Este certamente não é o primeiro filme sobre um adolescente que vê questões existenciais, filosóficas e amorosas invadirem seus pensamentos juvenis. “Submarine” é muito diferente do tipo de filme sobre “crise de adolescência”; é um filme cujo protagonista é diferente por natureza, bem mais maduro do que pessoas de sua idade e, ainda assim, inseguro, incerto e sentimental - mas é sobretudo um filme onde, analisando de perto, todos os personagens importantes, adultos ou não, são como o protagonista. É difícil decifrar o personagem Oliver e tudo que passa por sua mente. Nem mesmo com o auxílio da narração em off é totalmente possível decodificar os sentimentos do garoto - fato que acaba nos dizendo muito sobre o filme, já que, assim como compara em certo momento, é como se as pessoas fossem dotadas de vibrações ultra-som, inaudíveis para os humanos, e por isso reservadas em seus interiores como segredos que ninguém consegue desvendar por absoluto. Mas também há outra metáfora preciosa que “Submarine” nos apresenta: o ultra-som foi desenvolvido para localizar submarinos, aqueles veículos aquáticos que vivem submersos nas profundezas (mas não tão profundas) do oceano. O pai de Oliver, interpretado por um excelente Noah Taylor, revela ao filho que anda - e sempre andou, desde a juventude - submerso, debaixo d’água; outras palavras para “deprimido”. No início do filme, Oliver nos confia que para passar pela vida, ele tenta se desconectar da realidade, imaginando como as pessoas reagiriam à sua morte - um sentimento que denuncia as supostas tendências suicidas do jovem garoto. É razoável pensar, então, que o desapego de Oliver pela realidade o mantém debaixo d’água, assim como seu pai, vivendo ambos em uma meia-realidade, algo deles, pessoal; entre o lugar onde as coisas acontecem de verdade (a vida) e o lugar onde tudo para de acontecer (a morte, ou o fundo do oceano, onde não há luz e ninguém consegue sobreviver). Já a mãe de Oliver parece encontrar a luz através de seu novo vizinho Graham, uma espécie de guru supersticioso com quem costumava namorar na juventude, e que entre outras bobagens espirituais relacionadas ao poder da luz (antônimo de escuridão), fala também do tal “terceiro olho”, que segundo lendas é uma espécie de órgão mental capaz de aumentar sua capacidade de percepção, permitindo exercer faculdades psíquicas como telepatia e clarividência, por exemplo. E bem que a telepatia resolveria os problemas dos personagens em “Submarine”, pois Oliver tem até mesmo de exercer o papel de intermediário para tentar arranjar encontros sexuais entre seu pai e sua mãe (bem como tentar reconciliá-los de todas as formas possíveis), já que o relacionamento do casal é completamente imune a sentimentos, assim como é o namoro de Oliver com Jordana, cujo bilhetinho ditando as regras do relacionamento afirma claramente “sem emoções”. Portanto, por mais que as emoções existam (e ninguém nega isso), nada de mostrá-las. Mas Oliver, apesar de indecifrável como qualquer um ao seu redor, floresce seus sentimentos para podermos acompanhá-lo neste filme, sendo que logo no início o garoto já declara estar apaixonado, e sua abertura para nós, que assistimos, é certamente sintoma desta paixão que ele passa a viver. Jordana é convenientemente caracterizada de vermelho, o tempo todo, cor que simboliza o amor e os sentimentos. Apesar das semelhanças sentimentais que compartilha com seu pai, Oliver é puxado para a superfície por Jordana, e dessa forma ele tenta trazer seu pai, sua mãe e a própria Jordana para essa realidade de sentimentos. Por outro lado, o descontentamento que Oliver tem dentro de casa o impede de abandonar a tentação pelo fundo do oceano, e durante toda a trama de “Submarine” acompanhamos este fascinante jovem por entre incertezas e inseguranças, até eventualmente conseguir o seu final feliz, que pode ou não ser feliz para Jordana e especialmente para seus pais, mas que certamente é para ele. “Submarine” não responde questões existenciais nem amorosas, e nem retrata seus personagens como exatamente são as pessoas da vida real, mas é impressionante como este pequeno filme (também dotado de um belo visual e um ótimo humor) expõe a fascinação que podemos ter por certas pessoas, mesmo jamais decifrando a aparência de seus oceanos e o quão profundo são eles.
Se considerarmos apenas o cinema dos últimos anos, podemos listar uma quantidade relativamente grande de produções semelhantes a “Wrecked”; filmes que lidam praticamente com um só personagem, em alguma situação de agonia, isolado e/ou aprisionado em algum lugar claustrofóbico. “Wrecked” logo nos introduz ao pior da situação, quando o personagem interpretado por Adrien Brody acorda todo ferido e esfolado, preso às ferragens de um carro no meio de uma floresta e sem memória do que aconteceu ou de quem ele é. Também não sabemos quem é aquele homem, qual foi o contexto do acidente e como ele sairá dali. A câmera tremula e desnorteada, investindo em enquadramentos estreitos e muitíssimo próximos do protagonista, nos transmite a exata sensação do personagem, que não precisa de muito tempo pra se desesperar e experimentar o que parecia ser o seu limite. O início de “Wrecked” é bastante intenso; o trabalho do diretor é cuidadoso e Brody desempenha uma atuação digna, exprimindo com perfeição a apreensão e angústia do personagem, bem como tornando sua figura afável - qualidade que se mantém mesmo quando descobrimos coisas não muito boas sobre seu personagem. Há uma curiosidade natural em saber como o protagonista se livrará daquele martírio. A abordagem visual do diretor Michael Greenspan concebe em seu início apenas planos que se limitam ao espaço ocupado pelo acidentado, também ressaltando sua visão subjetiva - e dessa forma o filme reforça a inércia de seu ambiente, tornando o interesse pelo que vem a seguir ainda maior. (Afinal, o que estará reservando o roteiro para mover a trama adiante em um espaço físico tão restrito?). Infelizmente, a cada minuto que passa, “Wrecked” responde essa pergunta com cada vez menos criatividade. O filme já apresenta maus-sinais quando investe em sequências de sonho e alucinações do personagem - uma alternativa fácil para inserir informações na história sem precisar abandonar o ambiente já estabelecido pela premissa -, e é ainda mais desgostoso presenciar os ainda mais fáceis e fajutos flashbacks darem as caras para explicar - ainda que pouco - o passado do personagem. É certo que, apesar de completamente batidas, as tais cenas ilusórias introduzem uma outra noção ao filme: a de que o protagonista pode estar imaginando muito do que é visto em tela. “Wrecked” parece ter um tanto de simbolismo. O personagem de Brody passa a ver esta mulher, que primeiro o visita em um sonho, e então passa a assombrá-lo periodicamente. Um flashback nos revela que ele supostamente a matou, e então passamos a enxergá-lo como um assassino. Ele fica amigo de um cão selvagem que encontra na floresta após conseguir, com muito esforço, sair do carro. Entre outras conveniências adotadas pela narrativa a partir daí (entre elas, o fato do personagem encontrar analgésicos, comida embalada e até mesmo um celular entre misteriosas bagagens dispersas pela floresta), o roteiro parece querer sugerir a relação do personagem com o cão como uma oportunidade para testar sua benevolência (afinal, pensa o roteirista, o que seria mais comovente e redentor do que dividir um pequeno pedaço de carne com o cachorro faminto?). Há também uma noção de que a floresta representa o inferno, sendo a temida onça uma representação da Besta e todo o resto um castigo - e quando crédulo de que cometeu algum crime, o personagem de Brody tem um momento de delírio ao imaginar a polícia se aproximando, mas logo retoma a lucidez e se revolta, implorando para ser levado dali, mesmo que seja algemado. Acontece que de simbólico “Wrecked” não tem muito; e mesmo quando olhamos para sua qualidade de drama psicológico, o filme carece de profundidade. O tormento mental do protagonista é evidente, porém raso, e na maioria das vezes soa barato demais. A direção de Greenspan perde a mão depois da primeira metade do filme, em alguns casos abandonando por completo a abordagem visual antes usada. E o filme tem uma resolução meio azeda; por um lado, há uma revelação óbvia, mas que faz sentido; por outro (a maior delas), uma revelação jogada ao acaso para pura e simplesmente surpreender o espectador. Embora se apresente muito bem no começo, “Wrecked” fica devendo muito aos filmes de semelhante premissa do cinema atual, e é mesmo uma boa produção para incitar o tédio.
Agora vamos à refilmagem. “Scream 4” é, surpreendentemente, o capítulo da franquia “Scream” que melhor se apropria de seu mote auto-referencial para estabelecer uma interessante abordagem à trama sem soar auto-indulgente... demais. Pois ainda assim o longa cai na armadilha que impediu-me de aproveitar os filmes anteriores da série. Sim, é patente que os clichês e a previsibilidade da trama fazem parte de toda a brincadeira, e embora as zombarias metalinguísticas deste novo longa se concentrem no conceito de refilmagens e como estas subvertem toda a noção dos filmes originais, ainda é uma tortura enorme ter de aturar o mesmo formato sendo repetido de forma burocrática e redundante. É desinteressante, por exemplo, acompanhar um personagem secundário (e propositalmente desprovido de carisma) enfrentar toda a historinha de perseguição com o Ghostface até ser, eventualmente, morto da forma mais sangrenta ou “chocante” possível. Mesmo introduzindo a ideia do inesperado, da reinvenção, “Scream 4” não ousa reinventar-se nas suas cenas mais básicas - e, consequentemente, mais problemáticas. Mas o filme ainda guarda alguns elementos interessantes: a ideia da refilmagem, por exemplo, exerce sob a narrativa do filme uma relevância muito maior e mais lógica (apesar de algumas coisas estúpidas, como o fato absurdo do assassino estar gravando um filme) do que as ideias de “continuações” e “fim de trilogias” exerceram sob o segundo e terceiro filme, respectivamente. E é por meio desta auto-referência principal que o filme emula de forma divertida algumas passagens do primeiro “Screm”, como as cenas da festa, em que todos assistem a um filme de terror; a do namorado preso a uma cadeira numa varanda; além, claro, do final, uma cópia um pouquinho melhor da cena do primeiro filme - com exceção, é claro, dos estúpidos motivos que levaram os assassinos a cometerem os homicídios, bem como suas ridículas pretensões por trás de todos os crimes. Entretanto, quando se fala em absurdo, estupidez e ridiculez no contexto da série “Screm” (e este último não escapa à regra), tais adjetivos não tendem a ser necessariamente negativos, já que tudo parece fazer parte do pacote, ou brincadeira, ou jogo (ou sei lá) executado pelos realizadores - resumindo, tudo não passa de uma aventura descompromissada e a ordem é mesmo ser estúpido, absurdo e ridículo. Mas ainda que seja passável sua tentativa de “melhorar”, é difícil encarar este quarto filme da franquia e a essa altura perdoar, por exemplo, as motivações que dão ao assassino da vez, às diversas mortes anunciadas em voz alta e com exclamação, às convenções narrativas e ao formato redundante. É justo dizer que, em relação aos três outros filmes, “Scream 4” realmente melhora - mas isso é apenas por comparação, porque o filme, por si só, ainda é um passatempo bobo e aborrecido. É agradável como o filme se prontifica a atualizar as referências populares com o intuito de situar a trama nos tempos atuais (apesar de fazer isso com certo excesso na tentativa de também se desculpar por seus clichês); é agradável como cria impasses e conflitos entre seus personagens mais antigos (algo praticamente inexistente no terceiro filme); como concebe cenas de mortes mais arrojadas (embora as faça apenas para adornar a redundância que possuem); ou como propõe ousar em seu final, utilizando a premissa das refilmagens como base; mas no fim, “Scream 4” acaba se voltando para os mesmos problemas que a série apresentou nos três filmes precedentes. Na sequência final, quando os três personagens principais da série (os três únicos que sobreviveram aos severos ataques do Ghostface) se encontram em uma situação de tensão na companhia de um quarto elemento - a única personagem nova do grupo, e mais odiada -, é fácil de imaginar quem vai sair vivo e quem não vai. E depois de alguns blefes costumeiros, tudo acaba da exata maneira como a pouco visualizamos. Dessa forma, fica muito difícil apreciar “Screm 4”, ou 3, ou 2, ou 1... Ou qualquer um até que façam uma refilmagem verdadeiramente subversiva, ousada e que não tente defender suas indolências simplesmente por reconhecê-las.
Não só este terceiro capítulo da franquia “Scream” continua a repetir o que todos os filmes de terror e suspense já fizeram (como inicialmente a brincadeira exigia), como também muito do que vimos nos dois primeiros filmes. Dessa vez, a brincadeira auto-referencial diz respeito aos famigerados terceiros - e comumente últimos - capítulos de franquias - as chamadas “trilogias”. E embora a piada em torno das trilogias tenha aqui uma relevância narrativa maior do que as piadas sobre “o segundo filme” teve no filme anterior, tudo soa estúpido - mais uma vez. Quem traz à tona a referência é Randy, que morreu em “Scream 2” mas deixou gravado um vídeo alertando seus amigos em caso de uma possível volta do assassino para um “terceiro filme” - fato que soa incrivelmente forçado, já que Randy foi morto no meio de um segundo ataque executado pelo Ghostface, quando nem ao menos sabia se aquela situação seria solucionada. Mas mesmo deixando passar essa atitude desesperada para ainda brincar com o auto-conhecimento, é difícil engolir o fato de alguns personagens realmente usarem as “regras” da trilogia como referência em algumas situações (mas acredito que dê para perdoar isso também, afinal, a trama do terceiro longa consiste em um “filme” sendo feito, além de que os personagens estão mais do que acostumados com os clichês cinematográficos acontecendo na vida real). (No terceiro filme, tudo pode acontecer, qualquer um pode morrer, o assassino é sempre mais forte e tudo o que você sabe sobre o passado pode tomar formas diferentes). Sim, tudo isso acontece em “Scream 3”, e, claro, assim como o primeiro filme, tudo soa auto-indulgente. E aí está o maior problema de toda a franquia: temos que perdoar passagens estúpidas, aceitá-las para poder curtir o filme. Mas mesmo quando o roteiro não se desculpa tanto - como no caso de “Scream 2” -, o fato de que o longa realmente tenta causar no espectador reações e sensações legítimas de filmes de terror sérios, e sem abandonar os clichês, não ajuda nem um pouco sua reputação (ou pelo menos meu pensamento individual sobre as obras de Wes Craven). Em “Scream 3”, ao contrário do anterior, não há nenhum senso de evolução dos personagens; suas personas simplesmente se estagnam no que se tornaram depois do segundo filme; todos eles parecem meros peões a serviço da narrativa. Sidney, por exemplo, é induzida de volta ao espetáculo quando começa a ver e ouvir sua falecida mãe (algo que é, assim como tudo em “Scream”, explicado sem muito capricho), e passa a maior parte do filme em uma delegacia, aparecendo apenas para o “terceiro ato”, quando confronta o assassino e descobre a verdade por trás de todos os acontecimentos das três aventuras. O assassino, por sinal, é realmente mais forte neste capítulo, e, consequentemente, mais extravagante, provocativo e absurdamente pretensioso - algo que tem uma justificativa pueril na trama (um diretor de cinema era o assassino e por isso queria recriar o filme na realidade...), mas que se dá mesmo devido ao delírio dos roteiristas, cujos fetiches por criarem mortes mais criativas e surpreendentes (vide toda a sequência da explosão da mansão) extrapolam o bom-senso narrativo; ou, quando aparentemente julgam ser “originais”, tudo o que conseguem pensar é na obviedade do Ghostface, ao perseguir uma loira peituda, se esconder no guarda-roupas de um set cheio de fantasias iguais a dele. E o que falar da nova habilidade do assassino, a de emular a voz de qualquer pessoa através de um dispositivo eletrônico? No longa, vemos praticamente todos os personagens caírem na nova armadilha do Ghostface, confiando na voz que ouvem do outro lado do telefone. Mas nós, depois de conhecermos a nova faceta do serial killer, não podemos mais ser enganados, e ainda assim temos de aturar os personagens serem - o que, acredito, resume perfeitamente a redundância de erros e aparentes qualidades que a franquia “Scream” é.
Nesta sequência de “Scream”, podemos notar algumas diferenças em relação ao primeiro. Mas, basicamente, nós assistimos ao mesmo filme. Digo, assistimos à mesma fórmula utilizada no filme anterior e em muitos outros longas do gênero. Porém, as diferenças estão aqui, sejam elas positivas ou negativas. “Scream 2” continua batendo na tecla da auto-referência e da auto-ironia, porém esse discurso recebe um tratamento consideravelmente menor aqui. E, ao mesmo tempo em que isso surge como algo positivo, também compromete ainda mais a qualidade do filme. Em dado momento, logo no início do longa, há uma discussão sobre sequências de filmes - uma clara auto-referência que gera um debate interessante e divertido entre os personagens envolvidos -, mas no final das contas, toda a brincadeira em torno das continuações não desempenha nenhuma relevância na trama, sendo levantada apenas por tabela, já que seria contrariar as raízes do filme passar batido por uma referência tão óbvia (ainda que divertida, como disse). Há também nesta continuação um debate levantado ainda no primeiro longa, sobre a influência que os filmes violentos e de terror causam nas pessoas reais. Essa discussão, ao contrário da anterior, se mostra importante no final de “Scream 2”. Mas, da mesma forma como no primeiro filme, o desfecho deste segundo é uma decepção; um verdadeiro espetáculo de extravagância e ridiculez. Mais uma vez, nós temos dois assassinos - o que confere só um pouquinho de credibilidade às capacidades quase oniscientes e onipresentes do Ghostface. De um lado, um personagem novo cuja única explicação para assumir a forma do assassino e matar todos próximos a Sidney é a de simplesmente ser um psicopata (e que, no julgamento, tentaria se safar ao botar a culpa na influência do cinema); do outro lado, temos a mãe de Billy (um dos assassinos do primeiro filme), que surge para reforçar de uma forma mais crível o fato de toda essa história se repetir. A maior diversão de “Scream 2” (e também de seu antecessor) consiste em descobrir quem é o assassino (ou então, simplesmente desfrutar do instigante mistério), mas assim que sua(s) identidade(s) é/são revelada(s), e suas motivações também, é difícil não se decepcionar. O roteiro do longa não se importa em criar uma reviravolta que remeta a outros momentos do filme; todos os despistes e suspeitas em torno dos outros personagens são puros truques, nada de informações relevantes - e apenas no fim é que temos a revelação certa e arbitrária sobre a identidade e os motivos do Ghostface, uma saída vergonhosamente fácil para nos causar surpresa. Um dos grandes erros do primeiro filme era seu caráter auto-indulgente, que ao mesmo tempo em que se desculpava pelos seus clichês ao mostrar ter consciência deles, nunca assumia por completo o aspecto satírico que tanto aspirava, forçando o espectador a se importar com a história e todo o excesso de convenções narrativas, seus personagens rasos e realmente levar a sério seu terror, mesmo o roteiro deixando claro que não levava a sério a si mesmo. E nesta sequência, com disse, a auto-indulgência é menos excessiva, o que de um lado é bom, mas do outro deixa o filme ainda mais sério - o que não seria um problema caso “Scream 2” deixasse de ser um clichê. Dessa forma, as cenas de suspense e tensão soam demasiadamente óbvias e o aspecto “satírico” inexiste. Quando o Ghostface ataca uma mocinha jovem, é evidente que ela não escapará da morte, fazendo com que o nosso interesse resida apenas na forma como ela será morta. E tampouco podemos esperar que Sidney seja morta assim de imediato, o que leva a não nos importarmos com nenhuma das cenas em que ela encara o assassino. Em suma, “Scream 2” percorre os mesmos trilhos de seu predecessor, e mesmo que proporcione mais dimensões aos seus personagens remanescentes, entre outras coisinhas boas, não há muito que essa continuação consiga fazer - tanto no que promove de novo, tanto no que repete - para tentar não parecer igual e aborrecido como o primeiro filme.
O que é preciso para fazer de um clichê um filme bom e aproveitável? Alguns diriam que o auto-conhecimento, em forma de sátira ou não, já seria o bastante. A ordem, então, seria tirar sarro dos clichês, das convenções de gênero e afins. E é dessa forma que opera “Scream”, um terror completamente clichê que usa esta qualidade tão negativa para compor uma trama que muitos diriam ser original, transgressiva e, sim, boa e aproveitável. Mas eu diria que para se aproveitar “Scream”, não se deve apenas reconhecer a subversão que o filme tenta exercer sob os clichês do gênero terror, mas sim estar absolutamente disposto a comprar a proposta do longa. E mesmo uma vez comprada, diria que “Scream” ainda soa aborrecido. As redundâncias de seu enredo são tão patentes, no intuito de reforçar cada vez mais a sucessão de clichês e seu auto-conhecimento, que o filme dificilmente recompensa o espectador com interesse ou curiosidade sobre o que está por vir - tudo é previsível. No entanto, a previsibilidade também é um aspecto notório dos mais ralés filmes de terror, e isso o próprio roteiro de “Scream” trata de ressaltar. Em resumo, o filme conhece a si mesmo, até demais. Conhece também uma série de outros filmes e referencia-os o tempo todo. Todos os personagens em “Scream” conhecem as tais “regras” dos filmes de terror; todos eles já assistiram aos maiores clássicos, e ainda assim, todos eles cismam em repetir os mesmos erros. Toda essa mecânica do enredo deveria soar irônica, inteligente e, pretensiosamente, imune a qualquer objeção comum. Afinal, qualquer um que diga que o filme é clichê, previsível e lugar-comum, está condenado a não ter percebido as auto-referências e a proposta mor do longa. Mas como disse, tudo depende da disposição do espectador em aceitar “Scream” como uma espécie de sátira. E, realmente, “Scream” tem seus momentos de humor, mas o humor não é vigente no filme, portanto não diria que é uma sátira; aqui, o tom estabelecido visa muito mais o suspense do que a comédia, ainda que alguns eventos cheguem a beirar o ridículo e assim provocar risadas involuntárias (ou constrangimento). Até mesmo os enquadramentos que Wes Craven concebe são típicos de filmes de terror, assim como a trilha instrumental - que também não deixa de desempenhar sua finalidade típica: a de forçadamente assustar o espectador com estímulos sonoros que surgem de maneira inesperada. O roteiro formulaico também é proposital, obviamente; juntamente com os personagens unidimensionais. E o assassino, a figura mais simbólica das películas de terror, é certamente icônico em “Scream”. Sua fantasia de Ghostface é simultaneamente engraçada e assustadora. E seu modo de agir é extremamente provocativo, porém excessivamente descuidado. Mas longe de haver algum problema com a inteligência do(s) assassino(s) (até porque eles eram realmente incompetentes, como denuncia a sequência final, o que estranhamente contrasta com suas capacidades de bolarem todo aquele espetáculo sangrento). O problema se encontra nos personagens ao redor dele, pois Ghostface aparece durante a noite e durante o dia; aparece na escola, em festas e até mesmo em lojas de conveniência. E, ainda assim, ninguém parece vê-lo - apenas quando está destinado a morrer logo a seguir. O Ghostface até mesmo tem uma capacidade de se esconder fora do comum, até sobrenatural - o que, claro, o roteiro não faz questão de explicar, afinal, faz tudo parte da brincadeira. “Scream” de fato se conhece, brinca consigo mesmo, não se leva a sério, embora queira afligir e causar tensão no espectador como qualquer filme sério de terror, já que seu humor está mais por baixo, embora tampouco compense. O que o longa não tem é perspicácia; tudo soa como auto-indulgência. Conhecer a si mesmo é um valor a ser reconhecido, até mesmo buscado em alguns casos. Mas conhecer a si mesmo e repetir tudo de errado outra vez não dá pra aceitar. É simplesmente ignorar um dos princípios da introspecção: o de reconhecer todas suas falhas e repensar antes de repeti-las. Se ao menos “Scream” fosse uma sátira assumida, eu provavelmente compraria sua proposta. Mas o filme me forçou muito a se importar com seus personagens e com o suspense de sua história. Por isso, não comprei.
Logo que começa, “Sucker Punch” já dá sinais de sua problemática estrutura quando somos imediatamente apresentados a uma cena em forma de videoclipe que de maneira objetiva e visualmente interessante, nos introduz a protagonista e basicamente o que o filme será sobre. Ou seja: nada de errado até aqui... Mas não demora muito para outra sequência musical (mais uma com cara de videoclipe) surgir em tela - e nesse estilo e estrutura o filme prossegue até certo ponto. Não que a inserção de clipes musicais no meio do filme seja necessariamente ruim. É compreensível o que Zack Snyder quer criar aqui: um deleite sonoro e visual que pouco se atém às formalidades de um musical ou qualquer outro gênero que admita sequências do tipo com mais liberdade. E Zack Snyder nunca deixa a desejar nessa sua proposta, já que “Sucker Punch” dispõe de uma pluralidade visual impressionante e uma trilha sonora eclética que através de uma montagem que claramente preza pelas noções de composição de clipes musicais, acerta em cheio nas tais cenas envolvendo músicas, além de ser um dos pontos fortes das sequências de ação (muitas das quais também incluem músicas como elemento evidente). Porém, embora conceba um apurado e espetaculoso visual, Snyder parece não se importar em imprimir conteúdo e razões narrativas em seus fetiches visuais - porque é isso que “Sucker Punch” essencialmente é: um exercício visual fetichista, puro e oco. Por volta dos vinte e poucos minutos de projeção, o filme estabelece uma estrutura narrativa alicerce que se estende até o seu final; um pretexto horrendo e sem sentido para inserir devaneios visuais na trama de forma pesada. Assim, a cada etapa do plano das dançarinas para fugiram daquele hospício (um plano tão banal que afronta todos os mestres da fuga da história do cinema), a personagem Baby Doll deve executar uma dança enigmática que sequestra a atenção de todos, e como representações simbólicas e metafóricas dessas danças, verdadeiras viagens alucinadoras são evocadas na tela; viagens onde as belas jovens, empunhando os mais diferentes tipos de armas, lutam contra criaturas mitológicas e/ou tecnológicas das mais bizarras possíveis, como se estivessem dentro de um videogame (aliás, uma dessas fantasias em particular remete totalmente a jogos de videogame). Aqui, Zack Snyder executa com extraordinário manejo as eletrizantes cenas de ação, investindo em movimentos de câmera inquietos que imprimem realismo à ação ao mesmo tempo em que os efeitos visuais e a fotografia pintam belos contrastes de realidade entre elementos de cena orgânicos e inorgânicos, além dos planos abertos do diretor que ostentam toda a magnitude dos universos que cria. E também há de se destacar a montagem, que é hábil ao distinguir a extravagância de imagens e conduzir o ritmo frenético delas - sempre deixando claro para o espectador o que acontece em meio aos excessivos caos. Enquanto isso, do lado de fora da mente de Baby Doll, a criação de intrigas baratas e as representações forçadas das personagens são meios que o roteiro encontra para rapidamente levá-las até o próximo passo do plano (leia-se: a próxima alucinação visual a ser acompanhada). E como já disse anteriormente, as sequências fantasiosas carecem de objetivo narrativo e conteúdo. É certo que há uma lógica simbólica aqui exercida por essas sequências, mas a correspondência delas ao que acontece na “realidade” é tão mínima que fica impossível nos importarmos de verdade com a vida de cada uma das personagens durante os segmentos em questão. E “Sucker Punch” ainda guarda uma revelação surpresa (embora insinuada em alguns momentos) para o seu final. Uma cuja existência só faz mesmo sentido do ponto de vista moral - e pensar que Snyder deu-se o trabalho de formular uma revelação tão confusa e furada só pra deixar uma moralzinha simplória e ordinária ao seu final, é absolutamente broxante, e só afunda mais este filme que tenta se garantir por seu espetáculo visual e por sua história enganosamente significativa e engenhosa, que é, na verdade, só boba, inócua e vazia.
“O futuro não tem bandeiras”, diz o vilão de “Captain America” em determinado momento do filme. “Não o meu”, retruca o próprio herói Capitão América em uma das diversas frases de efeito do longa - e se há duas coisas que esse breve diálogo nos diz é que: 1) o discurso patriótico aborrecedor dos norte-americanos não deixa de figurar na “filosofia” deste filme e 2) o roteiro é tão convencional (embora bem amarrado) que as frases de efeito estão presentes em massa, seja para fazer algum tipo de humor ou para estabelecer um amarre temático. De qualquer forma, em ambos os casos os diálogos de “Captain America” refletem em menor grau o caráter formuláico de seu roteiro. E se, talvez, uma das alternativas para sair da mesmice já vista em outros filmes de super-heróis fosse a de explorar a filosofia de sua história, que seja, pois “Captain America” poderia ser um filme muito mais proveitoso assim. Apesar das ideias e atitudes maquiavélicas, o vilão do longa, Johann Schmidt, tem por trás de sua megalomania uma noção de futuro interessante: e se o mundo não tivesse mais bandeiras? É claro que, na visão de Schmidt, ele seria o imperador do mundo, o detentor de todo o poder, e assim todos estariam à mercê de sua autoridade, algo que seria tão latente e revoltante do que meras demarcações territoriais e eventuais guerras mundiais. Mas como disse, a noção que o vilão tem por trás de seus delírios maquiavélicos é interessante, e a trama poderia muito bem explorar este aspecto, mas não o fez. Não o fez pois, como segue uma linha tradicional, ter um vilão repleto de canastrices - e que só não é pior pela boa atuação Hugo Weaving - e com objetivos ridículos e presunçosos que são facilmente explicados por sua “insanidade”, já é o bastante para um filme do Capitão América, onde a atenção é toda voltada para o personagem título. E também não se aprofundou nas aspirações de seu vilão pois isso, de alguma forma, desvirtuaria as aspirações que realmente pretendem preservar em um filme como esse: o bravo e inquestionável ufanismo, este presente de sobra no personagem de Steven Rogers. Mas devo ser justo e notar que, apesar de intocável, os valores patrióticos do filme são tecidos aqui quase que simples e unicamente como características de seu protagonista, que embora tampouco as questione - defendendo seus valores até o fim -, as possui por certa nobreza individual. Uma que se manifesta não necessariamente pela influência do patriotismo, mas pela avidez de ser algo de grande além daquele miúdo jovem que por toda a sua vida conservou o princípio moral de nunca fugir de uma luta, mesmo sendo fisicamente desfavorecido para combater qualquer uma. E eventualmente Steve Rogers não fugiu da maior delas, a guerra. Mesmo que sua relativa inteligência (muitas vezes manifestada durante o longa) tenha falhado na hora de racionalizar acerca de seus valores e fugir de uma guerra que merecia ser deixada de lado, é entendível que Rogers não é assim, e sua “bondade” o manteve leal e determinado para ser quem é até o fim do longa - e é por isso que, infelizmente, o engajamento do personagem em um relacionamento amoroso tenha sido a única saída para conferir ao herói algum tipo de dilema moral, já que ele nunca questionaria suas decisões primárias. Todavia, “Captain America”, apesar de seguir um padrão convencional, tem seus bons momentos. A hilária sequência que ilustra sua utilidade após a aplicação do soro, quando vira o protagonista-símbolo de diversas apresentações extravagantes e ufanistas ao redor dos EUA, não só é divertida como representa uma importante passagem para o personagem - e o mais próximo de um olhar cínico do desenfreado patriotismo americano dessa época. As cenas de ação são bem executadas - apesar de muitas não passarem de meras distrações -, com destaque para a sequência que ilustra a primeira experiência do Capitão em campo de batalha através de um eficiente uso da câmera lenta, potencializando a exuberância visualística das cenas. E embora o filme ainda tenha uma série de outros problemas - um deles o excesso de ridicularização sofrido pela versão miúda e frágil de Steve Rogers no início da narrativa, deixando-o caricato demais -, seu final produz um efeito dilacerante, dando ao personagem um momento eficaz de emoção, e combinando uma boa surpresa com uma amarga realização para Steve Rogers. Algo que pelo menos prepara emocionalmente e geograficamente o terreno para a chegada do Capitão América ao time dos Vingadores.
Carregado por um protagonista interessante e bons personagens secundários, “Cedar Rapids” é uma dramédia que, apesar de simpática, não arranca muitos risos com seu humor e tampouco lágrimas e lamentações com sua trama simplória e esquemática que peca por não imergir por completo o espectador em seu drama. Pelo menos, porém, este filme consegue desenvolver com competência seu conteúdo narrativo ao servir totalmente o seu protagonista e a reconfiguração de seu caráter. Ed Helms vive um vendedor de seguros interiorano, chamado Tim Lippe, e a boa atuação concedida pelo ator emprega ao personagem uma ponderação devida de suas nuances, que vão desde uma figura infantil quando em desespero, passando por um homem alinhado aos preceitos morais e bons costumes que conservou durante sua vida, até um cara empolgado com as novas diversões que experimenta durante sua viagem - e conforme o caráter do personagem é manipulado, Helms demonstra cada vez mais controle sobre suas mudanças durante as cenas. Mas não é preciso muito tempo para se perceber que não é apenas Ed Helms dono dos méritos por seu bom personagem, mas também o roteiro, que se dedica a mostrar com sutileza os valores cultivados pelo personagem, o significado que a pequena jornada que faz durante filme - bem como sua profissão - tem para ele, e sua insegurança diante de algumas situações que provavelmente não aborreceriam outras figuras. Bem como, o roteiro é astuto ao desenvolver o personagem com a ajuda de outros, secundários. Aqui destaca-se, obviamente, o sempre agradável John C. Reilly, que encarna um vendedor de seguros obsceno e despojado, sempre divertindo os personagens e o espectador com seu jeito incômodo de agir e com as provocações que fala, sendo indubitavelmente o “alívio cômico” mais evidente e proveitoso do filme. Da mesma forma, Anne Heche surge como um interesse amoroso suavemente distinta de personagens do tipo, também bastante simpática na maneira que lida com o diferente Tim; e pra completar, Isiah Whitlock Jr. é outra boa - ainda que menor - presença, interpretando um homem bem mais polido e seguro que os outros, protagonizando uma ótima cena em determinado instante da trama e servindo como equilíbrio para este divertido grupo de amigos. Embora tenha um elenco interessante (que ainda conta com outras caras agradáveis), “Cedar Rapids”, como disse, funciona completamente em prol de seu protagonista, e dessa forma acompanhamos a reconfiguração do caráter de Tim, que na trama experimenta todo os tipos de situações que poderiam ser antevistas durante a narrativa; todas elas com o princípio de remodelar sua pessoa. Assim, Tim trai sua “pré-noiva” (uma participação de Sigourney Weaver que se não tem muito a dizer no filme, pelo menos confere peso a esta pequena mas importante personagem para o protagonista), contrariando seus valores morais; desaponta os homens que deveria impressionar; experimenta drogas; se envolve em brigas e se suja quando suborna o presidente da filial para conseguir o prêmio que tanto queria para sua companhia de seguros. Durante a trama, os momentos de catarse e purificação não deixam de marcar presença, e a decaída do personagem é esperada, bem como seus próximos passos até atingir a resolução de seus problemas. É, basicamente, uma trama esquemática apoiada em uma história que em si já não é muito fortificada, e por isso “Cedar Rapids”, se desconsiderarmos outros de seus elementos, acabe soando um pouco oco e insípido - já que tampouco desponta como um drama tocante ou uma comédia eficaz, o que é uma pena. Mas são estes outros elementos que conferem as qualidades diferenciais para este filme. A direção e a trilha sonora desempenham um bom trabalho ao imprimir ritmo às cenas, e especialmente os divertidos personagens secundários e o ótimo e bem construído protagonista (assim como todas as ótimas atuações) salvam este filme de ser algo completamente sem gosto e ordinário, mesmo que ele ainda soe um pouco dessa maneira.
Nos dias de hoje, o tipo de humor que se vê em “A Shot in the Dark” é considerado um tanto quanto ultrapassado. A consistência da comédia aqui é pura e objetiva; é um humor pastelão, até burlesco, que aspira situações físicas, balbúrdias circunstanciais e repetições de piadas com ligeiras distinções. E o que faz o filme funcionar com tanta eficiência, embora possua uma quantidade tão inflada de piadas e situações naturalmente cômicas que nem sempre provocam gargalhadas, mas sim aquele riso interno pela intenção da piada, é mesmo Peter Sellers, que encarna o instantaneamente icônico Inspector Clouseau com todas as suas habilidades físicas e expressionais, compondo um personagem que logo nos conquista a simpatia e também a empatia. Ainda pode-se dizer muito sobre os motivos do humor discutível de “A Shot in the Dark” funcionar, embora, é importante ressaltar, estes julgamentos sejam um tanto quanto subjetivos, ainda que tenham um fundo de razão: o próprio posto do personagem de Sellers, um detetive, contrariando sua clara inexperiência para lidar com ações simples e comuns sem fazer delas potenciais causas de hematomas ou desastres, é outro fator que acumplicia a eficiência da comédia, bem como a inocência do personagem ao acreditar cegamente em possibilidades absurdas para a resolução do crime, quando os fatos - tão valorizados pelo mesmo - apontam exatamente o oposto. Ao se apaixonar pela principal suspeita dos crimes investigados durante a trama, o Inspector Clouseau assume operações completamente absurdas e infundadas, mas que - novamente servindo positivamente para o humor do filme - acabam por beneficiar o mesmo - e apesar de suas conclusões sobre o caso não estarem totalmente corretas, são ironicamente reveladas como as mais próximas da verdadeira solução para os crimes. É também pertinente mencionar com maior exatidão a composição de personagem que Peter Sellers faz, pois lançando mão de uma figura caricatural, porém de trejeitos complexos e não por isso menos sutis, o ator arranca risadas só de aparecer em tela, além de - como já mencionado - conquistar a simpatia e empatia do espectador com grande facilidade. Mantendo uma seriedade facial e corporal sempre que precisa impor a importância do personagem para outros, Sellers também une expressões de aflição e ansiedade com a natural segurança de Clouseau, característica que, dessa forma, se desmancha e recompõe-se em questão de segundos no semblante do personagem, tudo por causa da excelente representação de Sellers. Embora abrace a idiotice e ingenuidade (no bom sentido) do Inspector Clouseau ao também preservar em outros personagens e situações - que não envolvem o protagonista - essas mesmas qualidades, “A Shot in the Dark” não acerta cem por cento em suas piadas, soando até forçado e sem graça em alguns instantes, mas sendo essa a vertente cômica do filme, é até entendível a preferência de Blake Edwards por manter um tom de humor homogêneo no universo de seu longa - o que talvez seja, afinal, o determinante segredo que faça não só o impagável Clouseau perdurar como uma figura exemplar de um humor atualmente desgastado e renegado, como também todo o ótimo “A Shot in the Dark”.
Funcionando como um valioso complemento ao drama lançado sobre o Dr. Jack Kevorkian e sua causa no mesmo ano de 2010, o protagonizado por Al Pacino “You Don’t Know Jack”, este documentário, intitulado apenas de “Kevorkian”, serve também como um material curiosíssimo por explorar as multifacetas desta brilhante personalidade, bem como escorar com ainda mais profundidade e detalhes sua militância pelo direito da eutanásia e seus problemas legais consequentes desta luta. Assumindo uma estrutura absolutamente simples, mas eficaz, o documentário desenvolve uma narrativa que foca-se no recém ex-detento Dr. Kevorkian e sua candidatura para o congresso, com o escopo de disseminar a ignorada nona emenda, que retém os direitos aos cidadãos para consumarem o que o alcunhado de “Dr. Morte” sempre propugnou. No mesmo passo, a narrativa do filme também se dispõe a investigar, alternativamente, as outras facetas do doutor e sua história, contando sobre seu passado, sobre sua obsessão com a morte e seus diversos processos por atuar como assistente de suicídio durante as práticas de eutanásia. Dispondo-se de um material eminentemente valioso, “Kevorkian” trabalha com os relativos de Jack em depoimentos que extraem não só as peculiaridades e idiossincrasias de sua figura, com também ditam a discorrência dos eventos que se acumularam durante a jornada de Jack. Bem como, o filme registra depoimentos sinceros e por vezes bem humorados do próprio doutor durante seu novo cotidiano como candidato ao congresso. Pontuando a narrativa com uma trilha sonora de efeito e fazendo um excelente uso dos registros em vídeo (incluindo as gravações pouco antes do suicídio de seus pacientes, dos julgamentos enfrentados por Jack e das repercussões de seus atos na imprensa da época), “Kevorkian” ainda ressalta outros curiosos aspectos do médico, que demonstrando em menor ou maior significância, não deixam de ressaltar a mente ativa, obstinada e incrivelmente inteligente do doutor, que chegou a compor músicas, escrever livros e até mesmo produzir um filme - que, segundo ele, foi um erro, justamente porque nele trabalhou com outras pessoas, quando na verdade ele preferia fazer tudo sozinho, à sua própria maneira. E fazendo tudo à sua própria maneira, Kevorkian elaborou uma estratégia fascinante para levar sua causa ao conhecimento e mobilização máxima da sociedade. A estratégia falhou, sim, mas devido à burocrática obstrução social e criminal ao que ele defendia. Sucede que o fascínio de seu planejamento não se deve apenas às manhas do doutor ao elaborá-lo, mas à extrema coragem e capacidade única deste ao se sacrificar tanto para vencer uma causa que, pelo menos em um sentido menor, já estava ganha, visto que o doutor escapou de todos seus processos pois não havia homicídio neles, podendo assim executar o suicídio assistido discretamente, como sempre fazia. Mas isso não era o bastante; o direito da eutanásia ainda era - e é - inexistente em sua maior parte, e Dr. Jack Kevorkian se envolveu propositalmente em mais um caso criminal até ser, eventualmente, encarcerado, passando oito anos na prisão - tudo para garantir o seu direito e o direito de todos de ter uma morte digna. “Kevorkian” é um documentário obrigatório e imprescindível não apenas pelo tema que inerentemente discute, como também pelo símbolo de seu principal e brilhante defensor.
O que se inicia como uma espécie de cartilha para não ter sua filha estuprada por um pervertido online, ao expor todos os óbvios mecanismos de conversação pelo qual pessoas enganam e são enganadas através da internet, acaba por se revelar surpreendentemente complexo e analista a partir da ocorrência do ato mor do filme: o dito “estupro”. Dessa forma, “Trust” realmente impressiona na condução e tratamento de seu tópico tema, explorando repercussões dramáticas nem um pouco óbvias ou reducionistas - até que, ao adentrar-se no ato final, o filme prefira se resumir, afinal, a uma cartilha; uma mais complexa e detalhada, sim, mas que igualmente serve como um passo a passo para se evitar o problema e ditar o comportamento certo diante dele, estremecendo assim as bases de seu tema e não chegando ao cerce da questão, que o roteiro prefere conservar em uma enganosa dubiedade, que quando enxergada com outras óticas, mais se revela perigosamente tendenciosa do que clara e lúcida. O principal problema que acometia Annie, no final das contas, era sua necessidade eminente de ser quista, amada, desejada, algo que geralmente assalta muitos adolescentes, sempre tão preocupados com o prestígio popular e suas dúvidas sobre a capacidade de poderem partilhar seus sentimentos amorosos e sexuais, recaindo invariavelmente em crises de inferioridade que comprometem a auto-estima. No filme, Annie encontra em seu amigo virtual uma fonte de tudo isso que ela busca, depositando sua confiança inata no sujeito e desenvolvendo uma paixonite amorosa por ele. As mentiras referentes à idade de seu amigo, Charlie, abalam aos poucos a confiança de Annie por ele (motivo para sua passividade durante o ato sexual, quando já certa de que era desejada, se mostrou receosa quanto a entregar algo tão restrito e supervalorizado a ele), ainda que a garota insista em proferir e admitir seu gosto pelo homem, porque, de fato, ela gostava dele, mesmo com a divergência de idade entre os dois. Infelizmente, recaindo sobre clichês psicológicos, o roteiro do filme não percebe a diferença puramente conceitual da compreensão quase epifânica da menina em uma cena que tinha tudo para despontar como momento de dramaticidade forte, mas que devido ao seu falacioso fundamento, não passa de um melodrama ludibrioso. Quando Annie percebe que foi enganada apenas para satisfazer o desejo sexual de um adulto, ela passa a aceitar o conceito de estupro como denominação para o evento que acontecera com ela. Pois aí reside a falácia do fundamento, já que Annie foi apenas traída por alguém que amava, ao dar sexo quando na verdade queria amor, com a diferença de que, se partilhasse esse mesmo evento com alguém de sua idade, isso tudo seria visto como uma habitual decepção amorosa imatura, enquanto que ao partilhar isso com um adulto e potencial pedófilo, o estupro vem a calhar, estigmatizando o ato sexual e - como bem mostrou o filme - causando a repercussão desenfreada que - essa sim - traumatizou e abalou o psicológico da garota até, finalmente, esta ceder inconscientemente à pressão, acatando o estupro (uma palavra de conotação tão terrível) como expressão de um episódio infeliz de sua vida, que possivelmente será sempre lembrado e acompanhado de sensações de angústia e embaraço - tudo devido ao nome que o ato recebera. “Trust”, mergulhando tão bem na ressonância dos acontecimentos e comentando sem medo sobre o modus-operandi venenoso e prejudicial do meio familiar, criminal e social diante dos acontecimentos deste cunho, acaba por sabotar-se, não ir ao fundo de seu problema em seus instantes finais e endossar as normas que questionou durante sua narrativa, concluindo-se, dialeticamente falando, não com uma síntese corajosa, reveladora e despojada sobre seu tema, mas como um tendencioso apoio à sua tese tão problemática, delicada e incompreensiva. “Trust”, embora conte com atuações impressivas (Clive Owen e Liana Liberato estão impecáveis nos papéis mais exigentes) e uma direção competente de David Schwimmer, é um exemplo perfeito de como os princípios de seu comentário - especialmente quando este se arrisca a prestar qualquer relevância social -, quando internamente confuso e questionável, pode por a perder toda a qualidade de um interessante filme.
Nick Drake quase não teve uma vida, morrendo aos 26 anos de idade. Na época que compôs suas brilhantes canções, porém, Nick ainda não brilhava; Nick parecia viver à espreita de uma correspondência à sua genialidade, tão dita por muitos ao seu redor, mas infelizmente nunca materializada em vida, chegando tarde demais, mas transformando-o, anos mais tarde, em uma figura mística, fascinante e existencialmente misteriosa. “A Skin Too Few: The Days of Nick Drake” é um documentário biográfico que tenta, com tão escasso material de registro da passagem de Nick Drake por este mundo, desvendar um pouco mais de sua figura, sua obra e o que o levou a ser reconhecido como gênio musical em sua tão efêmera vida, tardio sucesso e misteriosa perspectiva de existência. Dessa forma, o documentário não só se mantém curto (apenas 48 minutos), como sincero e íntimo ao material que tem em mãos. Seguindo uma linha cronológica, “A Skin Too Few” pouco tem a preencher sua narrativa com informações sobre seu protagonista, mas são as impressões das pessoas que conviveram com Nick (entra elas, sua irmã, a que mais serve de voz para o filme) e o deguste de suas canções aliadas à representação visual destinada a elas, que provocam efeito e são capazes de ressoar no emocional de quem assiste. Dispondo de uma fotografia levemente granulada e propositalmente sombria, o documentário busca estabelecer um tom visual concordante com a atmosfera que permeia as canções de Nick, sempre recorrendo a temas outonais e melancólicos, combinando, em sua maior parte, tomadas de sua terra natal e todo o paisagismo natural dela com o som de suas canções, concebendo sequências em que sua música é simplesmente tocada junto às imagens, servindo como um intervalo entre os depoimentos e como um deleite sonoro que instaura o clima principal do filme, jamais deixando-nos esquecer da sensibilidade e serenidade sonora da obra deste personagem aqui tratado. Contando com o depoimento de poucas pessoas, o que ressalta o restrito círculo social de Nick durante sua vida, este filme atinge, através deles, interessantes e enigmáticas constatações sobre o comportamento e os pensamentos de Drake, usualmente introvertido e por vezes deprimido, especialmente no período que antecedeu sua morte; morte essa que, chegada por acaso ou por suicídio, parecia ser inconscientemente esperada por Nick e por aqueles em sua volta. O diagnóstico de sua depressão nunca fora esclarecido. Por alguns indícios deixados pelo filme, pode-se dizer que tenha sido justamente a falta de sucesso e reconhecimento por um grande público (já que Nick foi incapaz de tocar uma carreira como músico por diversas questões) que o fizera desenvolver seus problemas existenciais. Seja como for, Nick Drake concebeu uma obra musical de simplicidade fascinante em sua superfície, mas elevada complexidade técnica em suas camadas mais intrínsecas. Ironicamente, seu reconhecimento, o que talvez tivesse preservado sua vida por muito mais tempo, veio após seu falecimento; e assim como sua música, sua existência enganosamente simples por ser tão passageira, é intrinsecamente complexa e misteriosa. Mas afinal, sua existência acabou por alcançar, mesmo tarde, o que parecia ter sido a principal intenção de Nick enquanto vivo: ajudar pessoas com sua música. Pessoas que hoje, em sua maioria, como conta sua irmã, são jovens, talvez indecifráveis para os outros - assim como Nick -, mas internamente sábios, seguros e mais motivados do que seu ídolo, um artista trágico e para sempre misteriosamente belo.
“Green Lantern: Emerald Knights” é uma animação que serve bem ao seu propósito, que é o de expandir o universo dos Lanternas Verdes e explorar suas mitologias ao nos introduzir algumas das mais interessantes figuras que compõem a tropa protetora do universo - deixando, para isso, até mesmo Hal Jordan, o Lanterna Verde humano, em segundo plano. Exibindo uma relativa continuidade em relação ao longa antecedente (embora se sustente por si mesmo, sem a necessidade do outro filme), o terrível “Green Lantern: First Flight”, este segundo volume adota uma estrutura eficiente e própria para discorrer sua narrativa, dividindo sua trama em pequenos contos que são invocados pela lembrança dos personagens da linha do tempo presente, onde a novata guerreira Arisia enfrenta pela primeira vez uma grande ameaça interestelar, e por causa disso passa a ouvir histórias marcantes de Hal Jordan e Sinestro sobre grandes batalhas e acontecimentos passados envolvendo os bravos guerreiros verdes. Embora o filme estabeleça, ao seu final, uma espécie de unificação temática de suas pequenas histórias com a história “principal”, ou seja, a presente, “Emerald Knights” ainda deixa a desejar ao executar a tarefa, já que seu ato final soa corrido pela falta de desenvolvimento da trama base, que é visitada de forma intermitente, sempre com a finalidade principal de introduzir a próxima história a ser apresentada. Além do mais, “Emerald Knights” - assim como quase todos os filmes que dividem suas narrativas em diferentes contos - acaba prejudicando-se com a própria estrutura, já que nem todas as mini-histórias se sustentam o suficiente em tela, além de que, naturalmente, algumas serão sempre mais interessantes do que as outras. O problema é que a diferença de qualidade não é pequena: enquanto o longa lança mão de histórias divertidas e curiosas não só pela premissa, surpresa e originalidade delas como também pelo humor, como a do planeta vivo - e também Lanterna Verde - Mogo, também nos faz encarar uma que parece apenas burocratizar o processo de se chegar até a próxima: o conto da guerreira Laira, que se resume a uma historinha clichê de pai e filha que não traz absolutamente nenhum conteúdo narrativo além das abusivas sequências de luta. Por outro lado, as histórias do primeiro grande Lanterna Avra, do treinador Deegan e de Abin Sur, o amigo de Sinestro, trazem temas interessantes e tendem para o positivo, embora não sejam inteiramente satisfatórias. E ainda que o roteiro de “Green Lantern: Emerald Knights” não conte com diálogos brilhantes ou tão inspirados (o que impede algumas histórias de irem além de seus potenciais), o visual do filme pelo menos se revela competente e eficaz, acrescentando para um longa que, devo dizer, mais uma vez, serve bem ao seu propósito, mas que é facilmente esquecível por sua característica narrativa, que pouco deve ao espectador no final, já que cumpre tudo que propõe com considerável competência, porém ainda deixa a desejar por não ousar estabelecer uma funcionalidade unitária melhor trabalhada para todas suas pequenas histórias e sua trama principal, servindo mesmo, afinal, para simplesmente estender nossos conhecimentos sobre a mitologia dos Lanternas Verdes.
Antes de qualquer coisa, é pertinente observar que “Green Lantern: First Flight” definitivamente não é um longa realizado com grandes pretensões. Sua proposta é simples e, assim, preguiçosa: introduzir a história do herói Green Lantern (Hal Jordan) em um longa-metragem animado enxuto, objetivo, convencional e com alvo demográfico específico – um conjunto de características que vem a calhar com aparente perfeição diante das plataformas em que o filme foi lançado comercialmente: o vídeo e a televisão. Mas seria muito irresponsável e indulgente refletir sobre este entretenimento considerando e perdoando seus naturais defeitos, já que estes comprometem incondicionalmente o divertimento que o filme tenta alcançar. A proposta é clara: apresentar o personagem. E assim é feito, de maneira rápida e batida, a apresentação do humano Hal para logo em seguida ele ser designado a receber os poderes de um Lanterna Verde. Logo depois disso, a animação adentra no universo verde de onde se origina os novos poderes de Hal. Lá, ele aprende algumas coisas sobre sua nova função, mas permanece mudo praticamente o tempo inteiro, aceitando toda aquela nova realidade com uma passividade e familiaridade fora do comum, dando a impressão de que nada daquilo é estranho ou questionável para ele - o que já indica uma terrível preguiça do roteiro, que simplesmente ignora a verossimilhança e coerência na construção de seu protagonista, já que isso demandaria tempo e imaginação que seus realizadores parecem não ter. Todo o filme, aliás, parece muito mais interessado em trabalhar a história de seu vilão, Sinestro, do que no próprio Green Lantern. Isso não é necessariamente uma falha, mas desde que Green Lantern fosse um convicto coadjuvante, algo que ele não é, já que recebe tanto tempo em tela quando Sinestro, porém um desenvolvimento vergonhosamente inferior ao de seu antagonista. É inconcebível, por exemplo, como nem sequer uma menção à vida de Hal na Terra seja inserida ao longo do filme, não fazendo a mínima diferença para espelhar as ações do personagem, que é apenas um arquétipo de herói, bravo e guerreiro, porém absolutamente carente em complexidade, personalidade e dilemas morais. Apresentando uma animação apenas razoável, ainda que adequada ao estilo tradicionalmente vinculado a longas de super-heróis, “Green Lantern: First Flight” investe massivamente em sequências de ação e destruições, apostando sempre nas parafernálias alienígenas dos personagens de modo a inovar seus duelos armados - o que chega a originar um momento irrisório, senão inapropriado, onde o personagem Green Lantern concebe com seu anel uma série de acessórios inusitados (taco de golfe, bastão de baseball e marreta) para rebater um objeto espacial esférico semelhante a uma bola. Ainda contando com reviravoltas convenientes e sem fundamento e com justificativas pueris para o comportamento dos personagens (vide, respectivamente, a súbita conquista de poder de Hal Jordon diante de seu inimigo mais poderoso, e as próprias pretensões megalomaníacas e típicas de vilões de segunda linha por trás do comportamento de Sinestro), “Green Lantern” é uma animação de divertimento inócuo, cansativo e nem um pouco original, não fazendo absolutamente nenhum esforço para ao menos criar um protagonista decente e digno de ser assistido.
Enquanto se assiste “Bo”, o pensamento mais imediato e pulsante que se afigura na cabeça do espectador é o de que nós certamente já vimos essa história antes, e embora este filme belga se beneficie pelas boas atuações e por uma produção no mínimo competente e às vezes bastante impressiva, seu roteiro nunca ousa transgredir a premissa desgastada que apresenta e nem as direções narrativas já antes fabricadas por outros longas semelhantes. A trama de “Bo” é bem simples; a personagem principal, Deborah, conta com uma representação dedicada da bela e fotogênica Ella-June Henrard, que encarna a figura de uma adolescente comum de classe média. Os problemas surgem quando sua mãe é despedida de seu trabalho, e assim o delírio da juventude surde na garota Deborah, ao se sentir mal por não ter condições de comprar uma peça de roupa ou fazer qualquer outro investimento fútil que meninas de sua idade costumeiramente fazem. Sucede que Deborah, ao se envolver com uma nova e descolada vizinha, que também estuda em sua escola, descobre que a profissão dela - uma acompanhante/prostituta - é um caminho fácil e lucrativo para reparar o problema financeiro familiar e ter a chance de poder ser uma adolescente normal. Mas ao percorrer este caminho da prostituição, obviamente tudo o que Deborah deixa de ser é uma adolescente normal. Os percalços do trabalho são evidentes e esperados, e durante o filme todos se sucedem. Além do mais, os personagens não são retratados aqui com absolutamente nenhum traço de originalidade, sendo todos reflexos do que este tipo de história normalmente apresenta. O “gerente” de Deborah e das outras garotas de programa, Vince, eventualmente se apaixona por ela, e ela por ele. Prometendo casar-se com Deborah depois que tudo se acabar, a jovem se enche de ilusão - até que sua mãe, desconfiada do obscuro trabalho que a filha perfaz (sabendo apenas que se trata de um serviço como camareira), acaba por descobrir a verdade. A mãe de Deborah confronta a garota, elas se desentendem e Deborah é expulsa de casa. Sua mãe a denuncia para a polícia e ela é enviada para um reformatório, permanecendo presa por três meses. O longa nunca se submete a um exame ao menos razoável sobre a situação de sua protagonista, não há nuances; tudo o que há são evidências e a passagem pelo reformatório representa muito bem isso. A personagem permanece três meses no local, rapidamente faz algumas inimizades, porém também uma amiga. Em dado momento as duas tentam fugir - e só. Deborah sai do lugar após o roteiro omitir grande parte dos acontecimentos dentro da instituição (o ponto alto e significativo desta passagem fica por conta apenas das visitas de sua mãe e de seu avô). O filme adentra seu terceiro ato logo depois da protagonista ser liberada e fugir de sua mãe, se refugiando na moradia de Vince. Por um tempo os dois permanecem juntos, enquanto a família de Deborah procura por ela. Sua amiga do reformatório, Steffie, chega - como as duas haviam antes combinado - para morar junto com a ex-colega de prisão e seu namorado. A partir daí, as coisas se complicam, e a presença de uma terceira pessoa na casa não parece agradar o dúbio Vince - e, eventualmente, Steffie morre; as coisas se estreitam ainda mais; Vince trai Deborah e após esta se safar de um destino desagradável, volta para a sua mãe. Observe, então, que a narrativa do filme quando descrita novamente, como fiz aqui, de nada soa interessante ou original, e por isso tampouco surge no filme como algo novo ou pelo menos gasto mas com profundidade. “Bo” se limita apenas a uma história inflada por personagens unidimensionais, reviravoltas clichês e um comentário que expressa os perigos do mal-comportamento familiar e más-influências na juventude - ou seja: uma pieguice moral e superficial. Mas “Bo”, apesar dos pesares, ainda é atraente aos olhos, apresentando um tratamento técnico apurado; uma direção que acerta em seus movimentos e enfoques e uma fotografia belíssima que manipula suas tonalidades conforme o agravamento das situações narrativas. Em suma, o balanceamento entre os aspectos de “Bo” apenas o classifica como um filme razoável, muito aquém do que poderia ser se pelo menos saísse um pouco da zona de conforto de sua premissa, que já virou um baita clichê.
“Manhattan Murder Mystery” não fala sobre nada além do que Woody Allen costuma falar. A diferença (uma deliciosa diferença) é que este filme lida com o costumeiro tema dos relacionamentos a partir do arranjo de um plano de fundo inusitado, divertido, envolvente e elegante: um assassinato repleto de suspense. Desempenhando uma química perfeita, Woody Allen e Diane Keaton acabam por ir além das figuras de seus meros personagens, oferecendo momentos impagáveis que não funcionariam caso o casal não transpirasse conforto e desenvoltura em seus papéis. O aborrecimento passado por Larry e Carol é um mote evidente do comentário conjugal feito por Allen nesta história. Em busca de excitação, de uma fuga da rotina que transformou Larry e Carol em um casal tedioso, a personagem vivida por Keaton se apega a um suposto crime cometido por seu recém conhecido vizinho. Quando Carol começa a notar todo o potencial crime, seu comportamento - devo confessar - soa um tanto quanto forçado e por isso aponta uma falha do roteiro, que simplesmente não nos dá o suficiente para nos convencer da súbita e forçada imaginação de Carol. Mas eis que aos poucos a trama justifica as ações da personagem, reforçando a cada oportunidade a razão do engajamento de Carol na solução deste crime - e eventualmente do envolvimento dos outros, que embora mais resistentes à paranóia dela (e aqui falo de Larry), acabam cedendo e sendo seduzidos pela intrigante, excitante e perigosa situação. Dando indícios de que tudo se resumirá a um confronto entre um quadrado amoroso (Larry, Carol, Ted e Marcia), a trama do filme, a partir do terceiro ato, se desenvolve para um emocionante caso policial, com a diferença de que não são policiais envolvidos na solução do mistério, mas sim o quadrado amoroso, tornando tudo ainda mais interessante. E é também no terceiro ato que Woody Allen consegue acentuar não só a espontânea tensão e incluso suspense que naturalmente toma forma, como também o humor, que atinge proporções hilariantes conforme a situação torna-se cada vez mais séria e arriscada, e os personagens cada vez mais desnorteados ou demasiadamente impelidos a desvendar toda a trama. Obviamente, cada um deles procurava um pouco de aventura, e isso fora preciso para colocar novamente o relacionamento de Carol e Larry nos eixos, bem como acertar o envolvimento amoroso de Ted e Marcia, sérios interesses sexuais para o casal vivido por Allen e Keaton. Mas “Manhattan Murder Mystery” volta-se mesmo para Carol, que diante de tal situação, acaba por se satisfaz apenas pela metade, tendo dificuldades de compartilhar suas excitações, já que o único que corresponde seu entusiasmo é seu amigo, Ted, e não Larry, seu marido. Mas basta a personagem de Anjelica Huston entrar em cena para que tudo seja colocado em seu devido lugar; e o filme, além de se apresentar como um suspense eficiente e muito bem desenvolvido, consegue trabalhar na mesma medida com suas verves cômicas e seu viés observacional, concluindo mais uma passagem woodyaliana pelo terreno dos relacionamentos amorosos, só que de uma forma muito mais atraente e interessante do que o usual.
“Radio Days”, embora se difira de alguns outros filmes de Woody Allen, muito por não possuir o viço de reflexão oferecido por seus habituais personagens, consegue ser, no fim das contas, um adorável e curioso relato de época. O veículo midiático que compele a história deste filme é o rádio, que na idade retratada pelo longa, a década de 40, era a principal atração doméstica da sociedade no sentido de prover distração, entretenimento, esforços artísticos e, claro, informações à grande massa. Atribuindo um apropriado e talvez indispensável olhar nostálgico à história, Allen ressalta essa característica principalmente com sua narração sentimental e flexível, transmitindo com exatidão - e com o auxílio das ilustrações de sua narração - a atmosfera recordativa que ele (Allen, ou Joe, o personagem principal) possui em relação ao tempo de sua infância, que fora marcada pelo rádio. O rádio, aliás, é aqui exaltado não necessariamente por suas particularidades, hoje muito passadas e, naquela época, entendivelmente superestimadas, mas por sua atuação como ponto de referência para as lembranças de um período da vida. O roteiro de “Radio Days” se compromete a abranger alguns acontecimentos históricos, sem, no entanto, os abordar com tanta profundidade, apenas relatando-os de forma efêmera e assim ilustrando o comportamento dos personagens diante deles (todos devidamente registrados pelo rádio) - e o fazendo, o filme nos rende momentos hilários quando, por exemplo, evoca uma transmissão da suposta invasão alienígena provocada pela narração radialística do então ator de rádio Orson Welles, além de momentos comoventes como o da garota Polly Phelps, que morrera ao cair em um posso. Por outro lado, a narrativa de “Radio Days” não se dedica a compreender profundamente seus personagens, demonstrando, ao invés, em pequenos aspectos e pedaços a personalidade e aspirações de vida de cada um, criando um ambiente familiar inusitado, engraçado e possuidor de uma excêntrica dinâmica. É só uma pena que ao construir seus personagens tão bem, ainda que nunca promova um enfoque maior em cada um deles, o roteiro passe batido por outras interessantes figuras da história (mais precisamente da família do garoto Joe) que poderiam render muito mais ao filme (talvez se este fosse um pouco mais longo), já que conquistam imediata simpatia logo no início da história, quando ocorre a apresentação de cada um (notem que o hilário casal de avós não ganha praticamente nenhum espaço em cena, o que é um desperdício). É também interessante como a trama do filme não possui um desenvolvimento à risca da cronologia de seus acontecimentos, tomando a liberdade de ir e vir por entre pequenos contos e até entre os núcleos narrativos, divididos entre as histórias da família do protagonista (os ouvintes do rádio) e da gozada personagem de Mia Farrow, que de maneira não muito usual acaba se tornando uma profissional do rádio. À cada um dos membros da família do pequeno Joe é atribuída uma preferência em relação aos programas que o rádio oferecia. As passagens que explanam os momentos favoritos de cada um são ótimas e contam sempre com um olhar irônico e evocativo do protagonista-narrador. Quando não são engraçadas por si (como a impagável história do jogador de baseball perneta, maneta, cego e, enfim, morto - parte do programa preferido de seu tio Abe), são adoráveis (como o do primeiro amor de Joe e o aniversário de casamento de seus pais), entre outros. “Radio Days” captura com charme e certo esmero uma época marcada pelo rádio, e principalmente como este foi um veículo de referência histórica - das mais populares às mais íntimas e familiares - e condutor das situações que com tanta graça e encanto presenciamos neste filme.
“The Purple Rose of Cairo” talvez seja o filme que melhor retrata a pura e ingênua magia que o cinema proporciona. A partir de uma premissa inventiva, embora simples, este filme de Woody Allen toma para si uma tarefa complicada, já que trabalha com um conceito que soa tão estranho durante os primeiros momentos da narrativa, mas que se desenvolve astuciosamente a partir de uma lógica interna divertida e curiosa. Nada soa forçado, já que, não havendo tempo ou conveniência para bem explicar o comportamento dos personagens (que apresentam uma credulidade para com o inusitado acontecido que certamente não presenciaríamos no mundo real), o roteiro brinca com a ingenuidade da época e com suas próprias particularidades criativas ao ajeitar toda a trama do personagem que sai de uma tela de cinema com divertimento e perspicácia. O metalinguismo do filme, aqui funcionando de uma forma diferente, já que há um filme dentro de um filme e este filme interage com este outro (que seria o filme para nós, espectadores), nos diz muitas coisas sobre o cinema, desde as satíricas referências a este universo até a reverberação que este provoca no espectador. A protagonista do filme é Cecilia, uma cinéfila que sustenta pelo cinema uma paixão que a faz frequentar várias sessões a fim de se refugiar naquele mundo mágico e ilusório dos filmes, tão distante geograficamente e socialmente de sua dura e insossa realidade. “The Purple Rose of Cairo” realiza uma pintura bela desta ingênua e doce protagonista, que enfrenta um dilema típico de cinema e que, ao contrário dos grandes filmes de sua época, acaba por amargurar, em seu desfecho, a realidade que atualmente muitos filmes possuem. Ao mesmo tempo, o ator Gil Shepherd (interpretado por um Jeff Daniels impecável, que também dá vida ao personagem Tom Baxter), também vislumbra um pouco de “ficção” dentro de sua realidade que é por si só glamourosa - mas devido aos compromissos e aparências dela, acaba por se ver distante de uma concretização amorosa com aquela que vive e sente a Depressão e não é nada mais do que uma simples fã de seus filmes. No fim, quem diria, o cinema passou a ser de fato o melhor lugar para se alojar, embora seja tão difícil viver dentro dele. Se nem Gil Shepherd, tão próximo da magia, consegue, muito menos a pobre Cecilia, a única que de fato o experimentou por dentro, mas que daqui em diante, assim como era antes, permanecera tão distante dele - apenas o contemplando através da tela do cinema. “The Purple Rose of Cairo” ainda consegue ser muito mais. Embora seja curto e simples, ainda que significativo, sua trama discorre com fluidez e as situações cômicas são todas inspiradas. É difícil não se simpatizar, por exemplo, com o contraste entre o ator Gil e seu personagem Baxter, tampouco pelas situações que este último se envolve devido a sua ignorância pelo mundo real (a cena no bordel é hilária). Também não é fácil conter os risos diante do tedioso impasse pelo qual os colegas de filme de Tom Baxter passam (e de vezes em vezes o roteiro de Allen visita o cinema para atualizar o status dos personagens do filme e, claro, nos fazer rir), assim como as cenas que revelam a reação do público geral e dos produtores do longa-metragem diante do ocorrido. “The Purple Rose of Cairo” é um pequeno deleite cinematográfico que possui uma grande quantia de doçura, humor e de bônus um baita retrato do que a tão dita magia do cinema pode nos causar, e o quão importante ela é para nós, meros seres da realidade.
“Husbands and Wives” é um exame cinematográfico sobre relacionamentos. É, ao contrário daqueles mais corrosivos - que procuram expor a realidade mais extrema e melancólica de casais -, um mais bem humorado, porém igualmente real não só pela natureza dos problemas que trata, como também pela execução destes em tela, a partir de um estilo de filmagem completamente benéfico ao realismo que o filme propõe atingir. O estilo documental que Woody Allen utiliza neste filme para registrar suas imagens faz toda a diferença, uma vez que realizando cenas inteiras sem cortes, além de atingir o objetivo principal de conferir realismo e pureza às situação, a astúcia do roteiro e as afinadas atuações emergem em tela como elementos de absoluto destaque. O roteiro de Woody Allen ainda aposta em uma estrutura interessante em que depoimentos de seus personagens são intercalados durante o curso da narrativa, algo que confere não só mais autenticidade temática ao filme como também surge como um precioso incremento ao caráter dos personagens, que frequentemente se contradizem em relação ao que falam diretamente para a câmera (na verdade, para seus terapeutas ou entrevistadores - algo que o filme não especifica muito bem) e o que falam para seus parceiros e amigos sobre relacionamentos. Constantemente evocando circunstâncias cômicas e constrangedoras, o texto concebido por Allen compreende os acontecimentos tanto em inspiração e divertimento quanto em naturalidade. A construção de seus personagens é coerente com as direções narrativas que o longa toma, já que o funcionamento da trama depende completamente deles, porém seus desenvolvimentos nunca soam demais convenientes ou categóricos. Independente das decisões de seus personagens, sejam elas de saírem de algum relacionamento ou começarem outro, o filme jamais deixa de conservar na superfície de cada um a incerteza sobre o que estão fazendo, algo que se exprime principalmente pelas atuações do elenco e pelos excelentes diálogos. A incerteza que permeia suas vidas amorosas, em uma mescla confusa entre razão, neurose e impulso, ofusca suas verdadeiras possibilidades de consumarem aquilo que lhes seria inteiramente satisfatório. Ao final de “Husbands and Wives”, a cada casal é dado, de certa forma, uma conclusão. Porém nada de conclusões efetivas, apenas conformidades e aceitações para que, desta maneira, nenhum deles termine sozinhos ou com quem aparentemente não lhes é adequado - um final que reforça este exame apurado e agridoce da vida conjugal de personagens neuróticos (bem no estilo de Woody Allen, mesmo), mas palpáveis, tristes, indecisos e pateticamente envenenados pela complicada tarefa de levar uma vida a dois.
Se comprometendo a criar um envolvente romance dentro de uma história de ficção-científica, “The Adjustment Bureau” ainda nos oferece uma narrativa ritmada e convidativa que ainda trabalha aspectos metafísicos de nossa humanidade através de menções claras a eles - posto tudo isso, este filme, com exceção de alguns pecadilhos e de seu final fraco e sem imaginação, pode ser adequadamente definido como um passatempo de qualidade e reflexivo. Estabelecendo de maneira hábil, rápida e cativante a introdução de seu protagonista, através de uma sequência muito bem montada logo no início do filme - onde resumidamente passamos a conhecer a personalidade e o status social do personagem de Matt Damon -, o roteiro de “The Adjustment Bureau” destaca-se por fincar com firmeza seus personagens e suas relações durante a trama, o que também é mérito dos atores, que, desempenhando interpretações convincentes, oferecem uma química palpável. A química, no caso, é especialmente compartilhada por Matt Damon e Emily Blunt. E é curioso que, durante certo momento do filme, a química entre o casal é citada como aspecto crucial da relação dos dois, demonstrando assim a perfeita sintonia que Damon e Blunt estabelecem como atores e como personagens. Ainda apoiado por um elenco secundário no mínimo interessante, o ator coadjuvante que mais se destaca nesta ficção é o sempre excelente Anthony Mackie, que aqui demonstra mais uma vez ter uma notável presença de cena (mesmo quando seu personagem não é designado a fazer muito) e um afável carisma (mais denotado quando este finalmente ganha mais tempo em tela). Fechando o elenco, as presenças de John Slattery e Terence Stamp, embora em papéis menores tanto em tempo de cena quanto em dimensão de seus personagens, compõem com competência figuras misteriosas e imponentes. Inserindo elementos de nossa cultura para incrementar mais realismo à ambientação do filme (como as comitivas do personagem de Damon e suas participações em programas de tevê que de fato existem), o roteiro se sai bem, embora, por outro lado, seja árduo para o espectador conciliar o realismo com os conceitos de ficção-científica apresentados no início do filme. Mas conforme a aparentemente absurda trama de pano de fundo do filme ganha novos contornos, o casamento entre realidade e ficção se torna mais aceitável, e até mais instigante. É interessante, por exemplo, como os “agentes do destino” da história - que no princípio mais se pareciam com um grupo canastrão com poderes ilimitados saídos de qualquer ficção-científica barata - começam a apresentar suas imperfeições como seres aparentemente oniscientes e onipotentes. Explorando as limitações deste grupo de personagens, os roteiristas desenvolvem uma trama envolvente que jamais perde o ritmo, e cativam o espectador com a determinação de David Norris (Damon), que enfrentando o destino para ficar junto de sua amada (uma premissa que pelo enunciado soa demasiadamente batida, mas que aqui funciona pelas circunstâncias em que é encaixada), se envolve com questões pertinentes à vida de um modo geral. Obstinado, Norris acaba por inspirar o Presidente (uma óbvia metáfora de Deus) a mudar os planos previamente traçados para ele e Elise (Blunt); e entregando esta revelação em seu pálido final, que resolve toda a trama de uma forma indigna e deselegante, “The Adjustment Bureau” não chega a decepcionar por completo, apenas conclui-se com uma aceitável ideia ao negar toda sua ardilosa construção. Fazer-nos pensar que um casal como David e Elise seria uma das maiores exceções da humanidade ao conseguirem traçar caminhos diferentes do planejado foi uma imposição muito forçada para engolirmos. Entretanto, a moral de “The Adjustment Bureau” nos concede margens para maiores reflexões, mas diz principalmente que “pessoas que encaram o livre-arbítrio como um dom, nunca saberá usá-lo até lutar por ele”, o que entra em conflito com a racionalização conduzida pelos agentes do destino buscando o bem estar do homem, colocando que o bem estar pode vir também do impulso - vulgo “coração”.
Quando se começa a assistir um filme como “Hanna”, logo pensa-se que este será um sensível e peculiar estudo de personagem, mas conforme chegamos ao seu final, o filme nos faz refletir novamente sobre suas próprias pretensões, já que terminando do jeito que terminou, este mais se parece com um longa cujo escopo é o espetáculo visual do que a reflexão em torno de sua protagonista ou das metáforas que sua história possivelmente carrega. Sendo assim, portanto, o maior mérito deste filme reside mesmo na regência visual que executa, acrescendo uma narrativa que apesar de não ser rica em emoções (e inclusive falhar em evocá-las com maior dramaticidade) e se revelar simplória demais, acaba falando mais com suas imagens e assim não comprometendo tanto seu resultado final como obra. Interpretada por uma brava e sensível Saoirse Ronan, Hanna foi criada educada no meio de uma localidade na neve por seu pai de criação (um ex-agente que fugiu com a biologicamente aperfeiçoada Hanna), a ensinando técnicas de ataque e defesa bem como saberes mundanos sobre os mais variados campos do conhecimento. Tudo isso foi feito para que Hanna pudesse viver no mundo social e urbano algum dia. Mundo urbano que contém à sua espreita a personagem de Cate Blanchett, que, assim como pretendia tempos atrás, quer eliminar a garota concebida para ser um soldado perfeito. Hanna, portanto, decide que está preparada para conhecer o mundo, e para isso seu pai a diz que ela deve acionar a atenção da personagem de Marissa (Blanchett) através de um dispositivo, já que ela irá atrás da garota e a caçada só terminará quando uma das duas estiver morta - logo, o pensamento seria matar Marissa primeiro, mas é inconcebível e ilógico que o roteiro tenha lançado mão desta situação para colocar Hanna e seu pai imediatamente em perigo após escaparem de seu exílio. Afinal, que estupidez é essa chamar a atenção de Marissa e de todo um grupo de agentes de uma organização de inteligência apenas para confiar nas super habilidades da menina Hanna que logo trataria de eliminar seu carrasco? Por que não simplesmente fugirem e se esconderem? Perdoando este absurdo, o que se desenvolve ao longo da narrativa do filme é uma muito bem equilibrada trama que divide suas atenções entre a jornada de fuga de Hanna, onde conhece algumas pessoas, e pontuais cenas em que seu pai (Eric Banna, ótimo), e Marissa e seus subordinados, executam, respectivamente, sua fuga para o porto seguro onde encontrará garota, e a busca por ela. Com uma direção de aspecto ora eletrizante, ora sensitiva, Joe Wright concebe verdadeiros espetáculos visuais, primeiramente investindo em cortes secos que, aliados à montagem, estabelecem, especialmente nas cenas de ação, um ritmo frenético e um clima inquietante. Com a mesma aplicação, o diretor brinca com a câmera durante sequências mais agitadas, sempre entregando um resultado positivo, seja conduzindo passagens com o objeto na mão a fim de construir cenas mais objetivas e frias ou seja com um pontual e excepcional plano sequência que resiste à tentação de executar um corte durante sua culminação final, uma cena de luta espetacular e que mesmo claramente constituída por eventuais efeitos visuais, jamais perde sua verossimilhança (qualidade que, aliás, o filme preserva com diligência, mesmo não tendo, digamos, a “obrigação” de a manter, já que foge muito do que chamamos de verossímil). A fotografia é outra que contribui muito ao realçar o visual do filme, especialmente no enfoque paisagístico (neve, deserto) e nos closes quase microscópicos que Wright às vezes executa. Ao passo que a direção de arte concebe uma agência de inteligência com uma roupagem sofisticada, moderna e apropriada, nunca caindo no ridículo. E, finalmente, a trilha sonora minimalista e entusiástica não só pontua as cenas com devido brilhantismo, como também é eficaz ao evocar a tensão por antecipação. Por fim, é interessante destacar o ótimo elenco de “Hanna” e seus interessantes personagens, que, embora ainda encontre na agente vivida por Blanchett uma figura tipicamente unidimensional, lança mão de personalidades agradáveis em cada um deles (com destaque para a simples porém carismática personagem de Olivia Williams e o divertidamente esquisito personagem de Tom Hollander). Assim como diz a descrição que o pai de Hanna lê para ela sobre música, “Hanna”, o filme, é uma combinação não só de sons, mas também de imagens que impressionam, tiram o fôlego e constituem uma obra bela em forma e que expressa emoção. Emoções mais emanadas de seu exercício visual, sim, mas ainda assim emoções.
“Unknown” é um thriller de suspense eficiente, porém, não é eficaz. A diferença é que enquanto o filme reproduz uma trama conspiratória com competência, ele não faz nada mais do que simplesmente reproduzi-la, sem inovações e sem originalidade. Como consequência disso, o filme nunca deixa impressões, nunca provoca efeitos de tensão, suspense ou drama, mas apenas conduz sua narrativa e nutre a atenção do espectador com o mistério de sua trama, que embora envolvido por uma história genérica, ainda permanece obscuro e relativamente interessante, mas conforme ele é desvendado, a indiferença é a principal reação surtida em quem assiste. A direção de Jaume Collet-Serra tem seus suspiros de expressão, especialmente no enfoque que confere ao personagem de Liam Neeson nas cenas em que este tenta entender o que se passa a sua volta, exprimindo a confusão de sua mente com um movimento de câmera que, a partir de um close, inclina suavemente em frente ao rosto do personagem, denotando também a agonia do momento em que este encara a própria realidade que acredita ser verídica como um complô de mentiras construído a sua frente. Acordando de um coma, Martin Harris (Liam Neeson) é contrariado por tudo e todos quando tenta provar sua identidade, que parece ter sido roubada. Martin ainda acredita em quem ele é, e por isso confronta qualquer um que o contrarie - até mesmo sua mulher, que também parece desconhece-lo -, e mais tarde passa a confrontar a si mesmo, achando que o problema é realmente com ele. Uma vez desvendada, a tramóia do filme não soa espetacularmente engendrada, apenas competente no sentido de esboçar uma estória de conspiração interessante, mas que exagera tanto nos usos de lugares-comuns de filmes de gêneros semelhantes, que a própria premissa de “um homem que acorda de um coma e repentinamente não é mais quem acredita ser” já soa desgastada. O mesmo pode ser dito sobre o clima de desconfiança instaurado na narrativa, bem como os cada vez mais limitados recursos do protagonista para seguir adiante com sua jornada em busca do entendimento de sua situação, ambos surgindo de forma comum e desinspirada. Ainda investindo em situações clichês e que chegam até a constranger (um homem invade o hospital; sequestra o protagonista que está vulnerável; a enfermeira chega e ela é morta ao ter seu pescoço facilmente quebrado. O protagonista, dopado, a vê caindo bem no seu campo de visão. Quando o homem sai da sala, o protagonista tenta alcançar a tesoura no bolso da enfermeira morta. E apesar de quase ser pego no flagra pelo sequestrador, o protagonista eventualmente consegue a tesoura e se safa de onde está), o roteiro de “Unknown” também não abdica de longas (mais longas do que deveriam) sequências de ação desenfreada (de preferência envolvendo perseguições) e lutas “eletrizantes” travadas uma hora ou outra. Porém, ainda que se mostre demasiadamente comum e por isso mesmo carente de emoção, a proposta reflexiva evocada pelo roteiro de “Unknown” é curiosa, e pelo menos o desenvolvimento do personagem principal (que, não se pode deixar de dizer, é representado por Liam Neeson com competência) é executado de tal forma que ao final do filme, finalmente podemos sentir alguma sensação vinda da tela. É curioso, por exemplo, como de um ponto de vista psicológico, poderíamos até dizer que Martin esqueceu voluntariamente de sua vida para assumir uma que lhe parecia ser mais justa e pacífica. Assim, seu esquecimento surge como a busca da purificação, denotado no instante final do filme onde o personagem, mesmo já recordado de tudo o que vivera, assume aquela condição inocente como forma definitiva e se purifica por completo, seguindo uma nova vida agora ao lado não de sua falsa mulher e parceira de crimes, mas daquela que o ajudou verdadeiramente nos piores momentos que teve de enfrentar. É uma pena, então, que “Unknown” demore atingir este aspecto humano de seus personagens (a personagem de Diane Kruger, por exemplo, passa o filme todo como uma simples e inexplicavelmente motivada ajudante de Martin), e que pouco explore isso durante o restante de sua narrativa ordinária.
A droga que o personagem de Bradley Cooper consome neste “Limitless” representa o oposto das drogas de nossa realidade. Enquanto ela oferece os mesmos riscos de vida e efeitos colaterais que qualquer outra droga oferece, a NZT-48, ao invés de proporcionar um escapismo da realidade, uma distorção dela, uma experimentação alucinógena do cotidiano, faz exatamente o contrário, aumentando a capacidade do cérebro e iluminando a percepção cerebral até a sua mais extrema lucidez. Este conceito contra-análogo soa interessante, mas “Limitless”, embora conte com uma trama que é pelo menos eficiente no aspecto rítmico - revelando-se como um filme envolvente -, peca por sua falta de interesse no aprofundamento de sua ideia, e prefere sempre o caminho mais fácil, forçado ou auto-indulgente para desenvolver sua narrativa. O protagonista Eddie, interpretado por um Bradley Cooper com afinação, sabendo evocar seu charme natural bem como seu nervosismo e inquietação quando necessário, é apresentado de forma bem humorada e logo conquista a empatia do espectador, que junto com ele embarca em uma excitante possibilidade quando este consome a droga que intensifica as atividades de seu cérebro - e por muitas vezes durante a trama de “Limitless”, a impressão deixada é a de que o roteirista está impreterivelmente interessado na exploração das divertidas possibilidades que a habilidade mental do protagonista sob o efeito da droga pode proporcionar. Assim, testemunhamos cenas arranjadas sem muita razão apenas pelo caráter lúdico destas, como a da luta em que Eddie se aventura em uma estação de metrô, evocando diversos meios de aprendizados (de filmes do Bruce Lee até documentários do Nat Geo) para se dar bem- o que nos remete direto a uma cena chave no final da narrativa em que o personagem realmente precisa lutar, entretanto, a essa altura o roteiro não surge com nada criativo ou oportuno, dando lugar a soluções forçadas e que beiram o ridículo. Mas também há muitas situações e dilemas para o protagonista de “Limitless”, porém são todos óbvios. O declínio do personagem é antevisto, nenhum dos percalços enfrentados por ele parece aspirar criatividade. Ainda que uma trama conspiratória tome forma durante a história, ela é desenvolvida de forma inorgânica, gerando situações que mais estimulam a descrença do espectador do que um interesse pelo que acontece. O que acontece, aliás, é tudo o que tem de mais evidente em “Limitless”, já que a reflexão em cima do personagem ou do que a droga o causa (e causa a outros personagens), ou seja, as entrelinhas, é praticamente ausente ou superficial. A narração em off, inclusive, não apresenta muitas razões para ser utiliza, contribuindo apenas com dispensáveis explicações das ações do personagem ou com algumas piadinhas engraçadas, mas nem um pouco com informações importantes. Contando com um terceiro ato artificial e um desfecho inócuo e auto-indulgente, “Limitless” não é constituído apenas por pontos negativos, já que o trabalho visual empregado no longa não só surge como um dos elementos mais impressionantes deste, como também o salva de ser um completo desperdício de ideia. A direção realizada por Neil Burger, por exemplo, investe em curiosos movimentos de câmera que procuram transmitir a sensação de alteração de Eddie, ao passo que as ilustrações dos recursos buscados pela mente dos personagens para compor suas ações e ideias revelam-se como um trabalho desafiador e interessantíssimo da montagem. Por fim, a fotografia impressiona por seu funcionamento sincrônico com o estado dos personagens, sendo intensifica conforme o personagem se ponha sob o efeito da droga, enquanto é esfriada de forma conveniente para expressar o estado sóbrio que os personagens experimentam. “Limitless”, apesar de tudo, consegue ser envolvente e interessante em conceito e execução, mas o desenrolar de sua trama é tão desleixado e óbvio que ironicamente nos leva a pensar que seus roteiristas não dispunham de nenhuma pílula de NZT-48 para tomar enquanto escreviam o filme.
Submarine
4.0 1,6KEste certamente não é o primeiro filme sobre um adolescente que vê questões existenciais, filosóficas e amorosas invadirem seus pensamentos juvenis. “Submarine” é muito diferente do tipo de filme sobre “crise de adolescência”; é um filme cujo protagonista é diferente por natureza, bem mais maduro do que pessoas de sua idade e, ainda assim, inseguro, incerto e sentimental - mas é sobretudo um filme onde, analisando de perto, todos os personagens importantes, adultos ou não, são como o protagonista. É difícil decifrar o personagem Oliver e tudo que passa por sua mente. Nem mesmo com o auxílio da narração em off é totalmente possível decodificar os sentimentos do garoto - fato que acaba nos dizendo muito sobre o filme, já que, assim como compara em certo momento, é como se as pessoas fossem dotadas de vibrações ultra-som, inaudíveis para os humanos, e por isso reservadas em seus interiores como segredos que ninguém consegue desvendar por absoluto. Mas também há outra metáfora preciosa que “Submarine” nos apresenta: o ultra-som foi desenvolvido para localizar submarinos, aqueles veículos aquáticos que vivem submersos nas profundezas (mas não tão profundas) do oceano. O pai de Oliver, interpretado por um excelente Noah Taylor, revela ao filho que anda - e sempre andou, desde a juventude - submerso, debaixo d’água; outras palavras para “deprimido”. No início do filme, Oliver nos confia que para passar pela vida, ele tenta se desconectar da realidade, imaginando como as pessoas reagiriam à sua morte - um sentimento que denuncia as supostas tendências suicidas do jovem garoto. É razoável pensar, então, que o desapego de Oliver pela realidade o mantém debaixo d’água, assim como seu pai, vivendo ambos em uma meia-realidade, algo deles, pessoal; entre o lugar onde as coisas acontecem de verdade (a vida) e o lugar onde tudo para de acontecer (a morte, ou o fundo do oceano, onde não há luz e ninguém consegue sobreviver). Já a mãe de Oliver parece encontrar a luz através de seu novo vizinho Graham, uma espécie de guru supersticioso com quem costumava namorar na juventude, e que entre outras bobagens espirituais relacionadas ao poder da luz (antônimo de escuridão), fala também do tal “terceiro olho”, que segundo lendas é uma espécie de órgão mental capaz de aumentar sua capacidade de percepção, permitindo exercer faculdades psíquicas como telepatia e clarividência, por exemplo. E bem que a telepatia resolveria os problemas dos personagens em “Submarine”, pois Oliver tem até mesmo de exercer o papel de intermediário para tentar arranjar encontros sexuais entre seu pai e sua mãe (bem como tentar reconciliá-los de todas as formas possíveis), já que o relacionamento do casal é completamente imune a sentimentos, assim como é o namoro de Oliver com Jordana, cujo bilhetinho ditando as regras do relacionamento afirma claramente “sem emoções”. Portanto, por mais que as emoções existam (e ninguém nega isso), nada de mostrá-las. Mas Oliver, apesar de indecifrável como qualquer um ao seu redor, floresce seus sentimentos para podermos acompanhá-lo neste filme, sendo que logo no início o garoto já declara estar apaixonado, e sua abertura para nós, que assistimos, é certamente sintoma desta paixão que ele passa a viver. Jordana é convenientemente caracterizada de vermelho, o tempo todo, cor que simboliza o amor e os sentimentos. Apesar das semelhanças sentimentais que compartilha com seu pai, Oliver é puxado para a superfície por Jordana, e dessa forma ele tenta trazer seu pai, sua mãe e a própria Jordana para essa realidade de sentimentos. Por outro lado, o descontentamento que Oliver tem dentro de casa o impede de abandonar a tentação pelo fundo do oceano, e durante toda a trama de “Submarine” acompanhamos este fascinante jovem por entre incertezas e inseguranças, até eventualmente conseguir o seu final feliz, que pode ou não ser feliz para Jordana e especialmente para seus pais, mas que certamente é para ele. “Submarine” não responde questões existenciais nem amorosas, e nem retrata seus personagens como exatamente são as pessoas da vida real, mas é impressionante como este pequeno filme (também dotado de um belo visual e um ótimo humor) expõe a fascinação que podemos ter por certas pessoas, mesmo jamais decifrando a aparência de seus oceanos e o quão profundo são eles.
Armadilha do Destino
2.3 221 Assista AgoraSe considerarmos apenas o cinema dos últimos anos, podemos listar uma quantidade relativamente grande de produções semelhantes a “Wrecked”; filmes que lidam praticamente com um só personagem, em alguma situação de agonia, isolado e/ou aprisionado em algum lugar claustrofóbico. “Wrecked” logo nos introduz ao pior da situação, quando o personagem interpretado por Adrien Brody acorda todo ferido e esfolado, preso às ferragens de um carro no meio de uma floresta e sem memória do que aconteceu ou de quem ele é. Também não sabemos quem é aquele homem, qual foi o contexto do acidente e como ele sairá dali. A câmera tremula e desnorteada, investindo em enquadramentos estreitos e muitíssimo próximos do protagonista, nos transmite a exata sensação do personagem, que não precisa de muito tempo pra se desesperar e experimentar o que parecia ser o seu limite. O início de “Wrecked” é bastante intenso; o trabalho do diretor é cuidadoso e Brody desempenha uma atuação digna, exprimindo com perfeição a apreensão e angústia do personagem, bem como tornando sua figura afável - qualidade que se mantém mesmo quando descobrimos coisas não muito boas sobre seu personagem. Há uma curiosidade natural em saber como o protagonista se livrará daquele martírio. A abordagem visual do diretor Michael Greenspan concebe em seu início apenas planos que se limitam ao espaço ocupado pelo acidentado, também ressaltando sua visão subjetiva - e dessa forma o filme reforça a inércia de seu ambiente, tornando o interesse pelo que vem a seguir ainda maior. (Afinal, o que estará reservando o roteiro para mover a trama adiante em um espaço físico tão restrito?). Infelizmente, a cada minuto que passa, “Wrecked” responde essa pergunta com cada vez menos criatividade. O filme já apresenta maus-sinais quando investe em sequências de sonho e alucinações do personagem - uma alternativa fácil para inserir informações na história sem precisar abandonar o ambiente já estabelecido pela premissa -, e é ainda mais desgostoso presenciar os ainda mais fáceis e fajutos flashbacks darem as caras para explicar - ainda que pouco - o passado do personagem. É certo que, apesar de completamente batidas, as tais cenas ilusórias introduzem uma outra noção ao filme: a de que o protagonista pode estar imaginando muito do que é visto em tela. “Wrecked” parece ter um tanto de simbolismo. O personagem de Brody passa a ver esta mulher, que primeiro o visita em um sonho, e então passa a assombrá-lo periodicamente. Um flashback nos revela que ele supostamente a matou, e então passamos a enxergá-lo como um assassino. Ele fica amigo de um cão selvagem que encontra na floresta após conseguir, com muito esforço, sair do carro. Entre outras conveniências adotadas pela narrativa a partir daí (entre elas, o fato do personagem encontrar analgésicos, comida embalada e até mesmo um celular entre misteriosas bagagens dispersas pela floresta), o roteiro parece querer sugerir a relação do personagem com o cão como uma oportunidade para testar sua benevolência (afinal, pensa o roteirista, o que seria mais comovente e redentor do que dividir um pequeno pedaço de carne com o cachorro faminto?). Há também uma noção de que a floresta representa o inferno, sendo a temida onça uma representação da Besta e todo o resto um castigo - e quando crédulo de que cometeu algum crime, o personagem de Brody tem um momento de delírio ao imaginar a polícia se aproximando, mas logo retoma a lucidez e se revolta, implorando para ser levado dali, mesmo que seja algemado. Acontece que de simbólico “Wrecked” não tem muito; e mesmo quando olhamos para sua qualidade de drama psicológico, o filme carece de profundidade. O tormento mental do protagonista é evidente, porém raso, e na maioria das vezes soa barato demais. A direção de Greenspan perde a mão depois da primeira metade do filme, em alguns casos abandonando por completo a abordagem visual antes usada. E o filme tem uma resolução meio azeda; por um lado, há uma revelação óbvia, mas que faz sentido; por outro (a maior delas), uma revelação jogada ao acaso para pura e simplesmente surpreender o espectador. Embora se apresente muito bem no começo, “Wrecked” fica devendo muito aos filmes de semelhante premissa do cinema atual, e é mesmo uma boa produção para incitar o tédio.
Pânico 4
3.2 2,7K Assista AgoraAgora vamos à refilmagem. “Scream 4” é, surpreendentemente, o capítulo da franquia “Scream” que melhor se apropria de seu mote auto-referencial para estabelecer uma interessante abordagem à trama sem soar auto-indulgente... demais. Pois ainda assim o longa cai na armadilha que impediu-me de aproveitar os filmes anteriores da série. Sim, é patente que os clichês e a previsibilidade da trama fazem parte de toda a brincadeira, e embora as zombarias metalinguísticas deste novo longa se concentrem no conceito de refilmagens e como estas subvertem toda a noção dos filmes originais, ainda é uma tortura enorme ter de aturar o mesmo formato sendo repetido de forma burocrática e redundante. É desinteressante, por exemplo, acompanhar um personagem secundário (e propositalmente desprovido de carisma) enfrentar toda a historinha de perseguição com o Ghostface até ser, eventualmente, morto da forma mais sangrenta ou “chocante” possível. Mesmo introduzindo a ideia do inesperado, da reinvenção, “Scream 4” não ousa reinventar-se nas suas cenas mais básicas - e, consequentemente, mais problemáticas. Mas o filme ainda guarda alguns elementos interessantes: a ideia da refilmagem, por exemplo, exerce sob a narrativa do filme uma relevância muito maior e mais lógica (apesar de algumas coisas estúpidas, como o fato absurdo do assassino estar gravando um filme) do que as ideias de “continuações” e “fim de trilogias” exerceram sob o segundo e terceiro filme, respectivamente. E é por meio desta auto-referência principal que o filme emula de forma divertida algumas passagens do primeiro “Screm”, como as cenas da festa, em que todos assistem a um filme de terror; a do namorado preso a uma cadeira numa varanda; além, claro, do final, uma cópia um pouquinho melhor da cena do primeiro filme - com exceção, é claro, dos estúpidos motivos que levaram os assassinos a cometerem os homicídios, bem como suas ridículas pretensões por trás de todos os crimes. Entretanto, quando se fala em absurdo, estupidez e ridiculez no contexto da série “Screm” (e este último não escapa à regra), tais adjetivos não tendem a ser necessariamente negativos, já que tudo parece fazer parte do pacote, ou brincadeira, ou jogo (ou sei lá) executado pelos realizadores - resumindo, tudo não passa de uma aventura descompromissada e a ordem é mesmo ser estúpido, absurdo e ridículo. Mas ainda que seja passável sua tentativa de “melhorar”, é difícil encarar este quarto filme da franquia e a essa altura perdoar, por exemplo, as motivações que dão ao assassino da vez, às diversas mortes anunciadas em voz alta e com exclamação, às convenções narrativas e ao formato redundante. É justo dizer que, em relação aos três outros filmes, “Scream 4” realmente melhora - mas isso é apenas por comparação, porque o filme, por si só, ainda é um passatempo bobo e aborrecido. É agradável como o filme se prontifica a atualizar as referências populares com o intuito de situar a trama nos tempos atuais (apesar de fazer isso com certo excesso na tentativa de também se desculpar por seus clichês); é agradável como cria impasses e conflitos entre seus personagens mais antigos (algo praticamente inexistente no terceiro filme); como concebe cenas de mortes mais arrojadas (embora as faça apenas para adornar a redundância que possuem); ou como propõe ousar em seu final, utilizando a premissa das refilmagens como base; mas no fim, “Scream 4” acaba se voltando para os mesmos problemas que a série apresentou nos três filmes precedentes. Na sequência final, quando os três personagens principais da série (os três únicos que sobreviveram aos severos ataques do Ghostface) se encontram em uma situação de tensão na companhia de um quarto elemento - a única personagem nova do grupo, e mais odiada -, é fácil de imaginar quem vai sair vivo e quem não vai. E depois de alguns blefes costumeiros, tudo acaba da exata maneira como a pouco visualizamos. Dessa forma, fica muito difícil apreciar “Screm 4”, ou 3, ou 2, ou 1... Ou qualquer um até que façam uma refilmagem verdadeiramente subversiva, ousada e que não tente defender suas indolências simplesmente por reconhecê-las.
Pânico 3
3.0 775 Assista AgoraNão só este terceiro capítulo da franquia “Scream” continua a repetir o que todos os filmes de terror e suspense já fizeram (como inicialmente a brincadeira exigia), como também muito do que vimos nos dois primeiros filmes. Dessa vez, a brincadeira auto-referencial diz respeito aos famigerados terceiros - e comumente últimos - capítulos de franquias - as chamadas “trilogias”. E embora a piada em torno das trilogias tenha aqui uma relevância narrativa maior do que as piadas sobre “o segundo filme” teve no filme anterior, tudo soa estúpido - mais uma vez. Quem traz à tona a referência é Randy, que morreu em “Scream 2” mas deixou gravado um vídeo alertando seus amigos em caso de uma possível volta do assassino para um “terceiro filme” - fato que soa incrivelmente forçado, já que Randy foi morto no meio de um segundo ataque executado pelo Ghostface, quando nem ao menos sabia se aquela situação seria solucionada. Mas mesmo deixando passar essa atitude desesperada para ainda brincar com o auto-conhecimento, é difícil engolir o fato de alguns personagens realmente usarem as “regras” da trilogia como referência em algumas situações (mas acredito que dê para perdoar isso também, afinal, a trama do terceiro longa consiste em um “filme” sendo feito, além de que os personagens estão mais do que acostumados com os clichês cinematográficos acontecendo na vida real). (No terceiro filme, tudo pode acontecer, qualquer um pode morrer, o assassino é sempre mais forte e tudo o que você sabe sobre o passado pode tomar formas diferentes). Sim, tudo isso acontece em “Scream 3”, e, claro, assim como o primeiro filme, tudo soa auto-indulgente. E aí está o maior problema de toda a franquia: temos que perdoar passagens estúpidas, aceitá-las para poder curtir o filme. Mas mesmo quando o roteiro não se desculpa tanto - como no caso de “Scream 2” -, o fato de que o longa realmente tenta causar no espectador reações e sensações legítimas de filmes de terror sérios, e sem abandonar os clichês, não ajuda nem um pouco sua reputação (ou pelo menos meu pensamento individual sobre as obras de Wes Craven). Em “Scream 3”, ao contrário do anterior, não há nenhum senso de evolução dos personagens; suas personas simplesmente se estagnam no que se tornaram depois do segundo filme; todos eles parecem meros peões a serviço da narrativa. Sidney, por exemplo, é induzida de volta ao espetáculo quando começa a ver e ouvir sua falecida mãe (algo que é, assim como tudo em “Scream”, explicado sem muito capricho), e passa a maior parte do filme em uma delegacia, aparecendo apenas para o “terceiro ato”, quando confronta o assassino e descobre a verdade por trás de todos os acontecimentos das três aventuras. O assassino, por sinal, é realmente mais forte neste capítulo, e, consequentemente, mais extravagante, provocativo e absurdamente pretensioso - algo que tem uma justificativa pueril na trama (um diretor de cinema era o assassino e por isso queria recriar o filme na realidade...), mas que se dá mesmo devido ao delírio dos roteiristas, cujos fetiches por criarem mortes mais criativas e surpreendentes (vide toda a sequência da explosão da mansão) extrapolam o bom-senso narrativo; ou, quando aparentemente julgam ser “originais”, tudo o que conseguem pensar é na obviedade do Ghostface, ao perseguir uma loira peituda, se esconder no guarda-roupas de um set cheio de fantasias iguais a dele. E o que falar da nova habilidade do assassino, a de emular a voz de qualquer pessoa através de um dispositivo eletrônico? No longa, vemos praticamente todos os personagens caírem na nova armadilha do Ghostface, confiando na voz que ouvem do outro lado do telefone. Mas nós, depois de conhecermos a nova faceta do serial killer, não podemos mais ser enganados, e ainda assim temos de aturar os personagens serem - o que, acredito, resume perfeitamente a redundância de erros e aparentes qualidades que a franquia “Scream” é.
Pânico 2
3.2 818 Assista AgoraNesta sequência de “Scream”, podemos notar algumas diferenças em relação ao primeiro. Mas, basicamente, nós assistimos ao mesmo filme. Digo, assistimos à mesma fórmula utilizada no filme anterior e em muitos outros longas do gênero. Porém, as diferenças estão aqui, sejam elas positivas ou negativas. “Scream 2” continua batendo na tecla da auto-referência e da auto-ironia, porém esse discurso recebe um tratamento consideravelmente menor aqui. E, ao mesmo tempo em que isso surge como algo positivo, também compromete ainda mais a qualidade do filme. Em dado momento, logo no início do longa, há uma discussão sobre sequências de filmes - uma clara auto-referência que gera um debate interessante e divertido entre os personagens envolvidos -, mas no final das contas, toda a brincadeira em torno das continuações não desempenha nenhuma relevância na trama, sendo levantada apenas por tabela, já que seria contrariar as raízes do filme passar batido por uma referência tão óbvia (ainda que divertida, como disse). Há também nesta continuação um debate levantado ainda no primeiro longa, sobre a influência que os filmes violentos e de terror causam nas pessoas reais. Essa discussão, ao contrário da anterior, se mostra importante no final de “Scream 2”. Mas, da mesma forma como no primeiro filme, o desfecho deste segundo é uma decepção; um verdadeiro espetáculo de extravagância e ridiculez. Mais uma vez, nós temos dois assassinos - o que confere só um pouquinho de credibilidade às capacidades quase oniscientes e onipresentes do Ghostface. De um lado, um personagem novo cuja única explicação para assumir a forma do assassino e matar todos próximos a Sidney é a de simplesmente ser um psicopata (e que, no julgamento, tentaria se safar ao botar a culpa na influência do cinema); do outro lado, temos a mãe de Billy (um dos assassinos do primeiro filme), que surge para reforçar de uma forma mais crível o fato de toda essa história se repetir. A maior diversão de “Scream 2” (e também de seu antecessor) consiste em descobrir quem é o assassino (ou então, simplesmente desfrutar do instigante mistério), mas assim que sua(s) identidade(s) é/são revelada(s), e suas motivações também, é difícil não se decepcionar. O roteiro do longa não se importa em criar uma reviravolta que remeta a outros momentos do filme; todos os despistes e suspeitas em torno dos outros personagens são puros truques, nada de informações relevantes - e apenas no fim é que temos a revelação certa e arbitrária sobre a identidade e os motivos do Ghostface, uma saída vergonhosamente fácil para nos causar surpresa. Um dos grandes erros do primeiro filme era seu caráter auto-indulgente, que ao mesmo tempo em que se desculpava pelos seus clichês ao mostrar ter consciência deles, nunca assumia por completo o aspecto satírico que tanto aspirava, forçando o espectador a se importar com a história e todo o excesso de convenções narrativas, seus personagens rasos e realmente levar a sério seu terror, mesmo o roteiro deixando claro que não levava a sério a si mesmo. E nesta sequência, com disse, a auto-indulgência é menos excessiva, o que de um lado é bom, mas do outro deixa o filme ainda mais sério - o que não seria um problema caso “Scream 2” deixasse de ser um clichê. Dessa forma, as cenas de suspense e tensão soam demasiadamente óbvias e o aspecto “satírico” inexiste. Quando o Ghostface ataca uma mocinha jovem, é evidente que ela não escapará da morte, fazendo com que o nosso interesse resida apenas na forma como ela será morta. E tampouco podemos esperar que Sidney seja morta assim de imediato, o que leva a não nos importarmos com nenhuma das cenas em que ela encara o assassino. Em suma, “Scream 2” percorre os mesmos trilhos de seu predecessor, e mesmo que proporcione mais dimensões aos seus personagens remanescentes, entre outras coisinhas boas, não há muito que essa continuação consiga fazer - tanto no que promove de novo, tanto no que repete - para tentar não parecer igual e aborrecido como o primeiro filme.
Pânico
3.6 1,6K Assista AgoraO que é preciso para fazer de um clichê um filme bom e aproveitável? Alguns diriam que o auto-conhecimento, em forma de sátira ou não, já seria o bastante. A ordem, então, seria tirar sarro dos clichês, das convenções de gênero e afins. E é dessa forma que opera “Scream”, um terror completamente clichê que usa esta qualidade tão negativa para compor uma trama que muitos diriam ser original, transgressiva e, sim, boa e aproveitável. Mas eu diria que para se aproveitar “Scream”, não se deve apenas reconhecer a subversão que o filme tenta exercer sob os clichês do gênero terror, mas sim estar absolutamente disposto a comprar a proposta do longa. E mesmo uma vez comprada, diria que “Scream” ainda soa aborrecido. As redundâncias de seu enredo são tão patentes, no intuito de reforçar cada vez mais a sucessão de clichês e seu auto-conhecimento, que o filme dificilmente recompensa o espectador com interesse ou curiosidade sobre o que está por vir - tudo é previsível. No entanto, a previsibilidade também é um aspecto notório dos mais ralés filmes de terror, e isso o próprio roteiro de “Scream” trata de ressaltar. Em resumo, o filme conhece a si mesmo, até demais. Conhece também uma série de outros filmes e referencia-os o tempo todo. Todos os personagens em “Scream” conhecem as tais “regras” dos filmes de terror; todos eles já assistiram aos maiores clássicos, e ainda assim, todos eles cismam em repetir os mesmos erros. Toda essa mecânica do enredo deveria soar irônica, inteligente e, pretensiosamente, imune a qualquer objeção comum. Afinal, qualquer um que diga que o filme é clichê, previsível e lugar-comum, está condenado a não ter percebido as auto-referências e a proposta mor do longa. Mas como disse, tudo depende da disposição do espectador em aceitar “Scream” como uma espécie de sátira. E, realmente, “Scream” tem seus momentos de humor, mas o humor não é vigente no filme, portanto não diria que é uma sátira; aqui, o tom estabelecido visa muito mais o suspense do que a comédia, ainda que alguns eventos cheguem a beirar o ridículo e assim provocar risadas involuntárias (ou constrangimento). Até mesmo os enquadramentos que Wes Craven concebe são típicos de filmes de terror, assim como a trilha instrumental - que também não deixa de desempenhar sua finalidade típica: a de forçadamente assustar o espectador com estímulos sonoros que surgem de maneira inesperada. O roteiro formulaico também é proposital, obviamente; juntamente com os personagens unidimensionais. E o assassino, a figura mais simbólica das películas de terror, é certamente icônico em “Scream”. Sua fantasia de Ghostface é simultaneamente engraçada e assustadora. E seu modo de agir é extremamente provocativo, porém excessivamente descuidado. Mas longe de haver algum problema com a inteligência do(s) assassino(s) (até porque eles eram realmente incompetentes, como denuncia a sequência final, o que estranhamente contrasta com suas capacidades de bolarem todo aquele espetáculo sangrento). O problema se encontra nos personagens ao redor dele, pois Ghostface aparece durante a noite e durante o dia; aparece na escola, em festas e até mesmo em lojas de conveniência. E, ainda assim, ninguém parece vê-lo - apenas quando está destinado a morrer logo a seguir. O Ghostface até mesmo tem uma capacidade de se esconder fora do comum, até sobrenatural - o que, claro, o roteiro não faz questão de explicar, afinal, faz tudo parte da brincadeira. “Scream” de fato se conhece, brinca consigo mesmo, não se leva a sério, embora queira afligir e causar tensão no espectador como qualquer filme sério de terror, já que seu humor está mais por baixo, embora tampouco compense. O que o longa não tem é perspicácia; tudo soa como auto-indulgência. Conhecer a si mesmo é um valor a ser reconhecido, até mesmo buscado em alguns casos. Mas conhecer a si mesmo e repetir tudo de errado outra vez não dá pra aceitar. É simplesmente ignorar um dos princípios da introspecção: o de reconhecer todas suas falhas e repensar antes de repeti-las. Se ao menos “Scream” fosse uma sátira assumida, eu provavelmente compraria sua proposta. Mas o filme me forçou muito a se importar com seus personagens e com o suspense de sua história. Por isso, não comprei.
Sucker Punch: Mundo Surreal
3.4 3,1K Assista AgoraLogo que começa, “Sucker Punch” já dá sinais de sua problemática estrutura quando somos imediatamente apresentados a uma cena em forma de videoclipe que de maneira objetiva e visualmente interessante, nos introduz a protagonista e basicamente o que o filme será sobre. Ou seja: nada de errado até aqui... Mas não demora muito para outra sequência musical (mais uma com cara de videoclipe) surgir em tela - e nesse estilo e estrutura o filme prossegue até certo ponto. Não que a inserção de clipes musicais no meio do filme seja necessariamente ruim. É compreensível o que Zack Snyder quer criar aqui: um deleite sonoro e visual que pouco se atém às formalidades de um musical ou qualquer outro gênero que admita sequências do tipo com mais liberdade. E Zack Snyder nunca deixa a desejar nessa sua proposta, já que “Sucker Punch” dispõe de uma pluralidade visual impressionante e uma trilha sonora eclética que através de uma montagem que claramente preza pelas noções de composição de clipes musicais, acerta em cheio nas tais cenas envolvendo músicas, além de ser um dos pontos fortes das sequências de ação (muitas das quais também incluem músicas como elemento evidente). Porém, embora conceba um apurado e espetaculoso visual, Snyder parece não se importar em imprimir conteúdo e razões narrativas em seus fetiches visuais - porque é isso que “Sucker Punch” essencialmente é: um exercício visual fetichista, puro e oco. Por volta dos vinte e poucos minutos de projeção, o filme estabelece uma estrutura narrativa alicerce que se estende até o seu final; um pretexto horrendo e sem sentido para inserir devaneios visuais na trama de forma pesada. Assim, a cada etapa do plano das dançarinas para fugiram daquele hospício (um plano tão banal que afronta todos os mestres da fuga da história do cinema), a personagem Baby Doll deve executar uma dança enigmática que sequestra a atenção de todos, e como representações simbólicas e metafóricas dessas danças, verdadeiras viagens alucinadoras são evocadas na tela; viagens onde as belas jovens, empunhando os mais diferentes tipos de armas, lutam contra criaturas mitológicas e/ou tecnológicas das mais bizarras possíveis, como se estivessem dentro de um videogame (aliás, uma dessas fantasias em particular remete totalmente a jogos de videogame). Aqui, Zack Snyder executa com extraordinário manejo as eletrizantes cenas de ação, investindo em movimentos de câmera inquietos que imprimem realismo à ação ao mesmo tempo em que os efeitos visuais e a fotografia pintam belos contrastes de realidade entre elementos de cena orgânicos e inorgânicos, além dos planos abertos do diretor que ostentam toda a magnitude dos universos que cria. E também há de se destacar a montagem, que é hábil ao distinguir a extravagância de imagens e conduzir o ritmo frenético delas - sempre deixando claro para o espectador o que acontece em meio aos excessivos caos. Enquanto isso, do lado de fora da mente de Baby Doll, a criação de intrigas baratas e as representações forçadas das personagens são meios que o roteiro encontra para rapidamente levá-las até o próximo passo do plano (leia-se: a próxima alucinação visual a ser acompanhada). E como já disse anteriormente, as sequências fantasiosas carecem de objetivo narrativo e conteúdo. É certo que há uma lógica simbólica aqui exercida por essas sequências, mas a correspondência delas ao que acontece na “realidade” é tão mínima que fica impossível nos importarmos de verdade com a vida de cada uma das personagens durante os segmentos em questão. E “Sucker Punch” ainda guarda uma revelação surpresa (embora insinuada em alguns momentos) para o seu final. Uma cuja existência só faz mesmo sentido do ponto de vista moral - e pensar que Snyder deu-se o trabalho de formular uma revelação tão confusa e furada só pra deixar uma moralzinha simplória e ordinária ao seu final, é absolutamente broxante, e só afunda mais este filme que tenta se garantir por seu espetáculo visual e por sua história enganosamente significativa e engenhosa, que é, na verdade, só boba, inócua e vazia.
Capitão América: O Primeiro Vingador
3.5 3,1K Assista Agora“O futuro não tem bandeiras”, diz o vilão de “Captain America” em determinado momento do filme. “Não o meu”, retruca o próprio herói Capitão América em uma das diversas frases de efeito do longa - e se há duas coisas que esse breve diálogo nos diz é que: 1) o discurso patriótico aborrecedor dos norte-americanos não deixa de figurar na “filosofia” deste filme e 2) o roteiro é tão convencional (embora bem amarrado) que as frases de efeito estão presentes em massa, seja para fazer algum tipo de humor ou para estabelecer um amarre temático. De qualquer forma, em ambos os casos os diálogos de “Captain America” refletem em menor grau o caráter formuláico de seu roteiro. E se, talvez, uma das alternativas para sair da mesmice já vista em outros filmes de super-heróis fosse a de explorar a filosofia de sua história, que seja, pois “Captain America” poderia ser um filme muito mais proveitoso assim. Apesar das ideias e atitudes maquiavélicas, o vilão do longa, Johann Schmidt, tem por trás de sua megalomania uma noção de futuro interessante: e se o mundo não tivesse mais bandeiras? É claro que, na visão de Schmidt, ele seria o imperador do mundo, o detentor de todo o poder, e assim todos estariam à mercê de sua autoridade, algo que seria tão latente e revoltante do que meras demarcações territoriais e eventuais guerras mundiais. Mas como disse, a noção que o vilão tem por trás de seus delírios maquiavélicos é interessante, e a trama poderia muito bem explorar este aspecto, mas não o fez. Não o fez pois, como segue uma linha tradicional, ter um vilão repleto de canastrices - e que só não é pior pela boa atuação Hugo Weaving - e com objetivos ridículos e presunçosos que são facilmente explicados por sua “insanidade”, já é o bastante para um filme do Capitão América, onde a atenção é toda voltada para o personagem título. E também não se aprofundou nas aspirações de seu vilão pois isso, de alguma forma, desvirtuaria as aspirações que realmente pretendem preservar em um filme como esse: o bravo e inquestionável ufanismo, este presente de sobra no personagem de Steven Rogers. Mas devo ser justo e notar que, apesar de intocável, os valores patrióticos do filme são tecidos aqui quase que simples e unicamente como características de seu protagonista, que embora tampouco as questione - defendendo seus valores até o fim -, as possui por certa nobreza individual. Uma que se manifesta não necessariamente pela influência do patriotismo, mas pela avidez de ser algo de grande além daquele miúdo jovem que por toda a sua vida conservou o princípio moral de nunca fugir de uma luta, mesmo sendo fisicamente desfavorecido para combater qualquer uma. E eventualmente Steve Rogers não fugiu da maior delas, a guerra. Mesmo que sua relativa inteligência (muitas vezes manifestada durante o longa) tenha falhado na hora de racionalizar acerca de seus valores e fugir de uma guerra que merecia ser deixada de lado, é entendível que Rogers não é assim, e sua “bondade” o manteve leal e determinado para ser quem é até o fim do longa - e é por isso que, infelizmente, o engajamento do personagem em um relacionamento amoroso tenha sido a única saída para conferir ao herói algum tipo de dilema moral, já que ele nunca questionaria suas decisões primárias. Todavia, “Captain America”, apesar de seguir um padrão convencional, tem seus bons momentos. A hilária sequência que ilustra sua utilidade após a aplicação do soro, quando vira o protagonista-símbolo de diversas apresentações extravagantes e ufanistas ao redor dos EUA, não só é divertida como representa uma importante passagem para o personagem - e o mais próximo de um olhar cínico do desenfreado patriotismo americano dessa época. As cenas de ação são bem executadas - apesar de muitas não passarem de meras distrações -, com destaque para a sequência que ilustra a primeira experiência do Capitão em campo de batalha através de um eficiente uso da câmera lenta, potencializando a exuberância visualística das cenas. E embora o filme ainda tenha uma série de outros problemas - um deles o excesso de ridicularização sofrido pela versão miúda e frágil de Steve Rogers no início da narrativa, deixando-o caricato demais -, seu final produz um efeito dilacerante, dando ao personagem um momento eficaz de emoção, e combinando uma boa surpresa com uma amarga realização para Steve Rogers. Algo que pelo menos prepara emocionalmente e geograficamente o terreno para a chegada do Capitão América ao time dos Vingadores.
Um Negócio Nada Seguro
2.6 61Carregado por um protagonista interessante e bons personagens secundários, “Cedar Rapids” é uma dramédia que, apesar de simpática, não arranca muitos risos com seu humor e tampouco lágrimas e lamentações com sua trama simplória e esquemática que peca por não imergir por completo o espectador em seu drama. Pelo menos, porém, este filme consegue desenvolver com competência seu conteúdo narrativo ao servir totalmente o seu protagonista e a reconfiguração de seu caráter. Ed Helms vive um vendedor de seguros interiorano, chamado Tim Lippe, e a boa atuação concedida pelo ator emprega ao personagem uma ponderação devida de suas nuances, que vão desde uma figura infantil quando em desespero, passando por um homem alinhado aos preceitos morais e bons costumes que conservou durante sua vida, até um cara empolgado com as novas diversões que experimenta durante sua viagem - e conforme o caráter do personagem é manipulado, Helms demonstra cada vez mais controle sobre suas mudanças durante as cenas. Mas não é preciso muito tempo para se perceber que não é apenas Ed Helms dono dos méritos por seu bom personagem, mas também o roteiro, que se dedica a mostrar com sutileza os valores cultivados pelo personagem, o significado que a pequena jornada que faz durante filme - bem como sua profissão - tem para ele, e sua insegurança diante de algumas situações que provavelmente não aborreceriam outras figuras. Bem como, o roteiro é astuto ao desenvolver o personagem com a ajuda de outros, secundários. Aqui destaca-se, obviamente, o sempre agradável John C. Reilly, que encarna um vendedor de seguros obsceno e despojado, sempre divertindo os personagens e o espectador com seu jeito incômodo de agir e com as provocações que fala, sendo indubitavelmente o “alívio cômico” mais evidente e proveitoso do filme. Da mesma forma, Anne Heche surge como um interesse amoroso suavemente distinta de personagens do tipo, também bastante simpática na maneira que lida com o diferente Tim; e pra completar, Isiah Whitlock Jr. é outra boa - ainda que menor - presença, interpretando um homem bem mais polido e seguro que os outros, protagonizando uma ótima cena em determinado instante da trama e servindo como equilíbrio para este divertido grupo de amigos. Embora tenha um elenco interessante (que ainda conta com outras caras agradáveis), “Cedar Rapids”, como disse, funciona completamente em prol de seu protagonista, e dessa forma acompanhamos a reconfiguração do caráter de Tim, que na trama experimenta todo os tipos de situações que poderiam ser antevistas durante a narrativa; todas elas com o princípio de remodelar sua pessoa. Assim, Tim trai sua “pré-noiva” (uma participação de Sigourney Weaver que se não tem muito a dizer no filme, pelo menos confere peso a esta pequena mas importante personagem para o protagonista), contrariando seus valores morais; desaponta os homens que deveria impressionar; experimenta drogas; se envolve em brigas e se suja quando suborna o presidente da filial para conseguir o prêmio que tanto queria para sua companhia de seguros. Durante a trama, os momentos de catarse e purificação não deixam de marcar presença, e a decaída do personagem é esperada, bem como seus próximos passos até atingir a resolução de seus problemas. É, basicamente, uma trama esquemática apoiada em uma história que em si já não é muito fortificada, e por isso “Cedar Rapids”, se desconsiderarmos outros de seus elementos, acabe soando um pouco oco e insípido - já que tampouco desponta como um drama tocante ou uma comédia eficaz, o que é uma pena. Mas são estes outros elementos que conferem as qualidades diferenciais para este filme. A direção e a trilha sonora desempenham um bom trabalho ao imprimir ritmo às cenas, e especialmente os divertidos personagens secundários e o ótimo e bem construído protagonista (assim como todas as ótimas atuações) salvam este filme de ser algo completamente sem gosto e ordinário, mesmo que ele ainda soe um pouco dessa maneira.
Um Tiro no Escuro
3.8 63 Assista AgoraNos dias de hoje, o tipo de humor que se vê em “A Shot in the Dark” é considerado um tanto quanto ultrapassado. A consistência da comédia aqui é pura e objetiva; é um humor pastelão, até burlesco, que aspira situações físicas, balbúrdias circunstanciais e repetições de piadas com ligeiras distinções. E o que faz o filme funcionar com tanta eficiência, embora possua uma quantidade tão inflada de piadas e situações naturalmente cômicas que nem sempre provocam gargalhadas, mas sim aquele riso interno pela intenção da piada, é mesmo Peter Sellers, que encarna o instantaneamente icônico Inspector Clouseau com todas as suas habilidades físicas e expressionais, compondo um personagem que logo nos conquista a simpatia e também a empatia. Ainda pode-se dizer muito sobre os motivos do humor discutível de “A Shot in the Dark” funcionar, embora, é importante ressaltar, estes julgamentos sejam um tanto quanto subjetivos, ainda que tenham um fundo de razão: o próprio posto do personagem de Sellers, um detetive, contrariando sua clara inexperiência para lidar com ações simples e comuns sem fazer delas potenciais causas de hematomas ou desastres, é outro fator que acumplicia a eficiência da comédia, bem como a inocência do personagem ao acreditar cegamente em possibilidades absurdas para a resolução do crime, quando os fatos - tão valorizados pelo mesmo - apontam exatamente o oposto. Ao se apaixonar pela principal suspeita dos crimes investigados durante a trama, o Inspector Clouseau assume operações completamente absurdas e infundadas, mas que - novamente servindo positivamente para o humor do filme - acabam por beneficiar o mesmo - e apesar de suas conclusões sobre o caso não estarem totalmente corretas, são ironicamente reveladas como as mais próximas da verdadeira solução para os crimes. É também pertinente mencionar com maior exatidão a composição de personagem que Peter Sellers faz, pois lançando mão de uma figura caricatural, porém de trejeitos complexos e não por isso menos sutis, o ator arranca risadas só de aparecer em tela, além de - como já mencionado - conquistar a simpatia e empatia do espectador com grande facilidade. Mantendo uma seriedade facial e corporal sempre que precisa impor a importância do personagem para outros, Sellers também une expressões de aflição e ansiedade com a natural segurança de Clouseau, característica que, dessa forma, se desmancha e recompõe-se em questão de segundos no semblante do personagem, tudo por causa da excelente representação de Sellers. Embora abrace a idiotice e ingenuidade (no bom sentido) do Inspector Clouseau ao também preservar em outros personagens e situações - que não envolvem o protagonista - essas mesmas qualidades, “A Shot in the Dark” não acerta cem por cento em suas piadas, soando até forçado e sem graça em alguns instantes, mas sendo essa a vertente cômica do filme, é até entendível a preferência de Blake Edwards por manter um tom de humor homogêneo no universo de seu longa - o que talvez seja, afinal, o determinante segredo que faça não só o impagável Clouseau perdurar como uma figura exemplar de um humor atualmente desgastado e renegado, como também todo o ótimo “A Shot in the Dark”.
Kevorkian
4.2 8Funcionando como um valioso complemento ao drama lançado sobre o Dr. Jack Kevorkian e sua causa no mesmo ano de 2010, o protagonizado por Al Pacino “You Don’t Know Jack”, este documentário, intitulado apenas de “Kevorkian”, serve também como um material curiosíssimo por explorar as multifacetas desta brilhante personalidade, bem como escorar com ainda mais profundidade e detalhes sua militância pelo direito da eutanásia e seus problemas legais consequentes desta luta. Assumindo uma estrutura absolutamente simples, mas eficaz, o documentário desenvolve uma narrativa que foca-se no recém ex-detento Dr. Kevorkian e sua candidatura para o congresso, com o escopo de disseminar a ignorada nona emenda, que retém os direitos aos cidadãos para consumarem o que o alcunhado de “Dr. Morte” sempre propugnou. No mesmo passo, a narrativa do filme também se dispõe a investigar, alternativamente, as outras facetas do doutor e sua história, contando sobre seu passado, sobre sua obsessão com a morte e seus diversos processos por atuar como assistente de suicídio durante as práticas de eutanásia. Dispondo-se de um material eminentemente valioso, “Kevorkian” trabalha com os relativos de Jack em depoimentos que extraem não só as peculiaridades e idiossincrasias de sua figura, com também ditam a discorrência dos eventos que se acumularam durante a jornada de Jack. Bem como, o filme registra depoimentos sinceros e por vezes bem humorados do próprio doutor durante seu novo cotidiano como candidato ao congresso. Pontuando a narrativa com uma trilha sonora de efeito e fazendo um excelente uso dos registros em vídeo (incluindo as gravações pouco antes do suicídio de seus pacientes, dos julgamentos enfrentados por Jack e das repercussões de seus atos na imprensa da época), “Kevorkian” ainda ressalta outros curiosos aspectos do médico, que demonstrando em menor ou maior significância, não deixam de ressaltar a mente ativa, obstinada e incrivelmente inteligente do doutor, que chegou a compor músicas, escrever livros e até mesmo produzir um filme - que, segundo ele, foi um erro, justamente porque nele trabalhou com outras pessoas, quando na verdade ele preferia fazer tudo sozinho, à sua própria maneira. E fazendo tudo à sua própria maneira, Kevorkian elaborou uma estratégia fascinante para levar sua causa ao conhecimento e mobilização máxima da sociedade. A estratégia falhou, sim, mas devido à burocrática obstrução social e criminal ao que ele defendia. Sucede que o fascínio de seu planejamento não se deve apenas às manhas do doutor ao elaborá-lo, mas à extrema coragem e capacidade única deste ao se sacrificar tanto para vencer uma causa que, pelo menos em um sentido menor, já estava ganha, visto que o doutor escapou de todos seus processos pois não havia homicídio neles, podendo assim executar o suicídio assistido discretamente, como sempre fazia. Mas isso não era o bastante; o direito da eutanásia ainda era - e é - inexistente em sua maior parte, e Dr. Jack Kevorkian se envolveu propositalmente em mais um caso criminal até ser, eventualmente, encarcerado, passando oito anos na prisão - tudo para garantir o seu direito e o direito de todos de ter uma morte digna. “Kevorkian” é um documentário obrigatório e imprescindível não apenas pelo tema que inerentemente discute, como também pelo símbolo de seu principal e brilhante defensor.
Confiar
3.4 1,8K Assista grátisO que se inicia como uma espécie de cartilha para não ter sua filha estuprada por um pervertido online, ao expor todos os óbvios mecanismos de conversação pelo qual pessoas enganam e são enganadas através da internet, acaba por se revelar surpreendentemente complexo e analista a partir da ocorrência do ato mor do filme: o dito “estupro”. Dessa forma, “Trust” realmente impressiona na condução e tratamento de seu tópico tema, explorando repercussões dramáticas nem um pouco óbvias ou reducionistas - até que, ao adentrar-se no ato final, o filme prefira se resumir, afinal, a uma cartilha; uma mais complexa e detalhada, sim, mas que igualmente serve como um passo a passo para se evitar o problema e ditar o comportamento certo diante dele, estremecendo assim as bases de seu tema e não chegando ao cerce da questão, que o roteiro prefere conservar em uma enganosa dubiedade, que quando enxergada com outras óticas, mais se revela perigosamente tendenciosa do que clara e lúcida. O principal problema que acometia Annie, no final das contas, era sua necessidade eminente de ser quista, amada, desejada, algo que geralmente assalta muitos adolescentes, sempre tão preocupados com o prestígio popular e suas dúvidas sobre a capacidade de poderem partilhar seus sentimentos amorosos e sexuais, recaindo invariavelmente em crises de inferioridade que comprometem a auto-estima. No filme, Annie encontra em seu amigo virtual uma fonte de tudo isso que ela busca, depositando sua confiança inata no sujeito e desenvolvendo uma paixonite amorosa por ele. As mentiras referentes à idade de seu amigo, Charlie, abalam aos poucos a confiança de Annie por ele (motivo para sua passividade durante o ato sexual, quando já certa de que era desejada, se mostrou receosa quanto a entregar algo tão restrito e supervalorizado a ele), ainda que a garota insista em proferir e admitir seu gosto pelo homem, porque, de fato, ela gostava dele, mesmo com a divergência de idade entre os dois. Infelizmente, recaindo sobre clichês psicológicos, o roteiro do filme não percebe a diferença puramente conceitual da compreensão quase epifânica da menina em uma cena que tinha tudo para despontar como momento de dramaticidade forte, mas que devido ao seu falacioso fundamento, não passa de um melodrama ludibrioso. Quando Annie percebe que foi enganada apenas para satisfazer o desejo sexual de um adulto, ela passa a aceitar o conceito de estupro como denominação para o evento que acontecera com ela. Pois aí reside a falácia do fundamento, já que Annie foi apenas traída por alguém que amava, ao dar sexo quando na verdade queria amor, com a diferença de que, se partilhasse esse mesmo evento com alguém de sua idade, isso tudo seria visto como uma habitual decepção amorosa imatura, enquanto que ao partilhar isso com um adulto e potencial pedófilo, o estupro vem a calhar, estigmatizando o ato sexual e - como bem mostrou o filme - causando a repercussão desenfreada que - essa sim - traumatizou e abalou o psicológico da garota até, finalmente, esta ceder inconscientemente à pressão, acatando o estupro (uma palavra de conotação tão terrível) como expressão de um episódio infeliz de sua vida, que possivelmente será sempre lembrado e acompanhado de sensações de angústia e embaraço - tudo devido ao nome que o ato recebera. “Trust”, mergulhando tão bem na ressonância dos acontecimentos e comentando sem medo sobre o modus-operandi venenoso e prejudicial do meio familiar, criminal e social diante dos acontecimentos deste cunho, acaba por sabotar-se, não ir ao fundo de seu problema em seus instantes finais e endossar as normas que questionou durante sua narrativa, concluindo-se, dialeticamente falando, não com uma síntese corajosa, reveladora e despojada sobre seu tema, mas como um tendencioso apoio à sua tese tão problemática, delicada e incompreensiva. “Trust”, embora conte com atuações impressivas (Clive Owen e Liana Liberato estão impecáveis nos papéis mais exigentes) e uma direção competente de David Schwimmer, é um exemplo perfeito de como os princípios de seu comentário - especialmente quando este se arrisca a prestar qualquer relevância social -, quando internamente confuso e questionável, pode por a perder toda a qualidade de um interessante filme.
Uma Pele a Menos: Os Dias de Nick Drake
4.5 26Nick Drake quase não teve uma vida, morrendo aos 26 anos de idade. Na época que compôs suas brilhantes canções, porém, Nick ainda não brilhava; Nick parecia viver à espreita de uma correspondência à sua genialidade, tão dita por muitos ao seu redor, mas infelizmente nunca materializada em vida, chegando tarde demais, mas transformando-o, anos mais tarde, em uma figura mística, fascinante e existencialmente misteriosa. “A Skin Too Few: The Days of Nick Drake” é um documentário biográfico que tenta, com tão escasso material de registro da passagem de Nick Drake por este mundo, desvendar um pouco mais de sua figura, sua obra e o que o levou a ser reconhecido como gênio musical em sua tão efêmera vida, tardio sucesso e misteriosa perspectiva de existência. Dessa forma, o documentário não só se mantém curto (apenas 48 minutos), como sincero e íntimo ao material que tem em mãos. Seguindo uma linha cronológica, “A Skin Too Few” pouco tem a preencher sua narrativa com informações sobre seu protagonista, mas são as impressões das pessoas que conviveram com Nick (entra elas, sua irmã, a que mais serve de voz para o filme) e o deguste de suas canções aliadas à representação visual destinada a elas, que provocam efeito e são capazes de ressoar no emocional de quem assiste. Dispondo de uma fotografia levemente granulada e propositalmente sombria, o documentário busca estabelecer um tom visual concordante com a atmosfera que permeia as canções de Nick, sempre recorrendo a temas outonais e melancólicos, combinando, em sua maior parte, tomadas de sua terra natal e todo o paisagismo natural dela com o som de suas canções, concebendo sequências em que sua música é simplesmente tocada junto às imagens, servindo como um intervalo entre os depoimentos e como um deleite sonoro que instaura o clima principal do filme, jamais deixando-nos esquecer da sensibilidade e serenidade sonora da obra deste personagem aqui tratado. Contando com o depoimento de poucas pessoas, o que ressalta o restrito círculo social de Nick durante sua vida, este filme atinge, através deles, interessantes e enigmáticas constatações sobre o comportamento e os pensamentos de Drake, usualmente introvertido e por vezes deprimido, especialmente no período que antecedeu sua morte; morte essa que, chegada por acaso ou por suicídio, parecia ser inconscientemente esperada por Nick e por aqueles em sua volta. O diagnóstico de sua depressão nunca fora esclarecido. Por alguns indícios deixados pelo filme, pode-se dizer que tenha sido justamente a falta de sucesso e reconhecimento por um grande público (já que Nick foi incapaz de tocar uma carreira como músico por diversas questões) que o fizera desenvolver seus problemas existenciais. Seja como for, Nick Drake concebeu uma obra musical de simplicidade fascinante em sua superfície, mas elevada complexidade técnica em suas camadas mais intrínsecas. Ironicamente, seu reconhecimento, o que talvez tivesse preservado sua vida por muito mais tempo, veio após seu falecimento; e assim como sua música, sua existência enganosamente simples por ser tão passageira, é intrinsecamente complexa e misteriosa. Mas afinal, sua existência acabou por alcançar, mesmo tarde, o que parecia ter sido a principal intenção de Nick enquanto vivo: ajudar pessoas com sua música. Pessoas que hoje, em sua maioria, como conta sua irmã, são jovens, talvez indecifráveis para os outros - assim como Nick -, mas internamente sábios, seguros e mais motivados do que seu ídolo, um artista trágico e para sempre misteriosamente belo.
Lanterna Verde: Cavaleiros Esmeralda
3.6 111 Assista Agora“Green Lantern: Emerald Knights” é uma animação que serve bem ao seu propósito, que é o de expandir o universo dos Lanternas Verdes e explorar suas mitologias ao nos introduzir algumas das mais interessantes figuras que compõem a tropa protetora do universo - deixando, para isso, até mesmo Hal Jordan, o Lanterna Verde humano, em segundo plano. Exibindo uma relativa continuidade em relação ao longa antecedente (embora se sustente por si mesmo, sem a necessidade do outro filme), o terrível “Green Lantern: First Flight”, este segundo volume adota uma estrutura eficiente e própria para discorrer sua narrativa, dividindo sua trama em pequenos contos que são invocados pela lembrança dos personagens da linha do tempo presente, onde a novata guerreira Arisia enfrenta pela primeira vez uma grande ameaça interestelar, e por causa disso passa a ouvir histórias marcantes de Hal Jordan e Sinestro sobre grandes batalhas e acontecimentos passados envolvendo os bravos guerreiros verdes. Embora o filme estabeleça, ao seu final, uma espécie de unificação temática de suas pequenas histórias com a história “principal”, ou seja, a presente, “Emerald Knights” ainda deixa a desejar ao executar a tarefa, já que seu ato final soa corrido pela falta de desenvolvimento da trama base, que é visitada de forma intermitente, sempre com a finalidade principal de introduzir a próxima história a ser apresentada. Além do mais, “Emerald Knights” - assim como quase todos os filmes que dividem suas narrativas em diferentes contos - acaba prejudicando-se com a própria estrutura, já que nem todas as mini-histórias se sustentam o suficiente em tela, além de que, naturalmente, algumas serão sempre mais interessantes do que as outras. O problema é que a diferença de qualidade não é pequena: enquanto o longa lança mão de histórias divertidas e curiosas não só pela premissa, surpresa e originalidade delas como também pelo humor, como a do planeta vivo - e também Lanterna Verde - Mogo, também nos faz encarar uma que parece apenas burocratizar o processo de se chegar até a próxima: o conto da guerreira Laira, que se resume a uma historinha clichê de pai e filha que não traz absolutamente nenhum conteúdo narrativo além das abusivas sequências de luta. Por outro lado, as histórias do primeiro grande Lanterna Avra, do treinador Deegan e de Abin Sur, o amigo de Sinestro, trazem temas interessantes e tendem para o positivo, embora não sejam inteiramente satisfatórias. E ainda que o roteiro de “Green Lantern: Emerald Knights” não conte com diálogos brilhantes ou tão inspirados (o que impede algumas histórias de irem além de seus potenciais), o visual do filme pelo menos se revela competente e eficaz, acrescentando para um longa que, devo dizer, mais uma vez, serve bem ao seu propósito, mas que é facilmente esquecível por sua característica narrativa, que pouco deve ao espectador no final, já que cumpre tudo que propõe com considerável competência, porém ainda deixa a desejar por não ousar estabelecer uma funcionalidade unitária melhor trabalhada para todas suas pequenas histórias e sua trama principal, servindo mesmo, afinal, para simplesmente estender nossos conhecimentos sobre a mitologia dos Lanternas Verdes.
Lanterna Verde: Primeiro Vôo
3.7 101 Assista AgoraAntes de qualquer coisa, é pertinente observar que “Green Lantern: First Flight” definitivamente não é um longa realizado com grandes pretensões. Sua proposta é simples e, assim, preguiçosa: introduzir a história do herói Green Lantern (Hal Jordan) em um longa-metragem animado enxuto, objetivo, convencional e com alvo demográfico específico – um conjunto de características que vem a calhar com aparente perfeição diante das plataformas em que o filme foi lançado comercialmente: o vídeo e a televisão. Mas seria muito irresponsável e indulgente refletir sobre este entretenimento considerando e perdoando seus naturais defeitos, já que estes comprometem incondicionalmente o divertimento que o filme tenta alcançar. A proposta é clara: apresentar o personagem. E assim é feito, de maneira rápida e batida, a apresentação do humano Hal para logo em seguida ele ser designado a receber os poderes de um Lanterna Verde. Logo depois disso, a animação adentra no universo verde de onde se origina os novos poderes de Hal. Lá, ele aprende algumas coisas sobre sua nova função, mas permanece mudo praticamente o tempo inteiro, aceitando toda aquela nova realidade com uma passividade e familiaridade fora do comum, dando a impressão de que nada daquilo é estranho ou questionável para ele - o que já indica uma terrível preguiça do roteiro, que simplesmente ignora a verossimilhança e coerência na construção de seu protagonista, já que isso demandaria tempo e imaginação que seus realizadores parecem não ter. Todo o filme, aliás, parece muito mais interessado em trabalhar a história de seu vilão, Sinestro, do que no próprio Green Lantern. Isso não é necessariamente uma falha, mas desde que Green Lantern fosse um convicto coadjuvante, algo que ele não é, já que recebe tanto tempo em tela quando Sinestro, porém um desenvolvimento vergonhosamente inferior ao de seu antagonista. É inconcebível, por exemplo, como nem sequer uma menção à vida de Hal na Terra seja inserida ao longo do filme, não fazendo a mínima diferença para espelhar as ações do personagem, que é apenas um arquétipo de herói, bravo e guerreiro, porém absolutamente carente em complexidade, personalidade e dilemas morais. Apresentando uma animação apenas razoável, ainda que adequada ao estilo tradicionalmente vinculado a longas de super-heróis, “Green Lantern: First Flight” investe massivamente em sequências de ação e destruições, apostando sempre nas parafernálias alienígenas dos personagens de modo a inovar seus duelos armados - o que chega a originar um momento irrisório, senão inapropriado, onde o personagem Green Lantern concebe com seu anel uma série de acessórios inusitados (taco de golfe, bastão de baseball e marreta) para rebater um objeto espacial esférico semelhante a uma bola. Ainda contando com reviravoltas convenientes e sem fundamento e com justificativas pueris para o comportamento dos personagens (vide, respectivamente, a súbita conquista de poder de Hal Jordon diante de seu inimigo mais poderoso, e as próprias pretensões megalomaníacas e típicas de vilões de segunda linha por trás do comportamento de Sinestro), “Green Lantern” é uma animação de divertimento inócuo, cansativo e nem um pouco original, não fazendo absolutamente nenhum esforço para ao menos criar um protagonista decente e digno de ser assistido.
Bo
3.0 19Enquanto se assiste “Bo”, o pensamento mais imediato e pulsante que se afigura na cabeça do espectador é o de que nós certamente já vimos essa história antes, e embora este filme belga se beneficie pelas boas atuações e por uma produção no mínimo competente e às vezes bastante impressiva, seu roteiro nunca ousa transgredir a premissa desgastada que apresenta e nem as direções narrativas já antes fabricadas por outros longas semelhantes. A trama de “Bo” é bem simples; a personagem principal, Deborah, conta com uma representação dedicada da bela e fotogênica Ella-June Henrard, que encarna a figura de uma adolescente comum de classe média. Os problemas surgem quando sua mãe é despedida de seu trabalho, e assim o delírio da juventude surde na garota Deborah, ao se sentir mal por não ter condições de comprar uma peça de roupa ou fazer qualquer outro investimento fútil que meninas de sua idade costumeiramente fazem. Sucede que Deborah, ao se envolver com uma nova e descolada vizinha, que também estuda em sua escola, descobre que a profissão dela - uma acompanhante/prostituta - é um caminho fácil e lucrativo para reparar o problema financeiro familiar e ter a chance de poder ser uma adolescente normal. Mas ao percorrer este caminho da prostituição, obviamente tudo o que Deborah deixa de ser é uma adolescente normal. Os percalços do trabalho são evidentes e esperados, e durante o filme todos se sucedem. Além do mais, os personagens não são retratados aqui com absolutamente nenhum traço de originalidade, sendo todos reflexos do que este tipo de história normalmente apresenta. O “gerente” de Deborah e das outras garotas de programa, Vince, eventualmente se apaixona por ela, e ela por ele. Prometendo casar-se com Deborah depois que tudo se acabar, a jovem se enche de ilusão - até que sua mãe, desconfiada do obscuro trabalho que a filha perfaz (sabendo apenas que se trata de um serviço como camareira), acaba por descobrir a verdade. A mãe de Deborah confronta a garota, elas se desentendem e Deborah é expulsa de casa. Sua mãe a denuncia para a polícia e ela é enviada para um reformatório, permanecendo presa por três meses. O longa nunca se submete a um exame ao menos razoável sobre a situação de sua protagonista, não há nuances; tudo o que há são evidências e a passagem pelo reformatório representa muito bem isso. A personagem permanece três meses no local, rapidamente faz algumas inimizades, porém também uma amiga. Em dado momento as duas tentam fugir - e só. Deborah sai do lugar após o roteiro omitir grande parte dos acontecimentos dentro da instituição (o ponto alto e significativo desta passagem fica por conta apenas das visitas de sua mãe e de seu avô). O filme adentra seu terceiro ato logo depois da protagonista ser liberada e fugir de sua mãe, se refugiando na moradia de Vince. Por um tempo os dois permanecem juntos, enquanto a família de Deborah procura por ela. Sua amiga do reformatório, Steffie, chega - como as duas haviam antes combinado - para morar junto com a ex-colega de prisão e seu namorado. A partir daí, as coisas se complicam, e a presença de uma terceira pessoa na casa não parece agradar o dúbio Vince - e, eventualmente, Steffie morre; as coisas se estreitam ainda mais; Vince trai Deborah e após esta se safar de um destino desagradável, volta para a sua mãe. Observe, então, que a narrativa do filme quando descrita novamente, como fiz aqui, de nada soa interessante ou original, e por isso tampouco surge no filme como algo novo ou pelo menos gasto mas com profundidade. “Bo” se limita apenas a uma história inflada por personagens unidimensionais, reviravoltas clichês e um comentário que expressa os perigos do mal-comportamento familiar e más-influências na juventude - ou seja: uma pieguice moral e superficial. Mas “Bo”, apesar dos pesares, ainda é atraente aos olhos, apresentando um tratamento técnico apurado; uma direção que acerta em seus movimentos e enfoques e uma fotografia belíssima que manipula suas tonalidades conforme o agravamento das situações narrativas. Em suma, o balanceamento entre os aspectos de “Bo” apenas o classifica como um filme razoável, muito aquém do que poderia ser se pelo menos saísse um pouco da zona de conforto de sua premissa, que já virou um baita clichê.
Um Misterioso Assassinato em Manhattan
3.9 183 Assista Agora“Manhattan Murder Mystery” não fala sobre nada além do que Woody Allen costuma falar. A diferença (uma deliciosa diferença) é que este filme lida com o costumeiro tema dos relacionamentos a partir do arranjo de um plano de fundo inusitado, divertido, envolvente e elegante: um assassinato repleto de suspense. Desempenhando uma química perfeita, Woody Allen e Diane Keaton acabam por ir além das figuras de seus meros personagens, oferecendo momentos impagáveis que não funcionariam caso o casal não transpirasse conforto e desenvoltura em seus papéis. O aborrecimento passado por Larry e Carol é um mote evidente do comentário conjugal feito por Allen nesta história. Em busca de excitação, de uma fuga da rotina que transformou Larry e Carol em um casal tedioso, a personagem vivida por Keaton se apega a um suposto crime cometido por seu recém conhecido vizinho. Quando Carol começa a notar todo o potencial crime, seu comportamento - devo confessar - soa um tanto quanto forçado e por isso aponta uma falha do roteiro, que simplesmente não nos dá o suficiente para nos convencer da súbita e forçada imaginação de Carol. Mas eis que aos poucos a trama justifica as ações da personagem, reforçando a cada oportunidade a razão do engajamento de Carol na solução deste crime - e eventualmente do envolvimento dos outros, que embora mais resistentes à paranóia dela (e aqui falo de Larry), acabam cedendo e sendo seduzidos pela intrigante, excitante e perigosa situação. Dando indícios de que tudo se resumirá a um confronto entre um quadrado amoroso (Larry, Carol, Ted e Marcia), a trama do filme, a partir do terceiro ato, se desenvolve para um emocionante caso policial, com a diferença de que não são policiais envolvidos na solução do mistério, mas sim o quadrado amoroso, tornando tudo ainda mais interessante. E é também no terceiro ato que Woody Allen consegue acentuar não só a espontânea tensão e incluso suspense que naturalmente toma forma, como também o humor, que atinge proporções hilariantes conforme a situação torna-se cada vez mais séria e arriscada, e os personagens cada vez mais desnorteados ou demasiadamente impelidos a desvendar toda a trama. Obviamente, cada um deles procurava um pouco de aventura, e isso fora preciso para colocar novamente o relacionamento de Carol e Larry nos eixos, bem como acertar o envolvimento amoroso de Ted e Marcia, sérios interesses sexuais para o casal vivido por Allen e Keaton. Mas “Manhattan Murder Mystery” volta-se mesmo para Carol, que diante de tal situação, acaba por se satisfaz apenas pela metade, tendo dificuldades de compartilhar suas excitações, já que o único que corresponde seu entusiasmo é seu amigo, Ted, e não Larry, seu marido. Mas basta a personagem de Anjelica Huston entrar em cena para que tudo seja colocado em seu devido lugar; e o filme, além de se apresentar como um suspense eficiente e muito bem desenvolvido, consegue trabalhar na mesma medida com suas verves cômicas e seu viés observacional, concluindo mais uma passagem woodyaliana pelo terreno dos relacionamentos amorosos, só que de uma forma muito mais atraente e interessante do que o usual.
A Era do Rádio
4.0 234 Assista Agora“Radio Days”, embora se difira de alguns outros filmes de Woody Allen, muito por não possuir o viço de reflexão oferecido por seus habituais personagens, consegue ser, no fim das contas, um adorável e curioso relato de época. O veículo midiático que compele a história deste filme é o rádio, que na idade retratada pelo longa, a década de 40, era a principal atração doméstica da sociedade no sentido de prover distração, entretenimento, esforços artísticos e, claro, informações à grande massa. Atribuindo um apropriado e talvez indispensável olhar nostálgico à história, Allen ressalta essa característica principalmente com sua narração sentimental e flexível, transmitindo com exatidão - e com o auxílio das ilustrações de sua narração - a atmosfera recordativa que ele (Allen, ou Joe, o personagem principal) possui em relação ao tempo de sua infância, que fora marcada pelo rádio. O rádio, aliás, é aqui exaltado não necessariamente por suas particularidades, hoje muito passadas e, naquela época, entendivelmente superestimadas, mas por sua atuação como ponto de referência para as lembranças de um período da vida. O roteiro de “Radio Days” se compromete a abranger alguns acontecimentos históricos, sem, no entanto, os abordar com tanta profundidade, apenas relatando-os de forma efêmera e assim ilustrando o comportamento dos personagens diante deles (todos devidamente registrados pelo rádio) - e o fazendo, o filme nos rende momentos hilários quando, por exemplo, evoca uma transmissão da suposta invasão alienígena provocada pela narração radialística do então ator de rádio Orson Welles, além de momentos comoventes como o da garota Polly Phelps, que morrera ao cair em um posso. Por outro lado, a narrativa de “Radio Days” não se dedica a compreender profundamente seus personagens, demonstrando, ao invés, em pequenos aspectos e pedaços a personalidade e aspirações de vida de cada um, criando um ambiente familiar inusitado, engraçado e possuidor de uma excêntrica dinâmica. É só uma pena que ao construir seus personagens tão bem, ainda que nunca promova um enfoque maior em cada um deles, o roteiro passe batido por outras interessantes figuras da história (mais precisamente da família do garoto Joe) que poderiam render muito mais ao filme (talvez se este fosse um pouco mais longo), já que conquistam imediata simpatia logo no início da história, quando ocorre a apresentação de cada um (notem que o hilário casal de avós não ganha praticamente nenhum espaço em cena, o que é um desperdício). É também interessante como a trama do filme não possui um desenvolvimento à risca da cronologia de seus acontecimentos, tomando a liberdade de ir e vir por entre pequenos contos e até entre os núcleos narrativos, divididos entre as histórias da família do protagonista (os ouvintes do rádio) e da gozada personagem de Mia Farrow, que de maneira não muito usual acaba se tornando uma profissional do rádio. À cada um dos membros da família do pequeno Joe é atribuída uma preferência em relação aos programas que o rádio oferecia. As passagens que explanam os momentos favoritos de cada um são ótimas e contam sempre com um olhar irônico e evocativo do protagonista-narrador. Quando não são engraçadas por si (como a impagável história do jogador de baseball perneta, maneta, cego e, enfim, morto - parte do programa preferido de seu tio Abe), são adoráveis (como o do primeiro amor de Joe e o aniversário de casamento de seus pais), entre outros. “Radio Days” captura com charme e certo esmero uma época marcada pelo rádio, e principalmente como este foi um veículo de referência histórica - das mais populares às mais íntimas e familiares - e condutor das situações que com tanta graça e encanto presenciamos neste filme.
A Rosa Púrpura do Cairo
4.1 590 Assista Agora“The Purple Rose of Cairo” talvez seja o filme que melhor retrata a pura e ingênua magia que o cinema proporciona. A partir de uma premissa inventiva, embora simples, este filme de Woody Allen toma para si uma tarefa complicada, já que trabalha com um conceito que soa tão estranho durante os primeiros momentos da narrativa, mas que se desenvolve astuciosamente a partir de uma lógica interna divertida e curiosa. Nada soa forçado, já que, não havendo tempo ou conveniência para bem explicar o comportamento dos personagens (que apresentam uma credulidade para com o inusitado acontecido que certamente não presenciaríamos no mundo real), o roteiro brinca com a ingenuidade da época e com suas próprias particularidades criativas ao ajeitar toda a trama do personagem que sai de uma tela de cinema com divertimento e perspicácia. O metalinguismo do filme, aqui funcionando de uma forma diferente, já que há um filme dentro de um filme e este filme interage com este outro (que seria o filme para nós, espectadores), nos diz muitas coisas sobre o cinema, desde as satíricas referências a este universo até a reverberação que este provoca no espectador. A protagonista do filme é Cecilia, uma cinéfila que sustenta pelo cinema uma paixão que a faz frequentar várias sessões a fim de se refugiar naquele mundo mágico e ilusório dos filmes, tão distante geograficamente e socialmente de sua dura e insossa realidade. “The Purple Rose of Cairo” realiza uma pintura bela desta ingênua e doce protagonista, que enfrenta um dilema típico de cinema e que, ao contrário dos grandes filmes de sua época, acaba por amargurar, em seu desfecho, a realidade que atualmente muitos filmes possuem. Ao mesmo tempo, o ator Gil Shepherd (interpretado por um Jeff Daniels impecável, que também dá vida ao personagem Tom Baxter), também vislumbra um pouco de “ficção” dentro de sua realidade que é por si só glamourosa - mas devido aos compromissos e aparências dela, acaba por se ver distante de uma concretização amorosa com aquela que vive e sente a Depressão e não é nada mais do que uma simples fã de seus filmes. No fim, quem diria, o cinema passou a ser de fato o melhor lugar para se alojar, embora seja tão difícil viver dentro dele. Se nem Gil Shepherd, tão próximo da magia, consegue, muito menos a pobre Cecilia, a única que de fato o experimentou por dentro, mas que daqui em diante, assim como era antes, permanecera tão distante dele - apenas o contemplando através da tela do cinema. “The Purple Rose of Cairo” ainda consegue ser muito mais. Embora seja curto e simples, ainda que significativo, sua trama discorre com fluidez e as situações cômicas são todas inspiradas. É difícil não se simpatizar, por exemplo, com o contraste entre o ator Gil e seu personagem Baxter, tampouco pelas situações que este último se envolve devido a sua ignorância pelo mundo real (a cena no bordel é hilária). Também não é fácil conter os risos diante do tedioso impasse pelo qual os colegas de filme de Tom Baxter passam (e de vezes em vezes o roteiro de Allen visita o cinema para atualizar o status dos personagens do filme e, claro, nos fazer rir), assim como as cenas que revelam a reação do público geral e dos produtores do longa-metragem diante do ocorrido. “The Purple Rose of Cairo” é um pequeno deleite cinematográfico que possui uma grande quantia de doçura, humor e de bônus um baita retrato do que a tão dita magia do cinema pode nos causar, e o quão importante ela é para nós, meros seres da realidade.
Maridos e Esposas
3.9 108 Assista Agora“Husbands and Wives” é um exame cinematográfico sobre relacionamentos. É, ao contrário daqueles mais corrosivos - que procuram expor a realidade mais extrema e melancólica de casais -, um mais bem humorado, porém igualmente real não só pela natureza dos problemas que trata, como também pela execução destes em tela, a partir de um estilo de filmagem completamente benéfico ao realismo que o filme propõe atingir. O estilo documental que Woody Allen utiliza neste filme para registrar suas imagens faz toda a diferença, uma vez que realizando cenas inteiras sem cortes, além de atingir o objetivo principal de conferir realismo e pureza às situação, a astúcia do roteiro e as afinadas atuações emergem em tela como elementos de absoluto destaque. O roteiro de Woody Allen ainda aposta em uma estrutura interessante em que depoimentos de seus personagens são intercalados durante o curso da narrativa, algo que confere não só mais autenticidade temática ao filme como também surge como um precioso incremento ao caráter dos personagens, que frequentemente se contradizem em relação ao que falam diretamente para a câmera (na verdade, para seus terapeutas ou entrevistadores - algo que o filme não especifica muito bem) e o que falam para seus parceiros e amigos sobre relacionamentos. Constantemente evocando circunstâncias cômicas e constrangedoras, o texto concebido por Allen compreende os acontecimentos tanto em inspiração e divertimento quanto em naturalidade. A construção de seus personagens é coerente com as direções narrativas que o longa toma, já que o funcionamento da trama depende completamente deles, porém seus desenvolvimentos nunca soam demais convenientes ou categóricos. Independente das decisões de seus personagens, sejam elas de saírem de algum relacionamento ou começarem outro, o filme jamais deixa de conservar na superfície de cada um a incerteza sobre o que estão fazendo, algo que se exprime principalmente pelas atuações do elenco e pelos excelentes diálogos. A incerteza que permeia suas vidas amorosas, em uma mescla confusa entre razão, neurose e impulso, ofusca suas verdadeiras possibilidades de consumarem aquilo que lhes seria inteiramente satisfatório. Ao final de “Husbands and Wives”, a cada casal é dado, de certa forma, uma conclusão. Porém nada de conclusões efetivas, apenas conformidades e aceitações para que, desta maneira, nenhum deles termine sozinhos ou com quem aparentemente não lhes é adequado - um final que reforça este exame apurado e agridoce da vida conjugal de personagens neuróticos (bem no estilo de Woody Allen, mesmo), mas palpáveis, tristes, indecisos e pateticamente envenenados pela complicada tarefa de levar uma vida a dois.
Os Agentes do Destino
3.5 1,1K Assista AgoraSe comprometendo a criar um envolvente romance dentro de uma história de ficção-científica, “The Adjustment Bureau” ainda nos oferece uma narrativa ritmada e convidativa que ainda trabalha aspectos metafísicos de nossa humanidade através de menções claras a eles - posto tudo isso, este filme, com exceção de alguns pecadilhos e de seu final fraco e sem imaginação, pode ser adequadamente definido como um passatempo de qualidade e reflexivo. Estabelecendo de maneira hábil, rápida e cativante a introdução de seu protagonista, através de uma sequência muito bem montada logo no início do filme - onde resumidamente passamos a conhecer a personalidade e o status social do personagem de Matt Damon -, o roteiro de “The Adjustment Bureau” destaca-se por fincar com firmeza seus personagens e suas relações durante a trama, o que também é mérito dos atores, que, desempenhando interpretações convincentes, oferecem uma química palpável. A química, no caso, é especialmente compartilhada por Matt Damon e Emily Blunt. E é curioso que, durante certo momento do filme, a química entre o casal é citada como aspecto crucial da relação dos dois, demonstrando assim a perfeita sintonia que Damon e Blunt estabelecem como atores e como personagens. Ainda apoiado por um elenco secundário no mínimo interessante, o ator coadjuvante que mais se destaca nesta ficção é o sempre excelente Anthony Mackie, que aqui demonstra mais uma vez ter uma notável presença de cena (mesmo quando seu personagem não é designado a fazer muito) e um afável carisma (mais denotado quando este finalmente ganha mais tempo em tela). Fechando o elenco, as presenças de John Slattery e Terence Stamp, embora em papéis menores tanto em tempo de cena quanto em dimensão de seus personagens, compõem com competência figuras misteriosas e imponentes. Inserindo elementos de nossa cultura para incrementar mais realismo à ambientação do filme (como as comitivas do personagem de Damon e suas participações em programas de tevê que de fato existem), o roteiro se sai bem, embora, por outro lado, seja árduo para o espectador conciliar o realismo com os conceitos de ficção-científica apresentados no início do filme. Mas conforme a aparentemente absurda trama de pano de fundo do filme ganha novos contornos, o casamento entre realidade e ficção se torna mais aceitável, e até mais instigante. É interessante, por exemplo, como os “agentes do destino” da história - que no princípio mais se pareciam com um grupo canastrão com poderes ilimitados saídos de qualquer ficção-científica barata - começam a apresentar suas imperfeições como seres aparentemente oniscientes e onipotentes. Explorando as limitações deste grupo de personagens, os roteiristas desenvolvem uma trama envolvente que jamais perde o ritmo, e cativam o espectador com a determinação de David Norris (Damon), que enfrentando o destino para ficar junto de sua amada (uma premissa que pelo enunciado soa demasiadamente batida, mas que aqui funciona pelas circunstâncias em que é encaixada), se envolve com questões pertinentes à vida de um modo geral. Obstinado, Norris acaba por inspirar o Presidente (uma óbvia metáfora de Deus) a mudar os planos previamente traçados para ele e Elise (Blunt); e entregando esta revelação em seu pálido final, que resolve toda a trama de uma forma indigna e deselegante, “The Adjustment Bureau” não chega a decepcionar por completo, apenas conclui-se com uma aceitável ideia ao negar toda sua ardilosa construção. Fazer-nos pensar que um casal como David e Elise seria uma das maiores exceções da humanidade ao conseguirem traçar caminhos diferentes do planejado foi uma imposição muito forçada para engolirmos. Entretanto, a moral de “The Adjustment Bureau” nos concede margens para maiores reflexões, mas diz principalmente que “pessoas que encaram o livre-arbítrio como um dom, nunca saberá usá-lo até lutar por ele”, o que entra em conflito com a racionalização conduzida pelos agentes do destino buscando o bem estar do homem, colocando que o bem estar pode vir também do impulso - vulgo “coração”.
Hanna
3.5 946 Assista AgoraQuando se começa a assistir um filme como “Hanna”, logo pensa-se que este será um sensível e peculiar estudo de personagem, mas conforme chegamos ao seu final, o filme nos faz refletir novamente sobre suas próprias pretensões, já que terminando do jeito que terminou, este mais se parece com um longa cujo escopo é o espetáculo visual do que a reflexão em torno de sua protagonista ou das metáforas que sua história possivelmente carrega. Sendo assim, portanto, o maior mérito deste filme reside mesmo na regência visual que executa, acrescendo uma narrativa que apesar de não ser rica em emoções (e inclusive falhar em evocá-las com maior dramaticidade) e se revelar simplória demais, acaba falando mais com suas imagens e assim não comprometendo tanto seu resultado final como obra. Interpretada por uma brava e sensível Saoirse Ronan, Hanna foi criada educada no meio de uma localidade na neve por seu pai de criação (um ex-agente que fugiu com a biologicamente aperfeiçoada Hanna), a ensinando técnicas de ataque e defesa bem como saberes mundanos sobre os mais variados campos do conhecimento. Tudo isso foi feito para que Hanna pudesse viver no mundo social e urbano algum dia. Mundo urbano que contém à sua espreita a personagem de Cate Blanchett, que, assim como pretendia tempos atrás, quer eliminar a garota concebida para ser um soldado perfeito. Hanna, portanto, decide que está preparada para conhecer o mundo, e para isso seu pai a diz que ela deve acionar a atenção da personagem de Marissa (Blanchett) através de um dispositivo, já que ela irá atrás da garota e a caçada só terminará quando uma das duas estiver morta - logo, o pensamento seria matar Marissa primeiro, mas é inconcebível e ilógico que o roteiro tenha lançado mão desta situação para colocar Hanna e seu pai imediatamente em perigo após escaparem de seu exílio. Afinal, que estupidez é essa chamar a atenção de Marissa e de todo um grupo de agentes de uma organização de inteligência apenas para confiar nas super habilidades da menina Hanna que logo trataria de eliminar seu carrasco? Por que não simplesmente fugirem e se esconderem? Perdoando este absurdo, o que se desenvolve ao longo da narrativa do filme é uma muito bem equilibrada trama que divide suas atenções entre a jornada de fuga de Hanna, onde conhece algumas pessoas, e pontuais cenas em que seu pai (Eric Banna, ótimo), e Marissa e seus subordinados, executam, respectivamente, sua fuga para o porto seguro onde encontrará garota, e a busca por ela. Com uma direção de aspecto ora eletrizante, ora sensitiva, Joe Wright concebe verdadeiros espetáculos visuais, primeiramente investindo em cortes secos que, aliados à montagem, estabelecem, especialmente nas cenas de ação, um ritmo frenético e um clima inquietante. Com a mesma aplicação, o diretor brinca com a câmera durante sequências mais agitadas, sempre entregando um resultado positivo, seja conduzindo passagens com o objeto na mão a fim de construir cenas mais objetivas e frias ou seja com um pontual e excepcional plano sequência que resiste à tentação de executar um corte durante sua culminação final, uma cena de luta espetacular e que mesmo claramente constituída por eventuais efeitos visuais, jamais perde sua verossimilhança (qualidade que, aliás, o filme preserva com diligência, mesmo não tendo, digamos, a “obrigação” de a manter, já que foge muito do que chamamos de verossímil). A fotografia é outra que contribui muito ao realçar o visual do filme, especialmente no enfoque paisagístico (neve, deserto) e nos closes quase microscópicos que Wright às vezes executa. Ao passo que a direção de arte concebe uma agência de inteligência com uma roupagem sofisticada, moderna e apropriada, nunca caindo no ridículo. E, finalmente, a trilha sonora minimalista e entusiástica não só pontua as cenas com devido brilhantismo, como também é eficaz ao evocar a tensão por antecipação. Por fim, é interessante destacar o ótimo elenco de “Hanna” e seus interessantes personagens, que, embora ainda encontre na agente vivida por Blanchett uma figura tipicamente unidimensional, lança mão de personalidades agradáveis em cada um deles (com destaque para a simples porém carismática personagem de Olivia Williams e o divertidamente esquisito personagem de Tom Hollander). Assim como diz a descrição que o pai de Hanna lê para ela sobre música, “Hanna”, o filme, é uma combinação não só de sons, mas também de imagens que impressionam, tiram o fôlego e constituem uma obra bela em forma e que expressa emoção. Emoções mais emanadas de seu exercício visual, sim, mas ainda assim emoções.
Desconhecido
3.6 1,0K Assista Agora“Unknown” é um thriller de suspense eficiente, porém, não é eficaz. A diferença é que enquanto o filme reproduz uma trama conspiratória com competência, ele não faz nada mais do que simplesmente reproduzi-la, sem inovações e sem originalidade. Como consequência disso, o filme nunca deixa impressões, nunca provoca efeitos de tensão, suspense ou drama, mas apenas conduz sua narrativa e nutre a atenção do espectador com o mistério de sua trama, que embora envolvido por uma história genérica, ainda permanece obscuro e relativamente interessante, mas conforme ele é desvendado, a indiferença é a principal reação surtida em quem assiste. A direção de Jaume Collet-Serra tem seus suspiros de expressão, especialmente no enfoque que confere ao personagem de Liam Neeson nas cenas em que este tenta entender o que se passa a sua volta, exprimindo a confusão de sua mente com um movimento de câmera que, a partir de um close, inclina suavemente em frente ao rosto do personagem, denotando também a agonia do momento em que este encara a própria realidade que acredita ser verídica como um complô de mentiras construído a sua frente. Acordando de um coma, Martin Harris (Liam Neeson) é contrariado por tudo e todos quando tenta provar sua identidade, que parece ter sido roubada. Martin ainda acredita em quem ele é, e por isso confronta qualquer um que o contrarie - até mesmo sua mulher, que também parece desconhece-lo -, e mais tarde passa a confrontar a si mesmo, achando que o problema é realmente com ele. Uma vez desvendada, a tramóia do filme não soa espetacularmente engendrada, apenas competente no sentido de esboçar uma estória de conspiração interessante, mas que exagera tanto nos usos de lugares-comuns de filmes de gêneros semelhantes, que a própria premissa de “um homem que acorda de um coma e repentinamente não é mais quem acredita ser” já soa desgastada. O mesmo pode ser dito sobre o clima de desconfiança instaurado na narrativa, bem como os cada vez mais limitados recursos do protagonista para seguir adiante com sua jornada em busca do entendimento de sua situação, ambos surgindo de forma comum e desinspirada. Ainda investindo em situações clichês e que chegam até a constranger (um homem invade o hospital; sequestra o protagonista que está vulnerável; a enfermeira chega e ela é morta ao ter seu pescoço facilmente quebrado. O protagonista, dopado, a vê caindo bem no seu campo de visão. Quando o homem sai da sala, o protagonista tenta alcançar a tesoura no bolso da enfermeira morta. E apesar de quase ser pego no flagra pelo sequestrador, o protagonista eventualmente consegue a tesoura e se safa de onde está), o roteiro de “Unknown” também não abdica de longas (mais longas do que deveriam) sequências de ação desenfreada (de preferência envolvendo perseguições) e lutas “eletrizantes” travadas uma hora ou outra. Porém, ainda que se mostre demasiadamente comum e por isso mesmo carente de emoção, a proposta reflexiva evocada pelo roteiro de “Unknown” é curiosa, e pelo menos o desenvolvimento do personagem principal (que, não se pode deixar de dizer, é representado por Liam Neeson com competência) é executado de tal forma que ao final do filme, finalmente podemos sentir alguma sensação vinda da tela. É curioso, por exemplo, como de um ponto de vista psicológico, poderíamos até dizer que Martin esqueceu voluntariamente de sua vida para assumir uma que lhe parecia ser mais justa e pacífica. Assim, seu esquecimento surge como a busca da purificação, denotado no instante final do filme onde o personagem, mesmo já recordado de tudo o que vivera, assume aquela condição inocente como forma definitiva e se purifica por completo, seguindo uma nova vida agora ao lado não de sua falsa mulher e parceira de crimes, mas daquela que o ajudou verdadeiramente nos piores momentos que teve de enfrentar. É uma pena, então, que “Unknown” demore atingir este aspecto humano de seus personagens (a personagem de Diane Kruger, por exemplo, passa o filme todo como uma simples e inexplicavelmente motivada ajudante de Martin), e que pouco explore isso durante o restante de sua narrativa ordinária.
Sem Limites
3.8 1,9K Assista AgoraA droga que o personagem de Bradley Cooper consome neste “Limitless” representa o oposto das drogas de nossa realidade. Enquanto ela oferece os mesmos riscos de vida e efeitos colaterais que qualquer outra droga oferece, a NZT-48, ao invés de proporcionar um escapismo da realidade, uma distorção dela, uma experimentação alucinógena do cotidiano, faz exatamente o contrário, aumentando a capacidade do cérebro e iluminando a percepção cerebral até a sua mais extrema lucidez. Este conceito contra-análogo soa interessante, mas “Limitless”, embora conte com uma trama que é pelo menos eficiente no aspecto rítmico - revelando-se como um filme envolvente -, peca por sua falta de interesse no aprofundamento de sua ideia, e prefere sempre o caminho mais fácil, forçado ou auto-indulgente para desenvolver sua narrativa. O protagonista Eddie, interpretado por um Bradley Cooper com afinação, sabendo evocar seu charme natural bem como seu nervosismo e inquietação quando necessário, é apresentado de forma bem humorada e logo conquista a empatia do espectador, que junto com ele embarca em uma excitante possibilidade quando este consome a droga que intensifica as atividades de seu cérebro - e por muitas vezes durante a trama de “Limitless”, a impressão deixada é a de que o roteirista está impreterivelmente interessado na exploração das divertidas possibilidades que a habilidade mental do protagonista sob o efeito da droga pode proporcionar. Assim, testemunhamos cenas arranjadas sem muita razão apenas pelo caráter lúdico destas, como a da luta em que Eddie se aventura em uma estação de metrô, evocando diversos meios de aprendizados (de filmes do Bruce Lee até documentários do Nat Geo) para se dar bem- o que nos remete direto a uma cena chave no final da narrativa em que o personagem realmente precisa lutar, entretanto, a essa altura o roteiro não surge com nada criativo ou oportuno, dando lugar a soluções forçadas e que beiram o ridículo. Mas também há muitas situações e dilemas para o protagonista de “Limitless”, porém são todos óbvios. O declínio do personagem é antevisto, nenhum dos percalços enfrentados por ele parece aspirar criatividade. Ainda que uma trama conspiratória tome forma durante a história, ela é desenvolvida de forma inorgânica, gerando situações que mais estimulam a descrença do espectador do que um interesse pelo que acontece. O que acontece, aliás, é tudo o que tem de mais evidente em “Limitless”, já que a reflexão em cima do personagem ou do que a droga o causa (e causa a outros personagens), ou seja, as entrelinhas, é praticamente ausente ou superficial. A narração em off, inclusive, não apresenta muitas razões para ser utiliza, contribuindo apenas com dispensáveis explicações das ações do personagem ou com algumas piadinhas engraçadas, mas nem um pouco com informações importantes. Contando com um terceiro ato artificial e um desfecho inócuo e auto-indulgente, “Limitless” não é constituído apenas por pontos negativos, já que o trabalho visual empregado no longa não só surge como um dos elementos mais impressionantes deste, como também o salva de ser um completo desperdício de ideia. A direção realizada por Neil Burger, por exemplo, investe em curiosos movimentos de câmera que procuram transmitir a sensação de alteração de Eddie, ao passo que as ilustrações dos recursos buscados pela mente dos personagens para compor suas ações e ideias revelam-se como um trabalho desafiador e interessantíssimo da montagem. Por fim, a fotografia impressiona por seu funcionamento sincrônico com o estado dos personagens, sendo intensifica conforme o personagem se ponha sob o efeito da droga, enquanto é esfriada de forma conveniente para expressar o estado sóbrio que os personagens experimentam. “Limitless”, apesar de tudo, consegue ser envolvente e interessante em conceito e execução, mas o desenrolar de sua trama é tão desleixado e óbvio que ironicamente nos leva a pensar que seus roteiristas não dispunham de nenhuma pílula de NZT-48 para tomar enquanto escreviam o filme.