Um filme-testamento em múltiplos sentidos, que faz jus ao arrebatamento crítico: um filme sobre a persistência dos milagres do/no Cinema, numa conjuntura em que as pessoas envelhecem, as amizades se esvaem e as salas de exibição cinematográfica são fechadas... O diretor exorta o reencontro, a partir de uma 'mise-en-scene' clássica, que resgata aspectos narrativos de obras como CINEMA PARADISO e UMA HISTÓRIA IMORTAL para devolver-nos o básico, aquilo que mais elementar há na vida e nos filmes: a (re)descoberta, o ato emocional de estar ao lado de alguém, de rememorar algo, de sentir... Belíssimo e simples, pungente e intenso. Uma obra magna, de um diretor que fala sobre o próprio ofício, permite que seus atores/personagens brilhem e conta com uma presença sumamente iluminada de Ana Torrent, que amadureceu frente às suas câmeras: os diálogos pronunciados por ela são absolutamente geniais, desde aquele sobre a banalização da Beleza até o que justifica o título. Soberbo! (WPC>)
Apesar da explicitude titular, não imaginei que o filme mudasse drasticamente de tom, a partir da ousada decisão do diretor-protagonista em expandir os limites da autoficção em relação à sua própria vida. Por vezes, trata-se de uma comédia exagerada, divertida e com muitas propensões à identificação espectatorial: já percebi-me tantas e tantas vezes em meio àquele frenesi doméstico, em instantes de depressão proto-suicida. Amei a abertura, a algaravia musical e dialogóstica, as citações a Emil Cioran (que nunca li), o registro fiel (justamente porque deliciosamente promíscuo) de algumas atividades de 'gays' influentes... Mas, de repente o filme aproveita a participação da atriz recorrente do diretor (amo a Catalina Saavedra em A CRIADA) para investir numa autocrítica de classe, tendo muitos aspectos em comum com o filme citado, no que tange ao protagonismo ambíguo e amoral da empregada. Amei o cachorro Chima, amei as situações que ocorrem no entorno (o mendigo defecando, a performance artística enfadada, os boquetes múltiplos) e amei a conscientização progressiva do influenciador social, que passa a ser questionado por "criar um conteúdo inassistível", ao mesmo tempo que este viraliza, vai entender... Em aspectos formais e discursivos, é um filme-gêmeo das produções contemporaneamente radiográficas do Radu Jude. Adorei! Não tornou-se a obra-prima existencial que eu queria, em razão de um dado acidentalmente "inexistente" (a morte ocorre, efetivamente, trazendo para o primeiro plano a podridão anunciada), mas é ótimo! (WPC>)
Demorei muito para gostar deste diretor, no sentido de que ele serve-se de algum despojamento técnico em prol do que realmente o interesse, que é o humanismo dos roteiros escritos pelo colaborador habitual, Paul Laverty. Aqui, entretanto, ele atinge alguns paroxismos: as interpretações do atores britânicos são excelentes e, por mais que se incorre em certa idealização dos personagens sírios, ela sabe bem o que enfocar, emociona-nos deveras através do uso de 'fade-outs' e de 'flashbacks' que explicam como o protagonista renasceu ao encontrar a cachorrinha Marra (aliás, maravilhosa!)... O filme perde um tanto de ritmo na segunda metade, mas mantém uma característica-chave das obras loachianas, que é não investir no "final feliz completo": por mais que tudo pareça dar certo, em relação às boas intenções dos envolvidos, o mundo real sempre demonstra que algo pode degringolar ao lado. E as pontas propositalmente soltas deste enredo são múltiplas, o que é ótimo, enquanto propósito de motivação realista. Converteu-se imediatamente num de meus favoritos do diretor: belíssimo! (WPC>)
Estava para ver este longa-longa-metragem faz tempo, mas cadê a disposição para enfrentar as mais de sete horas de duração, já que eu não aprecio esfacelar a audiência aos filmes? Depois que ele passou a ocupar posições de destaque nas litas de alguns críticos, resolvi enfrentar a empreitada, com algumas observações à mão, enquanto rechaços: o fato de ser muito longo obviamente, a recorrência das filmagens em viagens e a ausência de som, em muitas seqüências. Pouco a pouco, meus argumentos de irritação foram caindo por terra, no sentido de que o ritmo do filme é hipnótico, de que os registros de viagens são transformadores e de que há experimentos brilhantes com o som. Sem contar que a remontagem setorizada de cenas de produções anteriores do co-diretor reverenciado são maravilhosas. Se, dentre os filmes bressaneanos que vi, cerca de 3/4 ultrapassam a categoria de ótimos, era óbvio que uma exibição dos melhores momentos destas obras beiraria a obra-prima. Inclusive porque há muito mais sendo efetuado aqui, para além do aspecto testimonial/testamental: ao longo de registros audiovisuais realizados em décadas. Assistimos a uma total cumplicidade entre diretor, equipe e sua esposa Rosa Dias, além de muitos outros envolvidos num processo estendido de homogeneizar Vida e Cinema, Arte e Cotidiano. Magnífico: saí alquebrado ao final da viagem, claro, mas muitíssimo satisfeito por saber que já havia atingido um destino antes mesmo de o ônibus zarpar... (WPC>)
A cada novo trabalho, rendo-me a genialidade anarquista do Radu Jude, ainda que, como um tanto purista que sou (por causa de minha idade), eu estranhe a sua aptidão para utilizar discursivamente os recursos de novas ferramentas 'pop', como o Tik Tok, por exemplo. Os créditos finais deste filme requerem revisão, tamanha a quantidade de informações despejadas. No início, eu cria que não conseguiria entrar no "clima", já que um percurso similar ao que ocorre na primeira parte de MÁ SORTE NO SEXO OU PORNÔ ACIDENTAL nos cansa de propósito, já que a temática central do roteiro é a exploração empregatícia. Mas a segunda (e sardonicamente desproporcional) parte deste mais recente filme eleva o talento crítico do cineasta a patamares ultradimensionais: não sabia se gargalhava ou se me desesperava, muitas vezes. Fiz os dois, portanto, como parece ser uma intenção recorrente em suas obras, mui diagnosticadoras do tal 'zeitgeist' apocalíptico antecipado magistralmente pelo título. seja via esquerda (menos) seja via direita (bem mais), está tudo destinado ao caos destrutivo, hoje em dia, e ele registra isso de maneira inteligente, divertida e imersiva. A longa duração assusta, eu sei, mas acreditem: vale o investimento! (WPC>)
Na revisão, numa sessão universitária em que estávamos apenas eu e os dois exibidores, gostei ainda mais: sabia o que eu iria encontrar e, ainda assim, estive diante de muitas descobertas. Ao final da sessão, minha mente estava efervescente, tamanha a quantidade de narrativas possíveis, em construção e movimento imaginativo. A despeito de, sim, a reflexão literária ser dominante, é um filme com muitas provocações eminentemente cinematográficas, como os movimentos em 'zoom', os 'faux raccords' e a montagem em plano/contraplano. Quando eu estava prestes a reclamar de certa elitização (por causa do uso da trilha musical beethoveniana/diabelliana), a personagem da escritora traz à tona um válido debate sobre as reverberações culturais e alfabetizantes da luta de classes. Senti-me positivamente desafiado - e espectatorialmente "confortável" por causa disso: trata-se de um dos melhores filmes da realizadora (ainda muito subestimada), portanto! - WPC>
Se considerássemos o cinema de Alexander Payne um subgênero específico do cinema norte-americano, este filme aqui corresponde à cristalização de suas fórmulas, sendo tão autoral quanto clicheroso: é deveras previsível em suas resoluções conciliadoras, mas também muito agradável e prazenteiro naquilo que nos provoca, remontando aos melhores trabalhos de Hal Ashby. Não gostei muito do personagem de Dominic Sessa, no sentido de que ele parece velho demais para o papel, mas os outros dois componentes do triângulo protagonista brilham: Paul Giamatti está supremo como um maravilhoso pólo humano de identificação, fazendo jus, à guisa de esclarecimento, ao ótimo título brasileiro do filme, enquanto Da'Vine Joy Randolph está magnânima em todas as suas aparições. A fotografia "retrô" e a trilha cancional são mui eficazes na emulação dos efeitos setentistas. Por vezes, o filme é ótimo, mas cansa um pouco depois que há uma viagem para Boston. Seja como for, um filme que confirma a maestria desse realizador, infelizmente ainda associado apenas às temporadas de premiação: ele pode ser bem mais que isso, basta se soltar. Eu, particularmente, sou fã: a lógica moral é eminentemente norte-americana, mas, em suas ampliações, serve para nós, também. Saí da sessão pré-natalisticamente consolado! (WPC>)
Gente, esse Steven LaMorte insiste em ser piada pronta, né? Ele faz o possível para ganhar visibilidade através dos inúmeros aspectos ridículos deste curta-metragem, mas, sinceramente, prefiro nem dar muita divulgação gratuita... Por questões referentes a direitos autorais, o roteiro menciona o nome do Grinch apenas numa seqüência com um estratagema tolo de vozes sobrepostas. O nome do alcóolatra é Dr. Zeus, fazendo referência chistosa ao autor do livro original, bem como a "Cindy Você-Sabe-Quem". Infelizmente, aqui no Brasil esses personagens não são tão famosos, de maneira que muitas intenções satíricas são desperdiçadas. Mas gostei da narração rimada e do questionamento sobre final feliz, no desfecho. Mas a conversão súbita da protagonista em justiceira dá nos nervos: ela é ainda mais repugnante que o malvado titular (risos). Uma esculhambação programada, conforme requer os modismos hodiernos. Para mim, é não, urgh! (WPC>)
Como eu, em minha indulgência de fã, venho sido tolerante até mesmo com trabalhos contemporâneos considerados "menores" do mestre alemão cansado (gosto de TUDO VAI FICAR BEM, por exemplo), desconfiei quando a crítica exortou massivamente este como "um de seus melhores trabalhos recentes". Cri que ele voltasse à homenagem ao Ozu e que seguisse levado à frente suas obsessões agora controladas (através das instalações de sua esposa Donata) e intuía que as canções famosas surgissem como exibicionismo de seu talento existencial - o que, de fato, ocorre, por vezes. Mas o desfecho é tão intenso em sua descarga de felicidade musical que eu admito ter caído na esparrela. Porém, não consegui imergir emocional e/ou sinestesicamente no filme. Concordo que a premiação para o Koji Yakusho seja merecida e que, em sua expansão discursivo-consoladora, o ponto de partida tramático é ótimo. Mas incomodei-me bastante com as aparições do colega de trabalho de Hirayama e com a chegada de sua sobrinha: ambos os personagens, tal como aquele jogo da velha jogo dia após dias, num banheiro, dotam o cotidiano do protagonista de uma carga intensa de ingenuidade reativa, fazendo com que se confunda exaltação da simplicidade com banalização da mesma, nalgumas seqüências (a visita ao sêbo, por exemplo). Mas é um filme que não tem como não funcionar: o diretor escolheu bem as canções, estudou com afinco o conceito de 'komorebi'. Em sentido geral, é um filme cativante e motivacional. Talvez hipertrofiado pela publicidade, mas que faz jus ao envelhecimento do Wim Wenders! (WPC>)
Ainda não vi os premiados curtas-metragens da diretora, mas, como tantos outros, apreciei bastante CARVÃO, de modo que as expectativas eram altíssima aqui, sobretudo por conta da temática. Autora nata, a cineasta faz com que percebamos vários pontos em comum entre as duas obras (a mesma fonte para o letreiro inicial, a lógica enredística dos pequenos delitos acumulados, a comunicação truncada entre os familiares), mas o tom é distinto, sobretudo no que tange às interpretações: se, no filme anterior, estas eram excelentes, aqui, há algo de problemático na estratégia de preenchimento das lacunas de construção personalística através do recurso aos palavrões excessivos, de modo que soa inatural. Essa inaturalidade, aliás, atinge um interessante apogeu nas seqüências do curso pentecostal contra a pederastia, em que o artifício ostensivo possui um bem-vindo viés metalingüístico (quem não é obrigado a atuar no dia a dia?). Entretanto, se a hipocrisia de alguns evangélicos é escancarada no roteiro, prestei mais atenção a como é incômoda a relação entre mãe e filho, no sentido de que o personagem de Kauan Alvarenga é simplesmente insuportável! O truque de fazer com que a cor rosa seja dominante na fotografia (do iogurte que o filho bebe ao uniforme prisional de sua mãe) é ótimo, bem como o aproveitamento estético das chaminés abundantes no cenário (alguém gosta muitíssimo de O DESERTO VERMELHO, pelo visto), mas o tom centrípeto da narrativa demora a explodir: gosto de como o filme acaba, mas, até chegar lá, muitas firulas surgem na tela, prejudicando a imersão. Mas estamos diante de uma cineasta que merece aplausos continuados, sem dúvida! (WPC>)
Respirarei bastante antes de iniciar os comentários acerca deste filme (negativos, sobretudo), para evitar que me tachem imediatamente de espectador pequeno-burguês. Mas achei este filme discursivamente hediondo, justamente por não tomar partido (exceto pela onipresença do mal e dos erros) em relação ao embate entre classes que ele estabelece. Tecnicamente, o filme é hábil (lembra alguns exemplares de terror contemporâneo francês, por exemplo), exceto no que tange à captação de som nalguns diálogos, quase inaudíveis. O elenco é mui eficiente, mas os personagens são sumamente reprováveis, dão medo, muito medo: por mais execráveis que sejam os ricos, os moradores sublevados da fazenda parecem zumbis emburrecidos e progressivamente assassinos. Não basta matar, mas é necessário torturar, com requintes de muita crueldade, como se o filme se deleitasse com tanta violência, progressiva e horrível. Por vezes, parece que é ensaia uma identificação emocional com a fragilidade da protagonista, logo convertida numa espécie de Ramba nordestina. Mas a lógica da malevolência progressiva só piora. Não há respiro de conciliação ou resolução, apenas erros cumulativos e sanguinolentos (o que acontece à criança e ao cavalo apavoraram-me). Queria dizer que não é um filme ruim, mas soa como um desserviço atroz, um filme perigoso e que chega da pior forma e no mais temível momento político do País. Atemorizante: comigo, não funcionou. Definitivamente! (WPC>)
Era óbvio, evidente que seria um filme ruim (não havia o que ser "continuado", afinal!), mas insisti em tentar compreender a lógica de fuga e reeducação deste filme, mas nada faz sentido: a participação de Patty Duke como Rosemary é constrangedora e o roteiro não sabe o que fazer com o personagem do Guy Woodhouse. Por vezes, o roteiro parece ter sido escrito por um moralista evangélico (vide os julgamentos intragáveis na seqüência da dança ou a justificativa de Ray Milland para convencer seu afilhado a experimentar maconha). O que levou este elenco a aceitar passar tanta vergonha?! As cenas de tensão são péssimas e ilógicas, e a terceira parte ("o livro de Andrew") é tosco até dizer chega. Só piora a cada segundo. Que ultraje, minha gente: o diretor é tão talentoso enquanto montador (do filme original, inclusive), mas sujou as suas mãos aqui! (WPC>)
Passado o susto em perceber que o mesmo diretor "experimentador" de filmes anteriores recaiu nos clichês mais desgastados de um subgênero quase televisivo do cinema hollywoodiano, admito que há algo de simpático nesta produção infantil que conta com boas intepretações, uma trilha musical graciosa (em que Fernanda Takai permite-se a utilização de uma versão acústica de "Sobre o Tempo", da banda Pato Fu) e personagens e situações prenhes de simpatia (ainda que caricata em sua pretensa vilania, gostei da construção de Léia, por exemplo). O diretor não esconde os seus impulsos cinefílicos (há várias citações breves a clássicos norte-americanos) e, mesmo que o ritmo seja irregular ou troncho (por causa do histrionismo da competente Polly Marinho, sobretudo), o saldo geral é minimamente divertido e com um leve toque pessoal (já que o argumento foi baseado numa situação familiar). Não incomoda tanto, portanto: até que eu me diverti um pouquinho, mesmo detestando o Natal. Tenho certeza de que minha mãe apreciará, entretanto: tomara que obtenha um válido sucesso de público, em seu nicho específico... (WPC>)
Filme histérico do cabrunco: se, no início, eu estava assustado com a belicosidade recorrente de Margaret e com a intensidade das brigas que ela provoca, quanto mais conhecemos a personagem de Valeria Bruni Tedeschi, mais compreendemos o porquê de aquilo acontecer. Haja surto! Em alguns sentidos, este filme é uma versão madura e francesa do clássico juvenil MINHA MÃE É UMA SEREIA, em que a frivolidade sexual e comportamental da mãe e a religiosidade conseqüente de uma das filhas se repete. mas o roteiro, com participação da diretora e da protagonista, avança para decisões ambíguas, que, surpreendentemente obtêm êxito ao fazer com que nutramos simpatia pela personagem de Stéphanie Blanchoud, que demonstra-se uma cantora e compositora excelente. A direção é ótima (amei os enquadramentos!) e o desfecho em aberto é primoroso, na maneira como especifica dialogisticamente as razões para os embates entre mãe e filha. Eu estava estranhando o filme no início, mas gostei bastante dele do meio para o final. Uau! (WPC>)
Obcecado pela diretora que sou, adentrei a sessão com muitas expectativas. E estranhei a paralisia rural/paisagística do início, a lentidão crônica, nos dois sentidos do termo, apresentando muitas similaridades com o cinema de Aleksandre Koberidze (de quem, até agora, eu não gosto). Até mesmo os diálogos rasteiros sobre futebol aparecem, em meio a traços reconhecíveis da diretora, como a maneira inatural com que o protagonista veste uma mesma camisa vermelha, ao longo de diversos anos. Até que, quando a música prometida no título entra em cena, e os personagens migram para a área urbana germânica, a diretora entrega aquilo que esperávamos dela. E, quem a ama, é recompensado, é agraciado com seus apanágios geniais, com seus enquadramentos supra-arquitetônicos, com sua evocação poderosa de partes que se sobressaem a um Todo difícil de ser alcançado/compreendido num primeiro contato. Os fãs da banda Belle and Sebastian ficarão felizes com a guinada cancional deste filme. É como se a diretora estivesse chateada com os vícios de consumo estilístico aplicados em seus espectadores habituais, e propusesse um vôo reflexivo mais amplo, a ponto de ter realizado aquele que talvez seja o seu enredo mais linear/narrativo: um épico intimista que, como de praxe em seu cinema obriga-nos a olhar para o ambiente, e constatar que esse determina muitos dos comportamentos dos viventes. Foi uma experiência árdua e desafiadora, mas adorei. Amo esta mulher, aliás: obrigo-me a reiterar! (WPC>)
Adentrei a sessão um tanto desconfiado. Depois de alguns trabalhos excessivamente "comportados" (ainda que meritórios), lamentei que o Todd Haynes estivesse desistindo de suas obsessões pessoais, em prol do padrão de qualidade hollywoodiano, com cooptação oscarizável. Este anseio permanece ativo aqui, mas num viés que resgata algo em que o diretor é especialista: o retrato das conseqüências sociais (devastadoras, geralmente) da passivo-agressividade. E contou com um elenco sublime para isso: as duas protagonistas entregam desempenhos 'hors concours', maravilhosos no embate entre a rapacidade e a ameaça, entre a necessidade de imitar e o impulso de proteção atacante. Charles Melton, potencialmente esmagado entre ambas, consegue reverter a situação de maneira sensível, apresentando-nos a um personagem também complexo em suas renúncias e desejos. A fotografia é linda e, se eu havia chateado-me com o fim da parceria entre o cineasta e meu músico favorito, o Carter Burwell, ele esfregou em minha cara algo brilhante: a utilização de uma trilha musical alheia (os temas de Michel Legrand para O MENSAGEIRO, de Joseph Losey), enquanto lógica intertextual de repressão explosiva, da mesma maneira que as crises de choro da Gracie e as pulsões masturbatórias de Elizabeth. Ao término da sessão, eu estava em choque: parecia que eu havia testemunhado uma obra de terror, tamanha a pujança reativa dos encontros. Vide a cena com o pai do personagem masculino ou a poderosa seqüência da entrevista na escola. Um trabalho cujos enquadramentos resgatam o mesmo rigor do cultuado 'Safe'. Todd Haynes em seu melhor: amei! (WPC>)
Na revisão, este filme cresceu absurdamente: que direção esplêndida, que roteiro perfeito, que interpretações magistrais (William Powell e Gail Patrick estão magníficos!)... O personagem do mordomo tornou-se um modelo moral para mim, desde já. Só lamento que a Irene perca a sua importância narrativa, à medida que a trama avança. Mas a abordagem do enredo é tão autocrítica, quanto aos benefícios e mimos das classes privilegiadas, que eles antecipam - de maneira primorosa - motes que o sueco Ruben Östlund tentou reproduzir, sem a mesma eficácia: a personagem de Mischa Auer que o diga. Até a imitação de gorila está lá. Maravilhoso: ao final da sessão, fiz questão de recomendá-lo aos meus melhores amigos! (WPC>)
Depois de meu fascínio extremo frente ao ótimo PACIÊNCIA ZERO, decepcionei-me com a abordagem confusa deste filme, que é como se fosse uma versão 'gay' de 'Stealing Heaven', dirigida por alguém que aprecia o Peter Greenaway e o Todd Haynes de outrora. O ponto de partida histórico é super válido - e o fato de ter sido lançado antes de O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN, idem - mas a montagem é confusa e a abordagem é um tanto televisiva, em seus recursos mal-administrados, tanto em âmbito narrativo quanto discursivo. A interpretação do personagem holandês é interessante, mas o seu co-protagonista africano é mal construído, adotando uma lógica de deboche em situações que deveriam ser muito sérias e que ganhariam em relevância se aderissem à abordagem melodramática. Esforcei-me para chegar até o final, de tão irritado que eu fiquei com o tom decepcionante da estória, que, afinal, termina bem, em seus jogos históricos à la Derek Jarman, inclusive com um ou outro toque anacrônico. Voltarei ao cinema greysoniano, eis uma certeza! (WPC>)
Gente, que descoberta, que filmaço militante, no viés mais orgânico do termo: sempre quis ver este filme, desde que eu soube de sua existência, ainda adolescente, em 1994. Surpreendi-me bastante com os números musicais (o diálogo anal, que o diga!) e apreciei bastante o discurso de reivindicação da visibilidade moral do personagem real, cientificamente julgado pelo moralismo dos encubados. Muito inteligente na abordagem repleta de camadas, lembrando muito o Todd Haynes da primeira fase. Queer cinema em estado de graça e magia. A-do-rei: quero ver mais deste diretor, elogiado por um amigo bastante conhecedor das nuanças da arte homossexual! (WPC>)
Revi o filme, depois de finalmente ler o livro e quase chorei, de tanto que eu desejei que as situações que ocorreram naquele baile não acontecessem novamente... Filmaço muito bem dirigido (o controle do mestre De Palma é impressionante!) e interpretado, que serve como testemunho dos costumes daquele período, com trilha musical suprema do Pino Donaggio. Poderia escrever linhas e mais linhas acerca desta jóia. Sintetizo com um grito: GENIAL! (WPC>)
Apesar do título e da proposta interessante, o filme é entulhado de contradições essenciais. Primeiro, porque, a despeito da narração em primeira pessoa, o protagonista verdadeiro é o biólogo que zela por seu bem-estar, no comando da ONG Onçafari; segundo, porque não há problematização efetiva acerca da pecuária, como algo que instaura uma lógica de consumo mui destrutiva; terceiro, porque por mais que se repita que "toda vida é igual", os animais que servem de alimentação para as onças são descritos como meras "carcaças"; quarto, porque a narração forçada da Alanis Guillen serve apenas para quem a assistiu na novela "Pantanal"; e, quinto, porque a estética é de reportagem televisiva, vendida sobretudo para quem é espectador contumaz da TV Globo. Afora tudo isso, há boas intenções, sim, em âmbito militante organizacional. Esforcei-me para gostar, mas é um filho tolhido por conta das contradições supracitadas. Publicitário 'ad extremis', portanto. (WPC>)
Adentrei a sessão esperando ver um produto infantil e repetitivo - nunca assisti à série animada, mas vi trechos de episódios, e lembro que era repleta de cacoetes - e me deparei com uma trama melancólica e mui dolorosa, reiterando a habilidade roteirística dos japoneses no que tange à abordagem do 'bullying' adolescente. A introdução, ao som do "Bolero" de Ravel, é muito bonita, e a apresentação em 'flashback' do personagem Lui é muito dolorosa, de modo que, inevitavelmente, identifiquei-me em âmbito pessoal. Há uma inevitável arritmia, no sentido de que as premissas aventureiras surgem repentinamente, mas o miolo melodramático é interessantíssimo. Por vezes, soa como um episódio estendido da série original, mas possui um charme tristinho mui peculiar. Comigo, funcionou: aceito as contradições espectatoriais! (risos) - WPC>
Adentrei a sessão com as mais baixas das expectativas. E, como tal, não o achei ruim, é um filme que diverte. Porém, acontece pouca coisa na trama, além daquilo que já vimos nos 'trailer': por mais que, em minha opinião, a atriz brilhe (eu gostei dela), a personagem não acompanha o seu esforço. Enquanto biografia, há muito pouco a ser mostrado e, enquanto reconstituição histórica, a montagem se desperdiça numa persistente série de vinhetas que imitam a estética do Super-8, e que ocupa quase um terço do filme. Não há emoção, não há situações efetivas, não há abordagem convincente, em âmbito histórico-discursivo. Há uma personagem à deriva, que me conduzia a imaginar menos a biografada que alguém em busca de sua própria voz. E isso poderia ser interessante, mas as diretoras interditam este processo o tempo inteiro, por causa das supracitadas vinhetas. Sem contar que a Gal existe tramaticamente apenas em função de outrem: quando Caetano e Gil vão para o exílio, nada sobra para ela, exceto os peitinhos à beira-mar. É um filme publicitário, que, na pior das hipóteses, talvez exorte as novas gerações a ouvir os álbuns da diva. É alguma coisa? Pois é, fui exageradamente condescendente, mas... Ao menos, não me entediou. Por mais que seja um pastel solado de vento! (WPC>)
Na primeira vez que vi este filme, não gostei: estranhei a mudança de tom europeia e achei o enredo fraco em suas "coincidências" excessivas. Revendo-o hoje, por insistência de um amigo, gostei muitíssimo. Tanto pela identificação em relação à protagonista, jornalista afoita e apaixonada pela pessoa errada, quanto pela maestria do personagem de Woody Allen (muito bem interpretado) em relação às contingências de sua própria vida pessoal. A fotografia de Remi Adefarasin é primorosa e o elenco está muitíssimo bem entrosado. Parece repetitivo - e talvez o seja, em âmbito autoral - mas funciona muito bem após a passagem do tempo: emocionei-me e ri sozinho, em múltiplas oportunidades. Ótimo! (WPC>)
Fechar os Olhos
4.3 15Um filme-testamento em múltiplos sentidos, que faz jus ao arrebatamento crítico: um filme sobre a persistência dos milagres do/no Cinema, numa conjuntura em que as pessoas envelhecem, as amizades se esvaem e as salas de exibição cinematográfica são fechadas... O diretor exorta o reencontro, a partir de uma 'mise-en-scene' clássica, que resgata aspectos narrativos de obras como CINEMA PARADISO e UMA HISTÓRIA IMORTAL para devolver-nos o básico, aquilo que mais elementar há na vida e nos filmes: a (re)descoberta, o ato emocional de estar ao lado de alguém, de rememorar algo, de sentir... Belíssimo e simples, pungente e intenso. Uma obra magna, de um diretor que fala sobre o próprio ofício, permite que seus atores/personagens brilhem e conta com uma presença sumamente iluminada de Ana Torrent, que amadureceu frente às suas câmeras: os diálogos pronunciados por ela são absolutamente geniais, desde aquele sobre a banalização da Beleza até o que justifica o título. Soberbo! (WPC>)
Rotting in the Sun
3.5 85 Assista AgoraApesar da explicitude titular, não imaginei que o filme mudasse drasticamente de tom, a partir da ousada decisão do diretor-protagonista em expandir os limites da autoficção em relação à sua própria vida. Por vezes, trata-se de uma comédia exagerada, divertida e com muitas propensões à identificação espectatorial: já percebi-me tantas e tantas vezes em meio àquele frenesi doméstico, em instantes de depressão proto-suicida. Amei a abertura, a algaravia musical e dialogóstica, as citações a Emil Cioran (que nunca li), o registro fiel (justamente porque deliciosamente promíscuo) de algumas atividades de 'gays' influentes... Mas, de repente o filme aproveita a participação da atriz recorrente do diretor (amo a Catalina Saavedra em A CRIADA) para investir numa autocrítica de classe, tendo muitos aspectos em comum com o filme citado, no que tange ao protagonismo ambíguo e amoral da empregada. Amei o cachorro Chima, amei as situações que ocorrem no entorno (o mendigo defecando, a performance artística enfadada, os boquetes múltiplos) e amei a conscientização progressiva do influenciador social, que passa a ser questionado por "criar um conteúdo inassistível", ao mesmo tempo que este viraliza, vai entender... Em aspectos formais e discursivos, é um filme-gêmeo das produções contemporaneamente radiográficas do Radu Jude. Adorei! Não tornou-se a obra-prima existencial que eu queria, em razão de um dado acidentalmente "inexistente" (a morte ocorre, efetivamente, trazendo para o primeiro plano a podridão anunciada), mas é ótimo! (WPC>)
The Old Oak
3.6 8Demorei muito para gostar deste diretor, no sentido de que ele serve-se de algum despojamento técnico em prol do que realmente o interesse, que é o humanismo dos roteiros escritos pelo colaborador habitual, Paul Laverty. Aqui, entretanto, ele atinge alguns paroxismos: as interpretações do atores britânicos são excelentes e, por mais que se incorre em certa idealização dos personagens sírios, ela sabe bem o que enfocar, emociona-nos deveras através do uso de 'fade-outs' e de 'flashbacks' que explicam como o protagonista renasceu ao encontrar a cachorrinha Marra (aliás, maravilhosa!)... O filme perde um tanto de ritmo na segunda metade, mas mantém uma característica-chave das obras loachianas, que é não investir no "final feliz completo": por mais que tudo pareça dar certo, em relação às boas intenções dos envolvidos, o mundo real sempre demonstra que algo pode degringolar ao lado. E as pontas propositalmente soltas deste enredo são múltiplas, o que é ótimo, enquanto propósito de motivação realista. Converteu-se imediatamente num de meus favoritos do diretor: belíssimo! (WPC>)
A Longa Viagem do Ônibus Amarelo
4.2 1Estava para ver este longa-longa-metragem faz tempo, mas cadê a disposição para enfrentar as mais de sete horas de duração, já que eu não aprecio esfacelar a audiência aos filmes? Depois que ele passou a ocupar posições de destaque nas litas de alguns críticos, resolvi enfrentar a empreitada, com algumas observações à mão, enquanto rechaços: o fato de ser muito longo obviamente, a recorrência das filmagens em viagens e a ausência de som, em muitas seqüências. Pouco a pouco, meus argumentos de irritação foram caindo por terra, no sentido de que o ritmo do filme é hipnótico, de que os registros de viagens são transformadores e de que há experimentos brilhantes com o som. Sem contar que a remontagem setorizada de cenas de produções anteriores do co-diretor reverenciado são maravilhosas. Se, dentre os filmes bressaneanos que vi, cerca de 3/4 ultrapassam a categoria de ótimos, era óbvio que uma exibição dos melhores momentos destas obras beiraria a obra-prima. Inclusive porque há muito mais sendo efetuado aqui, para além do aspecto testimonial/testamental: ao longo de registros audiovisuais realizados em décadas. Assistimos a uma total cumplicidade entre diretor, equipe e sua esposa Rosa Dias, além de muitos outros envolvidos num processo estendido de homogeneizar Vida e Cinema, Arte e Cotidiano. Magnífico: saí alquebrado ao final da viagem, claro, mas muitíssimo satisfeito por saber que já havia atingido um destino antes mesmo de o ônibus zarpar... (WPC>)
Não Espere Muito do Fim do Mundo
3.7 14 Assista AgoraA cada novo trabalho, rendo-me a genialidade anarquista do Radu Jude, ainda que, como um tanto purista que sou (por causa de minha idade), eu estranhe a sua aptidão para utilizar discursivamente os recursos de novas ferramentas 'pop', como o Tik Tok, por exemplo. Os créditos finais deste filme requerem revisão, tamanha a quantidade de informações despejadas. No início, eu cria que não conseguiria entrar no "clima", já que um percurso similar ao que ocorre na primeira parte de MÁ SORTE NO SEXO OU PORNÔ ACIDENTAL nos cansa de propósito, já que a temática central do roteiro é a exploração empregatícia. Mas a segunda (e sardonicamente desproporcional) parte deste mais recente filme eleva o talento crítico do cineasta a patamares ultradimensionais: não sabia se gargalhava ou se me desesperava, muitas vezes. Fiz os dois, portanto, como parece ser uma intenção recorrente em suas obras, mui diagnosticadoras do tal 'zeitgeist' apocalíptico antecipado magistralmente pelo título. seja via esquerda (menos) seja via direita (bem mais), está tudo destinado ao caos destrutivo, hoje em dia, e ele registra isso de maneira inteligente, divertida e imersiva. A longa duração assusta, eu sei, mas acreditem: vale o investimento! (WPC>)
O Caminhão
3.8 4Na revisão, numa sessão universitária em que estávamos apenas eu e os dois exibidores, gostei ainda mais: sabia o que eu iria encontrar e, ainda assim, estive diante de muitas descobertas. Ao final da sessão, minha mente estava efervescente, tamanha a quantidade de narrativas possíveis, em construção e movimento imaginativo. A despeito de, sim, a reflexão literária ser dominante, é um filme com muitas provocações eminentemente cinematográficas, como os movimentos em 'zoom', os 'faux raccords' e a montagem em plano/contraplano. Quando eu estava prestes a reclamar de certa elitização (por causa do uso da trilha musical beethoveniana/diabelliana), a personagem da escritora traz à tona um válido debate sobre as reverberações culturais e alfabetizantes da luta de classes. Senti-me positivamente desafiado - e espectatorialmente "confortável" por causa disso: trata-se de um dos melhores filmes da realizadora (ainda muito subestimada), portanto! - WPC>
Os Rejeitados
4.0 321 Assista AgoraSe considerássemos o cinema de Alexander Payne um subgênero específico do cinema norte-americano, este filme aqui corresponde à cristalização de suas fórmulas, sendo tão autoral quanto clicheroso: é deveras previsível em suas resoluções conciliadoras, mas também muito agradável e prazenteiro naquilo que nos provoca, remontando aos melhores trabalhos de Hal Ashby. Não gostei muito do personagem de Dominic Sessa, no sentido de que ele parece velho demais para o papel, mas os outros dois componentes do triângulo protagonista brilham: Paul Giamatti está supremo como um maravilhoso pólo humano de identificação, fazendo jus, à guisa de esclarecimento, ao ótimo título brasileiro do filme, enquanto Da'Vine Joy Randolph está magnânima em todas as suas aparições. A fotografia "retrô" e a trilha cancional são mui eficazes na emulação dos efeitos setentistas. Por vezes, o filme é ótimo, mas cansa um pouco depois que há uma viagem para Boston. Seja como for, um filme que confirma a maestria desse realizador, infelizmente ainda associado apenas às temporadas de premiação: ele pode ser bem mais que isso, basta se soltar. Eu, particularmente, sou fã: a lógica moral é eminentemente norte-americana, mas, em suas ampliações, serve para nós, também. Saí da sessão pré-natalisticamente consolado! (WPC>)
O Malvado: Horror no Natal
1.4 7 Assista AgoraGente, esse Steven LaMorte insiste em ser piada pronta, né? Ele faz o possível para ganhar visibilidade através dos inúmeros aspectos ridículos deste curta-metragem, mas, sinceramente, prefiro nem dar muita divulgação gratuita... Por questões referentes a direitos autorais, o roteiro menciona o nome do Grinch apenas numa seqüência com um estratagema tolo de vozes sobrepostas. O nome do alcóolatra é Dr. Zeus, fazendo referência chistosa ao autor do livro original, bem como a "Cindy Você-Sabe-Quem". Infelizmente, aqui no Brasil esses personagens não são tão famosos, de maneira que muitas intenções satíricas são desperdiçadas. Mas gostei da narração rimada e do questionamento sobre final feliz, no desfecho. Mas a conversão súbita da protagonista em justiceira dá nos nervos: ela é ainda mais repugnante que o malvado titular (risos). Uma esculhambação programada, conforme requer os modismos hodiernos. Para mim, é não, urgh! (WPC>)
Dias Perfeitos
4.2 291 Assista AgoraComo eu, em minha indulgência de fã, venho sido tolerante até mesmo com trabalhos contemporâneos considerados "menores" do mestre alemão cansado (gosto de TUDO VAI FICAR BEM, por exemplo), desconfiei quando a crítica exortou massivamente este como "um de seus melhores trabalhos recentes". Cri que ele voltasse à homenagem ao Ozu e que seguisse levado à frente suas obsessões agora controladas (através das instalações de sua esposa Donata) e intuía que as canções famosas surgissem como exibicionismo de seu talento existencial - o que, de fato, ocorre, por vezes. Mas o desfecho é tão intenso em sua descarga de felicidade musical que eu admito ter caído na esparrela. Porém, não consegui imergir emocional e/ou sinestesicamente no filme. Concordo que a premiação para o Koji Yakusho seja merecida e que, em sua expansão discursivo-consoladora, o ponto de partida tramático é ótimo. Mas incomodei-me bastante com as aparições do colega de trabalho de Hirayama e com a chegada de sua sobrinha: ambos os personagens, tal como aquele jogo da velha jogo dia após dias, num banheiro, dotam o cotidiano do protagonista de uma carga intensa de ingenuidade reativa, fazendo com que se confunda exaltação da simplicidade com banalização da mesma, nalgumas seqüências (a visita ao sêbo, por exemplo). Mas é um filme que não tem como não funcionar: o diretor escolheu bem as canções, estudou com afinco o conceito de 'komorebi'. Em sentido geral, é um filme cativante e motivacional. Talvez hipertrofiado pela publicidade, mas que faz jus ao envelhecimento do Wim Wenders! (WPC>)
Pedágio
3.7 71Ainda não vi os premiados curtas-metragens da diretora, mas, como tantos outros, apreciei bastante CARVÃO, de modo que as expectativas eram altíssima aqui, sobretudo por conta da temática. Autora nata, a cineasta faz com que percebamos vários pontos em comum entre as duas obras (a mesma fonte para o letreiro inicial, a lógica enredística dos pequenos delitos acumulados, a comunicação truncada entre os familiares), mas o tom é distinto, sobretudo no que tange às interpretações: se, no filme anterior, estas eram excelentes, aqui, há algo de problemático na estratégia de preenchimento das lacunas de construção personalística através do recurso aos palavrões excessivos, de modo que soa inatural. Essa inaturalidade, aliás, atinge um interessante apogeu nas seqüências do curso pentecostal contra a pederastia, em que o artifício ostensivo possui um bem-vindo viés metalingüístico (quem não é obrigado a atuar no dia a dia?). Entretanto, se a hipocrisia de alguns evangélicos é escancarada no roteiro, prestei mais atenção a como é incômoda a relação entre mãe e filho, no sentido de que o personagem de Kauan Alvarenga é simplesmente insuportável! O truque de fazer com que a cor rosa seja dominante na fotografia (do iogurte que o filho bebe ao uniforme prisional de sua mãe) é ótimo, bem como o aproveitamento estético das chaminés abundantes no cenário (alguém gosta muitíssimo de O DESERTO VERMELHO, pelo visto), mas o tom centrípeto da narrativa demora a explodir: gosto de como o filme acaba, mas, até chegar lá, muitas firulas surgem na tela, prejudicando a imersão. Mas estamos diante de uma cineasta que merece aplausos continuados, sem dúvida! (WPC>)
Propriedade
3.7 85 Assista AgoraRespirarei bastante antes de iniciar os comentários acerca deste filme (negativos, sobretudo), para evitar que me tachem imediatamente de espectador pequeno-burguês. Mas achei este filme discursivamente hediondo, justamente por não tomar partido (exceto pela onipresença do mal e dos erros) em relação ao embate entre classes que ele estabelece. Tecnicamente, o filme é hábil (lembra alguns exemplares de terror contemporâneo francês, por exemplo), exceto no que tange à captação de som nalguns diálogos, quase inaudíveis. O elenco é mui eficiente, mas os personagens são sumamente reprováveis, dão medo, muito medo: por mais execráveis que sejam os ricos, os moradores sublevados da fazenda parecem zumbis emburrecidos e progressivamente assassinos. Não basta matar, mas é necessário torturar, com requintes de muita crueldade, como se o filme se deleitasse com tanta violência, progressiva e horrível. Por vezes, parece que é ensaia uma identificação emocional com a fragilidade da protagonista, logo convertida numa espécie de Ramba nordestina. Mas a lógica da malevolência progressiva só piora. Não há respiro de conciliação ou resolução, apenas erros cumulativos e sanguinolentos (o que acontece à criança e ao cavalo apavoraram-me). Queria dizer que não é um filme ruim, mas soa como um desserviço atroz, um filme perigoso e que chega da pior forma e no mais temível momento político do País. Atemorizante: comigo, não funcionou. Definitivamente! (WPC>)
Veja o que Aconteceu ao Bebê de Rosemary
2.1 69Era óbvio, evidente que seria um filme ruim (não havia o que ser "continuado", afinal!), mas insisti em tentar compreender a lógica de fuga e reeducação deste filme, mas nada faz sentido: a participação de Patty Duke como Rosemary é constrangedora e o roteiro não sabe o que fazer com o personagem do Guy Woodhouse. Por vezes, o roteiro parece ter sido escrito por um moralista evangélico (vide os julgamentos intragáveis na seqüência da dança ou a justificativa de Ray Milland para convencer seu afilhado a experimentar maconha). O que levou este elenco a aceitar passar tanta vergonha?! As cenas de tensão são péssimas e ilógicas, e a terceira parte ("o livro de Andrew") é tosco até dizer chega. Só piora a cada segundo. Que ultraje, minha gente: o diretor é tão talentoso enquanto montador (do filme original, inclusive), mas sujou as suas mãos aqui! (WPC>)
Uma Carta para Papai Noel
3.2 1Passado o susto em perceber que o mesmo diretor "experimentador" de filmes anteriores recaiu nos clichês mais desgastados de um subgênero quase televisivo do cinema hollywoodiano, admito que há algo de simpático nesta produção infantil que conta com boas intepretações, uma trilha musical graciosa (em que Fernanda Takai permite-se a utilização de uma versão acústica de "Sobre o Tempo", da banda Pato Fu) e personagens e situações prenhes de simpatia (ainda que caricata em sua pretensa vilania, gostei da construção de Léia, por exemplo). O diretor não esconde os seus impulsos cinefílicos (há várias citações breves a clássicos norte-americanos) e, mesmo que o ritmo seja irregular ou troncho (por causa do histrionismo da competente Polly Marinho, sobretudo), o saldo geral é minimamente divertido e com um leve toque pessoal (já que o argumento foi baseado numa situação familiar). Não incomoda tanto, portanto: até que eu me diverti um pouquinho, mesmo detestando o Natal. Tenho certeza de que minha mãe apreciará, entretanto: tomara que obtenha um válido sucesso de público, em seu nicho específico... (WPC>)
A Linha
2.9 4Filme histérico do cabrunco: se, no início, eu estava assustado com a belicosidade recorrente de Margaret e com a intensidade das brigas que ela provoca, quanto mais conhecemos a personagem de Valeria Bruni Tedeschi, mais compreendemos o porquê de aquilo acontecer. Haja surto! Em alguns sentidos, este filme é uma versão madura e francesa do clássico juvenil MINHA MÃE É UMA SEREIA, em que a frivolidade sexual e comportamental da mãe e a religiosidade conseqüente de uma das filhas se repete. mas o roteiro, com participação da diretora e da protagonista, avança para decisões ambíguas, que, surpreendentemente obtêm êxito ao fazer com que nutramos simpatia pela personagem de Stéphanie Blanchoud, que demonstra-se uma cantora e compositora excelente. A direção é ótima (amei os enquadramentos!) e o desfecho em aberto é primoroso, na maneira como especifica dialogisticamente as razões para os embates entre mãe e filha. Eu estava estranhando o filme no início, mas gostei bastante dele do meio para o final. Uau! (WPC>)
Music
3.6 2Obcecado pela diretora que sou, adentrei a sessão com muitas expectativas. E estranhei a paralisia rural/paisagística do início, a lentidão crônica, nos dois sentidos do termo, apresentando muitas similaridades com o cinema de Aleksandre Koberidze (de quem, até agora, eu não gosto). Até mesmo os diálogos rasteiros sobre futebol aparecem, em meio a traços reconhecíveis da diretora, como a maneira inatural com que o protagonista veste uma mesma camisa vermelha, ao longo de diversos anos. Até que, quando a música prometida no título entra em cena, e os personagens migram para a área urbana germânica, a diretora entrega aquilo que esperávamos dela. E, quem a ama, é recompensado, é agraciado com seus apanágios geniais, com seus enquadramentos supra-arquitetônicos, com sua evocação poderosa de partes que se sobressaem a um Todo difícil de ser alcançado/compreendido num primeiro contato. Os fãs da banda Belle and Sebastian ficarão felizes com a guinada cancional deste filme. É como se a diretora estivesse chateada com os vícios de consumo estilístico aplicados em seus espectadores habituais, e propusesse um vôo reflexivo mais amplo, a ponto de ter realizado aquele que talvez seja o seu enredo mais linear/narrativo: um épico intimista que, como de praxe em seu cinema obriga-nos a olhar para o ambiente, e constatar que esse determina muitos dos comportamentos dos viventes. Foi uma experiência árdua e desafiadora, mas adorei. Amo esta mulher, aliás: obrigo-me a reiterar! (WPC>)
Segredos de um Escândalo
3.5 326 Assista AgoraAdentrei a sessão um tanto desconfiado. Depois de alguns trabalhos excessivamente "comportados" (ainda que meritórios), lamentei que o Todd Haynes estivesse desistindo de suas obsessões pessoais, em prol do padrão de qualidade hollywoodiano, com cooptação oscarizável. Este anseio permanece ativo aqui, mas num viés que resgata algo em que o diretor é especialista: o retrato das conseqüências sociais (devastadoras, geralmente) da passivo-agressividade. E contou com um elenco sublime para isso: as duas protagonistas entregam desempenhos 'hors concours', maravilhosos no embate entre a rapacidade e a ameaça, entre a necessidade de imitar e o impulso de proteção atacante. Charles Melton, potencialmente esmagado entre ambas, consegue reverter a situação de maneira sensível, apresentando-nos a um personagem também complexo em suas renúncias e desejos. A fotografia é linda e, se eu havia chateado-me com o fim da parceria entre o cineasta e meu músico favorito, o Carter Burwell, ele esfregou em minha cara algo brilhante: a utilização de uma trilha musical alheia (os temas de Michel Legrand para O MENSAGEIRO, de Joseph Losey), enquanto lógica intertextual de repressão explosiva, da mesma maneira que as crises de choro da Gracie e as pulsões masturbatórias de Elizabeth. Ao término da sessão, eu estava em choque: parecia que eu havia testemunhado uma obra de terror, tamanha a pujança reativa dos encontros. Vide a cena com o pai do personagem masculino ou a poderosa seqüência da entrevista na escola. Um trabalho cujos enquadramentos resgatam o mesmo rigor do cultuado 'Safe'. Todd Haynes em seu melhor: amei! (WPC>)
Irene, a Teimosa
3.8 81 Assista AgoraNa revisão, este filme cresceu absurdamente: que direção esplêndida, que roteiro perfeito, que interpretações magistrais (William Powell e Gail Patrick estão magníficos!)... O personagem do mordomo tornou-se um modelo moral para mim, desde já. Só lamento que a Irene perca a sua importância narrativa, à medida que a trama avança. Mas a abordagem do enredo é tão autocrítica, quanto aos benefícios e mimos das classes privilegiadas, que eles antecipam - de maneira primorosa - motes que o sueco Ruben Östlund tentou reproduzir, sem a mesma eficácia: a personagem de Mischa Auer que o diga. Até a imitação de gorila está lá. Maravilhoso: ao final da sessão, fiz questão de recomendá-lo aos meus melhores amigos! (WPC>)
Proteus
2.9 8Depois de meu fascínio extremo frente ao ótimo PACIÊNCIA ZERO, decepcionei-me com a abordagem confusa deste filme, que é como se fosse uma versão 'gay' de 'Stealing Heaven', dirigida por alguém que aprecia o Peter Greenaway e o Todd Haynes de outrora. O ponto de partida histórico é super válido - e o fato de ter sido lançado antes de O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN, idem - mas a montagem é confusa e a abordagem é um tanto televisiva, em seus recursos mal-administrados, tanto em âmbito narrativo quanto discursivo. A interpretação do personagem holandês é interessante, mas o seu co-protagonista africano é mal construído, adotando uma lógica de deboche em situações que deveriam ser muito sérias e que ganhariam em relevância se aderissem à abordagem melodramática. Esforcei-me para chegar até o final, de tão irritado que eu fiquei com o tom decepcionante da estória, que, afinal, termina bem, em seus jogos históricos à la Derek Jarman, inclusive com um ou outro toque anacrônico. Voltarei ao cinema greysoniano, eis uma certeza! (WPC>)
Paciência Zero
3.5 1Gente, que descoberta, que filmaço militante, no viés mais orgânico do termo: sempre quis ver este filme, desde que eu soube de sua existência, ainda adolescente, em 1994. Surpreendi-me bastante com os números musicais (o diálogo anal, que o diga!) e apreciei bastante o discurso de reivindicação da visibilidade moral do personagem real, cientificamente julgado pelo moralismo dos encubados. Muito inteligente na abordagem repleta de camadas, lembrando muito o Todd Haynes da primeira fase. Queer cinema em estado de graça e magia. A-do-rei: quero ver mais deste diretor, elogiado por um amigo bastante conhecedor das nuanças da arte homossexual! (WPC>)
Carrie, a Estranha
3.7 1,4K Assista AgoraRevi o filme, depois de finalmente ler o livro e quase chorei, de tanto que eu desejei que as situações que ocorreram naquele baile não acontecessem novamente... Filmaço muito bem dirigido (o controle do mestre De Palma é impressionante!) e interpretado, que serve como testemunho dos costumes daquele período, com trilha musical suprema do Pino Donaggio. Poderia escrever linhas e mais linhas acerca desta jóia. Sintetizo com um grito: GENIAL! (WPC>)
Diário de Uma Onça
2.8 1Apesar do título e da proposta interessante, o filme é entulhado de contradições essenciais. Primeiro, porque, a despeito da narração em primeira pessoa, o protagonista verdadeiro é o biólogo que zela por seu bem-estar, no comando da ONG Onçafari; segundo, porque não há problematização efetiva acerca da pecuária, como algo que instaura uma lógica de consumo mui destrutiva; terceiro, porque por mais que se repita que "toda vida é igual", os animais que servem de alimentação para as onças são descritos como meras "carcaças"; quarto, porque a narração forçada da Alanis Guillen serve apenas para quem a assistiu na novela "Pantanal"; e, quinto, porque a estética é de reportagem televisiva, vendida sobretudo para quem é espectador contumaz da TV Globo. Afora tudo isso, há boas intenções, sim, em âmbito militante organizacional. Esforcei-me para gostar, mas é um filho tolhido por conta das contradições supracitadas. Publicitário 'ad extremis', portanto. (WPC>)
Digimon Adventure 02: O Início
3.6 13Adentrei a sessão esperando ver um produto infantil e repetitivo - nunca assisti à série animada, mas vi trechos de episódios, e lembro que era repleta de cacoetes - e me deparei com uma trama melancólica e mui dolorosa, reiterando a habilidade roteirística dos japoneses no que tange à abordagem do 'bullying' adolescente. A introdução, ao som do "Bolero" de Ravel, é muito bonita, e a apresentação em 'flashback' do personagem Lui é muito dolorosa, de modo que, inevitavelmente, identifiquei-me em âmbito pessoal. Há uma inevitável arritmia, no sentido de que as premissas aventureiras surgem repentinamente, mas o miolo melodramático é interessantíssimo. Por vezes, soa como um episódio estendido da série original, mas possui um charme tristinho mui peculiar. Comigo, funcionou: aceito as contradições espectatoriais! (risos) - WPC>
Meu Nome é Gal
3.1 122 Assista AgoraAdentrei a sessão com as mais baixas das expectativas. E, como tal, não o achei ruim, é um filme que diverte. Porém, acontece pouca coisa na trama, além daquilo que já vimos nos 'trailer': por mais que, em minha opinião, a atriz brilhe (eu gostei dela), a personagem não acompanha o seu esforço. Enquanto biografia, há muito pouco a ser mostrado e, enquanto reconstituição histórica, a montagem se desperdiça numa persistente série de vinhetas que imitam a estética do Super-8, e que ocupa quase um terço do filme. Não há emoção, não há situações efetivas, não há abordagem convincente, em âmbito histórico-discursivo. Há uma personagem à deriva, que me conduzia a imaginar menos a biografada que alguém em busca de sua própria voz. E isso poderia ser interessante, mas as diretoras interditam este processo o tempo inteiro, por causa das supracitadas vinhetas. Sem contar que a Gal existe tramaticamente apenas em função de outrem: quando Caetano e Gil vão para o exílio, nada sobra para ela, exceto os peitinhos à beira-mar. É um filme publicitário, que, na pior das hipóteses, talvez exorte as novas gerações a ouvir os álbuns da diva. É alguma coisa? Pois é, fui exageradamente condescendente, mas... Ao menos, não me entediou. Por mais que seja um pastel solado de vento! (WPC>)
Scoop - O Grande Furo
3.4 386 Assista AgoraNa primeira vez que vi este filme, não gostei: estranhei a mudança de tom europeia e achei o enredo fraco em suas "coincidências" excessivas. Revendo-o hoje, por insistência de um amigo, gostei muitíssimo. Tanto pela identificação em relação à protagonista, jornalista afoita e apaixonada pela pessoa errada, quanto pela maestria do personagem de Woody Allen (muito bem interpretado) em relação às contingências de sua própria vida pessoal. A fotografia de Remi Adefarasin é primorosa e o elenco está muitíssimo bem entrosado. Parece repetitivo - e talvez o seja, em âmbito autoral - mas funciona muito bem após a passagem do tempo: emocionei-me e ri sozinho, em múltiplas oportunidades. Ótimo! (WPC>)