Poucos diretores transitam com tamanha naturalidade entre a produção alternativa e o cinema comercial como Gus Van Sant. Entre o indie queer marginal “Mala Noche” (1986) e o multipremiado “Gênio Indomável” (1997), há uma pletora de temáticas e formatos díspares, mas não contraditórios. Embora, às vezes, recorra à temática da sexualidade dissonante e apesar de sua homossexualidade assumida, Van Sant recusa-se a restringir seus filmes ao universo LGBT+, rejeitando o rótulo de “diretor gay”; mesmo assim, o ponto de vista não-tradicional se mantém presente em todas as suas obras. Em “Encontrando Forrester”, dirigido por Van Sant e roteirizado por Mike Rich, por exemplo, a temática da educação vem à baila – mais especificamente, as relações entre educação e cultura, métodos tradicionais e humanização.
No filme, Jamal Wallace (Rob Brown) é um jovem de 16 anos que vive no Brooklin e escreve ficção quando não está jogando basquete. Depois de apresentar um bom desempenho nos exames de qualificação da escola pública em que estuda, Jamal ganha uma bolsa de estudos numa escola de elite de Manhattan; eis a oportunidade de estudar literatura a fim de praticar seu maior sonho: tornar-se um escritor. Porém, existe uma condição: Jamal deverá assumir o lugar de capitão do time de basquete do colégio (uma imposição da escola um tanto quanto recalcada em estereótipos raciais, ressalta-se). Contudo, em circunstâncias inusitadas, Jamal acaba conhecendo um velho e famoso escritor recluso, William Forrester (Sean Conery), que, após os choques geracional e cultural iniciais, aceita tornar-se seu preceptor.
Os métodos diversificados de Forrester, que, pouco a pouco, também vai sendo transformado pela amizade com Jamal, contrastam com a rigidez empedernida do Prof. Robert Crawford (F. Murray Abrahams), que leciona literatura no novo colégio do garoto, gerando o conflito através do qual a narrativa transita.
Em 2007, “Onde os Fracos Não Tem Vez” consolidou-se como a obra-prima definitiva dos Irmãos Coen, conquistando absolutamente a crítica cinematográfica e levando o prêmio de Melhor Filme na edição subsequente do Oscar. Isso fez com que as expectativas aumentassem em relação a qualquer novo projeto que a dupla viesse a encabeçar. E o filme lançado por eles no ano seguinte ao de “Onde os Fracos Não Tem Vez” foi “Queime Depois de Ler”, uma comédia despretensiosa, absurda e divertida que, em sua aparente estupidez, não se importava em subverter as expectativas do público e da crítica.
Aqui, o roteiro de autoria dos irmãos desenvolve um universo cheio de controvérsias e loucuras, fazendo com que a tônica recaia sobre a comédia de erros e o absurdo. Sucintamente, o enredo trata das consequências do vazamento de um dossiê-denúncia, escrito por Osborne Cox (John Malkovich), um ex-funcionário da Inteligência americana, que vai parar nas mãos de um funcionário de uma academia de ginástica, Chad Feldheimer (Brad Pitt). Imaginando possuir algo de muito sigiloso e valioso, Chad une-se à Linda Litzke (Frances McDormand), sua colega de trabalho, e ambos passam a chantagear Cox que, além de ter perdido o emprego, está passando por uma crise conjugal. Em meio às loucuras das situações, há ainda o caso extraconjugal da esposa de Cox, Katie (Tilda Swinton), com o segurança privado e mulherengo Harry (George Clooney), um homem casado. Brevemente, à medida que a trama caminha, o destino de todos os personagens se cruzará em algum momento, numa barafunda divertidíssima e absurda.
Com um ótimo elenco e uma fotografia convidativa que, intencionalmente, contrasta com a trilha sonora de motivos militares, a dupla de diretores nos coloca numa realidade de acidentes, confusões e cicatrizes da Guerra Fria (afinal, Chad e Linda vão buscar, anacronicamente, auxilio na Embaixada Russa); diante de todos estes aspectos, “Queime Depois de Ler” pode parecer simples à primeira vista, mas trabalha com muitos elementos que levam a audiência à reflexão.
Curiosamente, o mote para o argumento de “Priscilla, Rainha do Deserto” surgiu no Brasil. O diretor e roteirista Stephen Elliot passava o carnaval no Rio de Janeiro quando, diante de um carro alegórico repleto de drag queens foliãs, teve a ideia de transportá-las para o deserto australiano. E o filme, um road-movie queer, pop e kitsch na mesma medida, foi um sucesso estrondoso, sobretudo porque conseguiu tratar de temas complexos através do deboche e da ironia sem, contudo, descambar para a caricatura ou o desrespeito. Sem muita verborragia, mas nenhum descompromisso, a narrativa traz à tona questões contemporâneas e determinantes em relação ao universo LGBT+, tais como: homoafetividade, transexualidade, transafetividade, preconceito, violências física e simbólica, relações familiares etc. Assim, o filme abraça a oportunidade de ser subversivo ao lançar mão de elementos estéticos que remetem a um certo desbunde, em contraposição ao ressentimento moral vigente na estrutura patriarcal tradicional.
No filme, acompanhamos a trajetória de duas drag queens – Felicia (Guy Pearce) e Mitzi (Hugo Weaving) – que, juntamente com a transexual Bernadette (Terence Stamp), atravessam o deserto australiano num ônibus chamado Priscilla a fim de levarem seu show de Lip Sync a um resort em Alice Springs. Ao longo da viagem, diversos desafios e obstáculos lhes são postos, numa jornada que transformará suas vidas para sempre. Neste percurso, do roteiro à seleção musical e aos efeitos visuais, o filme se apresenta como uma sucessão de escolhas acertadas. O uso de elementos cenográficos multicoloridos contrastando com a aridez do deserto simboliza, de alguma forma, a presença de um universo colorido trespassando a aridez ressequida do moralismo (ainda que, em alguns momentos, o abuso de cores apareça apenas como uma dissimulação para a angústia e o sofrimento diante das violências perpetradas pelo preconceito).
Além desta alegoria de Priscilla colorindo o árido-deserto, a viagem também representa transformações pessoais na trajetória de cada personagem: todas elas amadurecem ao confrontarem suas diferenças. E tudo isso embalado por canções-marcos da estética queer, como “I Will Survive”, de Gloria Gaynor, e “Mamma Mia”, do ABBA.
O terceiro episódio da franquia “Poltergeist” é, no mínimo, estranho. Em primeiro lugar, apenas dois personagens retornam à cena: a protagonista Carol Anne (Heather O’Rourke) e a intrépida médium Tangina (Zelda Rubinstein). A narrativa se desdobra para justificar o desaparecimento dos demais personagens: Carol Anne agora vive com os tios, em Chicago, onde frequenta uma escola para crianças geniais. O passado paranormal da garota, por sua vez, é completamente elipsado por esta nova circunstância. Além disso, o espaço da vizinhança suburbana, comum aos filmes antecessores, cede espaço a um enorme arranha-céu, que é, na verdade, um empreendimento do tio de Carlo Anne, que intencionava reproduzir no edifício as vivências de uma grande cidade. Mesmo em um novo endereço, a Besta – corporificada novamente no Reverendo Kane (Nathan Davis) – encontra Carol Anne e, a partir daí, o filme parte para a ação.
Esta poderia ser a vantagem de “Poltergeist: O Capítulo Final”: o filme parte logo para a ação. Em pouco tempo, toda a atmosfera do edifício é engolfada por eventos paranormais que exigem a presença de Tangina. Porém, a maneira como os eventos se desenrolam neste filme não é genuína e soa muito mais como uma caricatura dos filmes anteriores. Nem mesmo os efeitos visuais funcionam aqui. O único elemento capaz de arrepiar acaba sendo a sonografia, através dos gritos, sobretudo quando ecoam o sinistro nome da protagonista.
Ainda assim, a experiência de se assistir ao capítulo final de “Poltergeist” é interessante, principalmente por causa da nostalgia evocada. Além disso, apesar de francamente ruim, o filme diverte e entretém. À parte os aspectos inerentes à obra, infelizmente, “Poltergeist III” foi o último filme de Heather O’Rourke, que faleceu pouco tempo depois do final das filmagens, de uma enfermidade gastrointestinal mal curada, encerrando assim o ciclo de tragédias que envolveu os bastidores da franquia.
Em novembro de 1982, pouco tempo depois do lançamento de “Poltergeist: O Fenômeno”, uma primeira tragédia se abateria sobre um membro do elenco original da franquia: Dominique Dunne, a atriz que havia interpretado Dana Freeling, irmã mais velha da atormentada Carol Anne, fora assassinada pelo namorado após uma crise de ciúmes. Em respeito à morte da atriz, a personagem foi elipsada dos episódios subsequentes da franquia, o que, dado a circunstância trágica, não comprometeu profundamente a narrativa. Neste segundo filme, lançado em 1986, a ininterrupta batalha entre o bem e o mal é personificada em duas figuras contrastivas: de um lado, o maligno Reverendo Kane (Julian Beck, que, devido a uma doença terminal, apresentava uma aparência cavernosa e aterrorizante), e de outro, um xamã indígena, Taylor (Will Sampson). O embate entre bem e mal é, de alguma forma, tangenciado por Tangina (Zelda Rubinstein), a mesma médium excêntrica que tentara purificar o ambiente astral da residência dos Freeling no final do filme anterior.
Em “Poltergeist II”, a família está vivendo na casa de Jessica (Geraldine Fitzgerald), avó materna das crianças. Sem qualquer contato com televisores, eles tentam superar os recentes acontecimentos do passado. Porém, a presença de Carol Anne desperta novamente o interesse da Besta, corporificada no Reverendo Kane, um estranho idoso de aparência cadavérica e vestido de preto. Quando pressentem a reincidente presença do mal, os Freeling devem, de novo, empreender uma desgastante luta contra seus próprios demônios.
A sequência de “Poltergeist” era o típico projeto que reunia condições suficientes para dar errado: o filme anterior havia sido um enorme sucesso, o que projetava grandes expectativas sobre a continuação; porém, a equipe que encabeçava o projeto era outra e o elenco lidava com a trágica perda de um integrante. Além disso, a história somava ao universo narrativo elementos que não haviam sido originalmente previstos, o que, ao mesmo, tempo era conveniente e soava fortuito e aleatório. Contudo, surpreendentemente, o filme funciona bem (ao contrário do terceiro volume da franquia).
Tobe Hooper já havia inscrito seu nome na cinematografia de terror desde que, em 1974, fora responsável pela condução do clássico filme B “O Massacre da Serra Elétrica”. Depois disso, dirigiu outras produções trash, dentre as quais, “Pague para Entrar, Reze para Sair” (1981) teve um relativo sucesso de audiência. Em 1982, no entanto, ele se envolveu na direção de um longa produzido, idealizado e roteirizado por Steven Spielberg, um filme que rapidamente viria a se tornar um clássico inconteste do gênero terror: “Poltergeist: O Fenômeno”. O filme, além de ser bem dirigido e conduzido, foi envolvido numa aura misteriosa associada aos estranhos eventos que sucederam sua produção: diversos atores do elenco morreram sob circunstâncias estranhas e/ou violentas e houve boatos de que foram utilizados cadáveres reais na produção. Obviamente, a mitologia reforçou o apelo público do filme, que, ainda hoje, atrai a audiência e provoca diferentes reações.
Apesar de simples, o argumento de Steven Spielberg é bastante eficaz. O filme descreve o cotidiano de uma típica família de classe média americana, os Freeling, recém-chegados a uma nova casa num condomínio projetado pela construtora em que Steve (Craig T. Nelson) trabalha. Steve Freeling é casado com Diane (JoBeth Williams), com quem tem três filhos: Dana (Dominique Dune), uma típica adolescente desinteressada e teimosa, Robbie (Oliver Robbins) e a pequena Carol Anne (Heather O’Rourke), que acaba sendo o vetor pelo qual os eventos sobrenaturais atingem a tranquilidade do lar dos Freeling. A garota começa a desenvolver uma estranha interação com vozes que saem da televisão – sobretudo quando o sinal está fora do ar e a tela exibe apenas chuviscos –, e, a partir disso, objetos passam a se mover sozinhos pela casa, talheres entortam e o ambiente vai se tornando cada vez mais sufocante e assombrado.
Além da superfície do texto, o que está em jogo na tela é a inadequação da típica classe média americana ao american dream em tempos de recrudescimento do conservadorismo sob a égide de Reagan. O roteiro, ainda que ironicamente, joga com a banalidade daquele cotidiano mofino: nesse sentido, a crítica mais óbvia recai sobre a importância da televisão no ordenamento daquele lar.
Um elenco composto por nomes como os de Marlon Brando, Val Kilmer e David Thewlis, um enredo baseado num romance de H.G. Wells, nome inconteste da ficção-científica, e um orçamento relativamente amplo tinha tudo para confluir num filme excepcional. Porém, “A Ilha do Dr. Moreau” resultou num verdadeiro desastre cinematográfico de proporções alargadas. Tudo isso porque o promissor Richard Stanley, que já havia realizado bons filmes de terror de baixo orçamento, não deu conta de administrar todos os recursos que estavam à sua disposição. Ao se aperceberem do desastre iminente, o estúdio até tentou remediar, escalando o veterano John Frankenheimer parar substituir Stanley na direção do longa. O estrago, contudo, já era previsto... e, mesmo com Frankenheimer à frente, foi somente minimizado, mas não evitado.
Ao final, “A Ilha do Dr. Moreau” acabou se tornando uma grande trapalhada, com problemas de continuidade narrativa, diálogos ruins e um elenco que, embora composto por grandes nomes, não se apresenta devidamente direcionado e coordenado. O tempo, entretanto, parece estar agindo em favor do embuste, pois assisti-lo, hoje, pode ser uma experiência interessante. Atualmente, “A Ilha do Dr. Moreau” tem ganhado status de filme trash-cult, o que não deixa de ser pertinente, apesar do amplo orçamento que teve à disposição. É de grande interesse, por exemplo, assistir a Marlon Brando com o rosto coberto por um creme branco sendo tratado como um deus (o grande Pai) por um bando de seres mutantes, metade gente metade animal (mas que têm uma aparência péssima, resultado do mau uso de recursos tecnológicos); ou ainda, acompanhar Nelson de la Rosa, um dos menores homens do mundo, cortejando o deus-pai de Brando. O que se perdeu, contudo, foi a dimensão reflexiva do roteiro, que, sendo baseado numa ficção-científica de H.G. Wells, certamente poderia ter sido aproveitada.
O plano-sequência que abre o prólogo desta aventura de James Bond é impressionante e promete um filme espetacular, o que, no entanto, não se concretiza. Isso não quer dizer que “007 Contra Spectre” seja um filme ruim, mas que poderia ter sido muito melhor se não investisse tanto numa continuidade narrativa forçada que foge ao formato geral dos filmes do inveterado agente britânico. Os filmes da franquia, em geral, até mesmo pela rotatividade do elenco e das situações, não costumam estabelecer profundas conexões narrativas entre um e outro. A partir de “Cassino Royale” (2005), entretanto, no momento em que Daniel Craig assumiu a personagem, a franquia passou por uma remodelagem que envolveu a construção de uma dramaturgia contínua, que funcionou muito bem em “Quantum of Solace” (2008) e melhor ainda em “Operação Skyfall” (2012). Porém, em “Spectre”, a ancoragem parece condicionar o longa a uma dependência narrativa que acaba por mascarar qualquer traço de independência e idiossincrasia.
Outro ponto negativo de “Spectre” diz respeito à insistência em desconstruir – não de uma forma natural, mas à força – a personalidade de Bond, despojando-a de seus traços mais característicos e particulares. Por exemplo: a sugestão de sua susceptibilidade ao amor de apenas uma mulher derruba, de cara, o mito da canastrice constituído em torno de sua persona seduzente e conquistadora. Obviamente, estas transformações respeitam as demandas do tempo presente; porém, a cumplicidade com o texto de Ian Fleming não pode ser inteiramente descartada. Por outro lado, em relação à técnica, o filme é muito bem realizado e sustenta uma verossimilhança crível durante as cenas de ação. A eficiência de Sam Mendes na realização de planos-sequência fica muito bem provada na já aludida cena que serve de prólogo ao filme: são quase cinco minutos sem cortes, numa impressionante construção de atmosfera que culmina num clímax absoluto (a.k.a. destruição do Centro da Cidade do México).
De um modo geral, “007 Contra Spectre” possui bons momentos aprimorados por uma excelente fotografia que se adapta bem à diversificação de cenários, além de uma ótima canção temática (de Sam Smith). Porém, escorrega em escolhas narrativas duvidosas que subtraem a identidade do filme.
Inocente, divertido e voltado para um público infantojuvenil, “Lizzie McGuire: Um Sonho Popstar” é uma extensão da série que tem o mesmo nome que sua protagonista e que, de alguma forma, foi responsável por consolidar o nome de Hilary Duff dentre as estrelas deste nicho cinematográfico. Justamente por visar uma audiência adolescente, o enredo do filme é simplório, previsível e esquecível, mas não deixa de ser gracioso e, até certo ponto, ancorado num roteiro turístico que percorre os principais pontos de Roma e que alude relativamente ao clássico “A Princesa e o Plebeu” (1953). Obviamente o filme não tem qualquer pretensão e por causa disso mesmo, não se leva muito a sério. Os trechinhos em desenho animado que vão pontuando as cenas com gags de humor dão um charme ao longa que, ao final, não passa de apenas mais um filme adolescente com desfecho previsto.
No filme, Lizzie McGuire (Hilary Duff) é uma adolescente impopular e desastrada, embora também seja inteligente e simpática. Durante uma excursão da escola à Itália, na qual Lizzie promete viver grandes aventuras ao lado de seu melhor amigo, Gordo (Adam Lamberg), ela acaba sendo confundida com Isabella, uma popstar juvenil que faz sucesso como integrante da dupla musical Paolo & Isabella. Como a dupla está em processo de separação, o ídolo Paolo (Yani Gellman) decide aproveitar-se da semelhança física de Lizzie com Isabella para apresentar-se com ela num show, no lugar da cantora verdade. Lizzie, por sua vez, utiliza-se da confusão para curtir seu momento de fama e glória, mas acaba se apaixonado por Paolo que, na verdade, não passa de um embuste.
Ancorado na fantasia adolescente “high school” americana da fama e popularidade, “Lizzie McGuire” é o típico filme de sessão da tarde que diverte sem maiores pretensões.
A grande crítica que recai, hoje, sobre este filme de 1950 diz respeito ao fato de que ele envelheceu mal. A visão de África veiculada nele é predominantemente caricatural e assentada em pressupostos colonialistas. O homem africano é apresentado como organizado em comunidades tribais, numa condição de selvageria, anterior à de civilização. Como se não bastasse este retrato protoetnográfico, o filme ainda reverbera um ponto de vista marcadamente sexista, sobretudo em relação às interações entre os dois protagonistas. É necessário, porém, ressaltar que “As Minas do Rei Salomão” baseia-se num romance homônimo escrito em 1885 pelo britânico H. Rider Haggard. Buscando ser fiel à narrativa literária, o filme apenas reproduz o ponto de vista recorrente à época da escritura do romance (e que, ressalta-se, continuou predominante até mesmo no período de produção do longa-metragem).
Apesar desses problemas que dizem mais respeito a uma visão de época do que ao filme propriamente, “As Minas do Rei Salomão” é uma aventura de tirar o fôlego e de visual impressionante. As tomadas panorâmicas do continente africano conferem um tom épico ao filme, o que se relaciona bastante bem com a trama. E embora servindo a uma “guerra dos sexos” despropositada, que, inevitavelmente, culminará em romance, Stwart Granger e Deborah Kerr apresentam atuações satisfatórias, além de contracenarem em sintonia. Não à toa, este filme de 1950 é considerada a adaptação mais fiel do romance de Haggard, e o roteiro de Helen Deutsch divide esse mérito com a direção a quatro mãos de Compton Bennett e Andrew Marton.
A trama do filme é relativamente simples: no final do século XIX, o inglês Allan Quatermain (Granger) é um guia de expedições que vive em África. Ele recebe uma oferta de trabalho um tanto quanto absurda: partir em um safári para localizar o marido da rica Elizabeth Curtis (Kerr), que se perdeu no território africano enquanto tentava localizar as mitológicas Minas do Rei Salomão.
Depois de um breve hiato dedicando-se sobretudo a filmes policiais, em 1985, Clint Eastwood retornou ao seu personagem mais típico: o pistoleiro misterioso, solitário, silencioso e eficiente de faroeste. Além de protagonizado por Eastwood, a direção de “O Cavaleiro Solitário” também leva a sua assinatura, e embora o filme não tenha representado um renascimento do gênero em si, teve uma das maiores bilheterias daquele ano. Narrativamente, o enredo reproduz uma tópica comum a westerns: a de um herói solitário e surgido aparentemente do nada e que se empenha em lutar por uma comunidade sob a égide da injustiça. Na tradição cinematográfica, este percurso já rendeu bons frutos: pense-se, por exemplo, em “Os Sete Samurais” (1954) e em sua versão western, “Sete Homens e um Destino” (1960). Nesse sentido, “O Cavaleiro Solitário” demonstra claramente que o clichê não é necessariamente ruim, afinal, a novidade consiste na forma de se contar e não na história em si mesma; e em relação a esse aspecto, Eastwood é um excelente contador, ainda mais suportado no eficiente roteiro de Michael Butler e Dennis Shryack.
No filme, a comunidade vítima de injustiça é a de um grupo de mineradores humildes que enfrentam a força bruta do inescrupuloso LaHood (Richard Dysart), um explorador de ouro que deseja dominar toda a região. Depois de um ataque violento dos homens de LaHood à comunidade, a jovem Megan Wheeler (Sydney Penny) pede a Deus que envie um milagre em auxílio aos mineradores indefesos. Como uma espécie de “Deus Ex Machina”, um pastor misterioso (Clint Eastwood) e montado num cavalo branco cruza o caminho de Hull Barret (Michael Moriarty), uma espécie de líder comunitário dos mineradores. Surpreendentemente, o sacerdote revela-se um hábil e eficiente pistoleiro que decide permanecer entre os mineradores para ajudá-los a defender seu habitat de LaHood. Ao tomar conhecimento da presença do religioso, LaHood contrata um grupo de matadores liderados por Stokburn (John Russell) para caçá-lo; porém, ambos já haviam se enfrentado no passado e terão a oportunidade de uma desforra.
No contexto geral do filme, o aparecimento do pastor coincide com um leitura de um trecho do Apocalipse, por Megan: “(...) apareceu um cavalo baio, o nome do cavaleiro era Morte e o Inferno o seguia de perto”. Por isso mesmo, a identidade desta personagem envolve-se num mistério que o filme não revela, registrando-se apenas a boa-vontade do pistoleiro.
Os filmes do diretor sérvio Emir Kusturica investem num realismo fantástico que procura remontar a realidade concreta recorrendo-se ao onírico. Acostumado a filmar em seu país natal, “Arizona Dream” é o único filme de Kusturica rodado em solo estadunidense: trata-se de um conto tragicômico em que se misturam concretude e onirismo numa tratativa de redescobrimento da América – e, consequentemente, de dessecamento do tão propalado sonho americano. Nesse sentido, diversos ícones que identificam a cultura estadunidense são mobilizados no filme: o Cadillac, a fragrância Old Spice, Jerry Lewis, a indústria de sonhos de Hollywood etc. Além deste intuito de reconstituição de um ideal cultural assentado na fantasia, a trama estabelece um entrelaçamento entre os sonhos das diversas personagens, cada qual com sua peculiaridade e fantasia surreal.
O concatenador de ambos os aspectos é o personagem de Johnny Depp, o jovem Alex, que vive em Nova York, é obcecado por peixes e sonha recorrentemente com uma família de esquimós do Alasca. O universo onírico de Alex transita entre Nova York, Alasca e Arizona, estado em que reside seu único parente vivo: o excêntrico tio Leo (Jerry Lewis), um vendedor de Cadillacs. As divagações mentais de Alex cedem espaço à realidade quando Paul (Vincent Gallo), um aspirante a ator e obcecado por Hitchcock, obriga-o a viajar para o Arizona a fim de participar do casamento do tio. Contra a sua vontade, Alex desemboca no Arizona, onde duas estranhas e perturbadas mulheres, mãe e enteada, cruzam seu caminho: Elaine (Faye Dunaway) – a mãe – sonha em poder voar; e Grace (Lili Taylor) – a enteada – fantasia em reencarnar-se numa tartaruga. Do contato e do fascínio pelas duas, Alex ponderará sobre seus anseios e deverá encarar de frente seu potencial de maturação; nesse sentido, “Arizona Dream” também consiste numa narrativa de formação.
Embora o filme, à época, não tenha conquistando muitas críticas positivas, chama atenção a capacidade de Kusturica em equilibrar muito bem não apenas a realidade e a fantasia, mas também as dimensões trágicas e cômicas da narrativa.
Nada poderia ser mais improvável que Arnold Schwarzenegger e Danny DeVito como irmãos gêmeos. Mas é justamente o nonsense desta improbabilidade e o timing perfeito dos dois atores contracenando que faz de “Irmãos Gêmeos” um filme hilário. E embora o enredo não seja lá grande coisa, Ivan Reitman consegue extrair boas atuações tanto da dupla de protagonistas quanto dos coadjuvantes; além disso, algumas sacadas referenciais em situações ou diálogos valorizam o roteiro do longa-metragem – por exemplo, numa cena em que o personagem de Schwarzenegger reproduz uma das falas mais icônicas de sua carreira: o “I’ll be back”, de “O Exterminador do Futuro” (1984). Misturando-se ficção-científica, filme policial e comédia pastelão, “Irmãos Gêmeos” promove uma diversão deliciosa capaz de levar a audiência às gargalhadas.
No filme, a disparidade física e de personalidade entre os irmãos tem explicação lógica: eles sãos frutos de um experimento científico em que uma parte de certo (a de Schwarzenegger) e a outra deu errado (a de DeVito). O experimento consistia em reunir 9 homens extraordinários – tanto em força quanto em cognição – e, a partir deles, produzir um sêmen que reuniria todas as qualidades; posteriormente, esta semente seria plantada numa mulher igualmente extraordinária que gestaria o filho perfeito. Assim, Julius Benedict (Arnold Schwarzenegger) nasceu – o homem perfeito; porém, contrariando as expectativas, ele teve um irmão gêmeo – Vincent Benedict (Danny DeVito) – diferente dele em todos os aspectos. O primeiro é alto, bonito, inteligente e ponderado, enquanto o segundo torna-se um baixinho vigarista e charlatão. Embora tenham sido criados separadamente, Julius decide abandonar a ilha paradisíaca em que vive e partir para Los Angeles a procura do irmão. Deste reencontro tão propalado, a audiência somente pode esperar toda sorte de confusões.
Temporalmente localizada no futuro, esta ficção-científica escrita e dirigida por Rian Johnson lança luz sobre um interessante dilema ético: é justificável punir um futuro criminoso por um crime que ele ainda não cometeu, mas que certamente irá cometer? No âmbito da viagem no tempo e de realidades instáveis que podem ser alteradas de acordo com as atitudes que se toma no presente, o personagem de Bruce Willis retorna 30 anos para assassinar o futuro responsável pela morte de sua esposa. Acontece, entretanto, que o futuro criminoso, no presente, ainda é apenas uma criança. Estrutura-se, portanto, o dilema moral que somente será desenlaçado ao final do filme, evidenciado um moto-contínuo de violência que não será encerrado no futuro.
No universo arquitetado por Johnson, o tempo presente é o ano de 2044; e a sociedade vive num estágio de quase selvageria: organizações criminosas tomaram o poder e a população se mantém em permanente estado de carestia. Neste ambiente distópico, uma das alternativas para se ganhar dinheiro é o trabalho de Looper, um matador de aluguel que elimina vítimas do futuro: a vítima é enviada através de uma máquina do tempo e, depois de completado o serviço, o looper recebe o pagamento em barras de prata ou ouro. O pagamento em ouro, porém, significa a aposentadoria compulsória do looper e, mais do que isso, que sua última vítima fora ele próprio, enviado do futuro para ser morto por si mesmo. Assim, o filme concentra-se em Joe (Joseph Gordon-Levitt), um looper viciado numa substância química que nunca questiona a integridade de seu trabalho. Porém, quando chega o momento de assassinar seu “eu” do futuro (Bruce Willis), este escapa no intuito de colocar em prática o seu plano de vingança. No encalço de sua versão do futuro, Joe acaba se refugiando nas terras de Sara (Emily Blunt), uma fazendeira que vive isolada com seu filho; e este encontro irá alterar o destino do protagonista.
Se a trama parece complexa demais, a maneira como Rian Johnson a explana acaba sendo um dos pontos fortes da narrativa e, consequentemente, do filme. Aos poucos e sem recorrer a diálogos expositivos, as regras desse universo vão sendo explicadas, sempre de modo orgânico.
Criados em 1955, por Jim Henson, Os Muppets é um grupo de comédia de variedades formado por simpáticos bonecos de fantoche que prontamente conquistaram a América e o mundo. Conhecidos por seu estilo de comédia burlesca, surrealista, absurda, metarreferencial etc., eles já apareceram em inúmeras séries de televisão, telefilmes e filmes de cinema. Lançado em 1979, “Os Muppets: O Filme” marcou a estreia dos carismáticos bonecos nas telonas; com um humor peculiar e bastante personalista, o filme musical divertiu adultos e crianças sem distinção. Cinco anos depois, em seu terceiro longa-metragem, os Muppets conquistaram Nova York ao levarem o seu show para a Broadway; e mesmo que o filme tenha um roteiro reprisado de antigos musicais da era de ouro de Hollywood, ele conquista e diverte a audiência de forma genuína e relativamente inocente. Além disso, “Os Muppets Conquistam Nova York” conta com participações especialíssimas de nomes como os de Liza Minnelli, Joan Rivers e Brooke Shields.
A direção do longa tem a assinatura de Frank Oz, cuja experiência no manejo de fantoches já havia sido atestada em “Star Wars”, no qual ele mobilizou ninguém menos que Mestre Yoda. O enredo do filme acompanha as aventuras e desventuras de Caco, o Sapo, Miss Piggy e sua turma na tentativa de estabelecerem-se em Nova York e de levarem seu musical à Broadway. Enquanto almejam ganhar a vida na grande cidade, Os Muppets passam por maus bocados: hospedam-se em precários armários de rodoviárias, empregam-se numa lanchonete tomada por ratos, separam-se etc. Tudo o que eles desejam é a chance de encontrar um produtor de teatro disposto a lhes financie o show, até que o jovem Ronnie Crawford (Lonny Price), filho de um famoso e rigoroso produtor, cruza-lhes o caminho.
Extremamente divertido e inocente e recheado de boas canções, “Os Muppets Conquistam Nova York” conquistam e encantam a audiência, sobretudo devido ao carisma de seus protagonistas.
Em 1992, durante os Jogos Olímpicos de Verão em Barcelona, o “Dream Team”, time de basquete dos Estados Unidos, que tinha entre seus jogadores nomes como os de Michael Jordan e Magic Johnson, ganhou a tão desejada medalha de ouro. No mesmo pódio, entretanto, em terceiro lugar, havia outro “Dream Team”: o time de basquete da Lituânia, que surpreendentemente levou a medalha de bronze. A façanha dos lituanos é surpreendente não apenas devido ao desempenho dos jogadores na quadra, mas sobretudo porque eles representavam um país que havia se tornado independente da URSS há menos dois anos e que ainda enfrentava a resistência de tropas russas em seu território. Não havia, pois, capital investido (parte do financiamento foi conquistado por iniciativa da banda de rock The Greatful Dead, que se inspirou no caso) ou incentivos ao time, somente a vontade de vencer e de elevar o nome da Lituânia numa atitude de afirmação de soberania. É este o feito heroico da delegação lituana de basquete que o documentário visa reconstituir através de entrevistas, remissão a fatos históricos, imagens de arquivo etc.
Narrativamente, o documentário contempla três dimensões que, a rigor, se complementam: a histórica, a desportiva e a política. Enquanto ponto de partida, a narração inicia-se a partir de uma contextualização do basquete e de sua importância para a Lituânia desde o período anterior à fase soviética. Em seguida, mostra-se os efeitos do domínio soviético e a maneira como os atletas lituanos foram incorporados a contragosto às seleções da URSS. Intercalando passado e presente, o filme registra a importância do esporte na resistência à dominação e, principalmente, na afirmação da soberania nacional. Infelizmente, em diversos momentos, a narrativa abandona a neutralidade ideológica e assume um viés determinadamente de direita, incluindo-se um elogio à maledicente figura de Ronald Reagan. Este é o aspecto que esmorece toda a experiência que o documentário procura transmitir.
Contundente e denso, “7 Prisioneiros” escancara um dilema moral: o embate entre ética e sobrevivência; e, ao mesmo tempo, o filme demonstra quase que didaticamente a maneira como o poder – financeiro ou não – corrompe uma batalha de interesse coletivo em função do individualismo mais torpe. Do começo ao fim, a narrativa é dominada por situações de violência e de privação de direitos. Diretamente, o filme trata de escravidão contemporânea (sem o atenuante do qualificativo “análogo à escravidão”). Logo no início, somos confrontados por um caso de tráfico de pessoas: Mateus (Christian Malheiros) e mais três jovens do interior atendem a uma oferta de trabalho num ferro velho da capital paulista e partem em busca do sonho da realização financeira na capital. Porém, o sonho rapidamente se transforma em pesadelo: cárcere privado, subalimentação, não-remuneração etc. é o que encontram. Não se trata, portanto, de uma alegoria remissiva ao nosso passado escravagista, mas de um retrato profundamente realista de uma realidade concreta e corrente.
Nesse sentido, a narrativa de “7 Prisioneiros” desnuda a estrutura brasileira, contaminada desde a colônia pela dicotomia “casa-grande” e “senzala” e suas adjacências. Toda uma hierarquia de poderes vai sendo desvelada: do político que coordena uma rede de serviços ilegais gerenciados por laranjas, do gerente do ferro velho que responde por um desses serviços e escraviza pessoas, da polícia corrupta que defende os interesses do político em nome do estado etc. Assim, chega-se em Mateus, um garoto escravizado que abandona seus próprios valores éticos (e também de classe e de raça) em prol da possibilidade de sobrevivência individual através de um pacto conciliatório e assentado na cordialidade de seu algoz. Através da sedução do poder e do dinheiro, o ex-escravo é levado a crer que existe lugar para ele na “casa-grande” e, dessa forma, ele não titubeia em assumir a função de capitão do mato. Esse lugar, entretanto, na estrutura social brasileira que pouco mudou desde a colônia, jamais deixará de ser o quartinho de empregados.
Em “Minha Mãe”, Christophe Honoré leva o Complexo de Édipo às últimas consequências, ou seja, à tragédia decorrente da violação de um tabu primordial e universal. O filme é baseado no romance homônimo e autobiográfico de Georges Bataille e não parece agradar aos olhares mais pudicos, justamente porque não poupa a audiência das imoralidades perversas de uma mãe e de seu filho púbere. No elenco, Isabelle Huppert e Louis Garrel interpretam, respectivamente, Hélène (a mãe) e Pierre (o filho). Aos 17 anos, Pierre enxerga em sua mãe um objeto de afeto que vai além da relação materna típica de uma família tradicional; em função disto, vive numa angústia profunda em relação à culpa por devotar à mãe um desejo quase erótico e também pr sentir certo desprezo e raiva pela figura paterna. Hélène, por sua vez, não está disposta a assumir a pureza que o filho projeta nela. Recusando-se a ser amada por aquilo que não é, decide revelar sua verdadeira natureza: a de uma mulher para quem a imoralidade se tornou um vício. A revelação, contudo, potencializa os conflitos do rapaz, que pede para ser iniciado por ela e deixa-se levar até o limite.
Questões como dominação e submissão, perversão e incesto são livremente tratadas pelo filme de Honoré, que não se apega em pudores ou moralismos. A aproximação é crua e, ao mesmo tempo, plácida, sem sensacionalismo ou censura. Além disso, o roteiro exime-se de qualquer julgamento moral, embora o clímax final, profundamente trágico, demonstre claramente as consequências da violação de um tabu como o do incesto – mesmo assim, deve-se levar em conta a dimensão irônica – e melancólica – deste desfecho, pontuado pela canção “Happy Together” (felizes juntos?), dos The Turtles. De um modo geral, o filme, apesar de excessivamente polêmico, é muito bem realizado. Os destaques ficam por conta das atuações irretocáveis e despudoradas de Huppert e Garrel.
Além de divertido e carismático, “Eva na Marinha” serve de pretexto para as acrobacias aquáticas da estrela Esther Williams, atriz e nadadora. Em uma sequência espetacular (a melhor do filme), e ao lado de duas crianças, ela demonstra todo seu o talento num verdadeiro balé submerso. Entre canções e coreografias bem ensaiadas, o filme, entretanto, tem outro propósito: um discurso elogioso às forças armadas estadunidenses. E, nesse sentido, toda a diversão e carisma quase caem por terra devido ao enviesamento ideológico do longa. Ainda assim, desconsiderando-se este aspecto, “Eva na Marinha” diverte e tira boas gargalhadas da audiência, além de trazer surpreendentes participações especiais, como um número musical protagonizado por ninguém menos que Debbie Reynolds.
Privilegiando-se a caracterização da Marinha Americana, a trama do filme é relativamente fraca, pois fica em segundo plano. Nela, acompanhamos a trajetória de três jovens mulheres que decidem abandonar suas vidas civis e se alistam na Marinha. A primeira delas, Mary Kate (Joan Evans), vai em busca de anonimato depois de ter sido abandonada no altar; Whitey Young (Esther Williams), por sua vez, desenvolve o caminho inverso: abandona o noivo para se alistar; por fim, Una Yancy (Vivian Blaine) é uma solteirona iludida que não tem nada a perder. Contrariando o senso comum, a disciplina militar que as três encontram não tem a rigorosidade da vida real. Embora estivessem à procura de um rumo e da cura de paixões malsucedidas, as três acabam encontrando novos interesses amores, que lhes geram mais problemas.
Em relação ao formato, o elenco bem entrosado se sobressai, ao lado da fotografia vibrante, característica comum dos filmes coloridos do período. Em relação às canções, contudo, não há uma que se destaque, o que seria imprescindível a um bom filme musical.
A transposição de um romance de Jane Austen, “Emma”, escrito no Século XIX e sobre uma jovem heroína romântica e intrometida, para o mundo luxurioso e fútil de Beverly Hills na contemporaneidade poderia ter fracassado; porém, o notável trabalho da diretora e roteirista Amy Heckerling entregou um filme surpreendentemente bom. Repleto de frases de efeito hilárias, “As Patricinhas de Beverly Hills” condensa em si o melhor (e o pior também) dos anos 1990: um elenco juvenil primoroso (com nomes que se tornariam figuras carimbadas da década), um romantismo adolescente fútil e fugaz, uma trilha sonora noventista memorável, cenários e figurinos que transitam livremente entre o clubber, o vintage e o clássico etc. Embora seja uma comédia romântica regular e sem maiores pretensões, o filme conquistou um lugar especial entre a audiência, sendo facilmente reconhecido como prototípico de seu gênero e geração.
Na trama, Alicia Silverstone (que era, até então, reconhecida apenas por sua participação num videoclipe do Aerosmith) dá vida à Cher, uma adolescente rica e mimada de Beverly Hills cuja mãe morreu durante um procedimento malsucedido de lipoaspiração. Ela vive com seu pai (Dan Hedaya), um advogado extremamente rico, numa enorme mansão e, embora frequente a escola, passa a maior parte do tempo fazendo compras com sua melhor amiga Dionne (Stacey Dash), irritando o enteado de seu pai, Josh (Paul Rudd), combinando roupas em seu armário gigantesco ou arranjando namorados para as suas amigas, incluindo-se a recém-chegada Tai (Brittany Murphy), uma garota estranhíssima que, após passar pelo crivo de Cher, torna-se quase um clone seu. Porém, enquanto trabalha de cupido para as colegas, Cher descuida de sua própria vida amorosa; e quando se dá conta disso, restringe seus horizontes na busca pelo homem perfeito, que talvez esteja mais próximo do que ela imagina.
Em algum sentido, o filme estabelece uma divertida sátira da adolescência americana do século XX, incidindo, sobretudo, sobre sua futilidade e seu horizonte cultural extremamente restrito e diminuto. Mesmo assim, a protagonista Cher conquista a simpatia da audiência, justamente por se comportar como uma autêntica heroína romântica: inocente, chique e um pouco tola.
“Carne Trêmula”, longa-metragem espanhol de 1997, consolida, de certa forma, a maturidade artística de Pedro Almodóvar. O estilo profundamente pessoal que ele vinha desenvolvendo através da hiperestilização que beira o kitsch; do derramamento dramático que encontra respaldo nas atuações, na cenografia, na trilha sonora etc.; do apelo folhetinesco de seus enredos dramáticos pontuados por alívios cômicos irônicos e críticos etc. encontra, em “Carne Trêmula”, um formato que pondera e equilibra estes predicados. Contrariamente aos núcleos narrativos que já havia produzido, Almodóvar constrói a trama de “Carne Trêmula” centrada em personagens masculinos, ainda que a compreensão do “desejo” continue sendo o principal interesse temático de seu cinema; até mesmo o apelo queer, identificativo de seu filmes, não aparece aqui enquanto conteúdo – embora a fixação que a câmera tem pelo corpo de Liberto Rabal denota, na forma, o interesse homoerótico. Além disso, apesar de não tratar explicitamente de temas políticos, o retrato dos efeitos da transição da ditadura de Franco para a democracia perpassa subliminarmente toda a narrativa.
A trama tem início em 1970, quando a insegurança da ditadura ainda impunha um tácito toque de recolher às ruas de Madri; numa noite, uma prostituta (Penélope Cruz) entra em trabalho de parto e, dentro de um ônibus a caminho da maternidade, dá à luz seu filho Victor. Depois disso, a narrativa realiza um salto temporal desembocando na Madri contemporânea. E é em redor de Victor (Liberto Rabal) que o arco dramático se desenvolve, depois de ele se envolver numa confusão na casa de Elena (Francesca Néri), uma mulher que conhecera dias antes. Dois polícias em serviço de patrulha e um revólver disparado acidentalmente fazem com que Victor seja sentenciado a sete anos de prisão. Durante este tempo, ela planeja a mais surpreendente das vinganças. Posto em liberdade, Victor envolverá todos os personagens direta e indiretamente envolvidos no incidente na casa de Elena a fim de executar sua vingança; neste processo, o desejo terá papel fundamental como mediador entre a sedução e a vingança.
O sueco Victor Sjöström foi um dos diretores pioneiros a inscrever o nome da Suécia na produção cinematográfica mundial. Dentre seus filmes da fase sueca, “A Carruagem Fantasma” (1921), baseado num texto literário de Selma Lagerlöf, impressiona por utilizar-se da sobreposição de quadros para gerar efeitos visuais e, dessa forma, sustentar uma convincente atmosfera sobrenatural. Posteriormente, Sjöström mudar-se-ia para Hollywood onde, em 1924, estrearia na MGM com o filme “O Culpado”. Dois anos mais tarde, em “A Letra Escarlate”, o diretor iniciava uma parceria com Lilian Gish – uma das principais atrizes do cinema mudo estadunidense. A parceria com Gish seria repetida em 1928, no impressionante “Vento e Areia”, um faroeste familiar focado na adaptabilidade de uma jovem órfã a um ambiente profundamente hostil a ela.
Em relação a “Vento e Areia”, a atmosfera e a ambientação são os aspectos que primeiramente saltam aos olhos. O diretor consegue transmitir a hostilidade do ambiente com todos os seus predicados, apenas recorrendo-se a imagens. Nesse sentido, a narrativa é constituída através da sinestesia, pois é como se pudéssemos escutar, juntamente com a protagonista, o barulho do vento, além de nos sentirmos conjuntamente oprimidos pela sua onipresença. Filmado no deserto de Mojave, na Califórnia, “Vento e Areia” utiliza-se das condições naturais do ambiente para reforçar a inospitalidade do local e, dessa forma, justificar as transformações da jovem protagonista, Letty (Lilian Gish). Além disso, a atuação impecável de Lilian Gish, que consegue transmitir sensações de pavor e pânico diante do vento e da areia abundantes, realça a atmosfera de terror (ainda que não se trate de um filme de terror). No ápice do filme, entretanto, programado para culminar num desfecho implacável e trágico ante uma tempestade de vento e areia, um estupro e um assassinato mal disfarçado, o enredo é impiedosamente suavizado por uma modificação invasiva dos produtores no texto original de Sjöström e Frances Marion. Infelizmente, a intromissão dos produtores causa uma cisão na continuidade narrativa; porém, isso não prejudica substancialmente o filme como um todo.
Escrito e dirigido por Gabriele Muccino, “O Último Beijo” é um daqueles filmes que trazem diversos personagens cujas trajetórias se entrecruzam, amalgamadas por uma música em tom épico. Embora descreva diversas situações, a temática de todos os entrechos é basicamente uma: o pavor masculino diante das responsabilidades da vida adulta. Em “O Último Beijo”, Gabriele Muccino, à época um jovem realizador italiano na faixa etária dos 30 anos, convida o espectador à reflexão sem, contudo, soar verborrágico. Valendo-se de uma ironia desconcertante que redunda numa boa entonação cômica, ele propõe uma auto-reflexão que traz à baila diversos matizes que buscam ilustrar as confusões mentais de homens na transição da juventude para a vida adulta. Por isso mesmo, o ponto de vista do filme é francamente masculino e se esforça por não fazer julgamentos de valores.
Embora descreva diversas tramas paralelas, o concatenador de todas elas é Carlo (Stefano Accorsi), que embarca numa crise existencial após sua noiva lhe comunicar que está grávida. Concomitantemente, ele conhece Francesca (Martina Stella), uma jovem estudante de 18 anos por quem se sente profundamente atraído. Entre um parco sentido de responsabilidade e a força da tentação, Carlo viverá um pequeno inferno pessoal enquanto reflete sobre os modos de vida e as escolhas de seus melhores amigos: Adriano (Giorgio Pasotti), Paolo (Claudio Santamaria), Alberto (Marco Cocci) e Marco (Pierfrancesco Favino). Em ritmo acelerado, a narrativa envolve o espectador nos dilemas dos personagens; e, a partir do ponto de vista masculino, a contraparte da balança é encetada pelas personagens femininas. Enquanto Carlo mostra-se egoísta, imaturo e um pouco irresponsável, Giulia (Giovanna Mezzogiorno), sua noiva, é uma mulher personalista e segura de si. Outra personagem interessante é Anna (Stefania Sandrelli), a mãe de Giulia que, aos 50 anos de idade, passa por uma crise etária ao descobrir que se tornará avó em breve.
Ainda que incorra pela comédia, “O Último Beijo” acerta ao encenar a vida amorosa aos 30 anos; além de ressaltá-la como um movimento constantemente comandado pelo destino.
“Mamma Mia! Here I go again… my, my, how can I resist you?”… estes versos do ABBA dão o tom da experiência de se assistir a qualquer um dos dois filmes da franquia “Mamma Mia!”: são irresistíveis, dançantes, nostálgicos e irreverentemente kitsch. Tratando-se de uma continuação, “Lá Vamos Nós de Novo” traz dois aspectos essenciais a uma boa sequência: continuidade e inovação. Em relação à continuidade, o filme procura reproduzir as mesmas atmosfera e ambientação que o primeiro, além da presença dos mesmos personagens e da relativa fidelidade ao enredo do filme anterior. As inovações consistem na inserção de novos personagens – destacando-se a participação mais-que-especial de Cher; e no enredo, que parte de duas tramas paralelas que se desenvolvem concomitantemente: uma em relação ao presente, apresentando Sophie (Amanda Seyfried) continuando legado de sua recém-falecida mãe (Donna: Meryl Streep) à frente do hotel; e a outra em relação ao passado, que reconstitui a juventude de Donna (Lily James) ao longo de sua chegada à ilha grega e durante o período de sua gestação.
Trazendo novos números musicais, mas sempre inspirados nos sucessos do ABBA, a narrativa de “Lá Vamos Nós de Novo”, ancorada na competente edição de Peter Lambert, trafega com naturalidade entre o passado e o presente, tendo em vista a reconstituição do passado agitado de Donna e suas amigas. A seleção de atores, nesse sentido, mostrou-se eficiente ao escolher atores jovens fisicamente parecidos com suas contrapartes mais velhas. Sem maiores pretensões, o filme consiste num entretenimento sem agressão intelectual; embora não traga reflexões, diverte, faz rir e assinala a importância do ABBA para a cultura pop. Talvez falte ao filme de Ol Parker a presença dos grandes hits da banda sueca – que foram bem mais explorados no filme anterior –, mas isto não o prejudica em nenhum nível.
Encontrando Forrester
3.8 132 Assista AgoraPoucos diretores transitam com tamanha naturalidade entre a produção alternativa e o cinema comercial como Gus Van Sant. Entre o indie queer marginal “Mala Noche” (1986) e o multipremiado “Gênio Indomável” (1997), há uma pletora de temáticas e formatos díspares, mas não contraditórios. Embora, às vezes, recorra à temática da sexualidade dissonante e apesar de sua homossexualidade assumida, Van Sant recusa-se a restringir seus filmes ao universo LGBT+, rejeitando o rótulo de “diretor gay”; mesmo assim, o ponto de vista não-tradicional se mantém presente em todas as suas obras. Em “Encontrando Forrester”, dirigido por Van Sant e roteirizado por Mike Rich, por exemplo, a temática da educação vem à baila – mais especificamente, as relações entre educação e cultura, métodos tradicionais e humanização.
No filme, Jamal Wallace (Rob Brown) é um jovem de 16 anos que vive no Brooklin e escreve ficção quando não está jogando basquete. Depois de apresentar um bom desempenho nos exames de qualificação da escola pública em que estuda, Jamal ganha uma bolsa de estudos numa escola de elite de Manhattan; eis a oportunidade de estudar literatura a fim de praticar seu maior sonho: tornar-se um escritor. Porém, existe uma condição: Jamal deverá assumir o lugar de capitão do time de basquete do colégio (uma imposição da escola um tanto quanto recalcada em estereótipos raciais, ressalta-se). Contudo, em circunstâncias inusitadas, Jamal acaba conhecendo um velho e famoso escritor recluso, William Forrester (Sean Conery), que, após os choques geracional e cultural iniciais, aceita tornar-se seu preceptor.
Os métodos diversificados de Forrester, que, pouco a pouco, também vai sendo transformado pela amizade com Jamal, contrastam com a rigidez empedernida do Prof. Robert Crawford (F. Murray Abrahams), que leciona literatura no novo colégio do garoto, gerando o conflito através do qual a narrativa transita.
⭐ 4.0 / 5.0
Queime Depois de Ler
3.2 1,3K Assista AgoraEm 2007, “Onde os Fracos Não Tem Vez” consolidou-se como a obra-prima definitiva dos Irmãos Coen, conquistando absolutamente a crítica cinematográfica e levando o prêmio de Melhor Filme na edição subsequente do Oscar. Isso fez com que as expectativas aumentassem em relação a qualquer novo projeto que a dupla viesse a encabeçar. E o filme lançado por eles no ano seguinte ao de “Onde os Fracos Não Tem Vez” foi “Queime Depois de Ler”, uma comédia despretensiosa, absurda e divertida que, em sua aparente estupidez, não se importava em subverter as expectativas do público e da crítica.
Aqui, o roteiro de autoria dos irmãos desenvolve um universo cheio de controvérsias e loucuras, fazendo com que a tônica recaia sobre a comédia de erros e o absurdo. Sucintamente, o enredo trata das consequências do vazamento de um dossiê-denúncia, escrito por Osborne Cox (John Malkovich), um ex-funcionário da Inteligência americana, que vai parar nas mãos de um funcionário de uma academia de ginástica, Chad Feldheimer (Brad Pitt). Imaginando possuir algo de muito sigiloso e valioso, Chad une-se à Linda Litzke (Frances McDormand), sua colega de trabalho, e ambos passam a chantagear Cox que, além de ter perdido o emprego, está passando por uma crise conjugal. Em meio às loucuras das situações, há ainda o caso extraconjugal da esposa de Cox, Katie (Tilda Swinton), com o segurança privado e mulherengo Harry (George Clooney), um homem casado. Brevemente, à medida que a trama caminha, o destino de todos os personagens se cruzará em algum momento, numa barafunda divertidíssima e absurda.
Com um ótimo elenco e uma fotografia convidativa que, intencionalmente, contrasta com a trilha sonora de motivos militares, a dupla de diretores nos coloca numa realidade de acidentes, confusões e cicatrizes da Guerra Fria (afinal, Chad e Linda vão buscar, anacronicamente, auxilio na Embaixada Russa); diante de todos estes aspectos, “Queime Depois de Ler” pode parecer simples à primeira vista, mas trabalha com muitos elementos que levam a audiência à reflexão.
⭐ 4.0 / 5.0
Priscilla, a Rainha do Deserto
3.8 609 Assista AgoraCuriosamente, o mote para o argumento de “Priscilla, Rainha do Deserto” surgiu no Brasil. O diretor e roteirista Stephen Elliot passava o carnaval no Rio de Janeiro quando, diante de um carro alegórico repleto de drag queens foliãs, teve a ideia de transportá-las para o deserto australiano. E o filme, um road-movie queer, pop e kitsch na mesma medida, foi um sucesso estrondoso, sobretudo porque conseguiu tratar de temas complexos através do deboche e da ironia sem, contudo, descambar para a caricatura ou o desrespeito. Sem muita verborragia, mas nenhum descompromisso, a narrativa traz à tona questões contemporâneas e determinantes em relação ao universo LGBT+, tais como: homoafetividade, transexualidade, transafetividade, preconceito, violências física e simbólica, relações familiares etc. Assim, o filme abraça a oportunidade de ser subversivo ao lançar mão de elementos estéticos que remetem a um certo desbunde, em contraposição ao ressentimento moral vigente na estrutura patriarcal tradicional.
No filme, acompanhamos a trajetória de duas drag queens – Felicia (Guy Pearce) e Mitzi (Hugo Weaving) – que, juntamente com a transexual Bernadette (Terence Stamp), atravessam o deserto australiano num ônibus chamado Priscilla a fim de levarem seu show de Lip Sync a um resort em Alice Springs. Ao longo da viagem, diversos desafios e obstáculos lhes são postos, numa jornada que transformará suas vidas para sempre. Neste percurso, do roteiro à seleção musical e aos efeitos visuais, o filme se apresenta como uma sucessão de escolhas acertadas. O uso de elementos cenográficos multicoloridos contrastando com a aridez do deserto simboliza, de alguma forma, a presença de um universo colorido trespassando a aridez ressequida do moralismo (ainda que, em alguns momentos, o abuso de cores apareça apenas como uma dissimulação para a angústia e o sofrimento diante das violências perpetradas pelo preconceito).
Além desta alegoria de Priscilla colorindo o árido-deserto, a viagem também representa transformações pessoais na trajetória de cada personagem: todas elas amadurecem ao confrontarem suas diferenças. E tudo isso embalado por canções-marcos da estética queer, como “I Will Survive”, de Gloria Gaynor, e “Mamma Mia”, do ABBA.
⭐ 4.3 / 5.0
Poltergeist III: O Capítulo Final
2.8 178 Assista AgoraO terceiro episódio da franquia “Poltergeist” é, no mínimo, estranho. Em primeiro lugar, apenas dois personagens retornam à cena: a protagonista Carol Anne (Heather O’Rourke) e a intrépida médium Tangina (Zelda Rubinstein). A narrativa se desdobra para justificar o desaparecimento dos demais personagens: Carol Anne agora vive com os tios, em Chicago, onde frequenta uma escola para crianças geniais. O passado paranormal da garota, por sua vez, é completamente elipsado por esta nova circunstância. Além disso, o espaço da vizinhança suburbana, comum aos filmes antecessores, cede espaço a um enorme arranha-céu, que é, na verdade, um empreendimento do tio de Carlo Anne, que intencionava reproduzir no edifício as vivências de uma grande cidade. Mesmo em um novo endereço, a Besta – corporificada novamente no Reverendo Kane (Nathan Davis) – encontra Carol Anne e, a partir daí, o filme parte para a ação.
Esta poderia ser a vantagem de “Poltergeist: O Capítulo Final”: o filme parte logo para a ação. Em pouco tempo, toda a atmosfera do edifício é engolfada por eventos paranormais que exigem a presença de Tangina. Porém, a maneira como os eventos se desenrolam neste filme não é genuína e soa muito mais como uma caricatura dos filmes anteriores. Nem mesmo os efeitos visuais funcionam aqui. O único elemento capaz de arrepiar acaba sendo a sonografia, através dos gritos, sobretudo quando ecoam o sinistro nome da protagonista.
Ainda assim, a experiência de se assistir ao capítulo final de “Poltergeist” é interessante, principalmente por causa da nostalgia evocada. Além disso, apesar de francamente ruim, o filme diverte e entretém. À parte os aspectos inerentes à obra, infelizmente, “Poltergeist III” foi o último filme de Heather O’Rourke, que faleceu pouco tempo depois do final das filmagens, de uma enfermidade gastrointestinal mal curada, encerrando assim o ciclo de tragédias que envolveu os bastidores da franquia.
⭐ 2.6 / 5.0
Poltergeist 2: O Outro Lado
3.1 187 Assista AgoraEm novembro de 1982, pouco tempo depois do lançamento de “Poltergeist: O Fenômeno”, uma primeira tragédia se abateria sobre um membro do elenco original da franquia: Dominique Dunne, a atriz que havia interpretado Dana Freeling, irmã mais velha da atormentada Carol Anne, fora assassinada pelo namorado após uma crise de ciúmes. Em respeito à morte da atriz, a personagem foi elipsada dos episódios subsequentes da franquia, o que, dado a circunstância trágica, não comprometeu profundamente a narrativa. Neste segundo filme, lançado em 1986, a ininterrupta batalha entre o bem e o mal é personificada em duas figuras contrastivas: de um lado, o maligno Reverendo Kane (Julian Beck, que, devido a uma doença terminal, apresentava uma aparência cavernosa e aterrorizante), e de outro, um xamã indígena, Taylor (Will Sampson). O embate entre bem e mal é, de alguma forma, tangenciado por Tangina (Zelda Rubinstein), a mesma médium excêntrica que tentara purificar o ambiente astral da residência dos Freeling no final do filme anterior.
Em “Poltergeist II”, a família está vivendo na casa de Jessica (Geraldine Fitzgerald), avó materna das crianças. Sem qualquer contato com televisores, eles tentam superar os recentes acontecimentos do passado. Porém, a presença de Carol Anne desperta novamente o interesse da Besta, corporificada no Reverendo Kane, um estranho idoso de aparência cadavérica e vestido de preto. Quando pressentem a reincidente presença do mal, os Freeling devem, de novo, empreender uma desgastante luta contra seus próprios demônios.
A sequência de “Poltergeist” era o típico projeto que reunia condições suficientes para dar errado: o filme anterior havia sido um enorme sucesso, o que projetava grandes expectativas sobre a continuação; porém, a equipe que encabeçava o projeto era outra e o elenco lidava com a trágica perda de um integrante. Além disso, a história somava ao universo narrativo elementos que não haviam sido originalmente previstos, o que, ao mesmo, tempo era conveniente e soava fortuito e aleatório. Contudo, surpreendentemente, o filme funciona bem (ao contrário do terceiro volume da franquia).
⭐ 3.3 / 5.0
Poltergeist: O Fenômeno
3.5 1,1K Assista AgoraTobe Hooper já havia inscrito seu nome na cinematografia de terror desde que, em 1974, fora responsável pela condução do clássico filme B “O Massacre da Serra Elétrica”. Depois disso, dirigiu outras produções trash, dentre as quais, “Pague para Entrar, Reze para Sair” (1981) teve um relativo sucesso de audiência. Em 1982, no entanto, ele se envolveu na direção de um longa produzido, idealizado e roteirizado por Steven Spielberg, um filme que rapidamente viria a se tornar um clássico inconteste do gênero terror: “Poltergeist: O Fenômeno”. O filme, além de ser bem dirigido e conduzido, foi envolvido numa aura misteriosa associada aos estranhos eventos que sucederam sua produção: diversos atores do elenco morreram sob circunstâncias estranhas e/ou violentas e houve boatos de que foram utilizados cadáveres reais na produção. Obviamente, a mitologia reforçou o apelo público do filme, que, ainda hoje, atrai a audiência e provoca diferentes reações.
Apesar de simples, o argumento de Steven Spielberg é bastante eficaz. O filme descreve o cotidiano de uma típica família de classe média americana, os Freeling, recém-chegados a uma nova casa num condomínio projetado pela construtora em que Steve (Craig T. Nelson) trabalha. Steve Freeling é casado com Diane (JoBeth Williams), com quem tem três filhos: Dana (Dominique Dune), uma típica adolescente desinteressada e teimosa, Robbie (Oliver Robbins) e a pequena Carol Anne (Heather O’Rourke), que acaba sendo o vetor pelo qual os eventos sobrenaturais atingem a tranquilidade do lar dos Freeling. A garota começa a desenvolver uma estranha interação com vozes que saem da televisão – sobretudo quando o sinal está fora do ar e a tela exibe apenas chuviscos –, e, a partir disso, objetos passam a se mover sozinhos pela casa, talheres entortam e o ambiente vai se tornando cada vez mais sufocante e assombrado.
Além da superfície do texto, o que está em jogo na tela é a inadequação da típica classe média americana ao american dream em tempos de recrudescimento do conservadorismo sob a égide de Reagan. O roteiro, ainda que ironicamente, joga com a banalidade daquele cotidiano mofino: nesse sentido, a crítica mais óbvia recai sobre a importância da televisão no ordenamento daquele lar.
⭐ 3.8 / 5.0
A Ilha do Dr. Moreau
2.7 134 Assista AgoraUm elenco composto por nomes como os de Marlon Brando, Val Kilmer e David Thewlis, um enredo baseado num romance de H.G. Wells, nome inconteste da ficção-científica, e um orçamento relativamente amplo tinha tudo para confluir num filme excepcional. Porém, “A Ilha do Dr. Moreau” resultou num verdadeiro desastre cinematográfico de proporções alargadas. Tudo isso porque o promissor Richard Stanley, que já havia realizado bons filmes de terror de baixo orçamento, não deu conta de administrar todos os recursos que estavam à sua disposição. Ao se aperceberem do desastre iminente, o estúdio até tentou remediar, escalando o veterano John Frankenheimer parar substituir Stanley na direção do longa. O estrago, contudo, já era previsto... e, mesmo com Frankenheimer à frente, foi somente minimizado, mas não evitado.
Ao final, “A Ilha do Dr. Moreau” acabou se tornando uma grande trapalhada, com problemas de continuidade narrativa, diálogos ruins e um elenco que, embora composto por grandes nomes, não se apresenta devidamente direcionado e coordenado. O tempo, entretanto, parece estar agindo em favor do embuste, pois assisti-lo, hoje, pode ser uma experiência interessante. Atualmente, “A Ilha do Dr. Moreau” tem ganhado status de filme trash-cult, o que não deixa de ser pertinente, apesar do amplo orçamento que teve à disposição. É de grande interesse, por exemplo, assistir a Marlon Brando com o rosto coberto por um creme branco sendo tratado como um deus (o grande Pai) por um bando de seres mutantes, metade gente metade animal (mas que têm uma aparência péssima, resultado do mau uso de recursos tecnológicos); ou ainda, acompanhar Nelson de la Rosa, um dos menores homens do mundo, cortejando o deus-pai de Brando. O que se perdeu, contudo, foi a dimensão reflexiva do roteiro, que, sendo baseado numa ficção-científica de H.G. Wells, certamente poderia ter sido aproveitada.
⭐ 2.8 / 5.0
007 Contra Spectre
3.3 1,0K Assista AgoraO plano-sequência que abre o prólogo desta aventura de James Bond é impressionante e promete um filme espetacular, o que, no entanto, não se concretiza. Isso não quer dizer que “007 Contra Spectre” seja um filme ruim, mas que poderia ter sido muito melhor se não investisse tanto numa continuidade narrativa forçada que foge ao formato geral dos filmes do inveterado agente britânico. Os filmes da franquia, em geral, até mesmo pela rotatividade do elenco e das situações, não costumam estabelecer profundas conexões narrativas entre um e outro. A partir de “Cassino Royale” (2005), entretanto, no momento em que Daniel Craig assumiu a personagem, a franquia passou por uma remodelagem que envolveu a construção de uma dramaturgia contínua, que funcionou muito bem em “Quantum of Solace” (2008) e melhor ainda em “Operação Skyfall” (2012). Porém, em “Spectre”, a ancoragem parece condicionar o longa a uma dependência narrativa que acaba por mascarar qualquer traço de independência e idiossincrasia.
Outro ponto negativo de “Spectre” diz respeito à insistência em desconstruir – não de uma forma natural, mas à força – a personalidade de Bond, despojando-a de seus traços mais característicos e particulares. Por exemplo: a sugestão de sua susceptibilidade ao amor de apenas uma mulher derruba, de cara, o mito da canastrice constituído em torno de sua persona seduzente e conquistadora. Obviamente, estas transformações respeitam as demandas do tempo presente; porém, a cumplicidade com o texto de Ian Fleming não pode ser inteiramente descartada. Por outro lado, em relação à técnica, o filme é muito bem realizado e sustenta uma verossimilhança crível durante as cenas de ação. A eficiência de Sam Mendes na realização de planos-sequência fica muito bem provada na já aludida cena que serve de prólogo ao filme: são quase cinco minutos sem cortes, numa impressionante construção de atmosfera que culmina num clímax absoluto (a.k.a. destruição do Centro da Cidade do México).
De um modo geral, “007 Contra Spectre” possui bons momentos aprimorados por uma excelente fotografia que se adapta bem à diversificação de cenários, além de uma ótima canção temática (de Sam Smith). Porém, escorrega em escolhas narrativas duvidosas que subtraem a identidade do filme.
⭐ 3.8 / 5.0
Lizzie McGuire: Um Sonho Popstar
2.9 399 Assista AgoraInocente, divertido e voltado para um público infantojuvenil, “Lizzie McGuire: Um Sonho Popstar” é uma extensão da série que tem o mesmo nome que sua protagonista e que, de alguma forma, foi responsável por consolidar o nome de Hilary Duff dentre as estrelas deste nicho cinematográfico. Justamente por visar uma audiência adolescente, o enredo do filme é simplório, previsível e esquecível, mas não deixa de ser gracioso e, até certo ponto, ancorado num roteiro turístico que percorre os principais pontos de Roma e que alude relativamente ao clássico “A Princesa e o Plebeu” (1953). Obviamente o filme não tem qualquer pretensão e por causa disso mesmo, não se leva muito a sério. Os trechinhos em desenho animado que vão pontuando as cenas com gags de humor dão um charme ao longa que, ao final, não passa de apenas mais um filme adolescente com desfecho previsto.
No filme, Lizzie McGuire (Hilary Duff) é uma adolescente impopular e desastrada, embora também seja inteligente e simpática. Durante uma excursão da escola à Itália, na qual Lizzie promete viver grandes aventuras ao lado de seu melhor amigo, Gordo (Adam Lamberg), ela acaba sendo confundida com Isabella, uma popstar juvenil que faz sucesso como integrante da dupla musical Paolo & Isabella. Como a dupla está em processo de separação, o ídolo Paolo (Yani Gellman) decide aproveitar-se da semelhança física de Lizzie com Isabella para apresentar-se com ela num show, no lugar da cantora verdade. Lizzie, por sua vez, utiliza-se da confusão para curtir seu momento de fama e glória, mas acaba se apaixonado por Paolo que, na verdade, não passa de um embuste.
Ancorado na fantasia adolescente “high school” americana da fama e popularidade, “Lizzie McGuire” é o típico filme de sessão da tarde que diverte sem maiores pretensões.
⭐ 2.7 / 5.0
As Minas do Rei Salomão
3.3 19 Assista AgoraA grande crítica que recai, hoje, sobre este filme de 1950 diz respeito ao fato de que ele envelheceu mal. A visão de África veiculada nele é predominantemente caricatural e assentada em pressupostos colonialistas. O homem africano é apresentado como organizado em comunidades tribais, numa condição de selvageria, anterior à de civilização. Como se não bastasse este retrato protoetnográfico, o filme ainda reverbera um ponto de vista marcadamente sexista, sobretudo em relação às interações entre os dois protagonistas. É necessário, porém, ressaltar que “As Minas do Rei Salomão” baseia-se num romance homônimo escrito em 1885 pelo britânico H. Rider Haggard. Buscando ser fiel à narrativa literária, o filme apenas reproduz o ponto de vista recorrente à época da escritura do romance (e que, ressalta-se, continuou predominante até mesmo no período de produção do longa-metragem).
Apesar desses problemas que dizem mais respeito a uma visão de época do que ao filme propriamente, “As Minas do Rei Salomão” é uma aventura de tirar o fôlego e de visual impressionante. As tomadas panorâmicas do continente africano conferem um tom épico ao filme, o que se relaciona bastante bem com a trama. E embora servindo a uma “guerra dos sexos” despropositada, que, inevitavelmente, culminará em romance, Stwart Granger e Deborah Kerr apresentam atuações satisfatórias, além de contracenarem em sintonia. Não à toa, este filme de 1950 é considerada a adaptação mais fiel do romance de Haggard, e o roteiro de Helen Deutsch divide esse mérito com a direção a quatro mãos de Compton Bennett e Andrew Marton.
A trama do filme é relativamente simples: no final do século XIX, o inglês Allan Quatermain (Granger) é um guia de expedições que vive em África. Ele recebe uma oferta de trabalho um tanto quanto absurda: partir em um safári para localizar o marido da rica Elizabeth Curtis (Kerr), que se perdeu no território africano enquanto tentava localizar as mitológicas Minas do Rei Salomão.
⭐ 3.8 / 5.0
O Cavaleiro Solitário
3.8 101 Assista AgoraDepois de um breve hiato dedicando-se sobretudo a filmes policiais, em 1985, Clint Eastwood retornou ao seu personagem mais típico: o pistoleiro misterioso, solitário, silencioso e eficiente de faroeste. Além de protagonizado por Eastwood, a direção de “O Cavaleiro Solitário” também leva a sua assinatura, e embora o filme não tenha representado um renascimento do gênero em si, teve uma das maiores bilheterias daquele ano. Narrativamente, o enredo reproduz uma tópica comum a westerns: a de um herói solitário e surgido aparentemente do nada e que se empenha em lutar por uma comunidade sob a égide da injustiça. Na tradição cinematográfica, este percurso já rendeu bons frutos: pense-se, por exemplo, em “Os Sete Samurais” (1954) e em sua versão western, “Sete Homens e um Destino” (1960). Nesse sentido, “O Cavaleiro Solitário” demonstra claramente que o clichê não é necessariamente ruim, afinal, a novidade consiste na forma de se contar e não na história em si mesma; e em relação a esse aspecto, Eastwood é um excelente contador, ainda mais suportado no eficiente roteiro de Michael Butler e Dennis Shryack.
No filme, a comunidade vítima de injustiça é a de um grupo de mineradores humildes que enfrentam a força bruta do inescrupuloso LaHood (Richard Dysart), um explorador de ouro que deseja dominar toda a região. Depois de um ataque violento dos homens de LaHood à comunidade, a jovem Megan Wheeler (Sydney Penny) pede a Deus que envie um milagre em auxílio aos mineradores indefesos. Como uma espécie de “Deus Ex Machina”, um pastor misterioso (Clint Eastwood) e montado num cavalo branco cruza o caminho de Hull Barret (Michael Moriarty), uma espécie de líder comunitário dos mineradores. Surpreendentemente, o sacerdote revela-se um hábil e eficiente pistoleiro que decide permanecer entre os mineradores para ajudá-los a defender seu habitat de LaHood. Ao tomar conhecimento da presença do religioso, LaHood contrata um grupo de matadores liderados por Stokburn (John Russell) para caçá-lo; porém, ambos já haviam se enfrentado no passado e terão a oportunidade de uma desforra.
No contexto geral do filme, o aparecimento do pastor coincide com um leitura de um trecho do Apocalipse, por Megan: “(...) apareceu um cavalo baio, o nome do cavaleiro era Morte e o Inferno o seguia de perto”. Por isso mesmo, a identidade desta personagem envolve-se num mistério que o filme não revela, registrando-se apenas a boa-vontade do pistoleiro.
⭐ 4.2 / 5.0
Arizona Dream: Um Sonho Americano
3.5 78 Assista AgoraOs filmes do diretor sérvio Emir Kusturica investem num realismo fantástico que procura remontar a realidade concreta recorrendo-se ao onírico. Acostumado a filmar em seu país natal, “Arizona Dream” é o único filme de Kusturica rodado em solo estadunidense: trata-se de um conto tragicômico em que se misturam concretude e onirismo numa tratativa de redescobrimento da América – e, consequentemente, de dessecamento do tão propalado sonho americano. Nesse sentido, diversos ícones que identificam a cultura estadunidense são mobilizados no filme: o Cadillac, a fragrância Old Spice, Jerry Lewis, a indústria de sonhos de Hollywood etc. Além deste intuito de reconstituição de um ideal cultural assentado na fantasia, a trama estabelece um entrelaçamento entre os sonhos das diversas personagens, cada qual com sua peculiaridade e fantasia surreal.
O concatenador de ambos os aspectos é o personagem de Johnny Depp, o jovem Alex, que vive em Nova York, é obcecado por peixes e sonha recorrentemente com uma família de esquimós do Alasca. O universo onírico de Alex transita entre Nova York, Alasca e Arizona, estado em que reside seu único parente vivo: o excêntrico tio Leo (Jerry Lewis), um vendedor de Cadillacs. As divagações mentais de Alex cedem espaço à realidade quando Paul (Vincent Gallo), um aspirante a ator e obcecado por Hitchcock, obriga-o a viajar para o Arizona a fim de participar do casamento do tio. Contra a sua vontade, Alex desemboca no Arizona, onde duas estranhas e perturbadas mulheres, mãe e enteada, cruzam seu caminho: Elaine (Faye Dunaway) – a mãe – sonha em poder voar; e Grace (Lili Taylor) – a enteada – fantasia em reencarnar-se numa tartaruga. Do contato e do fascínio pelas duas, Alex ponderará sobre seus anseios e deverá encarar de frente seu potencial de maturação; nesse sentido, “Arizona Dream” também consiste numa narrativa de formação.
Embora o filme, à época, não tenha conquistando muitas críticas positivas, chama atenção a capacidade de Kusturica em equilibrar muito bem não apenas a realidade e a fantasia, mas também as dimensões trágicas e cômicas da narrativa.
⭐ 4.1 / 5.0
Irmãos Gêmeos
2.8 300 Assista AgoraNada poderia ser mais improvável que Arnold Schwarzenegger e Danny DeVito como irmãos gêmeos. Mas é justamente o nonsense desta improbabilidade e o timing perfeito dos dois atores contracenando que faz de “Irmãos Gêmeos” um filme hilário. E embora o enredo não seja lá grande coisa, Ivan Reitman consegue extrair boas atuações tanto da dupla de protagonistas quanto dos coadjuvantes; além disso, algumas sacadas referenciais em situações ou diálogos valorizam o roteiro do longa-metragem – por exemplo, numa cena em que o personagem de Schwarzenegger reproduz uma das falas mais icônicas de sua carreira: o “I’ll be back”, de “O Exterminador do Futuro” (1984). Misturando-se ficção-científica, filme policial e comédia pastelão, “Irmãos Gêmeos” promove uma diversão deliciosa capaz de levar a audiência às gargalhadas.
No filme, a disparidade física e de personalidade entre os irmãos tem explicação lógica: eles sãos frutos de um experimento científico em que uma parte de certo (a de Schwarzenegger) e a outra deu errado (a de DeVito). O experimento consistia em reunir 9 homens extraordinários – tanto em força quanto em cognição – e, a partir deles, produzir um sêmen que reuniria todas as qualidades; posteriormente, esta semente seria plantada numa mulher igualmente extraordinária que gestaria o filho perfeito. Assim, Julius Benedict (Arnold Schwarzenegger) nasceu – o homem perfeito; porém, contrariando as expectativas, ele teve um irmão gêmeo – Vincent Benedict (Danny DeVito) – diferente dele em todos os aspectos. O primeiro é alto, bonito, inteligente e ponderado, enquanto o segundo torna-se um baixinho vigarista e charlatão. Embora tenham sido criados separadamente, Julius decide abandonar a ilha paradisíaca em que vive e partir para Los Angeles a procura do irmão. Deste reencontro tão propalado, a audiência somente pode esperar toda sorte de confusões.
⭐ 3.6 / 5.0
Looper: Assassinos do Futuro
3.6 2,1KTemporalmente localizada no futuro, esta ficção-científica escrita e dirigida por Rian Johnson lança luz sobre um interessante dilema ético: é justificável punir um futuro criminoso por um crime que ele ainda não cometeu, mas que certamente irá cometer? No âmbito da viagem no tempo e de realidades instáveis que podem ser alteradas de acordo com as atitudes que se toma no presente, o personagem de Bruce Willis retorna 30 anos para assassinar o futuro responsável pela morte de sua esposa. Acontece, entretanto, que o futuro criminoso, no presente, ainda é apenas uma criança. Estrutura-se, portanto, o dilema moral que somente será desenlaçado ao final do filme, evidenciado um moto-contínuo de violência que não será encerrado no futuro.
No universo arquitetado por Johnson, o tempo presente é o ano de 2044; e a sociedade vive num estágio de quase selvageria: organizações criminosas tomaram o poder e a população se mantém em permanente estado de carestia. Neste ambiente distópico, uma das alternativas para se ganhar dinheiro é o trabalho de Looper, um matador de aluguel que elimina vítimas do futuro: a vítima é enviada através de uma máquina do tempo e, depois de completado o serviço, o looper recebe o pagamento em barras de prata ou ouro. O pagamento em ouro, porém, significa a aposentadoria compulsória do looper e, mais do que isso, que sua última vítima fora ele próprio, enviado do futuro para ser morto por si mesmo. Assim, o filme concentra-se em Joe (Joseph Gordon-Levitt), um looper viciado numa substância química que nunca questiona a integridade de seu trabalho. Porém, quando chega o momento de assassinar seu “eu” do futuro (Bruce Willis), este escapa no intuito de colocar em prática o seu plano de vingança. No encalço de sua versão do futuro, Joe acaba se refugiando nas terras de Sara (Emily Blunt), uma fazendeira que vive isolada com seu filho; e este encontro irá alterar o destino do protagonista.
Se a trama parece complexa demais, a maneira como Rian Johnson a explana acaba sendo um dos pontos fortes da narrativa e, consequentemente, do filme. Aos poucos e sem recorrer a diálogos expositivos, as regras desse universo vão sendo explicadas, sempre de modo orgânico.
⭐ 3.8 / 5.0
Os Muppets Conquistam Nova York
3.4 61 Assista AgoraCriados em 1955, por Jim Henson, Os Muppets é um grupo de comédia de variedades formado por simpáticos bonecos de fantoche que prontamente conquistaram a América e o mundo. Conhecidos por seu estilo de comédia burlesca, surrealista, absurda, metarreferencial etc., eles já apareceram em inúmeras séries de televisão, telefilmes e filmes de cinema. Lançado em 1979, “Os Muppets: O Filme” marcou a estreia dos carismáticos bonecos nas telonas; com um humor peculiar e bastante personalista, o filme musical divertiu adultos e crianças sem distinção. Cinco anos depois, em seu terceiro longa-metragem, os Muppets conquistaram Nova York ao levarem o seu show para a Broadway; e mesmo que o filme tenha um roteiro reprisado de antigos musicais da era de ouro de Hollywood, ele conquista e diverte a audiência de forma genuína e relativamente inocente. Além disso, “Os Muppets Conquistam Nova York” conta com participações especialíssimas de nomes como os de Liza Minnelli, Joan Rivers e Brooke Shields.
A direção do longa tem a assinatura de Frank Oz, cuja experiência no manejo de fantoches já havia sido atestada em “Star Wars”, no qual ele mobilizou ninguém menos que Mestre Yoda. O enredo do filme acompanha as aventuras e desventuras de Caco, o Sapo, Miss Piggy e sua turma na tentativa de estabelecerem-se em Nova York e de levarem seu musical à Broadway. Enquanto almejam ganhar a vida na grande cidade, Os Muppets passam por maus bocados: hospedam-se em precários armários de rodoviárias, empregam-se numa lanchonete tomada por ratos, separam-se etc. Tudo o que eles desejam é a chance de encontrar um produtor de teatro disposto a lhes financie o show, até que o jovem Ronnie Crawford (Lonny Price), filho de um famoso e rigoroso produtor, cruza-lhes o caminho.
Extremamente divertido e inocente e recheado de boas canções, “Os Muppets Conquistam Nova York” conquistam e encantam a audiência, sobretudo devido ao carisma de seus protagonistas.
⭐ 4.2 / 5.0
The Other Dream Team
3.9 1Em 1992, durante os Jogos Olímpicos de Verão em Barcelona, o “Dream Team”, time de basquete dos Estados Unidos, que tinha entre seus jogadores nomes como os de Michael Jordan e Magic Johnson, ganhou a tão desejada medalha de ouro. No mesmo pódio, entretanto, em terceiro lugar, havia outro “Dream Team”: o time de basquete da Lituânia, que surpreendentemente levou a medalha de bronze. A façanha dos lituanos é surpreendente não apenas devido ao desempenho dos jogadores na quadra, mas sobretudo porque eles representavam um país que havia se tornado independente da URSS há menos dois anos e que ainda enfrentava a resistência de tropas russas em seu território. Não havia, pois, capital investido (parte do financiamento foi conquistado por iniciativa da banda de rock The Greatful Dead, que se inspirou no caso) ou incentivos ao time, somente a vontade de vencer e de elevar o nome da Lituânia numa atitude de afirmação de soberania. É este o feito heroico da delegação lituana de basquete que o documentário visa reconstituir através de entrevistas, remissão a fatos históricos, imagens de arquivo etc.
Narrativamente, o documentário contempla três dimensões que, a rigor, se complementam: a histórica, a desportiva e a política. Enquanto ponto de partida, a narração inicia-se a partir de uma contextualização do basquete e de sua importância para a Lituânia desde o período anterior à fase soviética. Em seguida, mostra-se os efeitos do domínio soviético e a maneira como os atletas lituanos foram incorporados a contragosto às seleções da URSS. Intercalando passado e presente, o filme registra a importância do esporte na resistência à dominação e, principalmente, na afirmação da soberania nacional. Infelizmente, em diversos momentos, a narrativa abandona a neutralidade ideológica e assume um viés determinadamente de direita, incluindo-se um elogio à maledicente figura de Ronald Reagan. Este é o aspecto que esmorece toda a experiência que o documentário procura transmitir.
⭐ 3.1 / 5.0
7 Prisioneiros
3.9 318Contundente e denso, “7 Prisioneiros” escancara um dilema moral: o embate entre ética e sobrevivência; e, ao mesmo tempo, o filme demonstra quase que didaticamente a maneira como o poder – financeiro ou não – corrompe uma batalha de interesse coletivo em função do individualismo mais torpe. Do começo ao fim, a narrativa é dominada por situações de violência e de privação de direitos. Diretamente, o filme trata de escravidão contemporânea (sem o atenuante do qualificativo “análogo à escravidão”). Logo no início, somos confrontados por um caso de tráfico de pessoas: Mateus (Christian Malheiros) e mais três jovens do interior atendem a uma oferta de trabalho num ferro velho da capital paulista e partem em busca do sonho da realização financeira na capital. Porém, o sonho rapidamente se transforma em pesadelo: cárcere privado, subalimentação, não-remuneração etc. é o que encontram. Não se trata, portanto, de uma alegoria remissiva ao nosso passado escravagista, mas de um retrato profundamente realista de uma realidade concreta e corrente.
Nesse sentido, a narrativa de “7 Prisioneiros” desnuda a estrutura brasileira, contaminada desde a colônia pela dicotomia “casa-grande” e “senzala” e suas adjacências. Toda uma hierarquia de poderes vai sendo desvelada: do político que coordena uma rede de serviços ilegais gerenciados por laranjas, do gerente do ferro velho que responde por um desses serviços e escraviza pessoas, da polícia corrupta que defende os interesses do político em nome do estado etc. Assim, chega-se em Mateus, um garoto escravizado que abandona seus próprios valores éticos (e também de classe e de raça) em prol da possibilidade de sobrevivência individual através de um pacto conciliatório e assentado na cordialidade de seu algoz. Através da sedução do poder e do dinheiro, o ex-escravo é levado a crer que existe lugar para ele na “casa-grande” e, dessa forma, ele não titubeia em assumir a função de capitão do mato. Esse lugar, entretanto, na estrutura social brasileira que pouco mudou desde a colônia, jamais deixará de ser o quartinho de empregados.
⭐ 4.1 / 5.0
Minha Mãe
2.8 243Em “Minha Mãe”, Christophe Honoré leva o Complexo de Édipo às últimas consequências, ou seja, à tragédia decorrente da violação de um tabu primordial e universal. O filme é baseado no romance homônimo e autobiográfico de Georges Bataille e não parece agradar aos olhares mais pudicos, justamente porque não poupa a audiência das imoralidades perversas de uma mãe e de seu filho púbere. No elenco, Isabelle Huppert e Louis Garrel interpretam, respectivamente, Hélène (a mãe) e Pierre (o filho). Aos 17 anos, Pierre enxerga em sua mãe um objeto de afeto que vai além da relação materna típica de uma família tradicional; em função disto, vive numa angústia profunda em relação à culpa por devotar à mãe um desejo quase erótico e também pr sentir certo desprezo e raiva pela figura paterna. Hélène, por sua vez, não está disposta a assumir a pureza que o filho projeta nela. Recusando-se a ser amada por aquilo que não é, decide revelar sua verdadeira natureza: a de uma mulher para quem a imoralidade se tornou um vício. A revelação, contudo, potencializa os conflitos do rapaz, que pede para ser iniciado por ela e deixa-se levar até o limite.
Questões como dominação e submissão, perversão e incesto são livremente tratadas pelo filme de Honoré, que não se apega em pudores ou moralismos. A aproximação é crua e, ao mesmo tempo, plácida, sem sensacionalismo ou censura. Além disso, o roteiro exime-se de qualquer julgamento moral, embora o clímax final, profundamente trágico, demonstre claramente as consequências da violação de um tabu como o do incesto – mesmo assim, deve-se levar em conta a dimensão irônica – e melancólica – deste desfecho, pontuado pela canção “Happy Together” (felizes juntos?), dos The Turtles. De um modo geral, o filme, apesar de excessivamente polêmico, é muito bem realizado. Os destaques ficam por conta das atuações irretocáveis e despudoradas de Huppert e Garrel.
⭐ 3.5 / 5.0
Eva na Marinha
3.7 1Além de divertido e carismático, “Eva na Marinha” serve de pretexto para as acrobacias aquáticas da estrela Esther Williams, atriz e nadadora. Em uma sequência espetacular (a melhor do filme), e ao lado de duas crianças, ela demonstra todo seu o talento num verdadeiro balé submerso. Entre canções e coreografias bem ensaiadas, o filme, entretanto, tem outro propósito: um discurso elogioso às forças armadas estadunidenses. E, nesse sentido, toda a diversão e carisma quase caem por terra devido ao enviesamento ideológico do longa. Ainda assim, desconsiderando-se este aspecto, “Eva na Marinha” diverte e tira boas gargalhadas da audiência, além de trazer surpreendentes participações especiais, como um número musical protagonizado por ninguém menos que Debbie Reynolds.
Privilegiando-se a caracterização da Marinha Americana, a trama do filme é relativamente fraca, pois fica em segundo plano. Nela, acompanhamos a trajetória de três jovens mulheres que decidem abandonar suas vidas civis e se alistam na Marinha. A primeira delas, Mary Kate (Joan Evans), vai em busca de anonimato depois de ter sido abandonada no altar; Whitey Young (Esther Williams), por sua vez, desenvolve o caminho inverso: abandona o noivo para se alistar; por fim, Una Yancy (Vivian Blaine) é uma solteirona iludida que não tem nada a perder. Contrariando o senso comum, a disciplina militar que as três encontram não tem a rigorosidade da vida real. Embora estivessem à procura de um rumo e da cura de paixões malsucedidas, as três acabam encontrando novos interesses amores, que lhes geram mais problemas.
Em relação ao formato, o elenco bem entrosado se sobressai, ao lado da fotografia vibrante, característica comum dos filmes coloridos do período. Em relação às canções, contudo, não há uma que se destaque, o que seria imprescindível a um bom filme musical.
⭐ 3.5 / 5.0
As Patricinhas de Beverly Hills
3.4 1,0K Assista AgoraA transposição de um romance de Jane Austen, “Emma”, escrito no Século XIX e sobre uma jovem heroína romântica e intrometida, para o mundo luxurioso e fútil de Beverly Hills na contemporaneidade poderia ter fracassado; porém, o notável trabalho da diretora e roteirista Amy Heckerling entregou um filme surpreendentemente bom. Repleto de frases de efeito hilárias, “As Patricinhas de Beverly Hills” condensa em si o melhor (e o pior também) dos anos 1990: um elenco juvenil primoroso (com nomes que se tornariam figuras carimbadas da década), um romantismo adolescente fútil e fugaz, uma trilha sonora noventista memorável, cenários e figurinos que transitam livremente entre o clubber, o vintage e o clássico etc. Embora seja uma comédia romântica regular e sem maiores pretensões, o filme conquistou um lugar especial entre a audiência, sendo facilmente reconhecido como prototípico de seu gênero e geração.
Na trama, Alicia Silverstone (que era, até então, reconhecida apenas por sua participação num videoclipe do Aerosmith) dá vida à Cher, uma adolescente rica e mimada de Beverly Hills cuja mãe morreu durante um procedimento malsucedido de lipoaspiração. Ela vive com seu pai (Dan Hedaya), um advogado extremamente rico, numa enorme mansão e, embora frequente a escola, passa a maior parte do tempo fazendo compras com sua melhor amiga Dionne (Stacey Dash), irritando o enteado de seu pai, Josh (Paul Rudd), combinando roupas em seu armário gigantesco ou arranjando namorados para as suas amigas, incluindo-se a recém-chegada Tai (Brittany Murphy), uma garota estranhíssima que, após passar pelo crivo de Cher, torna-se quase um clone seu. Porém, enquanto trabalha de cupido para as colegas, Cher descuida de sua própria vida amorosa; e quando se dá conta disso, restringe seus horizontes na busca pelo homem perfeito, que talvez esteja mais próximo do que ela imagina.
Em algum sentido, o filme estabelece uma divertida sátira da adolescência americana do século XX, incidindo, sobretudo, sobre sua futilidade e seu horizonte cultural extremamente restrito e diminuto. Mesmo assim, a protagonista Cher conquista a simpatia da audiência, justamente por se comportar como uma autêntica heroína romântica: inocente, chique e um pouco tola.
⭐ 3.8 / 5.0
Carne Trêmula
4.0 582“Carne Trêmula”, longa-metragem espanhol de 1997, consolida, de certa forma, a maturidade artística de Pedro Almodóvar. O estilo profundamente pessoal que ele vinha desenvolvendo através da hiperestilização que beira o kitsch; do derramamento dramático que encontra respaldo nas atuações, na cenografia, na trilha sonora etc.; do apelo folhetinesco de seus enredos dramáticos pontuados por alívios cômicos irônicos e críticos etc. encontra, em “Carne Trêmula”, um formato que pondera e equilibra estes predicados. Contrariamente aos núcleos narrativos que já havia produzido, Almodóvar constrói a trama de “Carne Trêmula” centrada em personagens masculinos, ainda que a compreensão do “desejo” continue sendo o principal interesse temático de seu cinema; até mesmo o apelo queer, identificativo de seu filmes, não aparece aqui enquanto conteúdo – embora a fixação que a câmera tem pelo corpo de Liberto Rabal denota, na forma, o interesse homoerótico. Além disso, apesar de não tratar explicitamente de temas políticos, o retrato dos efeitos da transição da ditadura de Franco para a democracia perpassa subliminarmente toda a narrativa.
A trama tem início em 1970, quando a insegurança da ditadura ainda impunha um tácito toque de recolher às ruas de Madri; numa noite, uma prostituta (Penélope Cruz) entra em trabalho de parto e, dentro de um ônibus a caminho da maternidade, dá à luz seu filho Victor. Depois disso, a narrativa realiza um salto temporal desembocando na Madri contemporânea. E é em redor de Victor (Liberto Rabal) que o arco dramático se desenvolve, depois de ele se envolver numa confusão na casa de Elena (Francesca Néri), uma mulher que conhecera dias antes. Dois polícias em serviço de patrulha e um revólver disparado acidentalmente fazem com que Victor seja sentenciado a sete anos de prisão. Durante este tempo, ela planeja a mais surpreendente das vinganças. Posto em liberdade, Victor envolverá todos os personagens direta e indiretamente envolvidos no incidente na casa de Elena a fim de executar sua vingança; neste processo, o desejo terá papel fundamental como mediador entre a sedução e a vingança.
⭐ 4.6 / 5.0
Vento e Areia
4.4 34O sueco Victor Sjöström foi um dos diretores pioneiros a inscrever o nome da Suécia na produção cinematográfica mundial. Dentre seus filmes da fase sueca, “A Carruagem Fantasma” (1921), baseado num texto literário de Selma Lagerlöf, impressiona por utilizar-se da sobreposição de quadros para gerar efeitos visuais e, dessa forma, sustentar uma convincente atmosfera sobrenatural. Posteriormente, Sjöström mudar-se-ia para Hollywood onde, em 1924, estrearia na MGM com o filme “O Culpado”. Dois anos mais tarde, em “A Letra Escarlate”, o diretor iniciava uma parceria com Lilian Gish – uma das principais atrizes do cinema mudo estadunidense. A parceria com Gish seria repetida em 1928, no impressionante “Vento e Areia”, um faroeste familiar focado na adaptabilidade de uma jovem órfã a um ambiente profundamente hostil a ela.
Em relação a “Vento e Areia”, a atmosfera e a ambientação são os aspectos que primeiramente saltam aos olhos. O diretor consegue transmitir a hostilidade do ambiente com todos os seus predicados, apenas recorrendo-se a imagens. Nesse sentido, a narrativa é constituída através da sinestesia, pois é como se pudéssemos escutar, juntamente com a protagonista, o barulho do vento, além de nos sentirmos conjuntamente oprimidos pela sua onipresença. Filmado no deserto de Mojave, na Califórnia, “Vento e Areia” utiliza-se das condições naturais do ambiente para reforçar a inospitalidade do local e, dessa forma, justificar as transformações da jovem protagonista, Letty (Lilian Gish). Além disso, a atuação impecável de Lilian Gish, que consegue transmitir sensações de pavor e pânico diante do vento e da areia abundantes, realça a atmosfera de terror (ainda que não se trate de um filme de terror). No ápice do filme, entretanto, programado para culminar num desfecho implacável e trágico ante uma tempestade de vento e areia, um estupro e um assassinato mal disfarçado, o enredo é impiedosamente suavizado por uma modificação invasiva dos produtores no texto original de Sjöström e Frances Marion. Infelizmente, a intromissão dos produtores causa uma cisão na continuidade narrativa; porém, isso não prejudica substancialmente o filme como um todo.
⭐ 4.3 / 5.0
O Último Beijo
3.9 43Escrito e dirigido por Gabriele Muccino, “O Último Beijo” é um daqueles filmes que trazem diversos personagens cujas trajetórias se entrecruzam, amalgamadas por uma música em tom épico. Embora descreva diversas situações, a temática de todos os entrechos é basicamente uma: o pavor masculino diante das responsabilidades da vida adulta. Em “O Último Beijo”, Gabriele Muccino, à época um jovem realizador italiano na faixa etária dos 30 anos, convida o espectador à reflexão sem, contudo, soar verborrágico. Valendo-se de uma ironia desconcertante que redunda numa boa entonação cômica, ele propõe uma auto-reflexão que traz à baila diversos matizes que buscam ilustrar as confusões mentais de homens na transição da juventude para a vida adulta. Por isso mesmo, o ponto de vista do filme é francamente masculino e se esforça por não fazer julgamentos de valores.
Embora descreva diversas tramas paralelas, o concatenador de todas elas é Carlo (Stefano Accorsi), que embarca numa crise existencial após sua noiva lhe comunicar que está grávida. Concomitantemente, ele conhece Francesca (Martina Stella), uma jovem estudante de 18 anos por quem se sente profundamente atraído. Entre um parco sentido de responsabilidade e a força da tentação, Carlo viverá um pequeno inferno pessoal enquanto reflete sobre os modos de vida e as escolhas de seus melhores amigos: Adriano (Giorgio Pasotti), Paolo (Claudio Santamaria), Alberto (Marco Cocci) e Marco (Pierfrancesco Favino). Em ritmo acelerado, a narrativa envolve o espectador nos dilemas dos personagens; e, a partir do ponto de vista masculino, a contraparte da balança é encetada pelas personagens femininas. Enquanto Carlo mostra-se egoísta, imaturo e um pouco irresponsável, Giulia (Giovanna Mezzogiorno), sua noiva, é uma mulher personalista e segura de si. Outra personagem interessante é Anna (Stefania Sandrelli), a mãe de Giulia que, aos 50 anos de idade, passa por uma crise etária ao descobrir que se tornará avó em breve.
Ainda que incorra pela comédia, “O Último Beijo” acerta ao encenar a vida amorosa aos 30 anos; além de ressaltá-la como um movimento constantemente comandado pelo destino.
⭐ 3.8 / 5.0
Mamma Mia! Lá Vamos Nós de Novo
3.7 613 Assista Agora“Mamma Mia! Here I go again… my, my, how can I resist you?”… estes versos do ABBA dão o tom da experiência de se assistir a qualquer um dos dois filmes da franquia “Mamma Mia!”: são irresistíveis, dançantes, nostálgicos e irreverentemente kitsch. Tratando-se de uma continuação, “Lá Vamos Nós de Novo” traz dois aspectos essenciais a uma boa sequência: continuidade e inovação. Em relação à continuidade, o filme procura reproduzir as mesmas atmosfera e ambientação que o primeiro, além da presença dos mesmos personagens e da relativa fidelidade ao enredo do filme anterior. As inovações consistem na inserção de novos personagens – destacando-se a participação mais-que-especial de Cher; e no enredo, que parte de duas tramas paralelas que se desenvolvem concomitantemente: uma em relação ao presente, apresentando Sophie (Amanda Seyfried) continuando legado de sua recém-falecida mãe (Donna: Meryl Streep) à frente do hotel; e a outra em relação ao passado, que reconstitui a juventude de Donna (Lily James) ao longo de sua chegada à ilha grega e durante o período de sua gestação.
Trazendo novos números musicais, mas sempre inspirados nos sucessos do ABBA, a narrativa de “Lá Vamos Nós de Novo”, ancorada na competente edição de Peter Lambert, trafega com naturalidade entre o passado e o presente, tendo em vista a reconstituição do passado agitado de Donna e suas amigas. A seleção de atores, nesse sentido, mostrou-se eficiente ao escolher atores jovens fisicamente parecidos com suas contrapartes mais velhas. Sem maiores pretensões, o filme consiste num entretenimento sem agressão intelectual; embora não traga reflexões, diverte, faz rir e assinala a importância do ABBA para a cultura pop. Talvez falte ao filme de Ol Parker a presença dos grandes hits da banda sueca – que foram bem mais explorados no filme anterior –, mas isto não o prejudica em nenhum nível.
⭐ 3.9 / 5.0