em um cenário comum, a fim de conferir para toda uma situação um revestimento humorístico. Em O Guarda, nós basicamente temos o segundo caso; uma situação comum quase toda preenchida por personagens que existem em função do humor. Ainda assim, o filme não é todo risadas; ele também conta com personagens mais “normais” e ainda espera que nos toquemos com alguns aspectos de sua história, e assim apresenta elementos que claramente não pertencem às aspirações cômicas de seu roteiro. E embora o filme seja modesto e despretensioso, ele tenta demais, e por isso falha em sua totalidade, ainda que proporcione ocasionais bons momentos.
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Reféns
2.6 870Não me há dúvidas de que Reféns pode proporcionar a muita gente uma grande gama de entretenimento e diversão. Enquanto assistimos ao filme, nos sentimos aflitos, interessados e até torcemos pelos personagens do “bem” naquelas situações diminutas e cruciantes que os encurralam. Afinal, é isso que o filme quer de nós: a atenção e a recepção simples e direta do que está se desenrolando na tela. Mas para tornar a experiência ainda mais caprichosa, o longa também deseja nosso reconhecimento cinéfilo ao também dispor de uma trama, diria, “inteligentemente elaborada”, que nem sequer por um minuto - e aqui quase me aproximo de não ser hiperbólico - nos poupa de uma reviravolta ou revelação supostamente impactante.
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A Outra Terra
3.7 874 Assista AgoraQuando olhamos para o céu, sentimos essa estranha sensação de esmagamento por todo aquele conjunto de estrelas, planetas, luas, escuridão e infinitos mistérios que constituem o universo. É, também, uma sensação libertadora, mágica; é o que espreme nossos egos e nos faz esquecer por um instante de todas nossas leis morais e materiais aqui da Terra e ceder, virtualmente, à sedução daquilo que está acima de nós. Claro, nós não podemos acessar o que está lá em cima, não de modo casual e ilimitado. Por enquanto permanecemos aqui, em nosso velho e único planeta, que sabidamente já não é mais imune aos olhos indiferentes ou antipáticos daqueles que simplesmente não enxergam nada de especial ou maravilhoso nesse corpo espacial que nos abriga, seja pelo motivo que for. Em “Another Earth”, nós temos dois personagens literalmente no extremo de um triste cenário. A primeira, Rhonda, uma jovem que cumpriu pena na prisão por ter matado em um acidente de carro uma mulher grávida e seu filho pequeno, além de ter mandado para o coma o pai dessa família; o segundo, John, o próprio esposo da mulher e pai do garoto morto, acorda do coma e encara lúcido, pela primeira vez, sua vida sem sua família. Ambos os personagens parecem esmagados diariamente por esse peso que carregam. De um lado um homem que se sente vítima da impiedade do acaso, ainda que cultive uma grande raiva por aquele responsável pelo acidente, e que assim se confina em sua casa em meio a doses de bebida e cochilos constantes; e do outro, alguém que se sente tão culpada pelo que fez que se vê incapacitada de seguir adiante sem que recorra à autopunição ou à compensação daquele que vitimou e mais sofreu por seus atos. A presença da “Terra 2” - ou seja, de uma cópia idêntica do nosso planeta - na narrativa nada mais representa do que a materialização desse sentimento que temos quando olhamos para o céu. É algo novo, que inspirada inúmeras novas possibilidades, para o bem ou para o mal, e que reparte nosso ego em dois, um lá e um cá; é a imensidão do universo concentrada naquela bola azul que de repente tornou tal mágica tão mais palpável ao consumo. A função narrativa deste outro planeta é muito bem estabelecida pelo roteiro, e embora sua presença ainda influa um fundo filosófico que ora ou outra se faz presente no diálogo dos personagens (e que, claro, torna o filme ainda mais interessante), sua existência jamais é alvo de escrutínio por parte da trama, como provavelmente ditaria uma tradicional ficção-científica. Não, pois “Another Earth” é, em sua essência, um poderoso e sensível drama, muito mais preocupado com seus personagens do que qualquer outra coisa, e não por acaso o diretor Mike Cahill exibe cuidado e sensibilidade na concepção e desenvolvimento deles. Rhonda, por exemplo, é apresentada como uma jovem de inteligência notável, embora oprimida pelas oportunidades que não teve devido ao acidente, e por isso é mais do que apropriado que saia desta os mais fantásticos pedaços de diálogo do filme. Em “Another Earth” Rhonda é o foco moral; ela é uma boa pessoa, e tenta fazer o possível para compensar por sua infeliz ação de outrora. Ela chega a questionar se faz aquilo por ela ou por John. Ela subliminarmente admite para ele todo o propósito de estar fazendo aquilo através da fascinante analogia com a história do cosmonauta russo, e demonstra o mesmo zelo com as palavras quando efetivamente revela a ele quem de fato é. E enquanto tudo isso acontece, paira sobre o céu a segunda Terra, a segunda chance, que Rhonda tanto deseja ter, mas que num raciocínio ponderado, porém não menos emotivo, percebe não ser pra ela. Ela percebe que quando John olha para o céu, essa estranha sensação que consome a todos é muito mais cortante e intensa para ele, por tudo o que ele perdeu. A segunda Terra é apenas um dispositivo que permite a redenção desses personagens; a melhor forma de realizarem o que é melhor para um e para o outro. O filme representa o reconhecimento do egoísmo e então sua supressão; representa a redenção como um exercício de ponderação e bom-senso, não apenas de súbita salvação. É uma história bem contada sobre uma pessoa fazendo o bem para a outra, e no caminho também se salvando.
A Condenação
4.0 558 Assista AgoraSeguro do poder de sua história, especialmente por esta se tratar de um caso real, A Condenação é um filme que se apóia completamente nos fatos dela para garantir seu sucesso. Dessa forma, podemos não observar no filme uma narrativa que fuja do padrão convencional de dramas biográficos ou uma direção que invista em inovações, mas podemos observar e sermos atraídos principalmente pelos detalhes que mantém o teor de sua história eficientemente ativo e comovente e, é claro, pelas irrepreensíveis atuações de Hilary Swank e Sam Rockwell, além de todo um elenco de apoio cuidadoso na concepção de cada um dos personagens, tornando-os sempre rígidos e palpáveis.
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Terri
3.4 18 Assista AgoraNo final de “Terri”, quando o protagonista homônimo trilha o caminho matagoso que cotidianamente percorria para ir de casa até a escola, pude perceber, ao notar o singelo sorriso de Terri, enquanto o sol lhe banhava, do que realmente o filme se tratava. “Terri” é um daqueles filmes que prezam a simplicidade narrativa em busca de pintar um retrato autêntico e passível de estudo de seu protagonista, desenvolvendo-o por meio de elementos de seu dia-a-dia e das mudanças que se fazem presentes a partir do início da trama, e eventualmente, traçando por meio disso sua evolução. “Terri” nos introduz a um protagonista que logo na sua primeira aparição em tela já notifica o espectador de seus problemas mais óbvios. Com o passar da narrativa, observamos o garoto obeso e rejeitado em seu colégio aturar as questões mais clichês que uma pessoa como ele costuma enfrentar. E sem dúvida “Terri” é um filme clichê. Há, entretanto, de ser levado em conta a extensão desse clichê, pois um protagonista como Terri é, de certa forma, um clichê da vida, não só dos filmes. Ele sofre do tão dito bullying e também estabelece uma inusitada conexão com pessoas, como com o condescendente diretor da escola, o perturbado e importuno garoto Chad, e a garota bonita com aspecto de líder de torcida que eventualmente passa a ser rejeitada por toda a escola devido a certo incidente. O diretor, interpretado pelo sempre ótimo John C. Reilly, é construído com saboreio pelo ator, responsável pelas ocasionais cenas de humor que o filme apresenta tão bem. Mas seu personagem também é aquele que toma como inevitável responsabilidade cuidar e zelar pelas figuras que mais precisam de ajuda na escola, os tais “estranhos”, ou “monstros”, como dizem no filme. Ele é, de certa forma, o ponto gravitacional de toda a narrativa. Como mostrado no filme, Sr. Fitzgerald foi uma vez um garoto rejeitado, e sua assumida boa ação não passa de uma forma de fazer para aqueles alunos o que talvez não fizeram para ele, e mostrar, através de discursos cheios de divertidas analogias e morais, como eles podem se tornar uma pessoa melhor para si próprios, apesar de todas as atribulações que os acompanham. Sr. Fitzgerald se coloca na mesma altura de Terri, ele reconhece que não tem todas as cartas para salvá-lo, seja lá do que for; apenas que ele quer ajudar o garoto. O diretor não diz que ele também aceita alguma ajuda, porém acaba abrindo uma brecha para recebê-la. Pois no final, depois que Terri descobre que o diretor anda dormindo em seu carro e os dois partilham de momentos agradáveis e amigáveis dentro da escola, a dupla acaba se estabelecendo como amigos que prestam ajuda moral mutuamente, e não só de um para o outro. E além dele, Terri também se aproxima da bela Heather, logo quando ela mais precisava de alguma generosidade emocional. Chad, um garoto que demonstra sua carência através de gestos impertinentes, também estabelece uma relação vagamente próxima de Terri. O filme é basicamente sobre esse firmamento de relações, que podem não ter significado definido e concreto, mas que de uma forma humana e reconfortante aproxima essas figuras e seus problemas interiores, e através de uma condescendência disfarçada, talvez um pouco quista, mas consentida por todos, acabam se ajustando. Não permanentemente, talvez não idealmente, talvez ainda lidando com a vergonha. Mas em um sentido vago, acabam se sentindo bem, especialmente, é claro, o nosso protagonista, como nos confidencia a cena final. A narrativa de “Terri” algumas vezes passa aquela impressão de que não sabe bem o que quer transmitir, apenas que quer transmitir algo, recorrendo aos já citados clichês para imprimir o peso e o imediatismo dos problemas dos personagens - e que, como são clichês passáveis, acabam funcionando em favor dos arcos de seus personagens -, e aparentemente não sabendo bem manejar os pólos de sua temática. Há, no entanto, uma sequência fascinante no ato final do filme, quando Terri, sua amiga Heather e o problemático Chad passam a noite juntos. Esse segmento do longa fascina particularmente por sua extensão - destoando do ritmo sucessivo e subentendido de cenas que a montagem emprega - e por sua volubilidade de sentimentos. A situação é estranha, constrangedora, desconfortante, mas também excitante. Ela tem um significado íntimo para aqueles personagens, que incertos experimentam a sensação da conexão e interioridade humana. É tudo muito sensível, ainda que estranho, e Terri não sai ileso daquilo. Ele fica melhor, ele ganha uma motivação para sorrir.
Os Pinguins do Papai
3.1 1,3K Assista AgoraHá tempos não via o conceito de “entretenimento familiar” estampado de forma tão impudica por todos os cantos de um filme. A concepção popular do tipo de “programa destinado a toda a família” sempre abarcou qualidades positivas, inofensivas, aparentemente instrutivas e altamente divertidas. Conceber um produto com o intuído de ser um “entretenimento familiar” se tornou praticamente um sinônimo de produção ruim, com narrativas gastas, sem nenhuma fagulha de inovação artística ou conceitual. Todos se sentem à vontade para sentar na frente da televisão ou ir ao cinema para assistir a um filme que seja “para a família”. Pois todos sabem o que vão encontrar nesse tipo de obra, tanto em termos de forma quanto de conteúdo. Só restam, então, os pequenos caprichos que o filme inventará para poder entreter o espectador sem que este busque na memória um filme exatamente igual àquele que está vendo - e, assim, o julgue repetitivo, ou uma cópia. E pra não dizer que “Mr. Popper’s Penguins” não oferece nada de novo, é justo dizer que o filme tem pinguins, muitos deles. Pinguins que são pintados aqui como animais mais inteligentes do que de costume, engraçadinhos e antropoides. As aves muito lembram aquelas criaturinhas presentes em massa nos filmes modernos de animação, cuja única função - já que geralmente carecem de relevância narrativa - é a de conquistar o espectador com sua “fofoura”, esperteza e divertimento. E ainda que os pinguins aqui sejam personagens decisivos e tenham importância narrativa, só o fato de existiram já é enervante. Porque os pinguins não são divertidos, eles querem ser, o roteiro faz de conta que são, e os personagens entram na onda. Na verdade, todos os pinguins - que possuem cada um uma característica nítida que os diferencia e os dá nome - são irritantes, muito irritantes, e é sintomático que os personagens ao redor deles também sejam. Pois se podemos declarar que um personagem é divertido apenas por ser, podemos também declarar que ele é irritante apenas por ser. Mas neste caso ainda há muito mais fundamento: a inacreditável apegação do protagonista Popper por seus pinguins vem a calhar com os valores que o filme quer transmitir - e isso, mais o fato de que todos são personagens bobos que se comportam de forma estúpida, é razão o suficiente para que sejam irritantes. E mais: o uso das criaturas como metáfora é óbvio, e se torna cada vez mais óbvio com o passar do tempo. Jim Carrey, que é um cara simpático, só precisou mesmo desta qualidade para ganhar o papel, uma vez que seus dotes cômicos são suprimidos, simplesmente não aparecem. Seu personagem, que teve problemas com seu pai, sintomaticamente também possui problemas em ser um bom pai. E aí ele tem um filho pequeno que nunca deseja desapontar, mas geralmente o faz mesmo assim; uma filha adolescente que ora o acha um ótimo pai, ora o pior pai do mundo, e cujo único grande drama é a falta de consideração paterna por suas incertezas amorosas; e uma ex-mulher que - adivinhem - ele ainda quer de volta. A princípio, ele não quer nada com os pinguins, que são presentes de seu recém-falecido pai. Mas ele eventualmente aprende a apreciar suas companhias, aprende que com eles pode unificar toda a sua família - sem contar que o personagem também serve de porta-voz para o roteiro que parece querer exprimir seu desdém pelos “bons cuidados com os animais” ao conceber o agente do zoológico como um vilão unidimensional e alastrar a mensagem de que apenas amor e carinho são necessários para cuidar bem de pinguins (e por extensão da mensagem metafórica, de qualquer um). (E convenhamos que, mesmo que o zoológico não seja o melhor lugar para os animais, tampouco é o apartamento de um homem). Voltando para o fato dos pinguins serem irritantes, bem, eles são. Porque são responsáveis por toda a besteira não construtiva que a premissa do filme imprime pela enésima vez, só que agora na forma de pinguins, ao invés de qualquer outro dispositivo narrativo que exemplifique para as crianças, pais e demais: “vamos nos amar, vamos ser pessoas melhores, vamos ficar juntos, a família deve permanecer unida”. E este é, sem dúvida, o “melhor” exemplo de “entretenimento familiar” que temos. Eu passo.
Amor a Toda Prova
3.8 2,1K Assista AgoraNos últimos tempos, os filmes românticos - principalmente as comédias românticas - parecem ter passado por uma ligeira renovação. É notável como os romances formuláicos e clichês de dois protagonistas cederam espaço para aqueles que, a fim de renovar o gênero e brincar com as convenções dele, apostam não apenas em dois personagens perdidamente apaixonados um pelo outro, mas vários deles, em um só filme, dividindo as mesmas amarguras e doçuras do amor e do estado de paixão. É mais ou menos como aquela noção presente no humor de que se repetirmos uma piada ruim várias vezes, ou então aumentar sua proporção, ela eventualmente se tornará engraçada. Divergências sobre essa artimanha à parte, “Crazy, Stupid, Love.” é mais um filme que traz praticamente todo o seu elenco envolvido em algum tipo de relacionamento problemático ou querendo se envolver em um também problemático. Mas se o longa segue a tendência atual das comédias românticas, ele o faz de forma particularmente interessante, ao criar sub-tramas que não apenas se convergem num sentido temático como também de dependência direta. Cada personagem apaixonado tem um tipo de ligação com o outro, e essas ligações são exatamente os problemas de seus relacionamentos ou supostos relacionamentos. O quadro geral da narrativa é bastante intrincado, e por isso mesmo o filme consegue soar interessante e fresco em meio a tantos semelhantes. Mas não podemos esquecer, “Crazy, Stupid, Love.” é também uma comédia, e uma muito boa. Aliás, diria até que tão mais o filme funciona por seu humor quanto por seu lado romântico. Steve Carell encarna o protagonista Cal, e o roteiro é generoso com o ator; o oferece um papel que não só lhe concede a chance de explorar seus dotes cômicos mais característicos como também entende o potencial dramático que ele pode evocar, permitindo ao ator investir com sucesso principalmente no estado depressivo que o personagem assume em alguns momentos da história. O humor de “Crazy...” vigora mais durante a primeira hora de projeção, quando a película encontra na parceria dinâmica entre o deprimido e recém descasado Cal e o garanhão e invejavelmente elegante personagem de Ryan Goslin, Jacob, um enfoque bem-sucedido para compor os momentos mais engraçados. Cal é simplesmente hilário em qualquer diálogo seu com mulheres; e Jacob, ainda que tenha sua persona desgastada em favor da comédia, desperta boas risadas quando desempenha o papel de Sr. Miyagi para Cal. A professora dissimulada que cai na rede de Cal (e que, surpresa: é professora de seu filho!), interpretada por Marisa Tomei, é também um alto ponto cômico do filme. Mas o maior deles, sem dúvida, é aquele em que todos dos personagens apaixonados inesperadamente se encontram em um mesmo lugar e surpresas e pequenas tragédias se rompem. A cena é um marco no filme; pode parecer um pouco forçada, mas se sustenta diante das peças anteriormente estabelecidas e é também o melhor uso da “situação clichê” que o roteiro ora ou outra emprega de forma auto-consciente. Mas para tudo isso - brincadeiras com as próprias convenções e aumento de proporção - há um romance, aquele que é independente da comédia; aquele que precisa provar-se para além de seu propósito cômico. E é justamente neste aspecto que “Crazy...” coloca a perder sua força, seu frescor. O personagem de Goslin, por exemplo, é um pegador nato no começo do filme, funcionando relativamente bem como membro cômico. E se humanizá-lo (eufemismo para “questionar sua moral e subitamente transformá-lo em uma pessoa que o roteiro julga ser melhor”) é interessante a princípio, o roteirista acaba desenvolvendo seu arco de forma artificial e típica somente pelo bem de reforçar seu ponto de vista temático. É infeliz observar, também, como o roteiro demonstra preguiça em ressaltar os eventos internos de seus personagens. É preciso que o sonho de Cal - após ter ido para a cama com várias mulheres - seja ilustrado para sabermos que ele ainda se importa com sua mulher; é preciso que Jacob tenha uma noite de conversinhas - ao invés de sexo - com a personagem de Emma Stone para que acreditemos que ele quer algo mais com ela; é preciso que a personagem de Julianne Moore telefone para Cal pra falar sobre um assunto quando na verdade... Bem, estes são apenas alguns exemplos da fragilidade de “Crazy, Stupid, Love.” na esfera do romance. Sim, sim, o discurso de formatura dado por Cal é passável e autêntico ao personagem, mas ainda muito óbvio. O filme é bonito, tem suas partes melancólicas e até amorosas que devem ser levadas em consideração, mas se sai muito melhor quando quer ser engraçado. Eu apreciei o filme, ri com o filme, mas o único insight que ele me ofereceu sobre relações humanas e especialmente amorosas é a de que há almas-gêmeas e a de que devo lutar por elas. Bem, eu tentarei, mas prefiro muito mais assistir ao filme de novo e dar mais algumas boas risadas com ele.
Meia-Noite em Paris
4.0 3,8K Assista AgoraA nostalgia tem a capacidade de nos fazer desejar aquilo que já se passou, de querer reviver aquele momento ou fase da vida. Mas o distanciamento que nós temos daquilo é precisamente importante; é o que faz o sentimento nostálgico ser o que é, uma simples sensação de saudade, de adulação do que se encontra registrado em documentos e memórias, mas que nunca tomará forma novamente, não da exata maneira como uma vez foi. A arte, por outro lado, é aquela que não só nos proporciona uma escapatória para lugares inimagináveis e completamente fictícios, como também para aqueles que já foram uma vez lugares concretos, momentos e sentimentos, mas que hoje não passam de recordações. Nós temos no gênero da ficção-científica, por exemplo, uma imensa leva de obras que mediante a ideia da viagem no tempo já transportou personagens para diversas épocas e lugares com o intuito de ou consertar algo malfeito ou simplesmente reviver um instante saudoso. Em “Midnight in Paris”, Woody Allen adentra no famigerado mundo da viagem no tempo justamente para fazer o último: reviver. Entretanto, o cineasta não trabalha essa ideia com o revestimento da pseudo-ciência e das propriedades físicas que supostamente permitiriam uma viagem através do tempo. Não, Allen não está interessado em ficção-científica; Allen está interessado na mágica, no encanto, naquele sentimento de exaltação em torno de um deslumbre que nos leva a lugares que anteriormente apenas habitavam nossas memórias. A lógica interna empregada por Woody Allen em sua narrativa consta que em determinado ponto da cidade de Paris, exatamente à meia-noite, na batida dos sinos, um personagem pode ser subitamente deslocado para a década de 1920. Uma década que além de aspirar o inveterado brilhantismo da capital francesa, também era meca artística dos nomes mais conceituados da literatura, pintura e até mesmo do cinema. E com essa sacada oportuna, Allen se deleita com as possibilidades cômicas de seu roteiro ao conceber um protagonista carismático e jogá-lo em uma realidade titilante, que abarca tanto o estilo romantizado parisiense quanto o caricato de seus personagens históricos. O cineasta não tem intenção de explicar as propriedades mágicas de sua desvairada aventura. A magia simplesmente acontece, como se fosse parte fundamental da idealizada e elegante Paris. Uma cidade que logo no início do filme já nos é apresentada por meio das tomadas que consignam os principais e mais belos pontos turísticos da metrópole - e que, por serem tomadas que dispensam qualquer encenação, contrastam e ao mesmo tempo fundem-se com o restante de Paris que é vista no decorrer do filme, sugerindo a natureza mágica da cidade não apenas como um elemento subjetivo, mas natural da mesma. Abusando das possibilidades de seus regressos ao passado, a trama de “Midnight in Paris” cruza no caminho do protagonista feito por Owen Wilson, o escritor de filmes hollywoodianos Gil, as mais diversas figuras artísticas da antiga Paris, e pertinentemente as usa em favor de seu protagonista, além de assim construir inspirados momentos de humor que se revelam cada vez mais inspirados e oportunos - como quando, no restaurante em que se desilude ao se despedir de Adriana, encontra-se com o grupo de surrealistas formado pelo fotógrafo Man Ray, o cineasta Luis Buñuel e o pintor Salvador Dali, que surgem em um momento demasiado conveniente, e por isso mesmo hilário, resultando em uma das sequências mais engraçadas de todo o longa. Como enobrece a magia, o deslumbre, “Midnight in Paris” confere a Gil um desfecho daqueles típicos da Era de Ouro do cinema, mas mesmo assim consegue identificar problemas com sua tese e sua antítese. Tampouco o protagonista atura um final amargo, preso aos laços de sua noiva e seus amigos pedantes e aborrecidos, tampouco permanece no passado com a belíssima Adriane, que quando regressa ainda mais no tempo (naquela que acreditava ser sua Era de Ouro, o ponto nostálgico onde sonhava habitar), faz o protagonista compreender o grande problema que é viver no passado, e perceber o verdadeiro encanto da nostalgia, cuja agridoce beleza deve ser apreciada à distância. Resta a Gil, então, a síntese: permanecer e conviver com seu presente, mas no desfrute absoluto da nostalgia, quando encontra um par que vive em seu tempo mas que respira o passado; o par ideal, e que prazerosamente o acompanha debaixo da chuva de Paris.
Somos Marshall
3.7 109Quando pensamos em filmes com temáticas esportivas, a primeira coisa que nos vem à cabeça são as morais que o gênero costumeiramente oferece ao seu espectador. A vitória, a superação e o espírito esportivo são valores que andam de mãos dadas com os desafios que a prática da competição desportiva produz, sendo assim fácil estabelecer analogias e metáforas que podem ser aplicadas tanto na vida quanto no meio esportivo, já que, evidentemente, “vencer”, “superar” e “motivar” são palavrinhas universais e um tanto quanto abrangentes. Portanto, se estes valores tão vagos e de certa forma triviais continuam a ser estabelecidos firmemente por este gênero do cinema, como compelir espectadores com uma história que carrega tudo isso e mais um pouco? Como sair ileso dos clichês e das morais baratas sendo que o mundo esportivo, por regra, não se desfaz de tais valores?
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O Homem do Futuro
3.7 2,5K Assista AgoraHá muitas similaridades entre as noções de viagem no tempo de “O Homem do Futuro” e de outros filmes e séries de tevê que já abordaram o tema. Pegando emprestado muitas delas, este longa do diretor Cláudio Torres passa distante de soar original no que tange a ficção-científica aqui apresentada. Mas longe de fazer disso um problema, o cineasta concebe uma narrativa bem amarrada, segura o bastante para emular ideias do sub-gênero das viagens no tempo, e absolutamente autônoma na aplicação de seu tom, criando um filme que é ora uma comédia caricata, ora um romance tocante, ora uma verdadeira aventura que faz jus aos melhores e mais despretensiosos exemplares da ficção-científica. No filme, Wagner Moura tem a oportunidade de encarnar até três versões de um mesmo personagem, alcunhado de “Zero”. Na representação das três versões, Moura demonstra um divertimento absoluto, concebendo primeiramente um caricato “cientista maluco” com todos os trejeitos e maneirismos exigidos pelo tipo - algo que se reflete também em seu figurino e no seu cabelo totalmente anarquizado. Da mesma forma, Moura compõe um típico nerd estudante de física que, além de todas as características que um personagem deste tipo demanda, ainda tem o adicional da gagueira, tornando-o ainda mais caricato, porém muito mais desajustado e divertido. Por fim, a terceira versão de Zero, um homem bem mais maduro e confiante, mas não menos fracassado, é construído por Wagner como se fosse uma pessoa completamente diferente, contrastando abundantemente com a personalidade de sua versão adulta e louca e de sua versão jovem e nerd. As diferentes representações de Moura, aliás, causam um curioso fenômeno na relação dos personagens. Em certo momento, as três versões de Zero se encontram na mesma linha temporal, e de maneira exponencial suas personalidades vão se intensificando e se distinguindo uma da outra. O nerd passa a ser mais bobo e infantil, o cientista mais nervoso e esbaforido, e a terceira versão de Zero alguém muito mais seguro e consciente do que qualquer outro. Toda a caracterização dos personagens, bem como suas relações entre si, são pontos cruciais para o bem sucedido humor que o filme apresenta, se revelando tão eficaz quanto seu pano de fundo romântico, além de conferir uma visão nítida das diferenças que variadas realidades temporais podem causar a uma mesma pessoa. E ainda que acerte em cheio na sua abordagem cômica, “O Homem do Futuro” tem o romance como elemento fundamental de sua trama, que equilibra com eficiência os momentos de humor e os momentos sentimentais. E se tem uma coisa que faz de “O Homem do Futuro” um filme fluido e envolvente é o seu ritmo turbulento desde o início, já logo estabelecendo e nos preparando para a intensidade emocional de sua história, que mesmo apostando em uma tonalidade variável, jamais abandona a atmosfera irrequieta e urgente de sua narrativa. Enquanto a trilha instrumental do filme cumpre seu papel ao auxiliar a atmosfera das cenas, as ótimas canções que vez ou outra tomam conta de nossos ouvidos são certeiras ao evocar a nostalgia da época (que, aliás, é muito bem retratada pela direção de arte e pelos figurinos), além de também funcionarem como constantes no meio de toda essa equação temporal, simbolizando um elemento familiar para os personagens nas diversas linhas temporais. “O Homem do Futuro” ainda conta com uma interessante interpretação das consequências da mudança do tempo. O filme, ao seu final, parece assumir uma agridoce ideia de que os momentos mais efêmeros, porém felizes, devem ser perpetuados e não alterados pelo bem do quadro geral, já que a mudança eventualmente traria implicações ainda mais infelizes do que o que estaria prestes a acontecer logo após o momento de alegria repetido tantas vezes durante o filme. A troca de um momento único e marcante por um panorama mais confortante não parece ser uma boa escolha, diz o filme - e não apenas pela razão de se evitar uma desgraça maior, mas simplesmente pela lástima que seria excretar aquela felicidade que vive naquele pequeno momento, assim como quase todos os momentos felizes de nossas vidas habitam os instantes mais breves e fugazes. Mas infelizmente o final da narrativa não reforça essa noção, investindo em um desfecho que apesar de coerente e bem amarrado, é um perfeito exemplo da “síndrome do final feliz” entrando na frente de uma ideia muito mais interessante. Entretanto, “O Homem do Futuro” se faz mesmo valer por todo o seu resto, e é certamente um dos filmes de mistura de gêneros mais interessantes dos últimos anos.
Contra o Tempo
3.8 2,0K Assista AgoraEste é mais um conto de predestinação. E é mais um que une essa supersticiosa noção com uma trama fundamentada na ficção-científica, tornando o desafio de explicar tal processo esotérico ainda mais criativo e complexo. E Contra o Tempo (Source Code, no original) se sai consideravelmente bem na tarefa de reinvestir num tema já, de certa forma, gasto e criar uma narrativa envolvente e mitologicamente intrigante.
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Hugh Hefner: Playboy, Ativista e Rebelde
4.0 3O estilo de vida peculiar que Hugh Hefner, o criador e dono da revista Playboy, mantém e sempre manteve é costumeiramente visto com olhares cínicos ou que somente enxergam em sua figura algo de cômico, ridículo e extravagante - especialmente por já ser uma pessoa de idade avançada, o que misteriosamente reforça ainda mais a “ridiculez” que ronda sua personalidade. E se há algo de realmente valioso que este documentário tem a oferecer para aqueles cujo pensamento se enquadra na descrição acima, é o fato de revelar o que qualquer um com a disposição para enxergar além das aparências poderia descobrir sem muito esforço - e isso já é um grande favor que o filme faz.
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Missão Madrinha de Casamento
3.2 1,7K Assista AgoraMissão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, no original) tem uma ideia simples mas interessante. É, basicamente, uma versão povoada por mulheres daquelas “comédias de constrangimento” comumente associadas a homens. E apenas isso já permite aos roteiristas sacarem agradáveis surpresas para a criação de gags e situações cômicas que carreguam os traços femininos como parte essencial de seu humor. Mas Missão Madrinha de Casamento não seria tão engraçado se simplesmente seguisse o caminho da inversão de gênero, já que o que as “comédias masculinas” (uma distinção estúpida, é verdade) de qualidade têm como mérito não é o fato de voltarem suas tramas para personagens homens, e sim por simplesmente conterem piadas boas e um humor que é desenvolvido de forma astuta e/ou inteligente.
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A Árvore da Vida
3.4 3,1K Assista AgoraA vida passa, e cada um que passa por ela é defrontado por dois mistérios extremos: o nascer e o morrer. Dizer que em determinado ponto nascemos e em outro morremos é uma certeza garantida pela experiência humana, que tem percepção o bastante para definir o surgimento e o desaparecimento da vida em um organismo. Mas estaria a vida intrinsecamente conectada ao nosso arquétipo material? Se não, para onde ela iria depois que sua breve trajetória por entre nossos corpos chegasse ao fim? Essas questões de ampla dimensão são trazidas à tona em “The Tree of Life”, mas este não é um filme de divagações infinitas e abstratas; seu alicerce está no núcleo familiar que, não à toa, é envolvido por toda a magnitude do universo, desde o seu especulado princípio até o seu inacessível fim; desde as suas mais microscópicas manifestações até seus mais vastos e desmesurados aspectos, que nos fazem constatar o quão breve e pequeno somos diante de toda essa imensidão, tanto em dimensões físicas quanto em significado. Mas a mais fascinante beleza reside justamente neste contraste, entre o pequeno e o grande, entre um lado e o outro, entre a vida e a morte, o amor e o ódio. Esta é a beleza do universo, uma beleza trágica porém perfeita dentro de uma amálgama de imperfeições. E há, sim, um significado íntimo que sublinha todas as manifestações de vida. Nós, como humanos, só conseguimos compreender um tipo de significado, o nosso próprio. Com esta percepção, a direção não convencional de Terrence Malick tem como finalidade evocar aquilo que desperta em nós emoções, prazeres, anseios, afeto e desgosto. O diretor registra a intimidade de um típico ambiente familiar de uma época específica ao mesmo tempo em que sumariza a magnificência da origem do universo. Em ambos extremos, a complexidade é vigente. Há simplesmente muitas formas, emoções, sensações e dúvidas. Por isso, é com surpresa que testemunhamos a capacidade única com que Malick sintetiza o desenvolvimento da vida em seus mais variados estágios de beleza visual e emocional. Além do mais, o diretor se coloca sempre na altura de seus personagens, de modo com que virtualmente respiremos junto deles. “The Tree of Life” flui como uma obra de música clássica. A tonalidade de cada passagem varia de forma nítida, diluindo-se delicadamente conforme as emoções são impressas na tela. Visualmente, o filme é como um mosaico; as peças, aparentemente desconexas, formam uma espiral de filosofia e natureza humana, desvendando os sentimentos mais interiores de seus personagens e fazendo-os crescer durante a narrativa, assim como tudo cresce e se desenvolve durante o filme. Ilustrando a inquietude perfurante diante daquilo que nos intimida, o longa pinta a rígida figura paterna como um intimidante contraste de amor e ódio para seus filhos, assim como também sugere semelhante característica para a totalidade do universo e do suposto Deus, duas coisas que se impõem rigorosamente diante da insuficiência humana, às vezes nos recompensando com generosidade, às vezes com crueldade. De certa maneira, todos esses contrastes, todo esse conjunto de dualidades estão subjetivamente fundidos com nossa experiência de vida. Nós vemos as coisas através das óticas da pessoalidade; nós sentimos, nós desejamos e até nossos esforços mais racionais são revestidos do que chamamos de subjetividade - e assim descobrimos (ou inventamos) o significado em tudo, nas pequenas ou grandes coisas, num imaginário Deus ou em um simples e palpável pé de neném. Afinal, como poderíamos viver de outras formas se somos necessariamente espremidos pelo nascer e pelo morrer? “The Tree of Life” é uma poderosa ferramenta de evocação. O filme joga com elementos intrigantes e desperta as mais profundas sensações humanas ao exprimir a beleza do que há distante e do que há perto, flertando assim com a angustia do nascer, crescer e morrer, em suas mais extremas concepções. No final, percebemos que responder questões é um exercício ocioso e fútil dada esta incrível narrativa proposta. Mas ao menos o filme nos faz sentir, pois temos um histórico de emoções reservado em nossas mentes, e cada uma dessas emoções corresponde a algo mostrado aqui. A pergunta a se fazer é: o que você sentiu?
Manhattan
4.1 595 Assista AgoraDando início ao seu filme com uma narração satírica sobre a personalidade e brilhantismo da cidade de Nova York e seu distrito Manhattan, Woody Allen incorpora neste filme uma quantia abundante de referências ao que parece lhe trazer prazer na vida, e inclusive encarna em seu personagem um sujeito de extremo raciocínio neurótico (como de costume), narcisístico, sistemático e abalado pelas próprias idiossincrasias que nunca o deixam em paz - mas que também o fazem ser o que ele é, como deseja ser.
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O Agente da Estação
3.8 58Em O Agente da Estação (The Station Agent, no original) nós temos um anão como protagonista. Seus anseios, dificuldades e atribulações cotidianas são retratadas, eventualmente. Mas Fin, o anão interpretado por um excelente Peter Dinklage, embora indiscutivelmente o miolo dramático de todo o filme e o único com “problemas” físicos patentes, não é o único personagem que recebe as sensíveis pinceladas emocionais da trama.
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Ataque ao Prédio
3.3 395 Assista Agora“Attack the Block” é o tipo de conto que busca heroicizar um personagem marginalizado e moralmente corrompido através de uma situação que o desafia e muda de forma absoluta seu estilo consolidado de vida, proporcionando a ele uma redenção e transforma-o exatamente no oposto do que era antes. Este personagem aqui é Moses, o líder de um grupo de jovens criminosos que defendem um bloco de classe baixa na cidade de Londres. Moses é o típico jovem marginal que nunca tomou a iniciativa de pensar nas coisas que faz, apenas fazendo-as ao assumir uma espécie conformismo com a vida que lhe cerca e cerca seus amigos. Tudo muda, então, quando há uma invasão alienígena no bloco onde vivem, impondo uma situação de urgência que acomete o grupo de Moses e os encurrala por também desencadear uma série de outros percalços, como a ameaça do líder mor do bloco, que passa a perseguir Moses por suspeitar de uma traição, e, claro, a polícia, que coloca-se no caminho dos delinquentes depois que uma moça roubada por eles denuncia o delito. Além do óbvio subtexto da redenção, “Attack the Block” é especialmente divertido e igualmente sensível por também evocar outras qualidades humanas em meio aos seus personagens, principalmente qualidades que dizem respeito ao envolvimento de pessoas diferentes por buscarem um objetivo em comum - que aqui seria basicamente o de sobreviver. Não apenas os membros da gangue do bloco têm de se unir com a moça que horas atrás tinham assaltado (e vice-versa, o que torna, por parte dela, a união bem mais hesitante), como também assumem a responsabilidade de sobreviver não ao se esconderem ou fugirem do perigo, mas ao enfrentá-lo. Assim, o filme emprega aquela sensação de adrenalina manifestada pela urgência de ter de combater um inimigo misterioso e que se difere totalmente das condutas e riscos da vida criminosa que assola o bloco. Em determinado momento da trama, inclusive, um personagem observa que está morrendo de medo daquela situação sinistra, mas que está achando aquilo “irado” - coisa que nos diz muito sobre o impulso de enfrentar uma ameaça com todas as forças apenas por ser uma ameaça. Os personagens de “Attack the Block”, principalmente os membros da gangue e a jovem enfermeira Sam, são todos divertidos; tendo cada um deles uma personalidade saliente o bastante para nos envolvermos e nos importarmos com cada passo que executam - o que é mérito do roteiro, que é hábil ao criar personagens interessantes mesmo sob a margem dos estereótipos, apresentando de forma ágil e sutil as suas particularidades e a maneira como agem. Dessa forma, fica até difícil não torcer pela redenção de Moses, pela sobrevivência de cada um dos membros da gangue, pela extinção dos perigos, e pela inusitada amizade que Sam estabelece com os marginais que a roubara anteriormente. E com exceção da sobrevivência de todos os membros da gangue, que acaba não se sucedendo, tudo isso acontece: os alienígenas são dizimados, o cara mal acaba morrendo da pior forma possível e Moses alcança a redenção depois de perceber que foi ele quem atraiu o problema e era ele quem deveria se sacrificar e acabar definitivamente com todo aquele caos - o que ele faz, sendo intensamente ovacionado pelos moradores do bloco. E ao mesmo tempo em que o desfecho de “Attack the Block” cai na mesmice, ele não deixa de soar como uma releitura mais pé no chão e despretensiosa de filmes de ação com temáticas similares, assim como todo o restante do longa - já que, ao evocar todas as sensações predominantes de filmes do tipo, “Attack the Block” o faz de uma maneira astuciosamente cômica e gore, assumindo descompromisso, e o faz também com um trabalho de produção, direção e montagem que procura encontrar o realismo em meio a tantas situações irreais, sem que assim deixe de provocar empolgação e tensão em quem assiste; algo que, somado com a qualidade de “conto de redenção” que o filme eficientemente constrói em torno de seu protagonista, acaba formando um exemplar de gênero quase impecável e altamente divertido.
X-Men: Primeira Classe
3.9 3,4K Assista AgoraOlhando em retrospecto, e principalmente depois de conferir este novo filme da saga “X-Men”, a aventura dos mutantes no cinema é composta em sua essência por uma questão pessoal do personagem Magneto. Claro, não há como não reconhecer a importância que outros personagens, tais como Wolverine, Jean Grey, Charles Xavier e Vampira, têm para o universo X nos cinemas, principalmente se considerarmos a trilogia inicial. No entanto, o investimento profundo, ainda que moderado, no drama pessoal de Erik nos três primeiros filmes veio a calhar perfeitamente com o peso recebido pelo personagem em “X-Men: First Class”. Se ajustando a um contexto histórico que não só revela-se elegante em termos de retratação, como também em termos narrativos, ao fazer uso do cenário da Guerra Fria para criar uma narrativa complexa e significativa, “X-Men: First Class” não deixa, porém, de atuar como um “preenche lacunas”. Embora negligencie um grande detalhe do terceiro filme e com isso crie o único furo na história que posso identificar, o longa se sai incrivelmente bem na função de ligar os pontos e encaixar seus eventos com aqueles futuros que vimos nos filmes anteriores. E ao se encarregar de preencher lacunas, o filme inevitavelmente explora mais os personagens que anteriormente conhecíamos, o que nos dá a admirável oportunidade de conhecer mais sobre Mística, uma personagem que tem suas dimensões acrescidas por este filme, nos ajudando a compreender sua futura personalidade fria e principalmente testemunharmos que na época ela era a que mais sofria com sua diferença genética. Aliás, o fato de “X-Men: First Class” explorar o surgimento do preconceito sofrido pelos mutantes, ao passo que eles tornam-se cada vez mais notáveis, não só é importante para a história como um todo, sendo este fenômeno a grande causa de discórdia entre homo sapiens e mutantes, como também magnificamente representado por alguns pontos em particular. Um deles, a relação entre Fera e Mística, surge como elemento novo na história, e também retrata de forma sensível a manifestação do discurso do orgulho mutante, que embora essencialmente possua a mesma e simples filosofia, ganha traços diferentes dentro das ideologias opostas de Xavier e Magneto. Por falar em Xavier, é interessante como este é pintado como um jovem entusiasmado e ávido por tudo o que se relacione com mutações - conjunto de características que se contrasta de forma orgânica com o cauteloso e sereno Xavier dos anos seguintes. Por outro lado, a imensa extensão das habilidades do personagem se torna um verdadeiro incômodo em alguns momentos, tendo sua quase ilimitada capacidade telepática uma função de demasiada conveniência na trama, parecendo facilitar tudo para as ações dos X-Men e para as necessidades do roteiro. Outro que chega a causar incômodo é o vilão interpretado por Kevin Bacon, Sebastian Shaw, cujos propósitos são exatamente os mesmos de Magneto, com a diferença de que o personagem de Shaw não é explorado de forma devida e tampouco parece reter motivos emocionais que justifiquem seu objetivo. Mas apesar disso, Shaw ainda é um bom alvo para Magneto, que neste filme tem sua personalidade trabalhada através de sua busca por vingança contra o homem que matou sua mãe e o transformou em quem ele é e também pela forte relação que estabelece com Charles Xavier. Relação que, aliás, se desmancha em uma sequência fantástica a vinte minutos do fim, onde não só a ironia de os mutantes deterem uma terceira guerra mundial e legitimarem uma guerra contra eles próprios os atinge, como também a fissura entre dois dos mais orgulhosos representantes da comunidade mutante - fato que viria a gerar implicações individuais para ambos os ex-amigos e também gerais para toda a causa dos mutantes. Se beneficiando de efeitos visuais primorosos e arrojados, o diretor Matthew Vaughn exibe uma fascinante condução criativa de suas cenas, concebendo desde sequências de ação eletrizantes até planos e sequências marcantes pela sensação que despertam (algo também auxiliado pela inventiva montagem do filme), seja numa série de cenas mais divertidas e irreverentes como as que ilustram Xavier e Erik recrutando novos mutantes (com direito a uma ponta hilária de Wolverine), seja pela arrepiante cena da moeda, que estabelece um paralelo visual (e simbólico) entre a morte de Shaw e a traição que Erik executa em Xavier. O certo é que, apesar de apresentar problemas aqui e ali, “X-Men: First Class” é um filme que faz jus aos três longas que o sucedeu, não só se mantendo fiel aos eventos deles, como respeitando seus personagens e os elevando a níveis ainda mais altos.
X-Men: O Confronto Final
3.3 1,0K Assista AgoraO que aconteceria se, de repente, uma cura milagrosa para um tipo específico de característica portada por minorias surgisse na comunidade científica e logo se popularizasse como alternativa viável para aqueles que querem se livrar de sua “doença”? A trilogia “X-Men” tem um subtexto simples e objetivo, mas ao ser desenvolvido de forma leal e pertinente nestes três filmes, talvez seja - entre mutantes com habilidades bizarras e confrontos caóticos -, o que há de mais precioso nesta saga. Em “X-Men: The Last Stand” tudo é elevado ao seu limite: por um lado somos apresentados ao pano de fundo do filme, a vacina que providencia a supressão do gene mutante, tornando-o permanentemente inativo; do outro, Jean Grey simbolicamente emerge das cinzas, e liberta toda a fúria que havia reprimido, tornando-se a mutante mais poderosa e mais perigosa de toda a Terra. É de uma sábia conveniência o fato de que estas duas questões são levantadas no mesmo filme, pois enquanto a vacina promete cessar a humanidade dos perigos mutantes, Jean Grey se revela como o exemplar mais ideal dos riscos que os poderes mutantes podem trazer ao mundo, já que, ao contrário de Magneto, por exemplo, as habilidades de Jean são perigosas por si só, e não por uma questão de ética ou moral de quem as possui. E ao lidar com estes assuntos, o roteiro deste terceiro filme retrata seus personagens - novos e antigos - de uma forma coerente com os dilemas que os assaltam. Vampira, por exemplo, não vê benefício algum em ter a habilidade que tem, e por isso, compreensivelmente, se livra delas; um desfecho feliz e orgânico para uma personagem que dificilmente tomaria a decisão contrária em prol de uma ideologia - algo que felizmente o roteiro não ousou fazer. Em contrapartida, personagens como Hank (o Fera) e, claro, Magneto, resistem à ideia de uma cura - o primeiro, acreditando apenas na cura voluntária; o segundo, opondo-se absolutamente à existência da mesma. Dessa forma, outras questões são levantadas a partir de uma já estabelecida, como o orgulho possuído por alguns mutantes, que veem na possibilidade da extinção de seus dons uma afronta ao que lhes pertencem naturalmente, se firmando assim em uma posição ideológica igualmente compreensível. (E é curioso ressaltar como Fera, ao defender a existência da cura, observa o fato de que muitas pessoas desejariam recorrer a esta medida por sofrerem com a massiva discriminação, quando há um contraponto claro e orgulhoso que de certa forma tange o que Charles Xavier propugnava: a igualdade por meio da conscientização e superação natural do preconceito, não por medidas extremas como a aqui vista). Com uma temática tão sugestiva, podemos relacionar tranquilamente esta muito hipotética possibilidade com qualquer causa de discriminação da nossa realidade, e é por isso que o roteiro deste terceiro capítulo é consciente o suficiente para mais uma vez fazer as perguntas certas e explorar suas vertentes, como se estivesse imaginado a situação ficcional dos mutantes posta na realidade de quem está do outro lado da tela. “X-Men: The Last Stand” consegue discorrer de forma brilhante seu subtexto ao mesmo tempo em que cria sub-tramas interessantes que se convergem naturalmente em um confronto épico e fantástico. Os efeitos visuais do filme se revelam verdadeiros deslumbres nesta ocasião final (bem como, devo ser justo, no filme todo), que é pintada de forma tão caótica e intensa pelos efeitos especiais bem como emocional pelo roteiro e seus personagens, culminando em uma combinação de elementos técnicos e narrativos que se fundem em tela quando Wolverine toma a brava e comovente decisão de matar Jean Grey. E não apenas essa cena decisiva guarda uma grande força emocional. A sequência que retrata a morte e os eventos recém morte de Charles Xavier são imensamente comoventes. A figura afável de Xavier parte de forma chocante, e vê-lo se desintegrando em frente a Magneto é um momento extraordinário por vários motivos. Um deles, claro, o fato de Erik demonstrar um genuíno pânico pela morte de seu velho amigo - mesmo que defini-los como “amigos” não faça exatamente jus ao termo -, e, em seguida, suprimir suas emoções e continuar com o que a princípio estava ali pra fazer. Talvez seja essa ambivalência de um vilão; ou a ousadia de por um final ligeiramente feliz na história, porém com grandes perdas no meio do caminho; além, claro, da rica abordagem temática; que faz este filme e toda a trilogia ser não apenas um bem sucedido exemplar de ação e heroísmo do cinema, mas um conto cinematográfico profundo e relevante revestido por um universo fantástico e instigante.
X-Men 2
3.5 784 Assista AgoraO universo de “X-Men” tem, sem dúvida alguma, uma coleção interessantíssima e fascinante de personagens. E se o que, por um lado, os fazem ser interessantes são suas habilidades das mais diversas, pelo outro o que os fazem ser fascinantes é a maneira como a personalidade e o comportamento de cada um são reflexos de suas capacidades mutantes. E nesta sequência de “X-Men” isso é ressaltado de forma decisiva. Dando continuidade ao “problema dos mutantes” (expressão repetida debochadamente pelos mutantes em relação ao impasse global que aflige suas existências na sociedade), “X-Men 2” já se inicia com uma sequência de ação fantástica no interior da Casa Branca, introduzindo sua narrativa logo no centro político mais simbólico dos Estados Unidos. Mas embora o roteiro nos levasse a acreditar que aquele ataque ao presidente era apenas uma revolta de um novo mutante, o desdobramento da narrativa nos revela que não, e que na verdade tudo aquilo era apenas uma manipulação do verdadeiro vilão deste filme, o coronel do exército William Stryker. Além de almejar a destruição de todos os mutantes da Terra, através de um plano tão engenhoso quanto o de Magneto no primeiro filme, Stryker também foi o responsável pela “criação” de Wolverine - ou, em outras palavras, quem introduziu o elemento adamantium em Logan. Desta forma, a trama de “X-Men 2” abre espaço para o surgimento de um personagem importante e de grande conveniência, e que embora ainda seja retratado como um típico sujeito austero e obscuro, tem a seu favor um histórico que confere sentido aos seus atos. E assim como no primeiro filme, o roteiro deste longa administra com harmonia o enfoque dramático de seus personagens, ampliando suas dimensões e vasculhando suas histórias, como é o caso de Wolverine, cujo misterioso passado é cavado e finalmente selado em uma resolução orgânica e eficiente para o personagem. Já Jean Grey tem suas capacidades telepáticas e telecinéticas cada vez mais exploradas pela trama, dando continuidade no que começara a ser feito no primeiro longa, e assim se mostra decisiva em um dos momentos mais comoventes da narrativa, quando sente no potencial de sua habilidade um clamor para assumir uma situação extrema e entregar a sua vida em benefício dos outros. Por outro lado, Magneto (que articula uma simples mas genial fuga da prisão de plástico) passa a ver os aliados de Xavier como necessários parceiros para impedir a eliminação dos mutantes (e é admirável testemunhar a ambivalência do aparente vilão enquanto que se confunde no meio dos heróis), porém também não deixa de lado suas segundas intenções, que se revelam muito mais extremistas do que as de seu plano anterior - o que faz sentido, uma vez que a amargura pela humanidade que o personagem já tinha eventualmente veio a se intensificar durante o tempo que permaneceu preso. É também interessante notar como o novo personagem, Noturno, dono da habilidade de teletransporte, é, além de simpático e útil para a trama, também uma figura bem construída pelo roteiro, que o estabelece como um ser profundamente religioso, vindo a calhar coerentemente com seus poderes e, eventualmente, suas ações durante a história. A construção de personagens, aliás, é o forte de “X-Men”; e nesta continuação, assim como no primeiro filme, todos eles (com exceção de um ou outro) recebem sua dose de profundidade dramática; seja pela exploração de seus passados e de suas origens ou pelas responsabilidades exigidas por suas habilidades. Tirando proveito disso, diversas sequências do filme se destacam, como a cena de extrema tensão onde o jato dos X-Men é atingido por um míssil e a personagem de Vampira é lançada ao céu. Sabemos, intuitivamente, que ninguém ali irá morrer, mas ainda assim ficamos extasiados pela dinâmica improvisada que os mutantes executam para superarem aquele obstáculo - e assim procedem diversas outras cenas do filme, o que também dá a Bryan Singer, o diretor, uma oportunidade e tanto para conceber sequências de tirar o fôlego. Uma delas, e que foge deste exemplo anterior, mas que se destaca visualmente, é a impressionante cena de luta entre Wolverine e uma mutante semelhante a ele. Além da briga entre os dois carregar um significado pessoal para o personagem Logan, a sequência chama a atenção pela sofisticação de movimentos dos dois personagens e a forma impecável como Singer conduz sua câmera. Em “X-Men 2”, a temática estabelecida no primeiro filme, embora menos proeminente aqui, continua intacta e sua implicações são abordadas. A trama, inteligente, lança mão de um desfecho eficaz e mais uma vez eleva a ansiedade do espectador para o seguinte capítulo dessa grande história e da história de cada um de seus ótimos personagens.
X-Men: O Filme
3.5 904 Assista AgoraA maneira como o roteiro de “X-Men” emprega os personagens mutantes na realidade é de uma pertinência preciosa e imprescindível. Logo no início do filme, após um breve flashback onde visualizamos um momento dramático da vida de Erik/Magneto (o que imediatamente e eficientemente estabelece um peso emocional ao personagem - algo importante, considerando sua disposição como vilão), somos apresentados logo de cara ao efeito que uma população habitada por pessoas com poderes especiais (e ameaçadores) causaria na sociedade. E é admirável como o roteiro de “X-Men” faz as perguntas certas e estabelece convincentemente os dois pólos do debate - um, advogado pelos próprios mutantes, a favor da preservação da liberdade de seus semelhantes; outro, advogado pela grande massa política norte-americana (e mundial) e social, contra o direito ao livre-arbítrio de tais seres. Dessa forma, “X-Men” não só tem um pano de fundo político-social interessantíssimo, como o aborda de maneira ideal, mesmo que não se aprofunde totalmente nas ramificações de tal assunto. Isso porque a trama deste longa tem um funcionamento extremamente econômico, e não por isso deixa de ser eficaz; sabendo administrar bem a distribuição de informações (afinal, o universo dos mutantes é carregado de uma razoável mitologia, o que demanda explicações), o enfoque emocional de seus vários personagens (embora alguns deles careçam um pouco disso), bem como toda a discussão existencial referente ao impasse global sobre os mutantes. E já que tudo na narrativa é desenvolvido com rapidez, o modo econômico escolhido pelos roteiristas para guiar a trama não poderia ser mais do que necessário. Mas também não seria garantia de uma boa narrativa se a economia fosse assim apenas por ser, já que um dos grandes méritos do longa reside na sua capacidade de depositar em cada cena um elemento de interesse aos personagens, algo que lhes faça sentir diferente - e também o espectador sentir como eles - e mover suas ações adiante. A empatia é uma palavra importante neste filme; não só para o espectador, que se pega completamente levado pela situação dos mutantes, como também para os personagens entre si. No começo da história, a jovem Vampira sofre um evento traumático, quando ao beijar seu namorado, suga suas forças vitais, futuramente deixando sequelas no garoto - o que a impele a abandonar seu lar. Além dela, Logan (Wolverine), se ocupa com lutas amadoras em um ringue dentro de um bar no meio do nada, enfrentando qualquer brutamontes que o ouse desafiar - tudo isso para garantir alguns trocados. As sequências em que os dois personagens são apresentados carregam uma qualidade equiparável de profundidade dramática (com destaque maior para a de Logan, que é mais sutil, demonstrando o aborrecimento e absolutamente nenhum divertimento que o viril sujeito tem ao facilmente abater seus oponentes de luta). E quando, convenientemente, os dois personagens se encontram, há uma empatia imediata de um pelo outro (inicialmente apenas de Vampira por Logan), e um forte e convincente laço é estabelecido entre os dois, algo que se revela bastante relevante para o desdobramento da narrativa. E dessa maneira “X-Men” segue construindo seus personagens e suas relações, apresentando também um simpático e bem intencionado professor Xavier e o maléfico (agora na versão adulta) Magneto, que embora seja retratado como um vilão aparentemente tradicional (o que quase eleva o sentido da palavra “maléfico” ao seu retrato mais clichê), é interpretado por Ian McKellen de forma convincente e sensível, além do personagem ser dotado de uma inteligência notável e, apesar das aspirações maquiavélicas, de um objetivo compreensível - o que, mais uma vez, evoca a empatia dos espectadores; nesse caso se identificando muito mais com a finalidade do plano de Magneto, o que é um tanto quanto interessante em uma história que aparentemente preze pelo típico maniqueísmo visto em outros filmes de heróis. Embora “X-Men” ainda tenha suas falhas (como a exploração extremamente rasa das personagens Tempestade e Ciclopes (sem falar dos capangas de Magneto), salvando-se apenas por seus curiosos poderes; um ligeiro excesso de didatismo em alguns pontos; e diálogos pouco inspirados), o filme consegue manter sua qualidade por sua trama de dimensões largas, além de envolvente; cenas de ação que nos poupa de distrações, inclusive às vezes assumindo uma identidade estratégica (afinal, com poderes tão distintos, a porrada desenfreada dá lugar à dinâmica e estratégia de grupo para superar os percalços); e principalmente por seus bem construídos personagens, cada um com seus dramas e relações bem estabelecidas pelo roteiro, o que nos faz ansiar imensamente pelo desdobramento de cada uma de suas histórias - bem como do cenário geral - nos filmes seguintes.
Um Novo Despertar
3.5 517 Assista AgoraNão é fácil ignorar seu passado. Por mais que um recomeço soe tentador e ideal, jamais se revelará como uma tarefa simples, sendo que o passado jamais deixará de marcar presença em seu dia-a-dia; fato que implica diretamente no seu modo de ser, já que toda a construção de sua personalidade se deve pelos fatos e influências que ocorreram com você e ao seu redor durante os anos que viveu. Em “The Beaver”, Walter Black, um pai de família e bem sucedido executivo, padece de uma depressão profunda, chegando a tentar o suicídio porém sendo inesperadamente salvo por si mesmo - ou pelo boneco castor que de repente passa a utilizar como uma espécie alterego. Na tentativa de distanciar-se psicologicamente das pessoas e de suas ações, o novo Walter usa o castor como meio de comunicação, estabelecendo ao boneco uma personalidade absolutamente mais desinibida e bem humorada do que a do antigo Walter, que vivia constantemente sob um estado de melancolia e indiferença para com tudo e todos. Durante essa nova atitude comportamental, Walter Black é frequentemente confrontado por sua mulher sobre o homem que deixou de ser para se tornar uma figura estranha que anda com um fantoche na mão o tempo todo. Sua mulher, Meredith, também o lembra de seu passado - que ele diz ainda recordar, mas que evidentemente ignora. “The Beaver” não é um filme ruim, mas é um filme que deixa primeiras impressões bacanas para desenvolvê-las sem muita profundidade ou ousadia. Primeiramente, a figura de Walter Black é fascinante, sendo conduzida por Mel Gibson com excelência, tanto na representação que faz de um homem ansioso, na miséria emocional e sem vontade de viver como na engraçada personificação do fantoche castor, que possui uma personalidade de nítida simpatia. O longa, dirigido por Jodie Foster, estabelece um interessante tom em sua narrativa, fazendo uso de uma trilha sonora levemente bem-humorada e especialmente melancólica, representando perfeitamente o contraste entre o deprimente e o engraçado que habita a figura de Walter e seu fantoche. A trama também concede uma considerável porção de atenção para Porter, o filho de Walter que o odeia. Porter, ao mesmo tempo em que não se relaciona bem com seu pai (especialmente depois deste adotar o fantoche castor), também divide muitas características com ele, e por isso se martiriza para se livrar delas. Tentando estabelecer um paralelo principal entre pai e filho, o roteiro infelizmente deixa Meredith (também Jodie Foster) meio reclusa durante a narrativa, retratando-a como uma esposa comum que nunca tem a oportunidade de demonstrar suas particularidades da forma como seu marido e seu filho têm. E é também uma pena que a sub-trama envolvendo Porter seja desenvolvida de forma cada vez mais periférica durante a narrativa, resultando em uma resolução fácil e artificial que ainda investe em um dispensável romance entre o jovem e uma garota de sua escola, tudo para suscitar a reconciliação entre o garoto e seu pai. Embora interessantes e curiosamente expostas no início, as reflexões propostas por “The Beaver” acabam tomando a forma simplista da “moral ao final da história” quando o filme atinge seus minutos finais - e a última passagem do longa apenas mostra a ideia de um típico final feliz sendo executada da forma mais automática e manjada possível, assim como praticamente todo seu decepcionante e insosso terceiro ato. “The Beaver” certamente dá indícios de que poderia ser um filme melhor: provavelmente um estudo de personagem mais profundo e atencioso como praticamente é em seu início; ou então um filme cujo foco é no protagonista mas que também compreenda seus outros personagens com diligência. Mas tudo isso, claro, tendo em mente que o elemento mais interessante de sua história é o personagem Walter Black, o homem que passou a se comunicar através de um fantoche castor para passar por cima de seu passado e da pessoa que um dia foi. No fim, Walter Black cai facilmente no esquecimento, sendo retratado apenas como um simples personagem problemático hollywoodiano que consegue sua realização perfeita e ideal. Que bom para ele, pelo menos.