O texto de “Henrique V” inscreve-se no conjunto das peças históricas de Shakespeare e baseia-se na vida e no reinado de Henrique V, monarca galês que esteve à frente da Inglaterra na primeira metade do século XV. Henrique é celebrado por ter empreendido uma campanha contra a França e, mesmo com o exército reduzido e enfraquecido, derrotado o grosso do exército francês na Batalha de Azincourt, em 1415, durante a chamada Guerra de Cem Anos. Em 1944, a peça foi levada às telas de cinema pela primeira vez, por Laurence Olivier que, além de dirigir o filme, protagonizo-o. Olivier, como é sabido, vinha dos palcos de teatro e dedicou boa parte de sua carreira cinematográfica aos textos shakespearianos. Neste sentido, a trajetória de Kenneth Branagh assemelha-se muito à de Olivier; Branagh, também egresso do teatro britânico, marcou sua estreia na direção de filmes com um texto de Shakespeare, cujo protagonismo também foi assumido por ele: “Henrique V”, de 1989.
O filme de Branagh começa de maneira bastante original. A figura de um narrador, que substitui em funcionalidade a presença do coro das antigas tragédias gregas, é encarnada por Derek Jacobi e transportada para um cenário que lembra um estúdio de cinema, na forma de um personagem que se dirige ao público para estabelecer a ligação entre as cenas e descrever aquilo que não se encenava. Além desta inovação, ao contrário da versão de Olivier, o filme de 1989 captura as ações em locações externas, conferindo maior realismo à trama. O fato de assumir o protagonismo poderia ser tarefa demasiadamente desafiadora para um diretor estreante; Kenneth Branagh, contudo, dá conta do recado: sua interpretação é vigorosa e apaixonada, em conformidade com o retrato da personalidade histórica de Henrique V. Ainda que tenha mantido a maioria dos diálogos da peça, o diretor tomou o cuidado de delimitar muito bem o objeto cinematográfico que tinha em mente, evitando-se dessa forma, resvalar na impressão de simples teatro filmado.
O nome de Alfonso Arau recebeu algum prestígio depois de ter rodado “Como Água para Chocolate”, em 1992, ainda no México, seu país de origem. Depois de ter migrado para Hollywood, Arau procurou manter-se ligado às tradições mexicanas, sobretudo no que diz respeito às temáticas de seus filmes. Em “Caminhando nas Nuvens”, por exemplo, o tradicionalismo conservador de uma família mexicana colide com as noções de modernidade assimiladas pela filha na universidade. Embora parta dessa temática interessante, o filme, contudo, não se aprofunda na questão, privilegiando o entrecho romântico da narrativa que, aliás, parece estar resolvido desde os primeiros dez minutos de exibição. Apegando-se a muitos clichês do gênero, atuações irregulares (principalmente Keanu Reeves que não está em seu melhor momento) e um desfecho previsível, “Caminhando nas Nuvens” pode, entretanto, ser apreciado por sua incrível beleza e sua atmosfera de ingenuidade e encantamento.
Com base no roteiro de um filme italiano de 1942 (“Quattro Passi fra la Nuvole”), “Caminhando nas Nuvens” tem início com o retorno do jovem Paul Sutton (Keanu Reeves) da guerra na Europa. Em terra americana, o reencontro com a esposa o leva a perceber a falta de afinidade latente entre os dois. No intuito de mudar de vida, ele decide viajar até empresa para a qual trabalhava antes da guerra; no caminho, conhece Victoria Aragón (Aitana Sánchez-Gijón), uma jovem encantadora que está grávida e retornando para a casa. Temendo a reação de seu pai conservador (Giancarlo Giannini), ela consegue convencer Paul a fingir ser seu marido e passar alguns dias na vinícola da família. Obviamente, um interesse romântico verdadeiro se desenvolve entre os dois, embora enfrentem a fúria e a desaprovação do pai de Victoria.
Apesar de toda a previsibilidade, a história consegue encantar, principalmente com relação à forma como se desenvolve o relacionamento entre Paul e Victória e às cenas protagonizadas por Anthony Quinn, no papel de Don Pedro Aragón, o avô da moça.
Nos primeiros anos da década de 1990, a produção cinematográfica brasileira sofreu um declínio que a levou à beira da completa estagnação. Durante o governo de Fernando Collor, a Embrafilme – estatal brasileira dedicada ao fomento da produção e distribuição de filmes no Brasil – encerrou suas atividades, determinando-se, dessa forma, a extinção das verbas destinadas à produção cinematográfica no país. A partir do Impeachment de Collor, contudo, e da criação da Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual, o mercado e a projeção do cinema brasileiro começaram a ser reestruturados. Os filmes lançados no esteio desse processo fazem parte de um movimento chamado de Retomada do Cinema Brasileiro. As produções da Retomada, imbuídas de pluralidade temática e narrativa, geralmente trazem enredos críticos que dialogam diretamente com a realidade social e política do país.
“Como Nascem os Anjos” é um desses filmes. Dirigido por Murilo Salles e lançado em 1996, trata de uma temática incômoda: das perspectivas da infância no Brasil e a interdição imposta pela violência. Na trama, Branquinha (Priscilla Assum) e Japa (Silvio Guindane) têm aproximadamente treze anos. Vivem numa favela. Japa sonha em tornar-se jogador de basquete, enquanto Branquinha – que apesar da pouca idade diz ser casada com Maguila (André Mattos), um subordinado do tráfico muito mais velho que a garota e que acabou de assassinar o chefe da boca – sonha em tornar-se mandante na favela. Devido a circunstâncias exógenas, os três – Maguila, Branquinha e Japa – acabam mantendo em cativeiro William (Larry Pine), um advogado americano, e sua filha Julie (Ryan Massey). Ricaços, os americanos são patrões de Conceição (Maria Sílvia) e vivem numa mansão em São Conrado, bairro nobre e vizinho à favela da Rocinha. Embora a intenção inicial dos invasores não seja a de cometer qualquer crime, a situação sai do controle e, pouco a pouco, as duas crianças vão sendo consumidas pela atmosfera de violência que se instaura.
Idealizada originalmente como uma minissérie de animação, “The House” acabou se tornando um longa-metragem antológico totalmente rodado em stop motion. Trata-se de três curtas-metragens apresentados em série; e cujo elemento relacional – que estabelece a ligação entre as três narrativas – é a onipresença de uma enorme casa misteriosa. Investidas de boas doses de surrealismo, o tom das histórias transita livremente entre o horror e a comédia ácida. Além disso, cada uma delas se passa em períodos históricos diferentes, embora a casa permaneça sempre a mesma. Dialogando diretamente com aspectos da psique humana, ao final, “The House” firma-se como um filme assustadoramente reflexivo.
Os quatro diretores – Emma De Swaef e Marc James Roels (primeiro segmento), Niki Lindroth von Bahr (segundo segmento) e Paloma Baeza (terceiro segmento) – contam suas próprias histórias utilizando-se de seus respectivos estilos e personalidades, embora a ambientação e o tom permaneçam semelhantes nos três contos. O resultado é, portanto, uma atmosfera macabra que desperta o interesse da audiência através do estranhamento.
A década de 1960 talvez tenha sido a mais profícua para o trabalho de Ingmar Bergman. Além da célebre trilogia do silêncio, que procura refletir acerca do silêncio de Deus diante das angústias humanas, o diretor sueco também lançou “Persona: Quando Duas Mulheres Pecam” (1966) – sua obra-prima e um dos maiores da história do cinema –, e “A Hora do Lobo” (1968), um filme totalmente diferente de tudo o que Bergman já havia feito até então e que demarca a única incursão do diretor num formato que beira ao do terror. Mais especificamente, “A Hora do Lobo” é um terror psicológico: uma viagem surrealista e expressionista ao inconsciente humano, suas fantasias, fantasmas e traumas; Bergman nos toma pela mão e nos conduz através dos pesadelos dos personagens sem, contudo, nos deixar esquecer de que se trata tão somente de um filme.
O título do filme pode ser compreendido como uma metáfora hobbesiana ligada ao estado de espírito do protagonista, o pintor Johan Borg (Max von Sydow), que enfrenta um grave e profundo recesso criativo. A fim de recuperar a inspiração, Johan muda-se com a esposa, Alma (Liv Ulman), para uma das Ilhas Frísias, onde passam a viver numa pequena casa aparentemente afastada. Com o tempo, o pintor atormentado passa a enxergar pessoas que ele considera serem demônios, ou “antropófagos”, de acordo com a maneira como ele as descreve – não existe um limiar claro entre a fantasia e a realidade. Acometido por uma insônia fulminante, Johan transporta a reboque sua esposa para o âmago de sua insanidade. Afinal, como a própria Alma tenta se convencer, os anos de convivência atuam no sentido de igualar as personalidades de duas pessoas. A imbricação de que sofrem tanto Johan quanto Alma desafia os sentidos conscientes e as percepções externas, sobretudo, a partir do segundo ato do filme, quando somos mergulhados na jornada delirante do protagonista, cuja fantasmagoria subconsciente aflora em imagens assustadoras (as quais Bergman alcança através de recursos ópticos e de maquiagem).
Afonso Poyart inscreve-se numa tendência pós-moderna de cinema ao se inspirar na linguagem frenética da cultura pop contemporânea para a realização de “2 Coelhos”: à narrativa cinematográfica tradicional misturam-se as linguagens dos games, videoclipes, quadrinhos etc. O resultado é uma história que, embora imatura e aparentemente despretensiosa, surpreende por abarcar (com qualidade) um universo pouco comum às produções brasileiras – o das pirotecnias do cinema de ação. A direção musical assinada por Marcio Nigro e André Abujamra reitera o sentido de justaposição de tendências, auxiliando na construção de uma atmosfera contemporânea sólida.
A trama de “2 Coelhos” gira em torno de um acidente de carro que funciona como mola propulsora para o ciclo de desventuras que, de uma maneira torta e corruptível, põe em relação todos os personagens do filme. O principal deles é Edgar (Fernando Alves Pinto), narrador em primeira pessoa e catalizador das mudanças na vida das demais personagens que gravitam em torno de sua existência pequeno-burguesa e cheia de culpa. Seu desejo é, ao mesmo tempo, recolocar no eixo a existência dos sujeitos que ele prejudicou e praticar a justiça com relação à criminalidade e à corrupção que assola o poder público brasileiro. Sinteticamente: ele quer matar dois coelhos com uma só cajadada (daí o título da produção). Porém, os métodos dos quais ele se vale tampouco são honestos, embora as intenções o sejam. E, nesse sentido, os fins acabam justificando os meios, ainda que o roteiro se valha de sarcasmo ao colocar em prática os planos de Edgar.
Escapando da linearidade comum à maioria das narrativas cinematográficas, “2 Coelhos” é uma produção refrescante que equilibra muito bem a ação, a ironia e a crítica, sem privilegiar uma ou outra tendência.
Constituído de reminiscências afetivas, em “A Era do Rádio” Woody Allen presta uma bela homenagem à era de ouro do rádio – dos anos 1920 a meados dos anos 1950 nos EUA – neste que é um de seus filmes mais sensíveis e pessoais. Além disso, ao tomar a reconstituição memorialista como ponto de partida, Allen dialogia diretamente com Federico Fellini – mais especificamente, com “Amarcord” (1973); (uma relação dialógica que, em 1980, já havia posto em similaridade “Memórias”, de Allen, com “8 ½” (1963), de Fellini). “A Era do Rádio” é um emaranhado de lembranças alteradas de uma infância reconstituída: casos populares e verídicos envolvendo o rádio – como a célebre transmissão de Orson Welles de um trecho de “A Guerra dos Mundos” (de H.G. Wells), que causou furor e ataques de pânico –, fofocas das celebridades do meio radiofônico, além de excertos do cotidiano caótico, mas aconchegante de uma família judia e suburbana.
Narrativamente, o enredo persegue o fio da memória, sem preocupar-se com cronologias e linearidades. Os entrechos aparecem à medida que o narrador (a voz do próprio Woody Allen) os recorda; dessa forma, o filme se parece com uma colagem afetiva de lembranças conectadas pela voz do narrador, que vai lhes conferindo significados. Ao longo do filme, acompanhamos a infância de Joe (Seth Green), que cresceu escutando rádio na casa onde morava com vários membros de sua família, em que cada qual tinha seu programa de rádio favorito. Em paralelo ao cotidiano familiar, o narrador ainda descortina o universo exuberante e luxuoso das celebridades do rádio. Embora sejam incongruentes, é o mundo luxuriante dos vernissages e dos salões, filtrado pelas ondas do rádio, que alimenta os sonhos e anseios do microcosmo familiar suburbano.
Contando com um excelente elenco, “A Era do Rádio” trata da tentativa de preservação de vozes que vão se tornando, cada dia mais, inaudíveis devido à inevitável passagem do tempo. Seja através da seleção musical impecável (sobressaindo-se, inclusive, uma interpretação de Carmen Miranda – brasileira notável no meio musical estadunidense), ou da temática explorada, Woody Allen conseguiu realizar uma obra que olha para o passado com amor.
Ao definir uma assinatura pessoal para o cinema de ação, que mistura a coreografia das artes marciais à pirotecnia de explosões espetaculares, John Woo definiu-se como um dos mais influentes cineastas de gênero do Oriente. Depois de ter lançado “Fervura Máxima”, em 1992, o diretor radicou-se em Hollywood. Os filmes fase americana rodados por John Woo assumem um tom despretensioso e inverossímil que, contudo, diverte e mantém uma atmosfera alucinante do princípio ao fim. Em “A Última Ameaça”, por exemplo, tem-se explosões, tiroteios, perseguições em trens em movimento, lutas corporais em cenários inesperados etc. E tudo isso captado por uma câmera constantemente em movimento que parece ser conduzida pelo ritmo corpóreo do embate humano.
“A Última Ameaça” foi o primeiro grande sucesso de John Woo em solo americano; seu antecessor, "O Alvo”, com Jean-Claude Van Damme não havia empolgado tanto. Acostumado a trabalhar com poucos recursos em Hong Kong, o diretor soube aproveitar muito bem o orçamento disponível: escalou dois atores em evidência – John Travolta e Christian Slater –, além de um roteirista especializado em enredos de ação, Graham Yost. Na trama, John Travolta interpreta Vic Deakins, um major da Força Aérea americana que decide roubar uma bomba atômica a fim de chantagear o governo. De posse do armamento nuclear, ele e seus capangas fogem pelo deserto de Utah. Em seu encalço, encontra-se o Capitão Riley Hale (Christian Slater), um oficial mais jovem e menos experiente que fará de tudo para impedir que Deakins concretize seus planos.
Obviamente, o filme é previsível e tem pouco – ou nenhum – componente emocional; em termos de enredo, a fórmula dos contos de perseguição é seguia a risca. Porém, todos os elementos que identificam o estilo pessoal de John Woo estão presentes, o que transforma o filme num despretensioso, mas alucinante passatempo.
Em alguma medida, “Perfume” resolve uma questão da ordem dos sentidos que o cinema, por seu caráter intrinsecamente visual, enfrenta desde os seus primórdios: a representação do olfato. Através da imagem e valendo-se da sinestesia como recurso narrativo, o diretor consegue provocar sensações relativas aos cheiros, e o resultado que Tom Tykwer alcança é consistente e determinante para a inegável qualidade do filme. Baseado no romance de Patrick Süskind, o roteiro, co-escrito por Tykwer ao lado de Andrew Birkin e Bernd Eichinger, consegue narrar com brilhantismo a história de Jean-Baptiste Grenouille (Ben Whishaw, fantástico), um jovem que, desde o momento de seu nascimento, demonstrou possuir o sentido do olfato altamente apurado.
Impossibilitado de empregar as metáforas literárias descritivas inerentes ao romance de Süskind, uma vez que na narrativa cinematográfica a palavra prescinde da imagem, Tykwer utiliza-se de referências visuais para despertar a memória olfativa do espectador, através da exploração detalhada de cores, superfícies e texturas dos elementos de cena. Logo no início da projeção, por exemplo, somos invadidos pela sensação de mau cheiro de um mercado de peixes sob as precárias condições de higiene da Idade Média. É nesse ambiente fétido e decrépito que Jean-Baptiste nasce. E, a partir daí, iniciam-se suas atribulações. Criado num orfanato, a única diversão do garoto é aprimorar ainda mais seu sentido olfativo. À medida que cresce, o desejo de possuir todos os odores do mundo transforma-se numa obsessão. Depois de sobreviver às péssimas condições de trabalho num mercado de couros, Grenouille torna-se aprendiz de um decadente perfumista, Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman), no intuito de aprender a fórmula de preservação dos odores. Porém, o desejo de criar o aroma perfeito a partir de matéria humana o leva ao desenvolvimento de um método bastante controverso. O resultado, contudo, é embriagante.
Em 6 de abril de 1895, o escritor britânico Oscar Wilde foi preso sob a acusação de prática de “atos imorais com outros rapazes”, infração gravíssima no Reino Unido daquela época. É nesse mesmo período, de criminalização e perseguição à homossexualidade que o romance afetivo entre Maurice Hall (James Wilby) e Clive Durham (Hugh Grant) se desenvolve neste filme ao mesmo tempo sensível e visceral de James Ivory – baseado num romance relativamente autobiográfico de E.M. Forster. A ambientação espaço-temporal é fielmente representada pela direção de arte; trata-se de um cenário bastante explorado pelas lentes de Ivory: o dos rapazes polidos e dos bons modos, em que o desejo aparece como uma desobediência à ordem estabelecida. Como em outras histórias de James Ivory, os personagens de “Maurice” sofrem calados. O cumprimento dos protocolos de classe é apenas mais um dos disfarces para que se mantenham as aparências. O desejo homossexual, quando exposto, destrói a imagem pública dos homens; por isso, a homossexualidade pertence ao campo do interdito, aos quartos fechados, à penumbra dos bosques.
A teia de negações vai se tecendo quase que inerentemente. Mantêm-se, contudo, as amostras de resistência. Os dois rapazes negam, num primeiro momento, a própria natureza; depois, iniciam um relacionamento escondido. Com o tempo, porém, Clive decide corresponder à cartilha do reitor preocupado com as demonstrações de afeto numa universidade restrita aos homens: o único amor possível entre homens é o amor platônico. Ele decide escapar de uma suposta farsa para viver outra – prefere uma relação de aparências, com uma mulher, pensando em seu futuro na vida pública, aos encontros furtivos, secretos e apaixonados com Maurice. Ambos deverão fazer suas escolhas. Maurice, entretanto, conhece o jovem Alec Scudder (Rupert Graves), um empregado por quem se apaixona. O desejo passa, portanto, a enfrentar um novo oponente: a diferença de classes.
O maior problema de “O Lobisomem” talvez consista no mau uso dos recursos visuais; o filme peca pelo excesso de CGI, sobretudo nas cenas de transformação do homem em lobo. O enredo, contudo, é muito bom e concerne um ótimo desenvolvimento à trama. A ambientação, no interior da Inglaterra vitoriana, realça a atmosfera soturna do conto de terror, aprimorando a experiência. Trata-se, o filme, de uma reconstrução do clássico homônimo de 1941, protagonizado por Lon Chaney Jr. e inerente a uma tradição de filmes de terror iniciada pela Universal em 1931, com “Drácula”. A escolha de Benício Del Toro para protagonizar esta versão de 2010 é valorizada, sobretudo, pela semelhança entre Del Toro e o veterano Chaney Jr.
O filme é introduzido por uma epígrafe que reproduz versos da obra original: “até um homem que é puro no coração, e reza suas orações à noite, pode tornar-se um lobo quando o acônito floresce e a lua do outono estiver cheia e brilhante”. De forma cifrada, explica-se o caráter da licantropia. Na sequência, assistimos ao ataque de um lobisomem; sua vítima: um dos herdeiros de John Talbot (Anthony Hopkins), Ben Talbot (Simon Merrells). Larry Talbot (Benício Del Toro), o outro filho de John, é um ator shakespeariano que faz sucesso nos teatros de Londres. Numa noite, após um espetáculo, ele é procurado por Gwen Conliffe (Emily Blunt), a noiva de Ben, que comunica o misterioso desaparecimento do noivo, em Blackmoor. Depois de chegar às proximidades do incidente, Larry decide investigar o caso. Numa de suas vigílias noturnas, entretanto, ele é atacado pelo lobisomem e sobrevive; seguindo-se aos preceitos da lenda, na lua cheia seguinte ele próprio experimentará a metamorfose.
A composição da atmosfera, em “O Lobisomem” é uma das peças chaves para a produção. Nesse sentido, destacam-se a fotografia soturna e enevoada de Shelly Johnson; e a trilha sonora de inspiração gótica de Danny Elfman. Apesar de modernizado, contudo, o filme de 2010 não tem a potência do clássico de 1941.
Baseado no romance homônimo de José Clemente Pozenato – um exemplar pós-moderno da vertente regional na literatura brasileira –, “O Quatrilho” é um filme importante na história do cinema nacional. Afinal, a obra de Fábio Barreto está entre os títulos nacionais que já concorreram ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Além disso – e talvez por isso mesmo tenha sido indicado ao Oscar –, o regionalismo em “O Quadrilho” chama atenção por visar o universal; embora a trama parta de um localismo em termos de ambientação espaço-temporal, a história que se desenvolve tem caráter universalista e atemporal: trata-se um drama romântico que assume as influências do cinema e da literatura estrangeira.
Embora o filme seja bom e bem-realizado, ele acaba sendo vítima de um cacoete que contamina algumas produções nacionais – um vício apreendido das telenovelas: a necessidade de se explicar verbalmente todas as nuances, em detrimento da linguagem cinematográfica em si mesma. Exemplo: o título do filme, “O quatrilho”, refere-se a um jogo de cartas trazido ao Rio Grande do Sul por imigrantes italianos. A relação de compatibilidade entre as regras do jogo e o conflito romântico desenvolvido no filme poderia ter sido construída através de imagens, mas o roteiro sente a necessidade de, didaticamente, explicar ponto a ponto com palavras. A direção parece não se esforçar muito por explorar as possibilidades da gramática cinematográfica, apoiando-se principalmente nos diálogos para contar a história.
A história de “O Quatrilho” se passa numa colônia rural do Rio Grande do Sul à época da colonização italiana, no início do século XX. Dois casais – Tereza (Patrícia Pillar) e Angelo (Alexandre Paternost), Pierina (Glória Pires) e Massimo (Bruno Campos) – vão morar juntos em uma casa, num terreno que o os primos (Angelo e Massimo) compram em sociedade. Com o tempo, porém, enquanto Angelo se concentra no trabalho pesado, uma paixão incontrolável se desenvolve entre Massimo e Tereza; esse fato trará consequências a todos, pincipalmente por causa da sociedade conservadora da época.
Depois de ter alcançado sucesso com os aclamados e influentes “Terra de Ninguém” (1973) e “Dias no Paraíso” (1978), o ex-estudante de filosofia Terrence Malick entrou numa reclusão voluntária que durou 20 anos. Por isso mesmo, o anúncio de seu retorno às telas no final dos anos 1990 surpreendeu a todos. Com relação ao novo projeto de Malick só se conhecida dois fatos concretos: tratava-se da adaptação de um romance de James Jones sobre a Segunda Guerra Mundial; e trazia no elenco nomes de diversos atores famosos e de novatos promissores. Lançado em 1998, “Além da Linha Vermelha” chegou aos cinemas no mesmo ano que “O Resgate do Soldado Ryan”, o drama de Steven Spielberg sobre a Segunda Guerra Mundial. Embora focalizem o mesmo conflito, os dois filmes não poderiam ser mais diferentes. Enquanto o filme de Spielberg é visceral, o de Malick promove uma experiência imersiva, contemplativa e profundamente reflexiva.
“Além da Linha Vermelha” aborda a loucura da guerra por um ângulo quase teológico. A guerra, filtrada e ressignificada pelas lentes de Malick (um ex-estudante de filosofia, ressalta-se), é bem mais que um mero conflito entre grupos de homens armados. Da forma como o filme a retrata, a guerra é anti-natural: uma afronta à natureza e, consequente, ao próprio Deus – ou, à ideia que se tenha de Deus. O filme mergulha no consciente coletivo das tropas enquanto se esforça por reconciliar as fragilidades da vida e da natureza com o comportamento imprudente de alguns homens. Numa estratégia narrativa interessante, a trama passa de soldado para soldado, buscando compreender suas consciências, seus desejos e medos, como parte de um amplo e contínuo diálogo interno; mesmo assim, o senso de anonimato entre eles é mantido o tempo todo. É como se a natureza e a divindade observassem aquela estranha espécie em ação e destruição, não se importando com o que há de belo no espaço em redor e desafiando a dádiva do livre-arbítrio.
A guerra, em “Além da Linha Vermelha”, funciona como um subterfúgio para a incessante busca de Malick pelo sentido da vida.
Certo dia, em 1988, uma nave especial pousou num deserto da Califórnia. Dentro dela, uma povoação de 300.000 seres extraterrenos. Logo, os habitantes do planeta Terra descobrirão que a espécie dos recém-chegados é geneticamente adaptada para o trabalho pesado; e que eles serviam como escravos em seu planeta de origem. Alguns anos depois, a malta de “visitantes” (como foram oficialmente denominados) está incorporada à sociedade americana – na cidade de Los Angeles, mais especificamente. Porém, o americano médio sente-se ameaçado pela inteligência aparentemente superior dos alienígenas; e pouco a pouco se desenvolve uma atmosfera insustentável de discriminação: os ETs passam a ser relegados como “escórias”. É este o pano de fundo que permeia a narrativa de “Missão Alien”: aparentemente banal, o enredo de Rockne S. O’Bannon utiliza da ficção-científica para registrar o tratamento que os americanos dispensavam aos estrangeiros. Trata-se, pois, de uma visão figurativizada sobre xenofobia e racismo.
Na trama, Matthew Sykes (James Caan) é um detetive da polícia de Los Angeles que, como a maioria de seus concidadãos, não vê com bons olhos os “visitantes”. Porém, após o assassinato de seu colega Tug (Roger Aaron Brown), ele decide aliar-se a um detetive alienígena – Sam Francisco (Mandy Patinkin) – a fim de desvendar uma onda de crimes que parecem estar conectados. A convivência entre eles vai, aos poucos, amenizando a concepção preconceituosa de Sykes. Contudo, um escândalo envolvendo humanos, alienígenas, produção e tráfico de drogas ameaça desestabilizar ainda mais as regras de convivência mútua. Sykes e Francisco é que deverão solucionar o caso.
Visualmente, “Missão Alien” assume uma estética de filme B. Isso, entretanto, valoriza a experiência. Embora, mais para o final, a questão social seja deixada de lado em função da trama policial, o filme consegue promover um ótimo entretenimento.
“A vida passa muito depressa; se não pararmos para curti-la de vez em quando, ela passa e a gente nem vê!”. Este é um dos muitos conselhos que o adolescente Ferris Bueller (Matthew Broderick) emite diretamente ao público através de um inteligente procedimento de quebra da quarta parede que, entre outros motivos, tornou “Curtindo a Vida Adoidado” um dos filmes mais icônicos dos anos 1980. O mérito é quase todo de John Hughes, o diretor e roteirista que melhor compreendeu o espírito do adolescente estadunidense médio dos anos 1980, sob o signo da pretensa liberdade prometida (e jamais cumprida) pela Era Reagan. Aliás, o viés republicano e a ilusão do neoliberalismo perpassa boa parte dos diálogos o que, no caso específico deste filme, não traz prejuízo à qualidade da obra. Ao focalizar a rebeldia de um garoto americano que engana os pais para matar um dia de aula e aproveitar a vida, o filme de Hughes eleva Ferris a uma espécie de expoente de um sonho juvenil: o último respiro de liberdade antes de encarar a vida adulta.
Logo no início de “Curtindo a Vida Adoidado”, Ferris nos segreda suas artimanhas para convencer seus pais a não mandá-lo para a escola. O garoto é profissional e coleciona um arsenal de subterfúgios. Após inventar uma doença, ele escapa de mais uma aula maçante sobre o socialismo europeu. A partir daí, o enredo passa a acompanhar seu dia de folga, na companhia de sua namorada, Sloane (Mia Sara), e de seu melhor amigo, Cameron (Alan Ruck) – um garoto hipocondríaco e deprimido. Eles aproveitam o dia no melhor dos sentidos: sequestram a Ferrari do pai de Cameron e rumam para Chicago, aonde assistem a uma partida de baseball, visitam um museu, almoçam no melhor restaurante da cidade, performam “Twist and Shout” num desfile da comunidade alemã etc. Em contrapartida, têm em sua cola dois poderosos adversários: Ed Rooney (Jeffrey Jones), o diretor da escola que suspeita das falcatruas de Ferris; e Jeanie Bueller (Jennifer Grey), a irmã amargura, ressentida e, francamente, um pouco invejosa.
Terror, humor, aventura, ação e ficção-científica se misturam em “Palhaços Assassinos do Espaço Sideral”, um Filme B que é um clássico do cinema trash. Os denominados Filmes B possuem características peculiares, tais como: senso de ridículo improvável e proposital, doses cavalares de surrealismo, violência de apelo gore, sensualidade exacerbada e um pretenso amadorismo formal. No caso de “Palhaços Assassinos...” todas essas características – em maior ou menor grau – estão presentes, com exceção das falhas técnicas; o filme é surpreendentemente bem realizado, com todos os aspectos funcionando bem e em sincronia. Por isso mesmo, o clássico trash (e atualmente reconhecido como cult) de Stephen Chiodo se apresenta como uma obra esteticamente bem feita.
A história não poderia ser mais absurda: uma cidadezinha conservadora de interior é invadida por palhaços alienígenas que, horas depois de pousarem sua nave (que tem o formato de uma tenda de circo), começam a assassinar os habitantes do local e envolvê-los em casulos de algodão doce. As armas usadas pelos palhaços se parecem com artefatos inofensivos: pipocas mutantes, marretas de brinquedo, teatro de sombras, cachorro de bexiga etc. Tudo muito surreal, bastante ao gosto do formato trash. Na sua simplicidade e bizarria, o roteiro dos irmãos Chiodo apresenta-se de forma brilhante ao transitar livremente entre a comédia, o suspense e o terror, e sempre aliado a uma direção de arte incrível que realça os aspectos lúdico-assustadores através do figurino e da maquiagem. Aliás, as roupas e a maquiagem dos palhaços são mais assustadoras que a trama em si. Com relação a este aspecto, a ambientação e cenografia também se sobressaem, sobretudo quando os protagonistas exploram o interior da nave-circo.
Os elementos sonoros também chamam a atenção. Logo no início da projeção, a canção que acompanha a abertura – “Killer Klowns”, dos The Dickies – ilustra perfeitamente o tom satírico, bem-humorado e, ao mesmo tempo, assustador do filme. Além disso, a trilha sonora acompanha com maestria os absurdos do roteiro. Juntos, todos esses elementos fazem de “Palhaços Assassinos...” um filme memorável.
Os Looney Tunes já haviam dividido a tela com personagens de carne-e-osso no curioso “Space Jam: O Jogo do Século” (1996), que fez enorme sucesso entre o público no ano de seu lançamento. O filme de 2003, entretanto, embora não seja co-protagonizado por Michael Jordan, nem envolva o universo dos jogos de basquete, se aproxima mais da essência do material original do desenho animado, principalmente ao abraçar a comédia descompromissada, a paródia e a metalinguagem como principais recursos narrativos. O resultado é divertidíssimo.
Até mesmo a premissa acaba sendo mais envolvente que a de uma simples partida de basquete: cansado de ser apenas um coadjuvante do Pernalonga, o Patolino pede demissão da Warner e decide abandonar Hollywood – não sem antes causar estragos nos estúdios cenográficos da companhia. A demissão do pato não agrada aos irmãos Warner (Don e Dan Stanton), que colocam a produtora Kate Houghton (Jenna Elfman) e o Pernalonga em seu encalço. Porém, o Patolino acaba entrando em contato – acidentalmente – com DJ Drake (Brendan Fraser), um dublê decadente e desastroso que se vangloria por ter trabalhado com... Brendan Fraser em “A Múmia”. Acontece que DJ é filho de um astro de Hollywood que também é agente secreto nas horas vagas; para evitar o roubo de um poderoso diamante que causaria estragos se caísse nas mãos do vilanesco Mr. Chairman (Steve Martin), o caricato e irritante presidente da ACME (aquela mesma empresa que fornece as artimanhas com que o Coiote tenta capturar o Papa-léguas), todos os personagens acabam envolvidos numa road trip que tem por objetivo recuperar o poderoso artefato.
Mais do que a trama em si, o nostálgico encantamento que o filme proporciona se deve também às divertidas participações especiais (tanto do universo animado, quanto do universo live-action). É claro que o filme deixa muitas pontas soltas, tem atuações ruins etc., mas, francamente, não foi feito pra ser levado completamente a sério... e tudo bem que seja assim.
O segundo longa-metragem de Christopher Nolan é um thriller psicológico estruturado na forma de um quebra-cabeça complexo que vai se montando juntamente com as fotografias polaroides que o protagonista coleciona e que, no entanto, o resultado final não é nada conclusivo. Por isso mesmo, a chave para o enigma não está no desfecho em si, mas no processo de encadeamento dos fatos. Nesse sentido, “Amnésia” é um filme de montagem e, portanto, mais interessante que a história em si, é maneira como ela é contada. Nas mãos de um diretor menos capacitado, o resultado poderia ter sido desastroso, mas Christopher Nolan, mesmo lançando mão de uma ordem cronológica reversa, consegue entregar uma narrativa completa e integral; e que, ao final, leva o espectador a duvidar da própria capacidade de compreensão.
As cenas vão se complementando de trás para frente na tentativa de solucionar um misterioso assassinato. O ator australiano Guy Pearce – que está ótimo no papel – estrela como Leonard, um ousado ex-investigador de uma companhia de seguros. Ele veste ternos elegantes, dirige um carro caro, mas, em contrapartida, dorme em hotéis vagabundos. Seu objetivo é investigar o assassinato de sua esposa a fim de vingá-la. Sofrendo de uma condição psíquica rara – a incapacidade de armazenar memórias recentes –, Leonard tenta organizar suas ações com lembretes adesivos e fotografias polaroides; as novas informações sobre o crime, ele tatua em sua própria pele, como verdades incontestáveis. As pessoas que aparecem em seu caminho, como a garçonete Natalie (Carrie-Anne Moss) e o estridente Teddy (Joe Pantoliano) podem tanto ser amigos quanto assassinos – Leonard não pode saber, e sua confusão mental contamina o espectador que é forçado a abandonar todas as certezas. Ao final, como num noir moderno, a audiência não é recompensada.
“O Segredo das Joias” – um noir impecavelmente concebido por John Huston – talvez seja o mais completo dentre os filmes de assalto já rodados em Hollywood. Huston perfaz uma radiografia da ação criminosa, desde o planejamento, a cooptação de homens e recursos, até as inevitáveis consequências de um grande assalto a uma joalheria. Dentro deste panorama, o roteiro vai fundo nas dimensões personalistas e nas relações entre os personagens, investigando, inclusive, suas vidas particulares. Do estudo minucioso, ninguém sai incólume: nem mesmo o policial corrupto que faz vistas grossas às casas clandestinas de apostas, ou a loura magnífica (Marylin Monroe, óbvio) que sai lesada de uma relação de dependência financeira com um advogado corruptível e falido. Como na maior parte dos filmes de John Huston, a ênfase temática está nas alegrias e tristezas das interações masculinas, culminando na inevitável derrota dos criminosos pela a lei e por suas próprias fraquezas.
“O crime é apenas uma forma degenerada de esforço humano”. Imediatamente após ter cumprido pena na prisão, o “gênio do crime” Doc. Erwin Riedenschneiderm (Sam Jaffe) planeja executar um grande assalto a uma joalheria. A fim de angariar recursos para pagar um pequeno grupo de especialistas, Doc procura Cobby (Marc Lawrence), o dono de um cassino clandestino. Juntos, ambos procuram Emmerich (Louis Calhern), um advogado que mantém negócios ilícitos. Para executar o assalto, eles contratam um perito em arrombar cofres, Louis Ciavelli (Anthony Caruso); um motorista, Gus Minissi (James Whitmore), que é dono de um pequeno bar; e um pistoleiro, Dix Handley (Sterling Hayden). Embora o crime transcorra bem, um alarme é disparado e a polícia inicia uma caçada ao bando. Ao final, reforça-se a impressão de que o crime é apenas mais uma forma heterodoxa de trabalho humano.
Embora o filme peque pelo moralismo excessivo, sobretudo nos momentos finais em que o vigilante mascarado disserta um monólogo sobre “vingança” vs. “esperança”, Robert Pattinson consegue devolver ao protagonista a dignidade que Ben Affleck lhe havia subtraído nos últimos anos. A atuação de Pattinson absorveu muito bem a essência do personagem, incluindo-se a animosidade sombria e a densidade emotiva que o levou a assumir a função de vigilante em Gotham. Realçando a atmosfera noir, a direção de arte e os elementos sonoros condizem com o estado do protagonista, preservando certa unidade narrativa e formal da obra. A influência de westerns, filmes de máfia e de “Táxi Driver” pode ser identificada em diversas escolhas da direção segura de Matt Reeves: nesse sentido, destaca-se, por exemplo, a principal cena de perseguição do filme, em que Batman empreende uma caçada ao Pinguim (Colin Farrell, irreconhecível).
O motivo do filme tem início quando Charada (Paul Dano), um serial killer sádico, começa a assassinar os principais políticos da cidade; em cada novo crime, ele deixa mensagens cifradas direcionadas ao Batman, contendo as pistas da próxima ação criminosa. Seguindo os enigmas do inimigo, o herói mascarado acaba desenterrando uma rede oculta de corrupção que contamina a cidade – implicando, inclusive, no suposto envolvimento da poderosa família Wayne nessa teia de segredos, crimes e mentiras. Neste ponto, especificamente, o roteiro comete o deslize de “limpar a barra” da figura paterna do herói; seria interessante se a desconstrução do maniqueísmo superheroico começasse na descoberta de uma mácula familiar, mas Reeves opta por manter incólume o caráter de Thomas Wayne, o pai do Batman. Mesmo assim, “Batman” consegue promover um entretenimento alucinante, sobretudo por conta de sua excelência visual e sonora.
No âmbito narrativo deste filme estranho, o personagem-título “Hesher” funciona como uma espécie de deus ex machina ao avesso. Durante suas primeiras aparições, sequer podemos ter certeza de que se trata de um personagem real, ao invés de uma persona imaginária criada para compensar o luto de T.J. (Devin Brochu). Entretanto, sua aproximação revela um sujeito de carne-e-osso, anárquico, misantropo, caótico e obsceno que adentra na vida de um adolescente órfão sem pedir licença e, de alguma maneira, ressignifica sua existência. Nesse sentido, o talento de Joseph Gordon-Levitt oferece uma performance que é, em partes, responsável pela qualidade da obra. A personagem de Hesher aparece como uma encarnação do caos que, por vias tortas, reconduz a imobilidade do cotidiano enlutado da família de T.J. à normalidade ordinária.
Cheios de pontos altos e baixos, “Juventude em Fúria” é uma produção independente e alternativa. Vida, morte, família e comprometimento são alguns dos assuntos que aparecem na mira do diretor e roteirista Spencer Susser. A essência da produção parece concentrar uma atmosfera rock n’ roll – não apenas musicalmente, mas também com relação à cultura heavy que o cerca. A narrativa não se exime em abraçar a vocação de romper com o tradicionalismo e subverter lugares comuns, contemplando a superação do luto através da deterioração generalizada. A misantropia de Hesher faz com que ele sinta segurança num ambiente desolado e destroçado pelo luto. T.J. e seu pai (Rainn Wilson) não encontram forças para seguir em frente, enquanto a avô (Piper Laurie) se esforça para manter o mínimo de harmonia no lar. Ao final, Hesher dá uma lição – ainda que de forma bastante torta – para o pai, o filho e a audiência, sobre a importância de se quebrar algumas regras e de viver o amor e a gratidão pelas pessoas; que, em suma, é o que faz a vida ter sentido.
A narrativa de “Viver Duas Vezes” transita entre a comédia e o drama para contar – com sensibilidade e leveza – a história de Emilio (Oscar Martínez), um professor de matemática aposentado que acaba de ser diagnosticado com Alzheimer. Diferentemente de “Para Sempre Alice”, drama de 2014 que expõe com crueza o avanço inexorável da doença, em “Viver Duas Vezes” as consequências da enfermidade cedem espaço à contemplação da memória e à descoberta de uma lembrança indelével: um amor de juventude insuperado e que corre o risco de perder-se para sempre. Neste aspecto, a trama evoca o amor idealizado que sobre-existe, como no romance “O Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel García Marquez. O primeiro flashback, embalado pela canção “Perfídia”, registra um encontro entre os dois jovens apaixonados, Emilio e Margarita. A possibilidade do esquecimento conduz o velho Emilio a uma jornada à procura de Margarita.
Um tanto quanto acidentalmente, sua família disfuncional o acompanha na viagem; desse ponto em diante, o filme transforma-se num divertido road-movie que acrescenta novos arcos narrativos à trama principal. Julia (Inma Cuesta), a filha de Emilio tenta segurar as rédeas de um casamento abalado pela infidelidade do marido, o coaching impertinente Felipe (Nacho Lopez). A filha do casal, Blanca (Mafalda Carbonell), uma garota espirituosa e inteligente, ensina o avô a manusear um aparelho celular: o conflito geracional, embora latente, é facilmente superando na medida em que os dois se tornam confidentes um do outro. A doença de Emilio, à medida que avança, implica em desafios a serem conduzidos pelos familiares.
Embora algumas escolhas no formato conduzam a narrativa ao melodrama, o filme surpreende ao tematizar sobre uma situação grave com tamanha leveza e sensibilidade – sem, contudo, cair na tentação de romantizar ou minimizar as consequências da doença.
Embora o filme seja baseado na autobiografia de Beverly D’Onofrio, ele é narrado em primeira pessoa por Jason (Adam Garcia), o filho da protagonista e um dos garotos que, ao longo da trama, andam ao seu lado num carro (concordando com o título original da obra: “Riding in Car With Boys”). A narrativa utiliza-se das três dimensões temporais – passado, presente e futuro (este, apenas sugerido pelo plano final em que a câmera se afasta enquanto a protagonista segue em frente) – para contar a história de Beverly (Drew Barrymore), uma mulher que precisou abandonar seus sonhos depois de engravidar aos 15 anos de idade. Entre as recordações do passado, às quais o filme remonta através de sucessivos flashbacks, assistimos ao presente que funciona como uma espécie de leitmotiv: Bev, que agora tem 36 anos, acabou de escrever seu livro e precisa da autorização do pai de seu filho para publicá-lo. O garoto a acompanha nessa viagem que, além de espacial, também funciona como uma prestação de contas com o passado.
As lembranças remetem a 1965, quando Bev e sua melhor amiga, Fay (Brittany Murphy), compartilham a juventude numa pequena cidade – neste aspecto, a atmosfera vintage é muito bem construída pelos elementos cenográficos e também pela trilha sonora. Após uma noite de farra dentro de um carro, Bev se descobre grávida de Ray (Steve Zahn), um badboy sem perspectivas de futuro. Embora não seja seu desejo, ela acaba sendo forçada por seu pai (James Woods) a se casar com Rey. O tempo passa e as dificuldades aumentam: o sonho de tornar-se uma escritora de sucesso é completamente abandonado em detrimento de uma ‘inexistente’ vocação familiar, enquanto o marido se aprofunda no vício em heroína. As pressões externas também constituem desafios: não existem concessões, apenas expectativas.
Aprofundando-se no drama real, “Os Garotos da Minha Vida” comenta, ainda que superficialmente, a condição da mulher: enquanto ela lida sozinha com as consequências de um desvio no caminho, os homens apenas determinam ou dão no pé.
Adaptado de um romance homônimo de P.D. James, este filme distópico de Alfonso Cuarón funciona em todos os sentidos: como um sangrento thriller de ação, como uma ficção-científica posicionada num futuro apocalíptico, como uma reflexão humanitária pontuada por simbolismos e alegorias e como um exercício virtuoso de técnica cinematográfica. Desde o início de sua carreira, os filmes de Cuarón são reconhecidos pela excelência na construção de planos-sequência; em “Filhos da Esperança”, pelo menos duas cenas são exemplares dessa definição: a primeira se passa dentro de um carro em fuga por uma autoestrada – sem nenhum corte aparente, o trânsito da câmera realça a atmosfera que vai da descontração à tensão, culminando num atentado. Na segunda sequência sem cortes, próxima do final do filme, a câmera passeia em frenesi por uma zona de guerra numa cena que surpreende e emociona ao conduzir a esperança a uma embarcação simbolicamente denominada “Amanhã”.
A trama se passa em Londres no ano de 2027, quando a humanidade encontra-se ameaçada de extinção por um evento inexplicado que provocou a infertilidade nos seres-humanos. A pessoa mais jovem da Terra tinha 18 anos e acaba de ser assassinada, causando enorme comoção pública. Enquanto o poder institucional impõe barreiras para conter o povoamento de imigrantes, grupos revolucionários tentam resistir através de atos e de ações armadas. Neste contexto, o ex-ativista desiludido Theo Faron (Clive Owen) é procurado pela ex-mulher – uma militante de um movimento de resistência (Julianne Moore) –, e acaba tornando-se responsável pela proteção de uma jovem imigrante que, misteriosamente, está grávida. Porém, a violência institucional e os conflitos internos do movimento colocam em risco a gravidez da jovem que, de alguma forma, materializa a esperança de uma humanidade condenada.
Henrique V
3.8 34O texto de “Henrique V” inscreve-se no conjunto das peças históricas de Shakespeare e baseia-se na vida e no reinado de Henrique V, monarca galês que esteve à frente da Inglaterra na primeira metade do século XV. Henrique é celebrado por ter empreendido uma campanha contra a França e, mesmo com o exército reduzido e enfraquecido, derrotado o grosso do exército francês na Batalha de Azincourt, em 1415, durante a chamada Guerra de Cem Anos. Em 1944, a peça foi levada às telas de cinema pela primeira vez, por Laurence Olivier que, além de dirigir o filme, protagonizo-o. Olivier, como é sabido, vinha dos palcos de teatro e dedicou boa parte de sua carreira cinematográfica aos textos shakespearianos. Neste sentido, a trajetória de Kenneth Branagh assemelha-se muito à de Olivier; Branagh, também egresso do teatro britânico, marcou sua estreia na direção de filmes com um texto de Shakespeare, cujo protagonismo também foi assumido por ele: “Henrique V”, de 1989.
O filme de Branagh começa de maneira bastante original. A figura de um narrador, que substitui em funcionalidade a presença do coro das antigas tragédias gregas, é encarnada por Derek Jacobi e transportada para um cenário que lembra um estúdio de cinema, na forma de um personagem que se dirige ao público para estabelecer a ligação entre as cenas e descrever aquilo que não se encenava. Além desta inovação, ao contrário da versão de Olivier, o filme de 1989 captura as ações em locações externas, conferindo maior realismo à trama. O fato de assumir o protagonismo poderia ser tarefa demasiadamente desafiadora para um diretor estreante; Kenneth Branagh, contudo, dá conta do recado: sua interpretação é vigorosa e apaixonada, em conformidade com o retrato da personalidade histórica de Henrique V. Ainda que tenha mantido a maioria dos diálogos da peça, o diretor tomou o cuidado de delimitar muito bem o objeto cinematográfico que tinha em mente, evitando-se dessa forma, resvalar na impressão de simples teatro filmado.
⭐ 3.9 / 5.0
Caminhando nas Nuvens
3.6 179 Assista AgoraO nome de Alfonso Arau recebeu algum prestígio depois de ter rodado “Como Água para Chocolate”, em 1992, ainda no México, seu país de origem. Depois de ter migrado para Hollywood, Arau procurou manter-se ligado às tradições mexicanas, sobretudo no que diz respeito às temáticas de seus filmes. Em “Caminhando nas Nuvens”, por exemplo, o tradicionalismo conservador de uma família mexicana colide com as noções de modernidade assimiladas pela filha na universidade. Embora parta dessa temática interessante, o filme, contudo, não se aprofunda na questão, privilegiando o entrecho romântico da narrativa que, aliás, parece estar resolvido desde os primeiros dez minutos de exibição. Apegando-se a muitos clichês do gênero, atuações irregulares (principalmente Keanu Reeves que não está em seu melhor momento) e um desfecho previsível, “Caminhando nas Nuvens” pode, entretanto, ser apreciado por sua incrível beleza e sua atmosfera de ingenuidade e encantamento.
Com base no roteiro de um filme italiano de 1942 (“Quattro Passi fra la Nuvole”), “Caminhando nas Nuvens” tem início com o retorno do jovem Paul Sutton (Keanu Reeves) da guerra na Europa. Em terra americana, o reencontro com a esposa o leva a perceber a falta de afinidade latente entre os dois. No intuito de mudar de vida, ele decide viajar até empresa para a qual trabalhava antes da guerra; no caminho, conhece Victoria Aragón (Aitana Sánchez-Gijón), uma jovem encantadora que está grávida e retornando para a casa. Temendo a reação de seu pai conservador (Giancarlo Giannini), ela consegue convencer Paul a fingir ser seu marido e passar alguns dias na vinícola da família. Obviamente, um interesse romântico verdadeiro se desenvolve entre os dois, embora enfrentem a fúria e a desaprovação do pai de Victoria.
Apesar de toda a previsibilidade, a história consegue encantar, principalmente com relação à forma como se desenvolve o relacionamento entre Paul e Victória e às cenas protagonizadas por Anthony Quinn, no papel de Don Pedro Aragón, o avô da moça.
⭐ 3.6 / 5.0
Como Nascem os Anjos
3.6 61 Assista AgoraNos primeiros anos da década de 1990, a produção cinematográfica brasileira sofreu um declínio que a levou à beira da completa estagnação. Durante o governo de Fernando Collor, a Embrafilme – estatal brasileira dedicada ao fomento da produção e distribuição de filmes no Brasil – encerrou suas atividades, determinando-se, dessa forma, a extinção das verbas destinadas à produção cinematográfica no país. A partir do Impeachment de Collor, contudo, e da criação da Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual, o mercado e a projeção do cinema brasileiro começaram a ser reestruturados. Os filmes lançados no esteio desse processo fazem parte de um movimento chamado de Retomada do Cinema Brasileiro. As produções da Retomada, imbuídas de pluralidade temática e narrativa, geralmente trazem enredos críticos que dialogam diretamente com a realidade social e política do país.
“Como Nascem os Anjos” é um desses filmes. Dirigido por Murilo Salles e lançado em 1996, trata de uma temática incômoda: das perspectivas da infância no Brasil e a interdição imposta pela violência. Na trama, Branquinha (Priscilla Assum) e Japa (Silvio Guindane) têm aproximadamente treze anos. Vivem numa favela. Japa sonha em tornar-se jogador de basquete, enquanto Branquinha – que apesar da pouca idade diz ser casada com Maguila (André Mattos), um subordinado do tráfico muito mais velho que a garota e que acabou de assassinar o chefe da boca – sonha em tornar-se mandante na favela. Devido a circunstâncias exógenas, os três – Maguila, Branquinha e Japa – acabam mantendo em cativeiro William (Larry Pine), um advogado americano, e sua filha Julie (Ryan Massey). Ricaços, os americanos são patrões de Conceição (Maria Sílvia) e vivem numa mansão em São Conrado, bairro nobre e vizinho à favela da Rocinha. Embora a intenção inicial dos invasores não seja a de cometer qualquer crime, a situação sai do controle e, pouco a pouco, as duas crianças vão sendo consumidas pela atmosfera de violência que se instaura.
⭐ 3.8 / 5.0
The House
3.6 151Idealizada originalmente como uma minissérie de animação, “The House” acabou se tornando um longa-metragem antológico totalmente rodado em stop motion. Trata-se de três curtas-metragens apresentados em série; e cujo elemento relacional – que estabelece a ligação entre as três narrativas – é a onipresença de uma enorme casa misteriosa. Investidas de boas doses de surrealismo, o tom das histórias transita livremente entre o horror e a comédia ácida. Além disso, cada uma delas se passa em períodos históricos diferentes, embora a casa permaneça sempre a mesma. Dialogando diretamente com aspectos da psique humana, ao final, “The House” firma-se como um filme assustadoramente reflexivo.
Os quatro diretores – Emma De Swaef e Marc James Roels (primeiro segmento), Niki Lindroth von Bahr (segundo segmento) e Paloma Baeza (terceiro segmento) – contam suas próprias histórias utilizando-se de seus respectivos estilos e personalidades, embora a ambientação e o tom permaneçam semelhantes nos três contos. O resultado é, portanto, uma atmosfera macabra que desperta o interesse da audiência através do estranhamento.
⭐ 4.1 / 5.0
A Hora do Lobo
4.2 308A década de 1960 talvez tenha sido a mais profícua para o trabalho de Ingmar Bergman. Além da célebre trilogia do silêncio, que procura refletir acerca do silêncio de Deus diante das angústias humanas, o diretor sueco também lançou “Persona: Quando Duas Mulheres Pecam” (1966) – sua obra-prima e um dos maiores da história do cinema –, e “A Hora do Lobo” (1968), um filme totalmente diferente de tudo o que Bergman já havia feito até então e que demarca a única incursão do diretor num formato que beira ao do terror. Mais especificamente, “A Hora do Lobo” é um terror psicológico: uma viagem surrealista e expressionista ao inconsciente humano, suas fantasias, fantasmas e traumas; Bergman nos toma pela mão e nos conduz através dos pesadelos dos personagens sem, contudo, nos deixar esquecer de que se trata tão somente de um filme.
O título do filme pode ser compreendido como uma metáfora hobbesiana ligada ao estado de espírito do protagonista, o pintor Johan Borg (Max von Sydow), que enfrenta um grave e profundo recesso criativo. A fim de recuperar a inspiração, Johan muda-se com a esposa, Alma (Liv Ulman), para uma das Ilhas Frísias, onde passam a viver numa pequena casa aparentemente afastada. Com o tempo, o pintor atormentado passa a enxergar pessoas que ele considera serem demônios, ou “antropófagos”, de acordo com a maneira como ele as descreve – não existe um limiar claro entre a fantasia e a realidade. Acometido por uma insônia fulminante, Johan transporta a reboque sua esposa para o âmago de sua insanidade. Afinal, como a própria Alma tenta se convencer, os anos de convivência atuam no sentido de igualar as personalidades de duas pessoas. A imbricação de que sofrem tanto Johan quanto Alma desafia os sentidos conscientes e as percepções externas, sobretudo, a partir do segundo ato do filme, quando somos mergulhados na jornada delirante do protagonista, cuja fantasmagoria subconsciente aflora em imagens assustadoras (as quais Bergman alcança através de recursos ópticos e de maquiagem).
⭐ 4.5 / 5.0
2 Coelhos
4.0 2,7K Assista AgoraAfonso Poyart inscreve-se numa tendência pós-moderna de cinema ao se inspirar na linguagem frenética da cultura pop contemporânea para a realização de “2 Coelhos”: à narrativa cinematográfica tradicional misturam-se as linguagens dos games, videoclipes, quadrinhos etc. O resultado é uma história que, embora imatura e aparentemente despretensiosa, surpreende por abarcar (com qualidade) um universo pouco comum às produções brasileiras – o das pirotecnias do cinema de ação. A direção musical assinada por Marcio Nigro e André Abujamra reitera o sentido de justaposição de tendências, auxiliando na construção de uma atmosfera contemporânea sólida.
A trama de “2 Coelhos” gira em torno de um acidente de carro que funciona como mola propulsora para o ciclo de desventuras que, de uma maneira torta e corruptível, põe em relação todos os personagens do filme. O principal deles é Edgar (Fernando Alves Pinto), narrador em primeira pessoa e catalizador das mudanças na vida das demais personagens que gravitam em torno de sua existência pequeno-burguesa e cheia de culpa. Seu desejo é, ao mesmo tempo, recolocar no eixo a existência dos sujeitos que ele prejudicou e praticar a justiça com relação à criminalidade e à corrupção que assola o poder público brasileiro. Sinteticamente: ele quer matar dois coelhos com uma só cajadada (daí o título da produção). Porém, os métodos dos quais ele se vale tampouco são honestos, embora as intenções o sejam. E, nesse sentido, os fins acabam justificando os meios, ainda que o roteiro se valha de sarcasmo ao colocar em prática os planos de Edgar.
Escapando da linearidade comum à maioria das narrativas cinematográficas, “2 Coelhos” é uma produção refrescante que equilibra muito bem a ação, a ironia e a crítica, sem privilegiar uma ou outra tendência.
⭐ 4.2 / 5.0
A Era do Rádio
4.0 234 Assista AgoraConstituído de reminiscências afetivas, em “A Era do Rádio” Woody Allen presta uma bela homenagem à era de ouro do rádio – dos anos 1920 a meados dos anos 1950 nos EUA – neste que é um de seus filmes mais sensíveis e pessoais. Além disso, ao tomar a reconstituição memorialista como ponto de partida, Allen dialogia diretamente com Federico Fellini – mais especificamente, com “Amarcord” (1973); (uma relação dialógica que, em 1980, já havia posto em similaridade “Memórias”, de Allen, com “8 ½” (1963), de Fellini). “A Era do Rádio” é um emaranhado de lembranças alteradas de uma infância reconstituída: casos populares e verídicos envolvendo o rádio – como a célebre transmissão de Orson Welles de um trecho de “A Guerra dos Mundos” (de H.G. Wells), que causou furor e ataques de pânico –, fofocas das celebridades do meio radiofônico, além de excertos do cotidiano caótico, mas aconchegante de uma família judia e suburbana.
Narrativamente, o enredo persegue o fio da memória, sem preocupar-se com cronologias e linearidades. Os entrechos aparecem à medida que o narrador (a voz do próprio Woody Allen) os recorda; dessa forma, o filme se parece com uma colagem afetiva de lembranças conectadas pela voz do narrador, que vai lhes conferindo significados. Ao longo do filme, acompanhamos a infância de Joe (Seth Green), que cresceu escutando rádio na casa onde morava com vários membros de sua família, em que cada qual tinha seu programa de rádio favorito. Em paralelo ao cotidiano familiar, o narrador ainda descortina o universo exuberante e luxuoso das celebridades do rádio. Embora sejam incongruentes, é o mundo luxuriante dos vernissages e dos salões, filtrado pelas ondas do rádio, que alimenta os sonhos e anseios do microcosmo familiar suburbano.
Contando com um excelente elenco, “A Era do Rádio” trata da tentativa de preservação de vozes que vão se tornando, cada dia mais, inaudíveis devido à inevitável passagem do tempo. Seja através da seleção musical impecável (sobressaindo-se, inclusive, uma interpretação de Carmen Miranda – brasileira notável no meio musical estadunidense), ou da temática explorada, Woody Allen conseguiu realizar uma obra que olha para o passado com amor.
⭐ 4.8 / 5.0
A Última Ameaça
3.1 96 Assista AgoraAo definir uma assinatura pessoal para o cinema de ação, que mistura a coreografia das artes marciais à pirotecnia de explosões espetaculares, John Woo definiu-se como um dos mais influentes cineastas de gênero do Oriente. Depois de ter lançado “Fervura Máxima”, em 1992, o diretor radicou-se em Hollywood. Os filmes fase americana rodados por John Woo assumem um tom despretensioso e inverossímil que, contudo, diverte e mantém uma atmosfera alucinante do princípio ao fim. Em “A Última Ameaça”, por exemplo, tem-se explosões, tiroteios, perseguições em trens em movimento, lutas corporais em cenários inesperados etc. E tudo isso captado por uma câmera constantemente em movimento que parece ser conduzida pelo ritmo corpóreo do embate humano.
“A Última Ameaça” foi o primeiro grande sucesso de John Woo em solo americano; seu antecessor, "O Alvo”, com Jean-Claude Van Damme não havia empolgado tanto. Acostumado a trabalhar com poucos recursos em Hong Kong, o diretor soube aproveitar muito bem o orçamento disponível: escalou dois atores em evidência – John Travolta e Christian Slater –, além de um roteirista especializado em enredos de ação, Graham Yost. Na trama, John Travolta interpreta Vic Deakins, um major da Força Aérea americana que decide roubar uma bomba atômica a fim de chantagear o governo. De posse do armamento nuclear, ele e seus capangas fogem pelo deserto de Utah. Em seu encalço, encontra-se o Capitão Riley Hale (Christian Slater), um oficial mais jovem e menos experiente que fará de tudo para impedir que Deakins concretize seus planos.
Obviamente, o filme é previsível e tem pouco – ou nenhum – componente emocional; em termos de enredo, a fórmula dos contos de perseguição é seguia a risca. Porém, todos os elementos que identificam o estilo pessoal de John Woo estão presentes, o que transforma o filme num despretensioso, mas alucinante passatempo.
⭐ 3.5 / 5.0
Perfume: A História de um Assassino
4.0 2,2KEm alguma medida, “Perfume” resolve uma questão da ordem dos sentidos que o cinema, por seu caráter intrinsecamente visual, enfrenta desde os seus primórdios: a representação do olfato. Através da imagem e valendo-se da sinestesia como recurso narrativo, o diretor consegue provocar sensações relativas aos cheiros, e o resultado que Tom Tykwer alcança é consistente e determinante para a inegável qualidade do filme. Baseado no romance de Patrick Süskind, o roteiro, co-escrito por Tykwer ao lado de Andrew Birkin e Bernd Eichinger, consegue narrar com brilhantismo a história de Jean-Baptiste Grenouille (Ben Whishaw, fantástico), um jovem que, desde o momento de seu nascimento, demonstrou possuir o sentido do olfato altamente apurado.
Impossibilitado de empregar as metáforas literárias descritivas inerentes ao romance de Süskind, uma vez que na narrativa cinematográfica a palavra prescinde da imagem, Tykwer utiliza-se de referências visuais para despertar a memória olfativa do espectador, através da exploração detalhada de cores, superfícies e texturas dos elementos de cena. Logo no início da projeção, por exemplo, somos invadidos pela sensação de mau cheiro de um mercado de peixes sob as precárias condições de higiene da Idade Média. É nesse ambiente fétido e decrépito que Jean-Baptiste nasce. E, a partir daí, iniciam-se suas atribulações. Criado num orfanato, a única diversão do garoto é aprimorar ainda mais seu sentido olfativo. À medida que cresce, o desejo de possuir todos os odores do mundo transforma-se numa obsessão. Depois de sobreviver às péssimas condições de trabalho num mercado de couros, Grenouille torna-se aprendiz de um decadente perfumista, Giuseppe Baldini (Dustin Hoffman), no intuito de aprender a fórmula de preservação dos odores. Porém, o desejo de criar o aroma perfeito a partir de matéria humana o leva ao desenvolvimento de um método bastante controverso. O resultado, contudo, é embriagante.
⭐ 4.3 / 5.0
Maurice
4.0 189Em 6 de abril de 1895, o escritor britânico Oscar Wilde foi preso sob a acusação de prática de “atos imorais com outros rapazes”, infração gravíssima no Reino Unido daquela época. É nesse mesmo período, de criminalização e perseguição à homossexualidade que o romance afetivo entre Maurice Hall (James Wilby) e Clive Durham (Hugh Grant) se desenvolve neste filme ao mesmo tempo sensível e visceral de James Ivory – baseado num romance relativamente autobiográfico de E.M. Forster. A ambientação espaço-temporal é fielmente representada pela direção de arte; trata-se de um cenário bastante explorado pelas lentes de Ivory: o dos rapazes polidos e dos bons modos, em que o desejo aparece como uma desobediência à ordem estabelecida. Como em outras histórias de James Ivory, os personagens de “Maurice” sofrem calados. O cumprimento dos protocolos de classe é apenas mais um dos disfarces para que se mantenham as aparências. O desejo homossexual, quando exposto, destrói a imagem pública dos homens; por isso, a homossexualidade pertence ao campo do interdito, aos quartos fechados, à penumbra dos bosques.
A teia de negações vai se tecendo quase que inerentemente. Mantêm-se, contudo, as amostras de resistência. Os dois rapazes negam, num primeiro momento, a própria natureza; depois, iniciam um relacionamento escondido. Com o tempo, porém, Clive decide corresponder à cartilha do reitor preocupado com as demonstrações de afeto numa universidade restrita aos homens: o único amor possível entre homens é o amor platônico. Ele decide escapar de uma suposta farsa para viver outra – prefere uma relação de aparências, com uma mulher, pensando em seu futuro na vida pública, aos encontros furtivos, secretos e apaixonados com Maurice. Ambos deverão fazer suas escolhas. Maurice, entretanto, conhece o jovem Alec Scudder (Rupert Graves), um empregado por quem se apaixona. O desejo passa, portanto, a enfrentar um novo oponente: a diferença de classes.
⭐ 4.5 / 5.0
O Lobisomem
2.9 1,0K Assista AgoraO maior problema de “O Lobisomem” talvez consista no mau uso dos recursos visuais; o filme peca pelo excesso de CGI, sobretudo nas cenas de transformação do homem em lobo. O enredo, contudo, é muito bom e concerne um ótimo desenvolvimento à trama. A ambientação, no interior da Inglaterra vitoriana, realça a atmosfera soturna do conto de terror, aprimorando a experiência. Trata-se, o filme, de uma reconstrução do clássico homônimo de 1941, protagonizado por Lon Chaney Jr. e inerente a uma tradição de filmes de terror iniciada pela Universal em 1931, com “Drácula”. A escolha de Benício Del Toro para protagonizar esta versão de 2010 é valorizada, sobretudo, pela semelhança entre Del Toro e o veterano Chaney Jr.
O filme é introduzido por uma epígrafe que reproduz versos da obra original: “até um homem que é puro no coração, e reza suas orações à noite, pode tornar-se um lobo quando o acônito floresce e a lua do outono estiver cheia e brilhante”. De forma cifrada, explica-se o caráter da licantropia. Na sequência, assistimos ao ataque de um lobisomem; sua vítima: um dos herdeiros de John Talbot (Anthony Hopkins), Ben Talbot (Simon Merrells). Larry Talbot (Benício Del Toro), o outro filho de John, é um ator shakespeariano que faz sucesso nos teatros de Londres. Numa noite, após um espetáculo, ele é procurado por Gwen Conliffe (Emily Blunt), a noiva de Ben, que comunica o misterioso desaparecimento do noivo, em Blackmoor. Depois de chegar às proximidades do incidente, Larry decide investigar o caso. Numa de suas vigílias noturnas, entretanto, ele é atacado pelo lobisomem e sobrevive; seguindo-se aos preceitos da lenda, na lua cheia seguinte ele próprio experimentará a metamorfose.
A composição da atmosfera, em “O Lobisomem” é uma das peças chaves para a produção. Nesse sentido, destacam-se a fotografia soturna e enevoada de Shelly Johnson; e a trilha sonora de inspiração gótica de Danny Elfman. Apesar de modernizado, contudo, o filme de 2010 não tem a potência do clássico de 1941.
⭐ 2.8 / 5.0
O Quatrilho
3.2 132Baseado no romance homônimo de José Clemente Pozenato – um exemplar pós-moderno da vertente regional na literatura brasileira –, “O Quatrilho” é um filme importante na história do cinema nacional. Afinal, a obra de Fábio Barreto está entre os títulos nacionais que já concorreram ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Além disso – e talvez por isso mesmo tenha sido indicado ao Oscar –, o regionalismo em “O Quadrilho” chama atenção por visar o universal; embora a trama parta de um localismo em termos de ambientação espaço-temporal, a história que se desenvolve tem caráter universalista e atemporal: trata-se um drama romântico que assume as influências do cinema e da literatura estrangeira.
Embora o filme seja bom e bem-realizado, ele acaba sendo vítima de um cacoete que contamina algumas produções nacionais – um vício apreendido das telenovelas: a necessidade de se explicar verbalmente todas as nuances, em detrimento da linguagem cinematográfica em si mesma. Exemplo: o título do filme, “O quatrilho”, refere-se a um jogo de cartas trazido ao Rio Grande do Sul por imigrantes italianos. A relação de compatibilidade entre as regras do jogo e o conflito romântico desenvolvido no filme poderia ter sido construída através de imagens, mas o roteiro sente a necessidade de, didaticamente, explicar ponto a ponto com palavras. A direção parece não se esforçar muito por explorar as possibilidades da gramática cinematográfica, apoiando-se principalmente nos diálogos para contar a história.
A história de “O Quatrilho” se passa numa colônia rural do Rio Grande do Sul à época da colonização italiana, no início do século XX. Dois casais – Tereza (Patrícia Pillar) e Angelo (Alexandre Paternost), Pierina (Glória Pires) e Massimo (Bruno Campos) – vão morar juntos em uma casa, num terreno que o os primos (Angelo e Massimo) compram em sociedade. Com o tempo, porém, enquanto Angelo se concentra no trabalho pesado, uma paixão incontrolável se desenvolve entre Massimo e Tereza; esse fato trará consequências a todos, pincipalmente por causa da sociedade conservadora da época.
⭐ 3.8 / 5.0
Além da Linha Vermelha
3.9 382 Assista AgoraDepois de ter alcançado sucesso com os aclamados e influentes “Terra de Ninguém” (1973) e “Dias no Paraíso” (1978), o ex-estudante de filosofia Terrence Malick entrou numa reclusão voluntária que durou 20 anos. Por isso mesmo, o anúncio de seu retorno às telas no final dos anos 1990 surpreendeu a todos. Com relação ao novo projeto de Malick só se conhecida dois fatos concretos: tratava-se da adaptação de um romance de James Jones sobre a Segunda Guerra Mundial; e trazia no elenco nomes de diversos atores famosos e de novatos promissores. Lançado em 1998, “Além da Linha Vermelha” chegou aos cinemas no mesmo ano que “O Resgate do Soldado Ryan”, o drama de Steven Spielberg sobre a Segunda Guerra Mundial. Embora focalizem o mesmo conflito, os dois filmes não poderiam ser mais diferentes. Enquanto o filme de Spielberg é visceral, o de Malick promove uma experiência imersiva, contemplativa e profundamente reflexiva.
“Além da Linha Vermelha” aborda a loucura da guerra por um ângulo quase teológico. A guerra, filtrada e ressignificada pelas lentes de Malick (um ex-estudante de filosofia, ressalta-se), é bem mais que um mero conflito entre grupos de homens armados. Da forma como o filme a retrata, a guerra é anti-natural: uma afronta à natureza e, consequente, ao próprio Deus – ou, à ideia que se tenha de Deus. O filme mergulha no consciente coletivo das tropas enquanto se esforça por reconciliar as fragilidades da vida e da natureza com o comportamento imprudente de alguns homens. Numa estratégia narrativa interessante, a trama passa de soldado para soldado, buscando compreender suas consciências, seus desejos e medos, como parte de um amplo e contínuo diálogo interno; mesmo assim, o senso de anonimato entre eles é mantido o tempo todo. É como se a natureza e a divindade observassem aquela estranha espécie em ação e destruição, não se importando com o que há de belo no espaço em redor e desafiando a dádiva do livre-arbítrio.
A guerra, em “Além da Linha Vermelha”, funciona como um subterfúgio para a incessante busca de Malick pelo sentido da vida.
⭐ 4.5 / 5.0
Missão Alien
3.2 20Certo dia, em 1988, uma nave especial pousou num deserto da Califórnia. Dentro dela, uma povoação de 300.000 seres extraterrenos. Logo, os habitantes do planeta Terra descobrirão que a espécie dos recém-chegados é geneticamente adaptada para o trabalho pesado; e que eles serviam como escravos em seu planeta de origem. Alguns anos depois, a malta de “visitantes” (como foram oficialmente denominados) está incorporada à sociedade americana – na cidade de Los Angeles, mais especificamente. Porém, o americano médio sente-se ameaçado pela inteligência aparentemente superior dos alienígenas; e pouco a pouco se desenvolve uma atmosfera insustentável de discriminação: os ETs passam a ser relegados como “escórias”. É este o pano de fundo que permeia a narrativa de “Missão Alien”: aparentemente banal, o enredo de Rockne S. O’Bannon utiliza da ficção-científica para registrar o tratamento que os americanos dispensavam aos estrangeiros. Trata-se, pois, de uma visão figurativizada sobre xenofobia e racismo.
Na trama, Matthew Sykes (James Caan) é um detetive da polícia de Los Angeles que, como a maioria de seus concidadãos, não vê com bons olhos os “visitantes”. Porém, após o assassinato de seu colega Tug (Roger Aaron Brown), ele decide aliar-se a um detetive alienígena – Sam Francisco (Mandy Patinkin) – a fim de desvendar uma onda de crimes que parecem estar conectados. A convivência entre eles vai, aos poucos, amenizando a concepção preconceituosa de Sykes. Contudo, um escândalo envolvendo humanos, alienígenas, produção e tráfico de drogas ameaça desestabilizar ainda mais as regras de convivência mútua. Sykes e Francisco é que deverão solucionar o caso.
Visualmente, “Missão Alien” assume uma estética de filme B. Isso, entretanto, valoriza a experiência. Embora, mais para o final, a questão social seja deixada de lado em função da trama policial, o filme consegue promover um ótimo entretenimento.
⭐ 3.4 / 5.0
Curtindo a Vida Adoidado
4.2 2,3K Assista Agora“A vida passa muito depressa; se não pararmos para curti-la de vez em quando, ela passa e a gente nem vê!”. Este é um dos muitos conselhos que o adolescente Ferris Bueller (Matthew Broderick) emite diretamente ao público através de um inteligente procedimento de quebra da quarta parede que, entre outros motivos, tornou “Curtindo a Vida Adoidado” um dos filmes mais icônicos dos anos 1980. O mérito é quase todo de John Hughes, o diretor e roteirista que melhor compreendeu o espírito do adolescente estadunidense médio dos anos 1980, sob o signo da pretensa liberdade prometida (e jamais cumprida) pela Era Reagan. Aliás, o viés republicano e a ilusão do neoliberalismo perpassa boa parte dos diálogos o que, no caso específico deste filme, não traz prejuízo à qualidade da obra. Ao focalizar a rebeldia de um garoto americano que engana os pais para matar um dia de aula e aproveitar a vida, o filme de Hughes eleva Ferris a uma espécie de expoente de um sonho juvenil: o último respiro de liberdade antes de encarar a vida adulta.
Logo no início de “Curtindo a Vida Adoidado”, Ferris nos segreda suas artimanhas para convencer seus pais a não mandá-lo para a escola. O garoto é profissional e coleciona um arsenal de subterfúgios. Após inventar uma doença, ele escapa de mais uma aula maçante sobre o socialismo europeu. A partir daí, o enredo passa a acompanhar seu dia de folga, na companhia de sua namorada, Sloane (Mia Sara), e de seu melhor amigo, Cameron (Alan Ruck) – um garoto hipocondríaco e deprimido. Eles aproveitam o dia no melhor dos sentidos: sequestram a Ferrari do pai de Cameron e rumam para Chicago, aonde assistem a uma partida de baseball, visitam um museu, almoçam no melhor restaurante da cidade, performam “Twist and Shout” num desfile da comunidade alemã etc. Em contrapartida, têm em sua cola dois poderosos adversários: Ed Rooney (Jeffrey Jones), o diretor da escola que suspeita das falcatruas de Ferris; e Jeanie Bueller (Jennifer Grey), a irmã amargura, ressentida e, francamente, um pouco invejosa.
⭐ 4.1 / 5.0
Palhaços Assassinos do Espaço Sideral
3.3 464 Assista AgoraTerror, humor, aventura, ação e ficção-científica se misturam em “Palhaços Assassinos do Espaço Sideral”, um Filme B que é um clássico do cinema trash. Os denominados Filmes B possuem características peculiares, tais como: senso de ridículo improvável e proposital, doses cavalares de surrealismo, violência de apelo gore, sensualidade exacerbada e um pretenso amadorismo formal. No caso de “Palhaços Assassinos...” todas essas características – em maior ou menor grau – estão presentes, com exceção das falhas técnicas; o filme é surpreendentemente bem realizado, com todos os aspectos funcionando bem e em sincronia. Por isso mesmo, o clássico trash (e atualmente reconhecido como cult) de Stephen Chiodo se apresenta como uma obra esteticamente bem feita.
A história não poderia ser mais absurda: uma cidadezinha conservadora de interior é invadida por palhaços alienígenas que, horas depois de pousarem sua nave (que tem o formato de uma tenda de circo), começam a assassinar os habitantes do local e envolvê-los em casulos de algodão doce. As armas usadas pelos palhaços se parecem com artefatos inofensivos: pipocas mutantes, marretas de brinquedo, teatro de sombras, cachorro de bexiga etc. Tudo muito surreal, bastante ao gosto do formato trash. Na sua simplicidade e bizarria, o roteiro dos irmãos Chiodo apresenta-se de forma brilhante ao transitar livremente entre a comédia, o suspense e o terror, e sempre aliado a uma direção de arte incrível que realça os aspectos lúdico-assustadores através do figurino e da maquiagem. Aliás, as roupas e a maquiagem dos palhaços são mais assustadoras que a trama em si. Com relação a este aspecto, a ambientação e cenografia também se sobressaem, sobretudo quando os protagonistas exploram o interior da nave-circo.
Os elementos sonoros também chamam a atenção. Logo no início da projeção, a canção que acompanha a abertura – “Killer Klowns”, dos The Dickies – ilustra perfeitamente o tom satírico, bem-humorado e, ao mesmo tempo, assustador do filme. Além disso, a trilha sonora acompanha com maestria os absurdos do roteiro. Juntos, todos esses elementos fazem de “Palhaços Assassinos...” um filme memorável.
⭐ 3.3 / 5.0
Looney Tunes: De Volta à Ação
2.8 118 Assista AgoraOs Looney Tunes já haviam dividido a tela com personagens de carne-e-osso no curioso “Space Jam: O Jogo do Século” (1996), que fez enorme sucesso entre o público no ano de seu lançamento. O filme de 2003, entretanto, embora não seja co-protagonizado por Michael Jordan, nem envolva o universo dos jogos de basquete, se aproxima mais da essência do material original do desenho animado, principalmente ao abraçar a comédia descompromissada, a paródia e a metalinguagem como principais recursos narrativos. O resultado é divertidíssimo.
Até mesmo a premissa acaba sendo mais envolvente que a de uma simples partida de basquete: cansado de ser apenas um coadjuvante do Pernalonga, o Patolino pede demissão da Warner e decide abandonar Hollywood – não sem antes causar estragos nos estúdios cenográficos da companhia. A demissão do pato não agrada aos irmãos Warner (Don e Dan Stanton), que colocam a produtora Kate Houghton (Jenna Elfman) e o Pernalonga em seu encalço. Porém, o Patolino acaba entrando em contato – acidentalmente – com DJ Drake (Brendan Fraser), um dublê decadente e desastroso que se vangloria por ter trabalhado com... Brendan Fraser em “A Múmia”. Acontece que DJ é filho de um astro de Hollywood que também é agente secreto nas horas vagas; para evitar o roubo de um poderoso diamante que causaria estragos se caísse nas mãos do vilanesco Mr. Chairman (Steve Martin), o caricato e irritante presidente da ACME (aquela mesma empresa que fornece as artimanhas com que o Coiote tenta capturar o Papa-léguas), todos os personagens acabam envolvidos numa road trip que tem por objetivo recuperar o poderoso artefato.
Mais do que a trama em si, o nostálgico encantamento que o filme proporciona se deve também às divertidas participações especiais (tanto do universo animado, quanto do universo live-action). É claro que o filme deixa muitas pontas soltas, tem atuações ruins etc., mas, francamente, não foi feito pra ser levado completamente a sério... e tudo bem que seja assim.
⭐ 3.4 / 5.0
Amnésia
4.2 2,2K Assista AgoraO segundo longa-metragem de Christopher Nolan é um thriller psicológico estruturado na forma de um quebra-cabeça complexo que vai se montando juntamente com as fotografias polaroides que o protagonista coleciona e que, no entanto, o resultado final não é nada conclusivo. Por isso mesmo, a chave para o enigma não está no desfecho em si, mas no processo de encadeamento dos fatos. Nesse sentido, “Amnésia” é um filme de montagem e, portanto, mais interessante que a história em si, é maneira como ela é contada. Nas mãos de um diretor menos capacitado, o resultado poderia ter sido desastroso, mas Christopher Nolan, mesmo lançando mão de uma ordem cronológica reversa, consegue entregar uma narrativa completa e integral; e que, ao final, leva o espectador a duvidar da própria capacidade de compreensão.
As cenas vão se complementando de trás para frente na tentativa de solucionar um misterioso assassinato. O ator australiano Guy Pearce – que está ótimo no papel – estrela como Leonard, um ousado ex-investigador de uma companhia de seguros. Ele veste ternos elegantes, dirige um carro caro, mas, em contrapartida, dorme em hotéis vagabundos. Seu objetivo é investigar o assassinato de sua esposa a fim de vingá-la. Sofrendo de uma condição psíquica rara – a incapacidade de armazenar memórias recentes –, Leonard tenta organizar suas ações com lembretes adesivos e fotografias polaroides; as novas informações sobre o crime, ele tatua em sua própria pele, como verdades incontestáveis. As pessoas que aparecem em seu caminho, como a garçonete Natalie (Carrie-Anne Moss) e o estridente Teddy (Joe Pantoliano) podem tanto ser amigos quanto assassinos – Leonard não pode saber, e sua confusão mental contamina o espectador que é forçado a abandonar todas as certezas. Ao final, como num noir moderno, a audiência não é recompensada.
⭐ 4.2 / 5.0
O Segredo das Jóias
3.8 38 Assista Agora“O Segredo das Joias” – um noir impecavelmente concebido por John Huston – talvez seja o mais completo dentre os filmes de assalto já rodados em Hollywood. Huston perfaz uma radiografia da ação criminosa, desde o planejamento, a cooptação de homens e recursos, até as inevitáveis consequências de um grande assalto a uma joalheria. Dentro deste panorama, o roteiro vai fundo nas dimensões personalistas e nas relações entre os personagens, investigando, inclusive, suas vidas particulares. Do estudo minucioso, ninguém sai incólume: nem mesmo o policial corrupto que faz vistas grossas às casas clandestinas de apostas, ou a loura magnífica (Marylin Monroe, óbvio) que sai lesada de uma relação de dependência financeira com um advogado corruptível e falido. Como na maior parte dos filmes de John Huston, a ênfase temática está nas alegrias e tristezas das interações masculinas, culminando na inevitável derrota dos criminosos pela a lei e por suas próprias fraquezas.
“O crime é apenas uma forma degenerada de esforço humano”. Imediatamente após ter cumprido pena na prisão, o “gênio do crime” Doc. Erwin Riedenschneiderm (Sam Jaffe) planeja executar um grande assalto a uma joalheria. A fim de angariar recursos para pagar um pequeno grupo de especialistas, Doc procura Cobby (Marc Lawrence), o dono de um cassino clandestino. Juntos, ambos procuram Emmerich (Louis Calhern), um advogado que mantém negócios ilícitos. Para executar o assalto, eles contratam um perito em arrombar cofres, Louis Ciavelli (Anthony Caruso); um motorista, Gus Minissi (James Whitmore), que é dono de um pequeno bar; e um pistoleiro, Dix Handley (Sterling Hayden). Embora o crime transcorra bem, um alarme é disparado e a polícia inicia uma caçada ao bando. Ao final, reforça-se a impressão de que o crime é apenas mais uma forma heterodoxa de trabalho humano.
⭐ 4.1 / 5.0
Batman
4.0 1,9K Assista AgoraEmbora o filme peque pelo moralismo excessivo, sobretudo nos momentos finais em que o vigilante mascarado disserta um monólogo sobre “vingança” vs. “esperança”, Robert Pattinson consegue devolver ao protagonista a dignidade que Ben Affleck lhe havia subtraído nos últimos anos. A atuação de Pattinson absorveu muito bem a essência do personagem, incluindo-se a animosidade sombria e a densidade emotiva que o levou a assumir a função de vigilante em Gotham. Realçando a atmosfera noir, a direção de arte e os elementos sonoros condizem com o estado do protagonista, preservando certa unidade narrativa e formal da obra. A influência de westerns, filmes de máfia e de “Táxi Driver” pode ser identificada em diversas escolhas da direção segura de Matt Reeves: nesse sentido, destaca-se, por exemplo, a principal cena de perseguição do filme, em que Batman empreende uma caçada ao Pinguim (Colin Farrell, irreconhecível).
O motivo do filme tem início quando Charada (Paul Dano), um serial killer sádico, começa a assassinar os principais políticos da cidade; em cada novo crime, ele deixa mensagens cifradas direcionadas ao Batman, contendo as pistas da próxima ação criminosa. Seguindo os enigmas do inimigo, o herói mascarado acaba desenterrando uma rede oculta de corrupção que contamina a cidade – implicando, inclusive, no suposto envolvimento da poderosa família Wayne nessa teia de segredos, crimes e mentiras. Neste ponto, especificamente, o roteiro comete o deslize de “limpar a barra” da figura paterna do herói; seria interessante se a desconstrução do maniqueísmo superheroico começasse na descoberta de uma mácula familiar, mas Reeves opta por manter incólume o caráter de Thomas Wayne, o pai do Batman. Mesmo assim, “Batman” consegue promover um entretenimento alucinante, sobretudo por conta de sua excelência visual e sonora.
⭐ 3.8 / 5.0
Juventude em Fúria
3.8 855 Assista AgoraNo âmbito narrativo deste filme estranho, o personagem-título “Hesher” funciona como uma espécie de deus ex machina ao avesso. Durante suas primeiras aparições, sequer podemos ter certeza de que se trata de um personagem real, ao invés de uma persona imaginária criada para compensar o luto de T.J. (Devin Brochu). Entretanto, sua aproximação revela um sujeito de carne-e-osso, anárquico, misantropo, caótico e obsceno que adentra na vida de um adolescente órfão sem pedir licença e, de alguma maneira, ressignifica sua existência. Nesse sentido, o talento de Joseph Gordon-Levitt oferece uma performance que é, em partes, responsável pela qualidade da obra. A personagem de Hesher aparece como uma encarnação do caos que, por vias tortas, reconduz a imobilidade do cotidiano enlutado da família de T.J. à normalidade ordinária.
Cheios de pontos altos e baixos, “Juventude em Fúria” é uma produção independente e alternativa. Vida, morte, família e comprometimento são alguns dos assuntos que aparecem na mira do diretor e roteirista Spencer Susser. A essência da produção parece concentrar uma atmosfera rock n’ roll – não apenas musicalmente, mas também com relação à cultura heavy que o cerca. A narrativa não se exime em abraçar a vocação de romper com o tradicionalismo e subverter lugares comuns, contemplando a superação do luto através da deterioração generalizada. A misantropia de Hesher faz com que ele sinta segurança num ambiente desolado e destroçado pelo luto. T.J. e seu pai (Rainn Wilson) não encontram forças para seguir em frente, enquanto a avô (Piper Laurie) se esforça para manter o mínimo de harmonia no lar. Ao final, Hesher dá uma lição – ainda que de forma bastante torta – para o pai, o filho e a audiência, sobre a importância de se quebrar algumas regras e de viver o amor e a gratidão pelas pessoas; que, em suma, é o que faz a vida ter sentido.
⭐ 3.8 / 5.0
Viver Duas Vezes
3.9 192 Assista AgoraA narrativa de “Viver Duas Vezes” transita entre a comédia e o drama para contar – com sensibilidade e leveza – a história de Emilio (Oscar Martínez), um professor de matemática aposentado que acaba de ser diagnosticado com Alzheimer. Diferentemente de “Para Sempre Alice”, drama de 2014 que expõe com crueza o avanço inexorável da doença, em “Viver Duas Vezes” as consequências da enfermidade cedem espaço à contemplação da memória e à descoberta de uma lembrança indelével: um amor de juventude insuperado e que corre o risco de perder-se para sempre. Neste aspecto, a trama evoca o amor idealizado que sobre-existe, como no romance “O Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel García Marquez. O primeiro flashback, embalado pela canção “Perfídia”, registra um encontro entre os dois jovens apaixonados, Emilio e Margarita. A possibilidade do esquecimento conduz o velho Emilio a uma jornada à procura de Margarita.
Um tanto quanto acidentalmente, sua família disfuncional o acompanha na viagem; desse ponto em diante, o filme transforma-se num divertido road-movie que acrescenta novos arcos narrativos à trama principal. Julia (Inma Cuesta), a filha de Emilio tenta segurar as rédeas de um casamento abalado pela infidelidade do marido, o coaching impertinente Felipe (Nacho Lopez). A filha do casal, Blanca (Mafalda Carbonell), uma garota espirituosa e inteligente, ensina o avô a manusear um aparelho celular: o conflito geracional, embora latente, é facilmente superando na medida em que os dois se tornam confidentes um do outro. A doença de Emilio, à medida que avança, implica em desafios a serem conduzidos pelos familiares.
Embora algumas escolhas no formato conduzam a narrativa ao melodrama, o filme surpreende ao tematizar sobre uma situação grave com tamanha leveza e sensibilidade – sem, contudo, cair na tentação de romantizar ou minimizar as consequências da doença.
⭐ 3.9 / 5.0
Os Garotos da Minha Vida
3.8 408 Assista AgoraEmbora o filme seja baseado na autobiografia de Beverly D’Onofrio, ele é narrado em primeira pessoa por Jason (Adam Garcia), o filho da protagonista e um dos garotos que, ao longo da trama, andam ao seu lado num carro (concordando com o título original da obra: “Riding in Car With Boys”). A narrativa utiliza-se das três dimensões temporais – passado, presente e futuro (este, apenas sugerido pelo plano final em que a câmera se afasta enquanto a protagonista segue em frente) – para contar a história de Beverly (Drew Barrymore), uma mulher que precisou abandonar seus sonhos depois de engravidar aos 15 anos de idade. Entre as recordações do passado, às quais o filme remonta através de sucessivos flashbacks, assistimos ao presente que funciona como uma espécie de leitmotiv: Bev, que agora tem 36 anos, acabou de escrever seu livro e precisa da autorização do pai de seu filho para publicá-lo. O garoto a acompanha nessa viagem que, além de espacial, também funciona como uma prestação de contas com o passado.
As lembranças remetem a 1965, quando Bev e sua melhor amiga, Fay (Brittany Murphy), compartilham a juventude numa pequena cidade – neste aspecto, a atmosfera vintage é muito bem construída pelos elementos cenográficos e também pela trilha sonora. Após uma noite de farra dentro de um carro, Bev se descobre grávida de Ray (Steve Zahn), um badboy sem perspectivas de futuro. Embora não seja seu desejo, ela acaba sendo forçada por seu pai (James Woods) a se casar com Rey. O tempo passa e as dificuldades aumentam: o sonho de tornar-se uma escritora de sucesso é completamente abandonado em detrimento de uma ‘inexistente’ vocação familiar, enquanto o marido se aprofunda no vício em heroína. As pressões externas também constituem desafios: não existem concessões, apenas expectativas.
Aprofundando-se no drama real, “Os Garotos da Minha Vida” comenta, ainda que superficialmente, a condição da mulher: enquanto ela lida sozinha com as consequências de um desvio no caminho, os homens apenas determinam ou dão no pé.
⭐ 3.7 / 5.0
Filhos da Esperança
3.9 940 Assista AgoraAdaptado de um romance homônimo de P.D. James, este filme distópico de Alfonso Cuarón funciona em todos os sentidos: como um sangrento thriller de ação, como uma ficção-científica posicionada num futuro apocalíptico, como uma reflexão humanitária pontuada por simbolismos e alegorias e como um exercício virtuoso de técnica cinematográfica. Desde o início de sua carreira, os filmes de Cuarón são reconhecidos pela excelência na construção de planos-sequência; em “Filhos da Esperança”, pelo menos duas cenas são exemplares dessa definição: a primeira se passa dentro de um carro em fuga por uma autoestrada – sem nenhum corte aparente, o trânsito da câmera realça a atmosfera que vai da descontração à tensão, culminando num atentado. Na segunda sequência sem cortes, próxima do final do filme, a câmera passeia em frenesi por uma zona de guerra numa cena que surpreende e emociona ao conduzir a esperança a uma embarcação simbolicamente denominada “Amanhã”.
A trama se passa em Londres no ano de 2027, quando a humanidade encontra-se ameaçada de extinção por um evento inexplicado que provocou a infertilidade nos seres-humanos. A pessoa mais jovem da Terra tinha 18 anos e acaba de ser assassinada, causando enorme comoção pública. Enquanto o poder institucional impõe barreiras para conter o povoamento de imigrantes, grupos revolucionários tentam resistir através de atos e de ações armadas. Neste contexto, o ex-ativista desiludido Theo Faron (Clive Owen) é procurado pela ex-mulher – uma militante de um movimento de resistência (Julianne Moore) –, e acaba tornando-se responsável pela proteção de uma jovem imigrante que, misteriosamente, está grávida. Porém, a violência institucional e os conflitos internos do movimento colocam em risco a gravidez da jovem que, de alguma forma, materializa a esperança de uma humanidade condenada.
⭐ 4.0 / 5.0