É perigoso falar mais de filmes baseados em eventos reais, mas... Vamos lá: não gosto desse diretor. Acho-o um carniceiro, que está para o drama tanto quanto o Roland Emmerich está para a ficção científica. Ele não hesita em fetichistar ao máximo - com suas habilidades técnicas mui premiadas - as cenas de catástrofes e acidentes, privilegiando os destinos salvacionistas de alguns personagens, em prol de dezenas de pessoas que morrem, para satisfazer a sua sanha carniceira. E encontra um prato cheio aqui: se já existem versões marcantes de René Cardona (que ainda não vi, mas conheço a repercussão) e de Frank Marshall (que marcou a minha geração) para a mesma trama, para que canibalizar midiaticamente esta situação, mais uma vez? O diretor justifica esta necessidade de "toque pessoal" através do impacto que sentiu quando leu o livro no qual o roteiro foi baseado, mas... Para quê? E a resposta surge de maneira descarada: para fazer exatamente aquilo de que acusaram o Steven Spielberg quando encetou A LISTA DE SCHINDLER. Mas sem a mesma competência ou entrega íntima. O Bayona é um preciosista sem o lastro humanista requerido, por mais que exercite isso de maneira ainda tímida em SETE MINUTOS APÓS A MEIA-NOITE. E o resultado, como não poderia deixar de ser, e catastrófico, em todos os sentidos: a abertura e o desfecho são muito bons, por explorar os sentimentos legítimos dos personagens, enquanto pessoas (não apenas sobreviventes), mas o longo miolo sádico é sobremaneira problemático, pois faz com que o prazer do diretor na contagem de mortos fique escancarado. Fosse o Lucio Fulci ou o Jörg Buttgereit na condução, eu acharia o resultado mais honesto. É um filme que tortura o espectador, quiçá de maneira intencional, a fim de evidenciar que o que está sendo narrado é doloroso, de modo que, ao final, condoemo-nos em relação aos destinos de quem sobrevive, naquelas condições, mas... Puxa, que perversidade. Que sanha cumulativa de malevolências. Detestei O IMPOSSÍVEL, senti algo parecido aqui. Admito que a trilha musical do Michael Giacchino é linda e que vários aspectos deste filme merece os prêmios que receberá, mas... A que custo emocional e moral, urgh! (WPC>)
Esforcei-me para focalizar nos aspectos positivos deste filme, mas o anacronismo da produção incomodou-me demais: o diretor deseja falar sobre o que o incomoda hodiernamente, com o lastro identitário igualmente contemporâneo, e sacrifica trechos da análise de época, ao implantar certos rompantes militantes, por mais que os justifique historicamente nos créditos finais. Gosto da sutil transformação de personalidade da mãe do protagonista, mas achei os personagens caricatos, sem carisma suficiente: as interpretações são boas, mas não desenvolvimento de alguns personagens. Mas amei o uso das canções 'kitsch' e emocionei-me nalgumas apresentações na boate. Serve? (WPC>)
Vasculhando a filmografia do diretor, percebi que não gosto dele. Por mais que, a partir de determinado momento, a trama (baseada numa peça teatral que, por sua vez, é baseada num romance) começa a zombar do comportamento paspalhão dos militares estadunidenses, a condescendência dos personagens (e/ou atores/figurantes) japoneses em relação ao colonialismo é de lascar: aquela abertura com o Marlon Brando nipônico (!!!) comemorando as vantagens das múltiplas ocupações em Okinawa é de dar nos nervos! Mas a entrada em cena do personagem de Eddie Albert dota o filme de uma insuspeita simpatia. Mas a conjuntura pró-empreitada comercial volta a dar o tom no desfecho, de modo que aquilo que surge como valorização comunal, em verdade, é elogiado apenas em seu potencial vendável, embebedador. Minha mãe curtiu... Comigo, simplesmente, não desceu! Quando descobri que o filme foi indicado a um Globo de Ouro de "Promoção do Entendimento Internacional", fiquei chocado: tadinha da Machiko Kyo! (WPC>)
Como os diretores são acostumados à linguagem televisiva de documentários sobre esportes, não possuem suficiente domínio nas seqüências de reconstituição ficcional, de modo que prejudicam a exibição da jornada de superação com muitos 'flashbacks' que são necessários enquanto denúncias e/ou componente formativo da personalidade da protagonista, mas que surgem de maneira dissonante na montagem. A fotografia de Claudio Miranda é linda, mais uma vez, e a trilha musical de Alexandre Desplat é bela e discreta. Mas são as interpretações femininas que mais chamam a atenção: Anette Bening, ótima na composição de um personagem difícil, porque não imediatamente simpática, e Jodie Foster sublime, roubando todas as cenas, ostentando a faceta "caminhoneira" que o finado Rubens Ewald Filho sempre reclamou: fiquei apaixonado pela determinação de sua personagem, que é abnegada, mas não apagada em função de outrem, mas sim defensora da plena comunhão de objetivos. O resultado geral é um tanto forçado, mas o desfecho e as cenas reais dos créditos finais emocionam! (WPC>)
Quanto mais revisto, melhor fica: uma aula magna de Cinema e uma demonstração extrema do carisma de Martin Scorsese, sempre muito carinhoso em relação aos títulos que comenta, mesmo aqueles que considera imperfeitos e/ou defeituosos. Suas escolhas são bastante reconhecíveis em suas obras e a justificativa para encerrar a "viagem" na década de 1960 é perfeita. Aprendi muito (re)vendo este documentário e utilizarei perpetuamente as terminologias utilizadas (a tese do "diretor enquanto contrabandista" tornou-se conceito dominante para a cinefilia). Magnífico!
* P.S.: apesar da excelência do recurso e da magistral inserção (numa montagem coordenada pela Thelma Schoonmaker), os depoimentos de grandes diretores meio que "quebram" o clima, não obstante reiterarem o que o Scorsese narrava. É que, em minha opinião, isso acrescenta um lastro objetivo ao que, desde o início, é definido como extremamente pessoal. Mas é apenas uma observação. Vou repassar este filme para o máximo possível de pessoas queridas: é soberbo! (WPC>)
Por algum motivo, não liguei o diretor à trama, quando o filme foi lançado. Minha mãe - que é obcecada por filmes de Natal! - estava vendo esta obra numa daquelas maratonas do canal Studio Universal e eu estranhei a inteligência dos diálogos (deliciosamente vulgares, às vezes). Esperei ser reprisado e, logo nos créditos iniciais, encontrei os nomes de Emma Thompson (inclusive, como produtora) e Michelle Yeoh. Não tinha como ser ruim! De fato, não foi: uma delícia de filme com uma protagonista muito bem-interpretada e um tanto mimada, que amadurece ao longo da proteção, junto com a simpatia que desperta no espectador. Henry Golding é a aparição ideal, em âmbito namoratório, e as situações são concomitantemente divertidas e emocionantes. Ri bastante, e adorei o uso "inspirador" das canções do George Michael. Uma gratíssima surpresa, quem diria! (WPC>)
Não conhecia este diretor (obliterado por homônimos mais famosos) e achei o filme insuportável nos dois primeiros terços: o protagonista ex-monacal é um porre, um chantagista relacional que defende uma lógica de nicho que muito me incomoda. Para piorar, a sua contrapartida "liberal" é igualmente insuportável, o que torna difícil enfrentar as brigas repetitivas de casal. Mas adorei as inserções documentais da Parada do Orgulho Gay, bem como a ótima reviravolta do desfecho. Pena que, quando o filme começa a ficar bom, ele acaba! (WPC>)
Nunca o considerei um diretor memorável, mas este título sempre me fascinou. Quando encontrei o DVD à venda, num sêbo, fiz questão de o adquirir e já o vi, de imediato - e gostei muito de alguns aspectos. Na pressa por imitar os épicos hollywoodianos sobre máfia, de fato, roteiro e montagem se atropelam. mas os fatos são muito interessantes (não mudou muita coisa em quarenta anos, não é?) e o elenco é digno de uma superprodução: Nuno Leal Maia está incrivelmente competente, Zezé Motta e Chico Diaz estão maravilhosos, Jece Valadão demonstra a sua competência habitual como vilão, a metalinguagem da cena em que Jofre Soares assiste a BOCA DE OURO (1963) é ótima, e Wilson Grey e Maurício do Valle são coadjuvantes de luxo. E tem ainda mais gente para citar. Gostei dos rumos da trama, das traições acumuladas, do cuidado com os eventos (vide as situações relacionadas ao desfile de escola de samba, por exemplo). Parece uma minissérie compactada, às vezes, mas merecia ser mais conhecido do público! (WPC>)
Acho o diretor um um interessante artesão de gênero, mas nada funciona neste filme: o ponto de partida é promissor, demonstrando que os horrores da Guerra Civil são ainda mais devastadores que qualquer manifestação sobrenatural, mas o roteiro desperdiça todas as boas idéias, tornando a definição da protagonista um nulidade. Além do ritmo moroso, a montagem com gritos e sustos que não provocam nenhuma reação desmotiva a adesão espectatorial, de modo que, ao final, não queremos ligar os óbvios pontos da reviravolta vingativa e sem o pretendido impacto. Achei péssimo! (WPC>)
E ele faz de novo: num filme super básico, elementar, o diretor justifica e explica as recorrências de seus enredos, defende o aproveitamento da vida a partir do reconhecimento de que beber, comer, fumar e se divertir é o que faz tudo valer a pena, é o que atribui algum sentido á falta de sentido... Faltou somente um pouquinho de sexo (risos). O elenco é ótimo, e as reverberações de um dos contextos no outro é extraordinário, sendo que a atriz Kim Seung-Yun é um achado de extrema simpatia. impressionante como o diretor/roteirista/montador/fotógrafo/compositor consegue tornar climática a simples adição de tempero à comida. Maravilhoso! (WPC>)
A idéia sintetizada no título do filme é ótima, de modo que adorei o desfecho, mas achei o filme muito problemático em sua adesão irrereada às fórmulas vingativas de tantas comédias adolescentes hollywoodianas semelhantes. A protagonista é muito, muito chata (humanista? Ela está mais para chantagista e mimada mesmo!), mas os demais personagens são honestos em suas participações. Fofinho e equivocado, mas muitíssimo bem resolvido. (WPC>)
Cabrunco do céu, tem mais um cineasta lendo o meu diário: fiquei impressionado com as similaridades psicológicas em relação aos enfrentamentos de meu dia a dia - e gritei de identificação na seqüência das situações "impossivelmente semelhantes". Joaquin Phoenix está ótimo, como de praxe, e a direção é esplendorosa: que direção de arte, que controle das transições entre delírio e realidade! Lembra muito, evidentemente, as produções do Charlie Kaufman. E só não é uma obra-prima absoluta porque aquele desfecho julgamental soou-me autocondescendente. Mas adorei (e temi) me ver na tela desse jeito: se eu tivesse visto este filme na escuridão de uma sala de cinema, perigaria surtar, caramba! (WPC>)
Os elogios, por parte de amigos, eram exacerbados e os meus contatos prévios com obras do diretor foram sempre bem recompensados. Percebi isso desde o início: o poder de evocação das palavras, neste filme, é magistral: basta que algum personagem mencione algo e, de repente, tudo no enredo orbita em função desse algo. Ensina às irmãs Wachowski como se cria um universidade de existencialismo rasteiro mas pungente. Efeitos visuais mui competentes e figurinos maravilhosos: amei os vilões animalescos! O segundo motoqueiro é um tesãozinho, aliás. Muito, muito bom. Exagerado e repetitivo, como eram os melhores seriados de cariz 'tokusatsu', mas tão empolgante quanto. Só achei que cai um pouco do ritmo no quartel final, mas já era tarde: eu estava fisgado! (WPC>)
Adentrei a sessão com expectativas baixíssimas: além de ter ouvido falar muito mal sobre este filme, tenho poucas esperanças nas cinebiografias em tom chapa-branca. Mas este filme apresenta-nos a alguém muito relevante, obliterado historicamente por conta de seu homossexualismo. Achei a personificação de Colman Domingo exagerada, mas, pelos diálogos, parece que o Bayard Rustin era afetado daquele jeito mesmo. Serviu, portanto. Porém, a melhor presença em cena, sem dúvida, é a de CCH Pounder: amei descobrir que era ela, uma enorme atriz ainda subvalorizada. É convencional, claro, mas competente em seus clichês. Curti! (WPC>)
Suprassumo do romance (e da persistência proletária), com acenos maravilhosas à cinefilia: a cena que devolve o afeto do diretor ao Jim Jarmusch é magnífica! Dono de um universo muito próprio, Aki dialoga com o seu próprio cinema, evocando tanto uma trilogia excelente quanto UM HOMEM SEM PASSADO. A fotografia é primorosa, bem como a escolha das canções. Amei o cachorrinho, e torci muito para que o namoro desse certo - e, de quebra, ainda há uma reflexão poderosa sobre o enfrentamento do alcoolismo. Os personagens são fabulosos (amei as interpretações bressonianas!) e, a despeito do tom cômico dominante, há inserções dramáticas intensas, entre um e outro momento de fofura. Soberbo! (WPC>)
Como tanto, amei e fiquei pessoalmente tocado por AGENTE DUPLO, de modo que adentrei a sessão com múltiplas expectativas. O ponto de partida sinóptico e a relevância dos personagens reais referendou a minha entrega prévia: não sabia que o Augusto Góngora havia trabalhado com o Raúl Ruiz - e a cena em que eles se entrevistas mutuamente é magnífica! Inteligente e organicamente politizada que é, a diretora (em comunhão plena com o casal) tece magistrais paralelismos entre as lembranças íntimas e a memória coletiva, entre a necessidade de lembrar (por causa do Alzheimer) e o imperativo de que não se esqueça (em razão do terror ditatorial no Chile). Um filme grandioso em múltiplos aspectos, que, só não é mais potente, porque foi obrigado a confinar-se, na época da quarentena pandêmica. Por razões óbvias, em dados instantes, o enredo documental torna-se repetitivo, iterativo, ainda que urgente no esforço pela manutenção compartilhada daquilo que aconteceu e segue deixando marcas. Amei o uso das canções na trilha sonora e emocionei-me bastante (vide a cena em que o Augusto chora quando teme ficar sem os seus livros). Mas, cinematograficamente, fica um tanto aquém da maravilha anterior; em âmbito afetivo, entretanto, merece ser difundido, elogiado e debatido. Ótimo! (WPC>)
Logo no começo, estranhei o modo como os personagens eram retratados: não na naturalidade de seu cotidiano, mas num destaque espetaculoso, afinal justificado pelo fato de os meninos serem compositores, a mãe dançarina, etc... Mas, depois que o périplo ocorre, comecei a incomodar-me ainda mais: pensei muito nas acusações sofridas pelo Steven Spielberg quanto começou a realizar filmes mais "sérios" (e a cena da "mulher que voa" evoca diretamente IMPÉRIO DO SOL). Quanto mais o filme avançava, mais problemática ficava a abordagem da 'torture porn', ainda que necessária aos intentos narrativos. Era óbvio que isso culminaria no triunfalismo "justificado" do trecho final, em que o título faz sentido, em que o protagonista cumpre a sua missão enquanto personagem amadurecido e heroicizado. Tenho elogios pontuais a diversos aspectos do filme, tão bem-feito quanto uma discreta superprodução hollywoodiana, mas a minha relação com o discurso e com o que ele representa politicamente não é das melhores: é um filme que engabela, muito mais do que exorta a coragem dos jovens senegaleses. Permanecerei encarando este filme com desconfiança... (WPC>)
Sou fã da diretora, obcecada por detalhes e rotinas, mas fiquei tão decepcionado com a sua péssima regravação para O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS, que nem tive coragem ainda de enfrentar ON THE ROCKS. Aqui, adentrei a sessão desconfiado, mas fui logo tragado pela excelente ambientação, pelo uso mágico da trilha cancional (não ter sido autorizada a utilizar os clássicos do Elvis Presley permitiu à diretora uma criatividade absurda na seleção musical!): por mais questionável que seja a aproximação entre o cantor e a adolescente, o roteiro consegue driblar o mal-estar ao enfatizar justamente outro mal-estar, o do extremo confinamento. Em suas opções camerísticas, o filme funciona como uma versão contemporânea de À MEIA-LUZ, ressaltando a divergência de compleições físicas e impacto social entre os personagens. Cailee Spaeny está eficiente, não questiono a sua premiação, mas é, em minha opinião, Jacob Elordi quem brilha: além de estar muito diferente de tipos anteriores que ele vivificou, sua interpretação não é imitativa, de modo que conseguimos acreditar no Elvis tramático. Até porque ele não é o protagonista, mas um ser coadjuvante porém ubíquo em seu potencial de opressão: fiquei impactado com o plano dos revólveres combinando com os vestidos, por exemplo. Fetichista e obsessivo-compulsiva, a diretora faz maravilhas com a montagem, ao ressaltar o caráter cíclico porém cerrado da rotina da personagem-título, cultivada em Graceland como um bibelô. E o desfecho é nada menos que magnífico: lembrarei para sempre de como a canção escolhida combinou magistralmente com o contexto. Lindamente triste, fascinante como a diretora nos treinou a esperar dela: a-do-rei! (WPC>)
Eu já não tinha gostado do filme anterior da diretora, que muita gente acha ótimo e, como tal, estava com baixíssimas expectativas acerca desse novo trabalho. Mas curti a abertura, gostei da participação de Kathy Bates. Porém, por mais simpática que seja a protagonista e que o elenco esteja eficiente, não consegui tolerar o despejo violento de ideologia estadunidense mais crassa, por goela abaixo. Parece uma cartilha calculadamente saudosista de heterossexualismo de alta classe, com tudo o de prejudicial que está embutido no pacote. A despeito de ser um filme de época, é alienado histórica e politicamente, e a diretora não sabe muito o que fazer com a trama, exceto narrá-la de maneira emocionalmente hipertrofiada, com o apoio de canções célebres, quiçá por ter forte elemento autobiográfico. Admito que, para o público feminino, as lembranças da menarca e do crescimento dos seios possam garantir um conforto afetivo, mas os dilemas criados a partir da indefinição religiosa da garotinha soaram forçados, tanto quanto a ruptura familiar da personagem de Rachel McAdams. Dá para preencher o tempo, mas é irritante em sua "leveza" programada, ensaiada e convertida em manual do 'american way of life', estendido para todo o mundo. Tem a mesma 'vibe' de filmes noventistas como o gracioso AGORA E SEMPRE, da Lesli Linka Glatter, mas com um pendor regressivo, dada a afetação claramente pequeno-burguesa da realizadora. Comigo, não funcionou, blargh! (WPC>)
Gosto muito do Ferzan Özpetek: O BANHO TURCO e SATURNO EM OPPOSIÇÃO são filmes que me marcaram, pela abordagem franca do homossexualismo. Porém, o alter-ego que ele expõe neste filme mais recente pareceu-me constrangedor. Naquela seqüência da entrevista, por exemplo, ficou evidente o ciúme que ele sente da consagração internacional do Pedro Almodóvar, por exemplo. Confessou as suas limitações enquanto realizador de nicho, uma pena. E é o que salta aos olhos aqui: uma pseudo-homenagem cinéfila, traiçoeira e manipuladora em múltiplos sentidos. Apesar de fingirem amar o cinema, os personagens não param de tagarelar enquanto vêem os filmes - isso, quando não correm para flertar nos corredores e banheiros. Mesmo quando o enredo pretende comentar algum fato político, o faz pelo viés do "prejuízo cotidiano", demonstrando-se altamente reacionário. A nostalgia forçada pelas passagens de tempo não consegue disfarçar que o tal "amor correspondido" da trama não engrena, o que só piora pela infantilidade dos diálogos e pelas constantes brigas entre casais ressentidos e mal-amados. Nem inserindo este aspecto psicanalítico na diegese, o filme funciona. Gostei do uso das canções da diva italiana Mina, mas é um filme de uma precariedade emocional atroz, aburguesado até dizer chega, primário e precário em suas intenções afetivas. Uma produção destinada aos ciumentos, quiçá. Muito, muito ruim! (WPC>)
Adorei conhecer mais sobre o Jon Batiste e solidarizei-me quanto à luta da Suleika contra a leucemia, mas, a despeito do ótimo ponto de partida, o diretor não sabe muito o que fazer com o assunto, adotando uma narrativa arrítimica e monocórdia, que torna o filme muito abaixo de seu potencial. É simpático, claro, mas insosso e sem vigor. Curti a trilha musical, obviamente, mas possui os mesmos apanágios desenxabidos que caracterizam os documentários netflixianos... (WPC>)
Gosto de BELA VINGANÇA, a despeito das polêmicas sobre as altas dose de lacração e inverossimilhança contidas na trama. Aprecio ambas as características, naquele contexto exagerado e internamente funcional. Mas, nesse novo trabalho, decepcionei-me bastante. Adentrei a sessão com muitas expectativas, o que talvez tenha sido o problema que desencadeou parte considerável de muitas frustrações: quis ver sexualidade incandescentes, cenas chocantes, deparei-me com um filme mui comportado em suas provocações, ainda que bem construídas enquanto expansão desejosa do que cada personagem representa na tessitura relacional que circundava o vilanaz protagonista. Barry Keoghan lidera com maestria um elenco extraordinário (como não amar Rosamund Pike?), mas o filme desagradou-me em todos os níveis, do meio para o final, eu simplesmente não conseguia prestar atenção: algumas conversas são ridículas, principalmente o que evolve a personagem Venetia. A direção de arte é deslumbrante e a fotografia é incrível, mas detestei o filme em todos os níveis possíveis. Abominei! (Aproveito a deixa para fazer uma errata: nalguns comentários, referi-me ao filme como moralista. Na verdade, talvez eu esteja destinando a minha repulsa contra a reação exacerbada de espectadores a seqüências que são pouco aproveitadas na tela. Chegaram a comparar a repulsa sentida àquela causada por SALÓ, OU OS 120 DIAS DE SODOMA, pasmem! Em âmbito sintomático, isso é mais que preocupante - e a distribuidora do filme, infelizmente, está focando nisso para divulgá-lo. Uma pena!) - WPC>
Não gosto de NASCE UMA ESTRELA. Normal (sou aficionado pelas versões anteriores, não precisava de mais uma regravação!). Porém, esperava que este filme fosse minimamente interessante, por causa da importância do biografado e do impacto que este filme vem provocando nos críticos estadunidenses. Mas decepcionei-me radicalmente: tudo bem, a fotografia é caprichada e a montagem faz um jogo inspirado de conjunções espaciais, mas, quando o protagonista abria a boca, o filme decaía progressivamente. Desde a abertura, aliás: quando a citação sobre "a arte ter a função de provocar perguntas, e não respondê-las" é seguida de um 'flashback' descaradamente responsivo, de modo que o enredo é vexatoriamente explicativo. Porém, os diálogos são tão mal-feitos, a interpretação de Carey Mulligan é tão equivocada (nada naquela personagem funciona!), as composições do músico são tão historicamente negligenciadas (ainda que onipresentes na trilha sonora), que suportar este filme até o final foi um trabalho hercúleo. Quando a discussão envolvendo os "rumores" comportamentais do personagem entram em cena, o filme só decai, fica ainda pior, deplorável, insuportável. As seqüências que mostram Bradley Cooper regendo uma orquestra são involuntariamente cômicas, de tão ridículas. Que filme decadente, aff! (WPC>)
Sou fã do diretor e, como tal, adentrei a sessão empolgado e com ótimas expectativas. Mas estas foram superadas, em razão do modo brilhante como é construído o protagonista, que repete um mesmo mantra procedimental N vezes, a fim de se convencer e de conquistar o público (por mais que ele apregoe contra a empatia). A utilização persistente das canções de The Smiths foi algo magnífico e as interpretações são todas ótimas, sendo que a presença inspirada de Tilda Swinton encontra eco com OS LIMITES DO CONTROLE, em relação ao qual o 'mcguffin' tramático serve como deixa, visto que o roteiro também emula diversos filmes de Jean-Pierre Melville - em especial, O SAMURAI, claro. A direção é meticulosa, brilhante, esplêndida e o filme só não é uma obra-prima porque, em dado momento, a ação se sobressai ao estudo de personalidade, ainda que muitíssimo bem. É um filme que, desde já, asseguro que reverei inúmeras vezes, ao lado de mais de um amigo. Maravilhoso e terapêutico! (WPC>)
A Sociedade da Neve
4.2 720 Assista AgoraÉ perigoso falar mais de filmes baseados em eventos reais, mas... Vamos lá: não gosto desse diretor. Acho-o um carniceiro, que está para o drama tanto quanto o Roland Emmerich está para a ficção científica. Ele não hesita em fetichistar ao máximo - com suas habilidades técnicas mui premiadas - as cenas de catástrofes e acidentes, privilegiando os destinos salvacionistas de alguns personagens, em prol de dezenas de pessoas que morrem, para satisfazer a sua sanha carniceira. E encontra um prato cheio aqui: se já existem versões marcantes de René Cardona (que ainda não vi, mas conheço a repercussão) e de Frank Marshall (que marcou a minha geração) para a mesma trama, para que canibalizar midiaticamente esta situação, mais uma vez? O diretor justifica esta necessidade de "toque pessoal" através do impacto que sentiu quando leu o livro no qual o roteiro foi baseado, mas... Para quê? E a resposta surge de maneira descarada: para fazer exatamente aquilo de que acusaram o Steven Spielberg quando encetou A LISTA DE SCHINDLER. Mas sem a mesma competência ou entrega íntima. O Bayona é um preciosista sem o lastro humanista requerido, por mais que exercite isso de maneira ainda tímida em SETE MINUTOS APÓS A MEIA-NOITE. E o resultado, como não poderia deixar de ser, e catastrófico, em todos os sentidos: a abertura e o desfecho são muito bons, por explorar os sentimentos legítimos dos personagens, enquanto pessoas (não apenas sobreviventes), mas o longo miolo sádico é sobremaneira problemático, pois faz com que o prazer do diretor na contagem de mortos fique escancarado. Fosse o Lucio Fulci ou o Jörg Buttgereit na condução, eu acharia o resultado mais honesto. É um filme que tortura o espectador, quiçá de maneira intencional, a fim de evidenciar que o que está sendo narrado é doloroso, de modo que, ao final, condoemo-nos em relação aos destinos de quem sobrevive, naquelas condições, mas... Puxa, que perversidade. Que sanha cumulativa de malevolências. Detestei O IMPOSSÍVEL, senti algo parecido aqui. Admito que a trilha musical do Michael Giacchino é linda e que vários aspectos deste filme merece os prêmios que receberá, mas... A que custo emocional e moral, urgh! (WPC>)
Te estoy amando locamente
3.0 4Esforcei-me para focalizar nos aspectos positivos deste filme, mas o anacronismo da produção incomodou-me demais: o diretor deseja falar sobre o que o incomoda hodiernamente, com o lastro identitário igualmente contemporâneo, e sacrifica trechos da análise de época, ao implantar certos rompantes militantes, por mais que os justifique historicamente nos créditos finais. Gosto da sutil transformação de personalidade da mãe do protagonista, mas achei os personagens caricatos, sem carisma suficiente: as interpretações são boas, mas não desenvolvimento de alguns personagens. Mas amei o uso das canções 'kitsch' e emocionei-me nalgumas apresentações na boate. Serve? (WPC>)
Casa de Chá do Luar de Agosto
3.6 13Vasculhando a filmografia do diretor, percebi que não gosto dele. Por mais que, a partir de determinado momento, a trama (baseada numa peça teatral que, por sua vez, é baseada num romance) começa a zombar do comportamento paspalhão dos militares estadunidenses, a condescendência dos personagens (e/ou atores/figurantes) japoneses em relação ao colonialismo é de lascar: aquela abertura com o Marlon Brando nipônico (!!!) comemorando as vantagens das múltiplas ocupações em Okinawa é de dar nos nervos! Mas a entrada em cena do personagem de Eddie Albert dota o filme de uma insuspeita simpatia. Mas a conjuntura pró-empreitada comercial volta a dar o tom no desfecho, de modo que aquilo que surge como valorização comunal, em verdade, é elogiado apenas em seu potencial vendável, embebedador. Minha mãe curtiu... Comigo, simplesmente, não desceu! Quando descobri que o filme foi indicado a um Globo de Ouro de "Promoção do Entendimento Internacional", fiquei chocado: tadinha da Machiko Kyo! (WPC>)
NYAD
3.7 153Como os diretores são acostumados à linguagem televisiva de documentários sobre esportes, não possuem suficiente domínio nas seqüências de reconstituição ficcional, de modo que prejudicam a exibição da jornada de superação com muitos 'flashbacks' que são necessários enquanto denúncias e/ou componente formativo da personalidade da protagonista, mas que surgem de maneira dissonante na montagem. A fotografia de Claudio Miranda é linda, mais uma vez, e a trilha musical de Alexandre Desplat é bela e discreta. Mas são as interpretações femininas que mais chamam a atenção: Anette Bening, ótima na composição de um personagem difícil, porque não imediatamente simpática, e Jodie Foster sublime, roubando todas as cenas, ostentando a faceta "caminhoneira" que o finado Rubens Ewald Filho sempre reclamou: fiquei apaixonado pela determinação de sua personagem, que é abnegada, mas não apagada em função de outrem, mas sim defensora da plena comunhão de objetivos. O resultado geral é um tanto forçado, mas o desfecho e as cenas reais dos créditos finais emocionam! (WPC>)
Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Americano
4.6 64Quanto mais revisto, melhor fica: uma aula magna de Cinema e uma demonstração extrema do carisma de Martin Scorsese, sempre muito carinhoso em relação aos títulos que comenta, mesmo aqueles que considera imperfeitos e/ou defeituosos. Suas escolhas são bastante reconhecíveis em suas obras e a justificativa para encerrar a "viagem" na década de 1960 é perfeita. Aprendi muito (re)vendo este documentário e utilizarei perpetuamente as terminologias utilizadas (a tese do "diretor enquanto contrabandista" tornou-se conceito dominante para a cinefilia). Magnífico!
* P.S.: apesar da excelência do recurso e da magistral inserção (numa montagem coordenada pela Thelma Schoonmaker), os depoimentos de grandes diretores meio que "quebram" o clima, não obstante reiterarem o que o Scorsese narrava. É que, em minha opinião, isso acrescenta um lastro objetivo ao que, desde o início, é definido como extremamente pessoal. Mas é apenas uma observação. Vou repassar este filme para o máximo possível de pessoas queridas: é soberbo! (WPC>)
Uma Segunda Chance para Amar
3.5 477 Assista AgoraPor algum motivo, não liguei o diretor à trama, quando o filme foi lançado. Minha mãe - que é obcecada por filmes de Natal! - estava vendo esta obra numa daquelas maratonas do canal Studio Universal e eu estranhei a inteligência dos diálogos (deliciosamente vulgares, às vezes). Esperei ser reprisado e, logo nos créditos iniciais, encontrei os nomes de Emma Thompson (inclusive, como produtora) e Michelle Yeoh. Não tinha como ser ruim! De fato, não foi: uma delícia de filme com uma protagonista muito bem-interpretada e um tanto mimada, que amadurece ao longo da proteção, junto com a simpatia que desperta no espectador. Henry Golding é a aparição ideal, em âmbito namoratório, e as situações são concomitantemente divertidas e emocionantes. Ri bastante, e adorei o uso "inspirador" das canções do George Michael. Uma gratíssima surpresa, quem diria! (WPC>)
Algo Muito Natural
3.4 10 Assista AgoraNão conhecia este diretor (obliterado por homônimos mais famosos) e achei o filme insuportável nos dois primeiros terços: o protagonista ex-monacal é um porre, um chantagista relacional que defende uma lógica de nicho que muito me incomoda. Para piorar, a sua contrapartida "liberal" é igualmente insuportável, o que torna difícil enfrentar as brigas repetitivas de casal. Mas adorei as inserções documentais da Parada do Orgulho Gay, bem como a ótima reviravolta do desfecho. Pena que, quando o filme começa a ficar bom, ele acaba! (WPC>)
Águia na Cabeça
2.8 8 Assista AgoraNunca o considerei um diretor memorável, mas este título sempre me fascinou. Quando encontrei o DVD à venda, num sêbo, fiz questão de o adquirir e já o vi, de imediato - e gostei muito de alguns aspectos. Na pressa por imitar os épicos hollywoodianos sobre máfia, de fato, roteiro e montagem se atropelam. mas os fatos são muito interessantes (não mudou muita coisa em quarenta anos, não é?) e o elenco é digno de uma superprodução: Nuno Leal Maia está incrivelmente competente, Zezé Motta e Chico Diaz estão maravilhosos, Jece Valadão demonstra a sua competência habitual como vilão, a metalinguagem da cena em que Jofre Soares assiste a BOCA DE OURO (1963) é ótima, e Wilson Grey e Maurício do Valle são coadjuvantes de luxo. E tem ainda mais gente para citar. Gostei dos rumos da trama, das traições acumuladas, do cuidado com os eventos (vide as situações relacionadas ao desfile de escola de samba, por exemplo). Parece uma minissérie compactada, às vezes, mas merecia ser mais conhecido do público! (WPC>)
Irmã Morte
3.1 124 Assista AgoraAcho o diretor um um interessante artesão de gênero, mas nada funciona neste filme: o ponto de partida é promissor, demonstrando que os horrores da Guerra Civil são ainda mais devastadores que qualquer manifestação sobrenatural, mas o roteiro desperdiça todas as boas idéias, tornando a definição da protagonista um nulidade. Além do ritmo moroso, a montagem com gritos e sustos que não provocam nenhuma reação desmotiva a adesão espectatorial, de modo que, ao final, não queremos ligar os óbvios pontos da reviravolta vingativa e sem o pretendido impacto. Achei péssimo! (WPC>)
Em Nossos Dias
3.7 4E ele faz de novo: num filme super básico, elementar, o diretor justifica e explica as recorrências de seus enredos, defende o aproveitamento da vida a partir do reconhecimento de que beber, comer, fumar e se divertir é o que faz tudo valer a pena, é o que atribui algum sentido á falta de sentido... Faltou somente um pouquinho de sexo (risos). O elenco é ótimo, e as reverberações de um dos contextos no outro é extraordinário, sendo que a atriz Kim Seung-Yun é um achado de extrema simpatia. impressionante como o diretor/roteirista/montador/fotógrafo/compositor consegue tornar climática a simples adição de tempero à comida. Maravilhoso! (WPC>)
Vampira Humanista Procura Suicida Voluntário
3.7 15A idéia sintetizada no título do filme é ótima, de modo que adorei o desfecho, mas achei o filme muito problemático em sua adesão irrereada às fórmulas vingativas de tantas comédias adolescentes hollywoodianas semelhantes. A protagonista é muito, muito chata (humanista? Ela está mais para chantagista e mimada mesmo!), mas os demais personagens são honestos em suas participações. Fofinho e equivocado, mas muitíssimo bem resolvido. (WPC>)
Beau Tem Medo
3.2 411 Assista AgoraCabrunco do céu, tem mais um cineasta lendo o meu diário: fiquei impressionado com as similaridades psicológicas em relação aos enfrentamentos de meu dia a dia - e gritei de identificação na seqüência das situações "impossivelmente semelhantes". Joaquin Phoenix está ótimo, como de praxe, e a direção é esplendorosa: que direção de arte, que controle das transições entre delírio e realidade! Lembra muito, evidentemente, as produções do Charlie Kaufman. E só não é uma obra-prima absoluta porque aquele desfecho julgamental soou-me autocondescendente. Mas adorei (e temi) me ver na tela desse jeito: se eu tivesse visto este filme na escuridão de uma sala de cinema, perigaria surtar, caramba! (WPC>)
Shin Kamen Rider
3.5 20 Assista AgoraOs elogios, por parte de amigos, eram exacerbados e os meus contatos prévios com obras do diretor foram sempre bem recompensados. Percebi isso desde o início: o poder de evocação das palavras, neste filme, é magistral: basta que algum personagem mencione algo e, de repente, tudo no enredo orbita em função desse algo. Ensina às irmãs Wachowski como se cria um universidade de existencialismo rasteiro mas pungente. Efeitos visuais mui competentes e figurinos maravilhosos: amei os vilões animalescos! O segundo motoqueiro é um tesãozinho, aliás. Muito, muito bom. Exagerado e repetitivo, como eram os melhores seriados de cariz 'tokusatsu', mas tão empolgante quanto. Só achei que cai um pouco do ritmo no quartel final, mas já era tarde: eu estava fisgado! (WPC>)
Rustin
3.3 81 Assista AgoraAdentrei a sessão com expectativas baixíssimas: além de ter ouvido falar muito mal sobre este filme, tenho poucas esperanças nas cinebiografias em tom chapa-branca. Mas este filme apresenta-nos a alguém muito relevante, obliterado historicamente por conta de seu homossexualismo. Achei a personificação de Colman Domingo exagerada, mas, pelos diálogos, parece que o Bayard Rustin era afetado daquele jeito mesmo. Serviu, portanto. Porém, a melhor presença em cena, sem dúvida, é a de CCH Pounder: amei descobrir que era ela, uma enorme atriz ainda subvalorizada. É convencional, claro, mas competente em seus clichês. Curti! (WPC>)
Folhas de Outono
3.8 100Suprassumo do romance (e da persistência proletária), com acenos maravilhosas à cinefilia: a cena que devolve o afeto do diretor ao Jim Jarmusch é magnífica! Dono de um universo muito próprio, Aki dialoga com o seu próprio cinema, evocando tanto uma trilogia excelente quanto UM HOMEM SEM PASSADO. A fotografia é primorosa, bem como a escolha das canções. Amei o cachorrinho, e torci muito para que o namoro desse certo - e, de quebra, ainda há uma reflexão poderosa sobre o enfrentamento do alcoolismo. Os personagens são fabulosos (amei as interpretações bressonianas!) e, a despeito do tom cômico dominante, há inserções dramáticas intensas, entre um e outro momento de fofura. Soberbo! (WPC>)
A Memória Infinita
4.0 43Como tanto, amei e fiquei pessoalmente tocado por AGENTE DUPLO, de modo que adentrei a sessão com múltiplas expectativas. O ponto de partida sinóptico e a relevância dos personagens reais referendou a minha entrega prévia: não sabia que o Augusto Góngora havia trabalhado com o Raúl Ruiz - e a cena em que eles se entrevistas mutuamente é magnífica! Inteligente e organicamente politizada que é, a diretora (em comunhão plena com o casal) tece magistrais paralelismos entre as lembranças íntimas e a memória coletiva, entre a necessidade de lembrar (por causa do Alzheimer) e o imperativo de que não se esqueça (em razão do terror ditatorial no Chile). Um filme grandioso em múltiplos aspectos, que, só não é mais potente, porque foi obrigado a confinar-se, na época da quarentena pandêmica. Por razões óbvias, em dados instantes, o enredo documental torna-se repetitivo, iterativo, ainda que urgente no esforço pela manutenção compartilhada daquilo que aconteceu e segue deixando marcas. Amei o uso das canções na trilha sonora e emocionei-me bastante (vide a cena em que o Augusto chora quando teme ficar sem os seus livros). Mas, cinematograficamente, fica um tanto aquém da maravilha anterior; em âmbito afetivo, entretanto, merece ser difundido, elogiado e debatido. Ótimo! (WPC>)
Eu, Capitão
4.0 70 Assista AgoraLogo no começo, estranhei o modo como os personagens eram retratados: não na naturalidade de seu cotidiano, mas num destaque espetaculoso, afinal justificado pelo fato de os meninos serem compositores, a mãe dançarina, etc... Mas, depois que o périplo ocorre, comecei a incomodar-me ainda mais: pensei muito nas acusações sofridas pelo Steven Spielberg quanto começou a realizar filmes mais "sérios" (e a cena da "mulher que voa" evoca diretamente IMPÉRIO DO SOL). Quanto mais o filme avançava, mais problemática ficava a abordagem da 'torture porn', ainda que necessária aos intentos narrativos. Era óbvio que isso culminaria no triunfalismo "justificado" do trecho final, em que o título faz sentido, em que o protagonista cumpre a sua missão enquanto personagem amadurecido e heroicizado. Tenho elogios pontuais a diversos aspectos do filme, tão bem-feito quanto uma discreta superprodução hollywoodiana, mas a minha relação com o discurso e com o que ele representa politicamente não é das melhores: é um filme que engabela, muito mais do que exorta a coragem dos jovens senegaleses. Permanecerei encarando este filme com desconfiança... (WPC>)
Priscilla
3.4 167 Assista AgoraSou fã da diretora, obcecada por detalhes e rotinas, mas fiquei tão decepcionado com a sua péssima regravação para O ESTRANHO QUE NÓS AMAMOS, que nem tive coragem ainda de enfrentar ON THE ROCKS. Aqui, adentrei a sessão desconfiado, mas fui logo tragado pela excelente ambientação, pelo uso mágico da trilha cancional (não ter sido autorizada a utilizar os clássicos do Elvis Presley permitiu à diretora uma criatividade absurda na seleção musical!): por mais questionável que seja a aproximação entre o cantor e a adolescente, o roteiro consegue driblar o mal-estar ao enfatizar justamente outro mal-estar, o do extremo confinamento. Em suas opções camerísticas, o filme funciona como uma versão contemporânea de À MEIA-LUZ, ressaltando a divergência de compleições físicas e impacto social entre os personagens. Cailee Spaeny está eficiente, não questiono a sua premiação, mas é, em minha opinião, Jacob Elordi quem brilha: além de estar muito diferente de tipos anteriores que ele vivificou, sua interpretação não é imitativa, de modo que conseguimos acreditar no Elvis tramático. Até porque ele não é o protagonista, mas um ser coadjuvante porém ubíquo em seu potencial de opressão: fiquei impactado com o plano dos revólveres combinando com os vestidos, por exemplo. Fetichista e obsessivo-compulsiva, a diretora faz maravilhas com a montagem, ao ressaltar o caráter cíclico porém cerrado da rotina da personagem-título, cultivada em Graceland como um bibelô. E o desfecho é nada menos que magnífico: lembrarei para sempre de como a canção escolhida combinou magistralmente com o contexto. Lindamente triste, fascinante como a diretora nos treinou a esperar dela: a-do-rei! (WPC>)
Crescendo Juntas
3.8 96Eu já não tinha gostado do filme anterior da diretora, que muita gente acha ótimo e, como tal, estava com baixíssimas expectativas acerca desse novo trabalho. Mas curti a abertura, gostei da participação de Kathy Bates. Porém, por mais simpática que seja a protagonista e que o elenco esteja eficiente, não consegui tolerar o despejo violento de ideologia estadunidense mais crassa, por goela abaixo. Parece uma cartilha calculadamente saudosista de heterossexualismo de alta classe, com tudo o de prejudicial que está embutido no pacote. A despeito de ser um filme de época, é alienado histórica e politicamente, e a diretora não sabe muito o que fazer com a trama, exceto narrá-la de maneira emocionalmente hipertrofiada, com o apoio de canções célebres, quiçá por ter forte elemento autobiográfico. Admito que, para o público feminino, as lembranças da menarca e do crescimento dos seios possam garantir um conforto afetivo, mas os dilemas criados a partir da indefinição religiosa da garotinha soaram forçados, tanto quanto a ruptura familiar da personagem de Rachel McAdams. Dá para preencher o tempo, mas é irritante em sua "leveza" programada, ensaiada e convertida em manual do 'american way of life', estendido para todo o mundo. Tem a mesma 'vibe' de filmes noventistas como o gracioso AGORA E SEMPRE, da Lesli Linka Glatter, mas com um pendor regressivo, dada a afetação claramente pequeno-burguesa da realizadora. Comigo, não funcionou, blargh! (WPC>)
Nuovo Olimpo
3.5 60 Assista AgoraGosto muito do Ferzan Özpetek: O BANHO TURCO e SATURNO EM OPPOSIÇÃO são filmes que me marcaram, pela abordagem franca do homossexualismo. Porém, o alter-ego que ele expõe neste filme mais recente pareceu-me constrangedor. Naquela seqüência da entrevista, por exemplo, ficou evidente o ciúme que ele sente da consagração internacional do Pedro Almodóvar, por exemplo. Confessou as suas limitações enquanto realizador de nicho, uma pena. E é o que salta aos olhos aqui: uma pseudo-homenagem cinéfila, traiçoeira e manipuladora em múltiplos sentidos. Apesar de fingirem amar o cinema, os personagens não param de tagarelar enquanto vêem os filmes - isso, quando não correm para flertar nos corredores e banheiros. Mesmo quando o enredo pretende comentar algum fato político, o faz pelo viés do "prejuízo cotidiano", demonstrando-se altamente reacionário. A nostalgia forçada pelas passagens de tempo não consegue disfarçar que o tal "amor correspondido" da trama não engrena, o que só piora pela infantilidade dos diálogos e pelas constantes brigas entre casais ressentidos e mal-amados. Nem inserindo este aspecto psicanalítico na diegese, o filme funciona. Gostei do uso das canções da diva italiana Mina, mas é um filme de uma precariedade emocional atroz, aburguesado até dizer chega, primário e precário em suas intenções afetivas. Uma produção destinada aos ciumentos, quiçá. Muito, muito ruim! (WPC>)
Jon Batiste: American Symphony
3.3 25Adorei conhecer mais sobre o Jon Batiste e solidarizei-me quanto à luta da Suleika contra a leucemia, mas, a despeito do ótimo ponto de partida, o diretor não sabe muito o que fazer com o assunto, adotando uma narrativa arrítimica e monocórdia, que torna o filme muito abaixo de seu potencial. É simpático, claro, mas insosso e sem vigor. Curti a trilha musical, obviamente, mas possui os mesmos apanágios desenxabidos que caracterizam os documentários netflixianos... (WPC>)
Saltburn
3.5 858Gosto de BELA VINGANÇA, a despeito das polêmicas sobre as altas dose de lacração e inverossimilhança contidas na trama. Aprecio ambas as características, naquele contexto exagerado e internamente funcional. Mas, nesse novo trabalho, decepcionei-me bastante. Adentrei a sessão com muitas expectativas, o que talvez tenha sido o problema que desencadeou parte considerável de muitas frustrações: quis ver sexualidade incandescentes, cenas chocantes, deparei-me com um filme mui comportado em suas provocações, ainda que bem construídas enquanto expansão desejosa do que cada personagem representa na tessitura relacional que circundava o vilanaz protagonista. Barry Keoghan lidera com maestria um elenco extraordinário (como não amar Rosamund Pike?), mas o filme desagradou-me em todos os níveis, do meio para o final, eu simplesmente não conseguia prestar atenção: algumas conversas são ridículas, principalmente o que evolve a personagem Venetia. A direção de arte é deslumbrante e a fotografia é incrível, mas detestei o filme em todos os níveis possíveis. Abominei! (Aproveito a deixa para fazer uma errata: nalguns comentários, referi-me ao filme como moralista. Na verdade, talvez eu esteja destinando a minha repulsa contra a reação exacerbada de espectadores a seqüências que são pouco aproveitadas na tela. Chegaram a comparar a repulsa sentida àquela causada por SALÓ, OU OS 120 DIAS DE SODOMA, pasmem! Em âmbito sintomático, isso é mais que preocupante - e a distribuidora do filme, infelizmente, está focando nisso para divulgá-lo. Uma pena!) - WPC>
Maestro
3.1 260Não gosto de NASCE UMA ESTRELA. Normal (sou aficionado pelas versões anteriores, não precisava de mais uma regravação!). Porém, esperava que este filme fosse minimamente interessante, por causa da importância do biografado e do impacto que este filme vem provocando nos críticos estadunidenses. Mas decepcionei-me radicalmente: tudo bem, a fotografia é caprichada e a montagem faz um jogo inspirado de conjunções espaciais, mas, quando o protagonista abria a boca, o filme decaía progressivamente. Desde a abertura, aliás: quando a citação sobre "a arte ter a função de provocar perguntas, e não respondê-las" é seguida de um 'flashback' descaradamente responsivo, de modo que o enredo é vexatoriamente explicativo. Porém, os diálogos são tão mal-feitos, a interpretação de Carey Mulligan é tão equivocada (nada naquela personagem funciona!), as composições do músico são tão historicamente negligenciadas (ainda que onipresentes na trilha sonora), que suportar este filme até o final foi um trabalho hercúleo. Quando a discussão envolvendo os "rumores" comportamentais do personagem entram em cena, o filme só decai, fica ainda pior, deplorável, insuportável. As seqüências que mostram Bradley Cooper regendo uma orquestra são involuntariamente cômicas, de tão ridículas. Que filme decadente, aff! (WPC>)
O Assassino
3.3 516Sou fã do diretor e, como tal, adentrei a sessão empolgado e com ótimas expectativas. Mas estas foram superadas, em razão do modo brilhante como é construído o protagonista, que repete um mesmo mantra procedimental N vezes, a fim de se convencer e de conquistar o público (por mais que ele apregoe contra a empatia). A utilização persistente das canções de The Smiths foi algo magnífico e as interpretações são todas ótimas, sendo que a presença inspirada de Tilda Swinton encontra eco com OS LIMITES DO CONTROLE, em relação ao qual o 'mcguffin' tramático serve como deixa, visto que o roteiro também emula diversos filmes de Jean-Pierre Melville - em especial, O SAMURAI, claro. A direção é meticulosa, brilhante, esplêndida e o filme só não é uma obra-prima porque, em dado momento, a ação se sobressai ao estudo de personalidade, ainda que muitíssimo bem. É um filme que, desde já, asseguro que reverei inúmeras vezes, ao lado de mais de um amigo. Maravilhoso e terapêutico! (WPC>)