Ao lado de “Moulin Rouge” e “Chicago”, “Mamma Mia!” foi um dos grandes acontecimentos do cinema musical na primeira década do Século XXI; sua estrutura gira em torno da recapitulação nostálgica de um marco da cultura pop: o fenômeno pop-kitsch da década de 1970, o grupo musical finlandês ABBA. Transposto dos palcos da Broadway para as telonas, “Mamma Mia” segue o esquema das adaptações teatrais e, embora apresente uma história de comédia romântica banal, o filme é extremamente carismático, sobretudo ao conduzir o enredo a partir de um encadeamento lógico-narrativo entre as canções. Outros aspectos que favorecem a boa condução do longa é o elenco, que aparece completamente à vontade e surpreende na cantoria, a ambientação numa paradisíaca e fotogênica ilha grega, e a fotografia propriamente, que captura com naturalidade a aquarela natural da paisagem. Phyllida Lloyd, embora seja uma diretora de carreira irregular, concatena todos os elementos com competência.
No filme, Sophie (Amanda Seyfried) é uma personagem que atualiza uma tópica comum na literatura universal: a tentativa de constituição de sua própria identidade a partir da busca pela figura paterna. Ela está prestes a se casar com Sky (Dominic Cooper) e, à procura de quem seja seu pai, encontra um diário confessional escrito por sua mãe (Donna; Meryl Streep) durante a gestação. Após a leitura, descobre três nomes de homens que podem ser seu pai e, sem comunicar a ninguém, convida-os para o casamento. Eles são: Sam Carmichael (Pierce Brosnan), Harry Bright (Colin Firth) e Bill Anderson (Stellan Skarsgård). Atendendo ao convite, os três aportam na ilha e, confrontados por Donna e suas duas grandes amigas de juventude – Tanya (Christine Baranski) e Rosie (Julie Waters) –, causam confusões generalizadas.
Dialogando diretamente com a estética da banda homenageada, o filme assume uma atmosfera kitsch que é sustentada pela cenografia e figurinos; tudo isso ao som de canções como “Dancing Quenn”, “Chiquitita”, “I Have a Drem”, entre outras.
Michael Moore é, antes de tudo, um provocador. Valendo-se de uma ironia desconcertante, ele vai passando aos poucos a sua mensagem que tem como objetivo o dessecamento da ilusão do sonho americano. Seus documentários utilizam-se de um formato em que ele próprio busca fundamentar, com ações, a defesa de seu ponto de vista. Em “SiCKO: S.O.S. Saúde”, ele tem um alvo preciso: o sistema americano de saúde e a inexistência de um plano nacional de saúde pública. Intercalando excertos de discursos políticos aviltantes, tanto de Republicanos quanto de Democratas, depoimentos de pessoas que foram lesadas e caluniadas pelos convênios médicos abusivos, histórias tristíssimas de indivíduos que demandaram quantias absurdas para tratar suas condições de saúde etc., o documentário, além de emocionar, gera revolta, pois desvenda uma realidade inimaginável para um país que vende a imagem de berço do liberalismo e de maior democracia no plano geopolítico.
Em relação à forma, Michael Moore sabe utilizar-se dos aspectos técnicos para mobilizar as sensações do espectador, principalmente da montagem e da trilha sonora. O uso da ironia como principal recurso narrativo funciona como uma forma de desestabilizar a visão predominante que se tem sobre “American establishment” através da troça e da blague; o que não quer dizer, contudo, que o filme tenha graça: a ironia é bem mais causticante do que engraçada. A fim de fundamentar o seu retrato cruciante, mas real, da realidade americana, Michael Moore visita outros países em que existe um sistema público, gratuito e universal de saúde: Canadá, Reino Unido e França estão na mira da câmera do diretor. Porém, o que mais chama atenção é a visita do documentarista a Cuba, que apesar de todo o desentendimento ideológico com os Estados Unidos, não nega atendimento aos convidados americanos de Michael Moore, cujos tratamentos haviam sido rejeitos em sua pátria natal.
Todos vimos Zé do Caixão se afogando no final de “Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver”, logo após ter negado sua descrença absoluta, redimindo sua culpa com Deus e com a censura nacional. Porém, através de flashbacks que reconstituem o momento imediatamente após as circunstâncias em que terminava o filme de 1967, José Mojica Marins nos revela a maneira como seu anti-herói sobrevivera à cruzada cristã e fora encaminhado à prisão, onde permaneceu detido por 40 anos. Esta é a premissa de “Encarnação do Demônio”, o filme que encerra a trilogia do Zé do Caixão e o que contou com maiores recursos financeiros em toda sua carreira. Filmado em cores, a contrapelo dos episódios anteriores, “Encarnação do Demônio” causa um hipnótico choque visual, além de provocar uma impactante sensação de asco devido ao apelo grotesco das torturas impingidas pelo obstinado Zé do Caixão.
O cenário do filme é a São Paulo contemporânea. Depois de ter passado 40 anos detido, Zé do Caixão é posto em liberdade, apesar da contrariedade de alguns policiais, que enxergam nele um perigo para a sociedade. De volta às ruas, no entanto, ele insiste em cumprir sua missão: gerar o filho perfeito e garantir a imortalidade através da continuidade sanguínea. Com a ajuda de Bruno (Rui Rezende), seu fiel ajudante, ele erige em todo de si uma seita, com o objetivo de recrutar a mulher perfeita que poderá gerar seu rebento. Enquanto isso, enfrenta perseguições: de um coronel que busca vingança (Jece Valadão, impressionante); e de um religioso (Milhem Cortaz) que anseia enfrentar o demônio cara-a-cara. No entremeio, há cenas impressionantes e sanguinolentas de torturas, canibalismo, sadismo etc. Após uma visita ao purgatório, em delírio guiado por um Mistificador (interpretado por ninguém menos que Zé Celso Martinez Corrêa), Zé do Caixão finalmente encontrará seu destino.
A segunda parte da trilogia de Zé do Caixão principia exatamente no momento em que termina “À Meia-Noite Levarei sua Alma”. Embora todos pensássemos que o coveiro estivesse morto, Josefel sobrevivera à alucinação sobre a ‘procissão dos mortos’ que o arrastava para o inferno ao soar das doze badaladas. De volta à cidadezinha supersticiosa em que vive, Zé do Caixão retorna ainda mais sádico e maquiavélico, e contando com a ajuda de seu fiel ajudante, o corcunda Bruno (Nivaldo Lima). A obsessão pela continuidade consanguínea e a ideia fixa sobre a gestação do filho perfeito o leva a sequestrar seis jovens e belas mulheres. Submetendo-as a torturas perversas – algumas das quais envolvendo aranhas e cobras –, Zé intenciona testá-las, esperando que uma delas se mostre superior e, consequentemente, digna de gestar um filho seu. Porém, em sua saga, ele comete um erro terrível e imperdoável: assassina uma mulher grávida; e passa a ser atormentado pela culpa de ter interrompido a vida de uma criança, um ser inocente. Em alucinação, a mulher assassinada lhe sentencia: “esta noite, encarnarei no teu cadáver”.
Com um orçamento um pouco maior em relação ao primeiro volume da trilogia e um roteiro melhor elaborado, “Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver” deixava as sutilezas de lado para apostar na crueldade obscena do protagonista. Além da violência excessiva, o filme trazia um apelo erótico (perverso, entretanto) que caiu no gosto popular. Mojica consolidava-se, gradativamente, através do reconhecimento de crítica e público; embora não se afastasse os rótulos de polêmico e subversivo. Num dos melhores momentos do filme, Zé do Caixão, em delírio, é arrastado aos infernos. A impressionante e assustadora sequência foi filmada em cores, ressaltando o caráter impressionista do longa. O filme, contudo, sofreu inúmeros cortes da censura: inclusive em seu final – anticlimático justamente por causa da cesura –, quando o personagem fora obrigado a admitir sua crença em Deus.
José Mojica Marins sempre teve a criatividade em seu favor, embora não fosse financeiramente correspondido. Mesmo contando com recursos ínfimos na maior parte de sua carreira, nunca deixou de produzir, tomando a criatividade e a vontade como seu maior recurso capital. Sem recorrer a efeitos espetaculares e trabalhado com conhecidos e amigos num sistema de quase devoção ao cinema, Mojica consolidou um dos personagens mais icônicos da cinematografia nacional: Josefel Zanatas, ou mais popularmente, Zé do Caixão. Além disso, criou uma das mais importantes e significativas trilogias autorais do cinema de horror mundial. Com objetos de cena improvisados e gravado num pequeno estúdio da Boca do Lixo na capital paulistana, Mojica rodou, em 1964, o primeiro volume dessa trilogia, inaugurando o cinema fantástico e de horror no Brasil: “À Meia-noite Levarei sua Alma”.
O filme já se inicia de uma maneira surpreendente: uma bruxa (Eucaris Moraes) segurando uma caveira e pronunciando maus agouros quebra a quarta parede e se comunica diretamente com a plateia, alertando-nos para o risco de se assistir à fita. Na sequência, somos apresentados à história, centrada no agente funerário Zé do Caixão (José Mojica Marins) e em suas diabruras aterrorizantes numa pequena cidade extremamente supersticiosa do interior de São Paulo. Vestindo roupas pretas, cartola, capa e unhas enormes (num visual que remete diretamente ao “Drácula” de Bela Lugosi), o personagem provoca medo nos moradores da cidade. Completamente descrente, Zé do Caixão debocha de dogmas cristãos – ele come carne enquanto assiste à procissão de Sexta-feira da Paixão, por exemplo – e não crê na eternidade da alma: a única forma de perpetuar-se, para ele, é através da linhagem sanguínea. À procura de plantar sua semente e deixar seu legado, ele fica obcecado na busca da mulher à altura de gerar seu filho perfeito. Para tanto, não hesita em eliminar quem estiver em seu caminho – inclusive a esposa Lenita (Valéria Vasquez), depois de descobrir sua esterilidade.
Através de sua fantasia de horror, José Mojica Marins questiona e critica o dogmatismo por meio da mediocrização. O humor e a sátira, ambos macabros, são os recursos narrativos muito bem empregados pelo autor.
Em relação à comédia americana de “mau-gosto”, os irmãos Peter e Bobby Farelli são nomes notáveis. Isso não significa que seus filmes são inteiramente ruins (alguns, francamente, o são): “Quem Vai Ficar com Mary?” (1998), por exemplo, é um bom filme; “O Amor É Cego” (2001), por outro lado, constitui-se numa sorte de preconceitos de todos os tipos e de piadas ruins. Em “Antes Só do que Mal Casado”, por sua vez, o maior problema não resulta principalmente no apelo cômico, que tem graça em muitos momentos. A inconsistência do filme reside no fato de ele transitar entre gêneros e não se definir enquanto tal. Ao mesmo tempo em que esboça as bases da comédia romântica mais vulgar, descamba para o pastelão e para a comédia de “mau-gosto”, confluindo para uma barafunda inverossímil e repleta de altos e baixos. Além disso, o filme não acrescenta nada de novo à fórmula já gasta do cinema de seus autores.
Na trama, Eddie Cantrow (Ben Stiller) é um solteirão convicto, mas em crise. Todos os seus amigos se casaram, menos ele; além disso, é pressionado constantemente por seu pai (Jerry Stiller, que é o pai de Ben na vida real) e seu melhor amigo (Rob Corddry), para que se case e que tenha ideais na vida. Então, casualmente, ele conhece Lila (Malin Åkerman) e acredita ter encontrado o amor de sua vida. Depois que a garota lhe conta que está planejando mudar-se para a Holanda, Eddie se antecipa e a pede em casamento. Durante a lua de mel, em Los Cabos, ele descobre que Lila não era exatamente o que pensava e o casamento não se mostra tão glamouroso. No resort mexicano, contudo, Eddie conhece Miranda (Michelle Monaghan), uma americana de família conservadora por quem se apaixona, dessa vez para valer. Porém, estando casado, a viagem transforma-se numa grande confusão.
O componente cômico do filme até chega a se destacar, mais nas situações do que nos diálogos em si. Porém, a trama é previsível e repleta de clichês do gênero. Porém, para quem busca tão somente por um passatempo despreocupado, não é das piores opções.
Buenos Aires, segunda metade da década de 1960: além da cenografia e dos figurinos, as referências pontuais à morte de Che Guevara (por um padre, provavelmente jesuíta e afinado com a Teologia da Libertação) e ao surgimento do gravador em K7 localizam o filme espaço-temporalmente. “Valentín”, de Alejandro Agresti, é constituído por ingredientes infalíveis: um garoto altamente carismático e perceptivo – e que, no entanto, não deixa de habitar um universo fantasioso de infância –, mas com uma carência familiar básica; uma “abuela” um tanto quanto caricata defendida com competência pela musa almodovariana Carmen Maura; um roteiro relativamente simples e linear, conduzido em primeira pessoa pelo personagem-título; uma combinação entre humor gracioso e sentimentalismo sem, contudo, descambar para a pieguice.
O papel de Valentín veste como uma luva no ator Rodrigo Noya; a presença do garoto na tela é encantadora e casa-se muito bem com a narrativa. Aos 8 anos de idade, Valentín é filho de pais separados – de uma mãe que não o vê nunca e de um pai ausente que o visita raramente; ele vive com a avô paterna (Carmen Maura) que perdeu o marido recentemente e vestiu-se de um luto angustiado e permanente. O sonho de Valentín é tornar-se astronauta (no final dos anos 1960, a Corrida Espacial acalentava os desejos de crianças de todo o mundo) e, para isso, ele gasta seu tempo construindo “foguetes” e improvisando “roupas espaciais”. O cotidiano da casa em que vivem Valentín e a avó é bastante solitário. O garoto tem dois amigos: um é do colégio em que estuda, o outro é um vizinho pianista, Rufo (Mex Urtizbeara), que embora seja mais velho, não se importa muito com a idade e conversa de igual para igual com o menino.
De caráter autobiográfico, a história do filme encontra similaridade com a infância de Alejandro Agresti. Filho de pai católico e mãe judia, Agresti viu o casamento de seus pais chegar ao fim em meio às mudanças e turbulências da década de 1960.
Denso e controverso, “O Lenhador” é um filme sério que discute, a partir de um ponto de vista franco, humano e afinado com a psicoterapia, as consequências da reinserção de um molestador de menores em âmbito social. Kevin Bacon, num trabalho de atuação excepcional, porém minimalista, interpreta Walter, que está sendo posto em liberdade condicional após cumprir 12 anos em regime fechado. Durante o processo de readaptação social, Walter deve lidar com preconceitos no ambiente de trabalho, com um novo relacionamento amoroso com uma colega de trabalho, com um supervisor de condicional violento e provocativo, e com a frequente tentação de reincidir em atos de pedofilia.
O título do filme, “O Lenhador”, além de remeter à profissão de carpinteiro do protagonista, estabelece um diálogo alegórico com a história de “Chapeuzinho Vermelho”. Numa determinada visita, o Sargento Lucas (Mos Def), supervisor da condicional de Walter, alude ao conto da “Chapeuzinho” ressaltando que, não fosse pelo lenhador, a garota não teria sobrevivido ao ataque do lobo. “O mundo não tem mais lenhadores”, determina Lucas, sugerindo que Walter deveria ter sido condenado à pena capital. Ironicamente, na madeireira em que Walter se emprega, ele responde pelo trabalho com a serra elétrica. A tentativa de afirmar-se segundo o papel do lenhador coincide com a tentativa de redenção sem, no entanto, eximir-se da culpa. Nesse sentido, culpa e redenção parecem ser os motes a partir dos quais a narrativa se desenvolve.
Porém, a sociedade fecha-se ao esforço de reabilitação de Walter; e ainda que ele busque compreender sua perversão recorrendo a um terapeuta, o desejo de reincidência o assombra frequentemente, sobretudo à medida que a sociedade o trata com desprezo. É necessário ressaltar que o filme em momento algum relativiza o crime de Walter, apenas trata-o com a mínima compaixão que qualquer pessoa em busca de tratamento merece.
“El favor” é uma comédia argentina de 2004 muito pouco lembrada ou reconhecida. Escrito a partir de um senso de humor cáustico e desconcertante, o filme não tem muitas pretensões a não ser a de divertir o espectador. A trama gira em torno de Roberta (Victora Onetto) e Mora (Bernarda Pagés), um casal de lésbicas que deseja ter um filho pelo método tradicional. Para isso, decidem oferecer um jantar afrodisíaco – com direito a ostras e Viagra dissolvido na bebida – a Felipe (Javier Lombardo), o irmão de Mora que vive no interior e trabalha como inseminador de aves. O plano consiste em convencê-lo a se deitar com Roberta, para que ela possa engravidar-se dele. Porém, durante a visita à irmã, Felipe aguarda ainda a chegada de um futuro sócio seu e de sua noiva, com quem, apesar de estarem juntos por mais de dez anos, só se deitou uma vez. Obviamente, os múltiplos encontros num mesmo ambiente resultarão em confusão certeira.
O filme tem pouco mais de setenta minutos e transcorre todo num único cenário. As situações se parecem com esquetes de programas televisivos de humor, mas são realmente engraçadas. Embora a direção de arte tenha pretendido seguir um padrão realista e fugir de elementos que remetem a um cenário artificial, e a direção de atores tenha optado pelo não exagero, a presença do referencial televisivo permanece. “El favor” não tem pretensão alguma de ser mais que mero entretenimento. O longa-metragem de estreia de Pablo Sofovich tem consciência de seu objetivo e não almeja ser mais do que é. Porém, é notável o exercício de tratar com naturalidade a maternidade homossexual, ainda que o saldo geral encaminhe a trama a uma reconfortante atmosfera conservadora. Mesmo assim, trata-se de uma comédia protagonizada por um casal de mulheres que não poupa esforços para realizar o sonho de tornarem-se duas mães.
Em 2001, Richard Kelly havia confundido a mente de espectadores de todo o mundo com o excelente “Donnie Darko”; seguindo a mesma cartilha de temáticas misteriosas que exploram universos e realidades paralelas, “A Caixa”, de 2009, poderia ter sido um filme bem melhor. No entanto, a não-sincronia do elenco, a apatia do roteiro e a suavização de um potencial crítico diminuíram a vocação do longa. Dirigido por Kelly, “A Caixa” é baseado no conto “Button, Button”, de Richard Matherson e busca situar o espectador diante de um dilema moral que acomete uma família tradicional de classe média. Mal-adaptada, entretanto, a narrativa se concentra bem menos na questão moral que envolve a proposta absurda de Arlington Steward (Frank Langella) e nos conflitos pessoas de Arthur (James Marsden) e Noma Lewis (Cameron Diaz) para ceder espaço a uma trama insuficientemente explicada de extraterrestres.
O mistério tem início quando um embrulho enigmático é depositado diante da porta dos Lewis. Dentro dele, uma caixa aparentemente simples de madeira e com um botão no lado superior; acompanhando-a, um envelope que anuncia a visita do Sr. Steward, até então, desconhecido por todos da casa. À hora prenunciada, Arlington Steward bate à porta com uma proposta desconcertante: caso o botão da caixa seja apertado, o casal receberá 1 milhão de dólares, porém, em contrapartida, uma pessoa desconhecida morrerá. Eles têm apenas 24 horas para decidirem-se a apertar ou não o botão. O dilema moral passa, então, a comandar as relações familiares, ainda mais porque eles enfrentam dificuldades financeiras.
Valendo-se de uma fotografia nauseabunda que remete aos anos 1960, em pleno contexto da corrida espacial, “A Caixa”, embora desencaminhe por um roteiro que perde força da metade para o final, é um filme instigante. E Richard Kelly, ainda que tenha perdido a mão na adaptação do roteiro, é um bom diretor e conduz as imagens com regularidade.
Lançado em 1933, “O Diabo a Quatro” representa, de alguma forma, a coroação cinematográfica de um dos grupos mais influentes da comédia estadunidense: os Irmãos Max – Groucho, Harpo, Chico e Zeppo. Naturais do Bronx, em Nova York, o grupo afiou seu talento no teatro vaudeville e, posteriormente, conquistou a Broadway, antes de ganhar as telas de cinema. De viés paródico, o filme é um pastiche divertidíssimo dos musicais simetricamente coreografados que dominavam a produção hollywoodiana do período. Além disso, ao tematizar sobre a autocracia em um fictício pequeno país ironicamente chamado de “Freedonia”, os Irmãos acenam criticamente para as nações-terror que cresciam em poder na Europa: tanto é que Benito Mussolini proibiu a exibição de “O Diabo a Quatro” na Itália.
O filme tem apenas 70 minutos; tempo suficiente para exibir gags e esquetes hilários, além de trocadilhos e situações esdrúxulas que provocam risada. Groucho Marx – com seu característico bigode extravagante e charutos cubanos – interpreta Rufus T. Firefly, ditador de Freedonia. Sua autocracia é financiada por uma viúva milionária, Mrs. Teasdale, que nutre sentimentos afetivos por ele e, por conta disso, aceita servilmente suas humilhações. Porém, Trentino (Louis Calhern), embaixador de Sylvania, o país vizinho, tem planos de conquistar Freedonia e coloca dois agentes secretos – Chicolini (Chico Marx) e Pinky (Harpo Marx) – (mais atrapalhados que secretos) na cola de Rufus. Os desdobramentos, inequivocamente, levam à guerra entre os dois países.
Embora modesta, a trama é forte o bastante para sustentar algumas das melhores sequências de comédia do cinema (é impossível não se encantar e gargalhar com a célebre sequência do espelho, ou quando Chico e Harpo brigam com um vendedor ambulante etc., por exemplo). Além é claro, da ofensiva aos poderes concentrados, que encaminha o filme a uma deliciosa sátira surrealista.
Cobrindo um intervalo de mais de 30 anos, “Mr. Holland” é um filme sensível e tocante e que abarca variadas questões a partir da relação entre professor e alunos. O filme retrata a trajetória de um músico profissional – Glenn Holland (Richard Dreyfuss) – que, por uma necessidade financeira, assume a responsabilidade pelas aulas de música numa escola pública americana, relegando a sua vocação de compositor para o segundo plano. Embora sinta-se inseguro e descontente num primeiro momento, a docência vai aos poucos se tornando a principal ocupação do Sr. Holland, principalmente depois que sua esposa – Iris (Glennne Headly) – lhe noticia sua gravidez e a motivação financeira passa a dar o tom da situação do casal. Embora enfrente os desafios inerentes à docência e à sua vida pessoal, o Sr. Holland procura adaptar-se à passagem do tempo a fim de inculcar a apreciação musical em seus alunos. Dentre os desafios enfrentados: o desinteresse dos alunos e, sobretudo, a resistência da direção conservadora do colégio frente à incorporação de conteúdos atualizados.
A música parece figurar como o elemento centralizador na vida de Glenn Holland; por isso mesmo, quando descobre a surdez no filho – a incapacidade fisiológica de escutar música –, a relação entre ambos para a ser constituída por um impasse. Porém, à medida que a criança cresce, vai dando mostras de que a música não prescinde exclusivamente da audição para ser fruída. O filme, de certa forma, demonstra a luta de um professor para incluir seus alunos na sociedade e na escola e, além disso, retrata as transformações de uma família ao adaptar-se às necessidades da deficiência auditiva do filho.
Embora segura, a direção de Stephen Herek opta pela regularidade, sem lançar mão de inovações narrativas ou cinematográficas. Apenas chama a atenção a recorrência a cenas documentais que o autor utiliza para comunicar a passagem do tempo. A atuação de Richard Dreyfuss é o melhor aspecto da obra – o ator inclusive foi indicado ao Oscar pelo papel. A trilha sonora – aspecto central – também se destaca. Nesse sentido, a apresentação em libras de uma canção de John Lennon é emocionante e memorável.
Composto quase exclusivamente por planos-sequência longuíssimos, o trabalho do romeno Cristian Mungiu se destaca ao esmiuçar os mínimos detalhes das ações de seus personagens. O filme atinge, por assim dizer, um realismo chocante e, ao mesmo tempo, fascinante. Sem deixar de dizer o que se propõe, o trabalho de Mungiu assemelha-se ao de Michael Haneke, apresentando-se secamente, sem recorrer a efeitos visuais, retoques ou outros maneirismos. O realismo do filme, entretanto, espraia-se – num nível mais profundo de significação – numa alegoria relacionada aos anos de decadência do regime comunista na Romênia.
A temática do filme gira em torno do aborto e a história central desenvolve-se a partir da relação entre duas amigas que dividem um mesmo quarto num alojamento estudantil. Uma delas, grávida (Gabita), pede ajuda à companheira de quarto (Otilia) para realizar o procedimento de interrupção de gravidez. A partir daí, Otilia (Anamaria Marinca) se vê às voltas com todos os detalhes do impasse: pede dinheiro emprestado ao namorado (o namorado de Gabita sequer aparece), arranja vaga num hotel de baixa categoria, entra em contato com um aborteiro clandestino e, inclusive, responsabiliza-se por se livrar do feto. O tempo cronológico da narrativa é o dos últimos anos da ditadura de Ceaucescu, quando o aborto era proibido e criminalizado na Romênia. A atmosfera árida do filme, coadunando-se a uma fotografia dessaturada e triste compõe um retrato ainda mais decrépito do país sob uma autocracia que já durava décadas.
Para além desta interpretação que associa a narrativa diretamente à crise do regime comunista na Romênia, o filme também pode ser visto como um comentário ao patriarcado e ao sistema de subordinação que ele engendra às mulheres. A experiência pessoal do aborto, vivida pelas duas mulheres, denuncia uma sociedade extremamente moralista e desigual em termos de gênero. Além de explicitar a maneira como o patriarcado dispõe de um direito de propriedade sobre o corpo das mulheres: seja através do Estado – pela prisão; seja através dos homens – pela violência sexual.
O que primeiro nos chama a atenção em “De Repente, no Último Verão” é o peso inequívoco do elenco: a tríade Katharine Hepburn, Elizabeth Taylor e Montgomery Clift conduz o drama denso (e à frente de seu tempo) apenas com a força da palavra encarnada em suas atuações. Escrito por Tennessee Williams e Gore Vidal, nomes impreterivelmente associados à dramaturgia e à literatura, a ação, no filme, prescinde da palavra, ou seja, a força vital da história deslinda-se a partir dos diálogos. Isso não quer dizer, contudo, que os outros elementos estejam preteridos: muito pelo contrário; dentre eles, destaca-se, por exemplo, a cenografia e a direção de arte que, através de símbolos e alegorias nos comunica a natureza extravagante de um personagem onipresente em toda a história, mas materialmente ausente. Desta forma, a produção almeja adentrar, de forma cifrada, em temáticas-tabu (sobretudo à época), como a homossexualidade, a homofobia, a loucura e o tratamento da loucura.
A história de Tennessee Williams é sobre traumas e taras, ganância e dominação da burguesia. Aliás, a temática da relação de dominação-servidão entre poderosos e necessitados perpassa toda a narrativa – e, de certa forma, chega até nossos dias com uma atualidade desconcertante. O tema aparece desde o conflito entre o diretor do hospital psiquiátrico que, por promessa de dinheiro, se submete às vontades da rica senhora Violet Venable (Hepburn) até o clímax chocante que revela o embate entre o poeta Sebastian Venable (cujo rosto não é mostrado em momento algum) e os despossuídos de um balneário espanhol. Porém, esta relação de dominação-submissão torna-se ainda mais evidente no tratamento que a Sra. Venable dispensa a seus parentes pobres, os Holly, de que faz parte Catherine Hlly (Taylor), a sobrinha que Violet quer submeter a uma lobotomia.
No ápice dramático, próximo do final do filme, numa cena que captura à exaustão a impecabilidade dos trabalhos de Hepburn, Taylor e Clift, a farsa é desvelada, numa expressão chocante para o espectador e, noutra vertente, brilhante em sua ousadia ao questionar os termos do Código Hayes.
“Escrito com as entranhas”, como o próprio Gabriel García Márquez declarou, “O Amor nos Tempos do Cólera” é um exemplar impecável do realismo fantástico do autor e um clássico da literatura latino-americana. O sentimento indelével de Florentino Ariza – filho de um homem que afirmou em leito de morte lamentar-se somente por não ter morrido de amor – que sobreviveu incólume por mais de cinquenta anos e uma epidemia de cólera, é a matéria a partir da qual a pena de García Márquez brilhantemente disserta. Não apenas em sua trama principal, mas em todo o conjunto a narrativa do romance é rica em detalhes e histórias paralelas, o que, por si só, já dificultaria qualquer tentativa de transposição à narrativa cinematográfica. O próprio autor relutou por muito tempo em consentir a adaptação. O filme, contudo, foi realizado e, embora emocione e apresente momentos de grandeza, o resultado final não consegue transmitir a riqueza do universo arquitetado por García Márquez.
A bela fotografia realçando ora a arquitetura colonial de Cartagena das Índias, ora a natureza selvagem da Amazônia colombiana é um aspecto positivo que se associa muito bem com a trilha sonora original, assinada por Antônio Pinto (melodia) e Shakira (letra). Outro aspecto positivo do filme reside na escolha do elenco: Javier Bardem aparece muito à vontade no papel do protagonista, a italiana Giovanna Mezzogiorno tampouco decepciona como Fermina Daza – embora, em seu caso, o trabalho de maquiagem não tenha dado conta de envelhecê-la tanto quanto é solicitado pela história; Benjamin Bratt, por sua vez, empresta um ar de sedução irresistível ao Dr. Juvenal Urbino. Além desses nomes, destaca-se ainda a participação mais-que-especial de Fernanda Montenegro, como Tránsito Ariza, a mãe do protagonista. Com relação à matéria textual, o enredo acaba por minimizar a primazia do texto de García Márquez; embora a essência do romance possa ser vista na tela, ela é captada sem a profundidade significativa que requer o material original.
O impacto do plot twist ao final de “O Sexto Sentido” (1999) criou um estigma em torno da obra de M. Night Shyamalan, da qual passou-se a esperar reviravoltas surpreendentes como marca autoral do realizador. Ainda que nem todos os seus filmes confirmem esta leitura enviesada por parte da audiência, o cinema de Shyamalan apresenta certa rigidez formal, além de recorrências temáticas que o transformam numa espécie de cinema de autor. Seus filmes, em sua maioria, apoiam-se em elementos fantásticos utilizados em prol da sustentação de uma atmosfera de veracidade que manipula o espectador através da trama. Em “A Vila”, por exemplo, o elemento fantástico conduz a impressão da audiência ao bel prazer de seu realizador.
Ambientada no Século XIX, num vilarejo isolado e distanciado de qualquer estrutura social urbana, a trama se desenvolve a partir das afirmações de um acordo tácito firmado entre os moradores da vila e Aqueles-que-não-devem-ser-nomeados, criaturas fantásticas que habitam a floresta do entorno. O vilarejo encontra-se imobilizado no tempo pelo isolamento, sem contato com novas tecnologias ou formas de socialização concernentes à urbanidade. O poder moderador daquela sociedade é exercido por um conjunto de anciãos – os fundadores da vila – que decidem sobre assuntos coletivos e particulares. Qualquer deliberação deve ser decida em assembleia, embora a decisão seja restrita ao conselho dos anciãos. Este microcosmo abafado e claustrófobo, contudo, é ameaçado quando as fantásticas criaturas da floresta decidem desrespeitar o acordo, e parte da população, por sua vez, contesta o tabu primordial que estrutura aquela sociedade.
Qualquer revelação excedente com relação à trama poderia restringir a fruição completa deste filme que, no conjunto da obra de Shyamalan, enquadra-se entre aqueles determinados pelos plot twists. Ao final, o resultado é compensador, além de contar com excelentes atuações de nomes como Bryce Dallas Howard, Joaquin Phoenix, Adrien Brody, William Hurt e Sigourney Weaver.
O paulistano Marcos Prado já havia produzido, em 2002, “Ônibus 174”, um documentário estupendo sobre um sequestro de um ônibus ocorrido no Rio de Janeiro e a vida de seu efetuador, um garoto sobrevivente da Chacina da Candelária. Em 2004, entretanto, Prado estreou na direção com outro belíssimo exemplar do gênero, “Estamira”, que concentra sua narrativa no cotidiano de uma idosa catadora de lixo e esquizofrênica, cuja equipe do cineasta acompanhou ao longo de dois anos, expondo com intensidade, realismo e humanidade toda a dimensão de sua miséria e de seu distúrbio psiquiátrico. Ao abarcar a individualidade de Estamira, o filme acaba por traçar um painel contundente sobre a desigualdade social (e racial, e psiquiátrica, e de gênero etc.) de um país onde algumas pessoas retiram do lixo a fonte de sua subsistência.
A outra dimensão do documentário diz respeito à mente de Estamira, perturbada por alucinações e paranoias: ainda que esteja confinada em sua loucura, seu discurso apresenta, em muitas ocasiões, contingências filosóficas e poéticas, além de uma tremenda lucidez acerca de sua condição social. Com relação a esse aspecto, a realização de Marcos Prado adota uma estrutura visual inteligente e comovente, que acrescenta significados ao filme: na maior parte da obra, o universo real de Estamira – seu cotidiano: o trabalho no lixão, principalmente – é captado por uma fotografia opressiva, granulada e em preto-e-branco. Em contrapartida, quando assume a voz do discurso para falar de suas visões, ou seja, o universo onírico de sua loucura, Estamira aparece em cores, como se ganhasse vida. Isso não quer dizer, contudo, que o filme romantize a condição psíquica da protagonista: as imagens, peremptoriamente reais, depõem contra esta leitura; o sofrimento existencial de Estamira é captado pela câmera do cineasta que não se exime em registrar os tremores nos pés e mãos, as dores físicas e o sentimento de perseguição que a acometem. O que Marcos Prado alcança em seu filme é a dimensão mais humana de Estamira; assistimos, por assim dizer, à dignificação de uma mulher espoliada e explorada em todas as dimensões de sua identidade.
Embora o consumo de drogas pelo casal de protagonistas permeie toda a narrativa, “Candy” é um filme sobre relacionamento, no qual o retrato impiedoso sobre as consequências do vício funciona como pano de fundo ao desenvolvimento atribulado de uma vida conjugal. Desde o começo da projeção, o narrador-personagem Dan (Heath Ledger) nos confessa que apenas duas coisas lhe interessam: o consumo de drogas e o amor de Candy (Abbie Cornish), ambos viciantes e que, pouco a pouco, vão se transformando, para ele, numa única coisa. Dividido em três partes – Paraíso, Terra e Inferno –, o filme acompanha os altos e baixos desse relacionamento, ressaltando a maneira como a droga impera enquanto dualidade na vida conjugal de Dan e Candy. Essa divisão em partes agrega sentidos às fases da dependência química e do romance do casal, que coincidem; além de estruturar a narrativa como a um movimento descendente, de descida aos infernos.
Baseado num livro de Luke Davis, o diretor australiano Neil Armfield acerta em conduzir a narrativa de “Candy” através de um formato destituído de excessos (bastante diferente da tendência comum à maioria dos denominados “drug movies”). O elenco é reduzido, embora não abra mão de uma trinca de peso tanto em talento quanto em renome: Heath Ledger, Abbie Cronish e Goeffrey Rush; A trilha sonora é contida, mas funciona muito bem nas cenas de alta carga dramática; a fotografia constitui-se em tons pastéis, consolidando uma atmosfera enevoada e matinal. Mesmo com relação à trama, o roteiro opta por economizar nas informações sobre as personagens: passamos a conhecê-las à medida que a narrativa se encaminha. O filme vai, aos poucos, conduzindo a audiência para o interior do relacionamento afetivo de Candy e Dan, através de cenas quase sinestésicas que realçam as delícias e dores do consumo de drogas cindido a um sentimento intrinsecamente dialético como é o amor.
“Contra Goldfinger” foi apenas a terceira aventura do superagente James Bond. O filme, de alguma forma, marca o momento em que foram definidos os elementos que tornaram 007 numa espécie de gênero per se. Os melhores ingredientes da franquia aparecem sacudidos aqui: a apresentação de uma canção-tema marcante como acompanhamento à abertura estilizada (no caso, a música de John Barry interpretada pela voz tonitruante de Shirley Bassey); a onipresença do Aston Martin com escudos à prova de balas projetados pelo inventivo Q (Desmond Llewelyn); além, é claro, do charme sedutor, sarcástico e irresistível de Bond, James Bond, na pessoa de seu interprete mais memorável, Sean Connery. O mérito pela consolidação do formato deveu-se, em grande parte, a Guy Hamilton, diretor dos três primeiros filmes e que posteriormente viria a dirigir mais três: é ele o responsável pelos elementos visuais e pelas icônicas cenas de ação que identificam qualquer filme do famoso espião. Além disso, os roteirista Richard Maibaum e Paul Dehn solidificaram a figura do herói invencível e sedutor em torno da personagem de Ian Fleming, da recorrência às femmes fatales, e da presença dos vilões caricatos e megalômanos.
No filme, o vilão principal é o milionário Auric Goldfinger (Gert Fröbe), cujas reservas de ouro, espalhadas por diversos países, escondem ações criminosas. James Bond é designado – por M (Bernard Lee) – a permanecer em sua cola no intuito de tomar conhecimento de seus planos. Durante a perseguição, contudo, Bond acaba sendo capturado e voa da Europa para os EUA num avião particular pilado por uma bond girl – que começa sendo vilã, mas tem o seu caráter transformado pelo charme irresistível do herói – sugestivamente chamada de Pussy Galore (Honor Blackman). A inventividade do plano de Goldfinger chama a atenção por não se tratar propriamente de um roubo: o vilão anseia explodir uma bomba atômica no subsolo da maior reserva de ouro dos EUA a fim de hipervalorizar o próprio patrimônio. Caberá ao superargente impedi-lo.
No âmbito da Revolução Italiana e da epidemia do cólera na França, a trama de “O Cavaleiro do Telhado e a Dama das Sombras” – baseada num romance de Jean Giono – transita livremente entre a aventura, o drama e o romance; além das pequenas incursões cômicas e das referências históricas. Protagonizado por Olivier Martinez e Juliette Binoche, o filme funciona como uma espécie de road movie do século XIX. Além disso, poder-se-ia estabelecer diálogos profícuos entre a produção e outras obras: o pano de fundo do cólera, por exemplo, impossibilitando o romance ao casal de protagonistas, alude ao “Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel García Márquez. Com relação ao aspecto visual, a ambientação geográfica nos campos franceses possibilita uma bela fotografia que evoca telas pós-impressionistas como as de Gauguin ou Van Gogh.
No filme, um jovem coronel italiano, o revolucionário Angelo Pardi (Olivier Martinez) é traído por um de seus companheiros e passa a ser perseguido por mercenários austríacos. Ele consegue autoexilar-se no interior da França, onde se depara com a epidemia do cólera, que tem dizimado populações e devastado vilarejos inteiros. Perseguido pelos austríacos e tentando escapar à doença, Pardi segue seu caminho montado num cavalo através dos campos franceses. Numa noite de chuva torrencial, contudo, ele procura abrigo numa casa aparentemente abandonada. Lá, entretanto, Pardi conhece Pauline de Théus (Juliette Binoche), uma marquesa que o acolhe e lhe oferece comida. Na manhã seguinte, porém, o jovem coronel não a encontra mais na casa. A marquesa havia partido à procura de seu marido. Posteriormente, os dois se reencontram e o cavaleiro decide auxiliá-la em sua jornada pessoal.
Embora a conceituação dos revolucionários soviéticos seja extremamente caricatural e depreciativa, “Doutor Jivago” é um drama épico quase impecável; talvez o maior épico já levado às telas de cinema. David Lean concerniu sua leitura pessoal ao romance de Boris Pasternak ao constituir a trajetória do médico poeta Yuri Jivago – censurado pelos revolucionários devido ao conteúdo ultra-personalista de sua poesia, numa época em que só eram válidos os versos que elogiassem a classe trabalhadora –, dividido entre dois amores num cenário que tem como pano de fundo o clima de instabilidade política e social que se abateu sobre a Rússia no início do Século XX – da Primeira Guerra Mundial à Guerra Civil propalada pela Revolução
Narrada em flashback, sob a perspectiva dos anos 1930, através de uma reconstituição memorialista do irmão de Yuri Jivago, o General Yevgraf Jivago (Alec Guinness), a trama remonta a história de Yuri (Omar Sharif), um médico bem-nascido e dedicado à poesia. Após casar-se com Tonya (Geraldine Chaplin), Yuri parte para servir como médico no front da Primeira Grande Guerra. Conhece então Lara (Julie Christie), o grande amor de sua vida e que também é casada com um violento revolucionário bolchevista. Depois da Revolução, a família de Jivago é desalojada e ele é forçado a trabalhar como oficial médico para os bolcheviques durante a guerra civil. Jivago, contudo, acaba desertando e descobre que sua família se refugiou em Paris a fim de evitar a prisão. Ele, porém, reencontra-se com Lara e os dois passam a viver juntos num período que lhe rende a melhor porção de sua poesia. Mas, as circunstâncias acabam por separá-los novamente.
Para além da emocionante história de amor, “Doutor Jivago” constitui-se como uma bela coletânea de sequências magníficas, atestando a vocação impecável de David Lean para as tomadas abertas e para a manutenção de uma atmosfera épica. A fotografia de Freddie Young consegue evocar a vastidão e a beleza rústica da paisagem russa, além de ressaltar símbolos e alegorias evocados por Lean. Por fim, a trilha sonora de Maurice Jarre, imortalizada sobretudo pelo Tema de Lara, complementa admiravelmente a história.
O filme de 2013, embora apresentasse uma história vaga, divertia pelo senso de humor peculiar e impressionava pela inteligência dos truques de mágica e ilusionismo. Três anos depois, contudo, sua continuação enfraquecia ainda mais o universo narrativo demonstrando menor apelo à comicidade e apostando numa trama de mistério que não chega em lugar nenhum. Apesar de haver o acréscimo de mais um vilão à trama – Walter Tressler (Daniel Radcliff), o filho bastardo do multimilionário Arthur Tressler (Michael Caine) que havia sido desmascarado no filme anterior –, a constituição deste personagem é superficial e insossa. Mesmo assim, ainda que em menor grau em relação ao filme de 2013, o segundo ato de “Truque de Mestre” resulta numa aventura empolgante e que segura a atenção da audiência.
Com relação aos Quatro Cavaleiros, a saída de Henley (e, consequentemente a saída da atriz Isla Fisher da produção) deixou o caminho livre para a entrada de Lula (Lizzy Caplan) na trupe dos ilusionistas ao estilo de Robin Hood. No filme, embora o grupo esteja na clandestinidade desde o seu desaparecimento ao final do filme anterior, os Cavaleiros continuam despertando a atenção do público. Assim, eles decidem reaparecer em grande estilo: num número de ilusionismo que tem a intenção de expor as práticas sem ética de um magnata da tecnologia. Porém, durante a apresentação, o grupo é desmascarado e raptado através de um truque que os transporta diretamente para Macau. O mandante do sequestro é Walter Tressler, outro prodígio da tecnologia que ameaça os mágicos e os obriga a coordenar um roubo espetacular e impossível de ser realizado sem que se recorra a truques de ilusão.
O ilusionismo, de alguma maneira, é uma das essências da arte cinematográfica: jogando com a percepção do espectador, os filmes as contradizem e as subvertem. Portanto, espera-se um espetáculo de efeitos visuais, sonoros e ilusórios de um filme que tenha como temática o ilusionismo. E é justamente isto que “Truque de Mestre” nos entrega, muito embora o roteiro seja inconsistente e relativamente vago. Dirigido pelo francês Louis Leterrier, o filme foi pensado e realizado como um verdadeiro show de mágicas e, para que seja satisfatoriamente fruído, sua vocação deve ser levada em consideração. Contando com um elenco estrelar e com um excelente apuro técnico, “Truque de Mestre” se mostra bem na tela, diverte pela inteligência do humor e dos truques e nos faz mergulhar nos planos mirabolantes que os Quatro Cavaleiros estão montando.
Os Quatro Cavaleiros é o nome de um grupo de mágicos reunido em torno de uma organização secreta que denomina a si mesma como “O Olho”; eles são: Daniel Atlas (Jesse Eisenberg), Jack Wilder (Dave Franco), Merritt McKinney (Woody Harrelson) e Henley Reeves (Isla Fisher). Depois de uma ousada apresentação em Las Vegas, na qual o grupo coordenou à distância – através de hipnoses e truques – um assalto a um banco de Paris, o FBI, liderado pelo Agente Dylan Rhodes (Mark Ruffalo), empreende uma caça aos quatro integrantes do grupo. A fim de compreender melhor o universo da magia, Rhodes entra em contato com um mágico veterano que ganha a vida desmistificando truques em programas de televisão, Thaddeus Bradley (Morgan Freeman). Porém, como em todo show de mágicas, a verdade não é exatamente o que se apresenta na tela.
Embaralhando as convicções da audiência da mesma forma como se embaralha as cartas de um baralho, “Truque de Mestre” promove entretenimento e diversão, muito embora tenha um roteiro vago e uma trama inconsistente.
David O. Russell, que chamou os holofotes para si com o premiado “O Vencedor” (2010), iniciou sua carreira cinematográfica dirigindo comédias independentes. Uma delas é “Procurando Encrenca”, um road movie hilário e nonsense que trata da busca de um paleontólogo neurótico – Mel Coplin (Ben Stiller) – por seus pais biológicos. Seguindo a cartilha dos filmes de estrada, os personagens viajam através de estados diferentes, deparam-se com personagens e situações bizarras e cômicas, além de tomarem parte nas mais divertidas confusões. Porém, o maior mérito de “Procurando Encrenca” consiste no fato de que o próprio filme não se leva a sério.
Na trama, o neurótico Mel Colpin vê seu casamento – com a bela Nancy (Patricia Arquette) – entrar em crise na medida em que a procura por seus pais biológicos acaba prejudicando sua relação com a esposa. O pivô da crise é uma estudante de psicológica, Tina (Téa Leone), que trabalha numa agência de adoção e que decide auxiliar na busca de Mel; acontece, no entanto, que ele começa a sentir-se atraído por ela. Após a notícia de que seus pais haviam sido encontrados, os três partem em uma viagem através do país para encontrá-los. Porém, uma confusão de informações faz com que o trio se meta com famílias excêntricas, caminhoneiros de bom coração e um casal gay. Contando com personagens bizarros, como um casal fabricante de LSD e um homem aficionado por axilas femininas, “Procurando Encrenca” promove ótimos momentos de franco riso e diversão.
Utilizando-se de cortes secos e de uma câmera que, muitas vezes, limita-se a seguir os personagens, Russel cria um clima quase documental, o que aprimora a atmosfera de humor e coloca o espectador no centro da ação.
Mamma Mia! O Filme
3.6 1,8K Assista AgoraAo lado de “Moulin Rouge” e “Chicago”, “Mamma Mia!” foi um dos grandes acontecimentos do cinema musical na primeira década do Século XXI; sua estrutura gira em torno da recapitulação nostálgica de um marco da cultura pop: o fenômeno pop-kitsch da década de 1970, o grupo musical finlandês ABBA. Transposto dos palcos da Broadway para as telonas, “Mamma Mia” segue o esquema das adaptações teatrais e, embora apresente uma história de comédia romântica banal, o filme é extremamente carismático, sobretudo ao conduzir o enredo a partir de um encadeamento lógico-narrativo entre as canções. Outros aspectos que favorecem a boa condução do longa é o elenco, que aparece completamente à vontade e surpreende na cantoria, a ambientação numa paradisíaca e fotogênica ilha grega, e a fotografia propriamente, que captura com naturalidade a aquarela natural da paisagem. Phyllida Lloyd, embora seja uma diretora de carreira irregular, concatena todos os elementos com competência.
No filme, Sophie (Amanda Seyfried) é uma personagem que atualiza uma tópica comum na literatura universal: a tentativa de constituição de sua própria identidade a partir da busca pela figura paterna. Ela está prestes a se casar com Sky (Dominic Cooper) e, à procura de quem seja seu pai, encontra um diário confessional escrito por sua mãe (Donna; Meryl Streep) durante a gestação. Após a leitura, descobre três nomes de homens que podem ser seu pai e, sem comunicar a ninguém, convida-os para o casamento. Eles são: Sam Carmichael (Pierce Brosnan), Harry Bright (Colin Firth) e Bill Anderson (Stellan Skarsgård). Atendendo ao convite, os três aportam na ilha e, confrontados por Donna e suas duas grandes amigas de juventude – Tanya (Christine Baranski) e Rosie (Julie Waters) –, causam confusões generalizadas.
Dialogando diretamente com a estética da banda homenageada, o filme assume uma atmosfera kitsch que é sustentada pela cenografia e figurinos; tudo isso ao som de canções como “Dancing Quenn”, “Chiquitita”, “I Have a Drem”, entre outras.
⭐ 4.0 / 5.0
Sicko - S.O.S. Saúde
4.2 301Michael Moore é, antes de tudo, um provocador. Valendo-se de uma ironia desconcertante, ele vai passando aos poucos a sua mensagem que tem como objetivo o dessecamento da ilusão do sonho americano. Seus documentários utilizam-se de um formato em que ele próprio busca fundamentar, com ações, a defesa de seu ponto de vista. Em “SiCKO: S.O.S. Saúde”, ele tem um alvo preciso: o sistema americano de saúde e a inexistência de um plano nacional de saúde pública. Intercalando excertos de discursos políticos aviltantes, tanto de Republicanos quanto de Democratas, depoimentos de pessoas que foram lesadas e caluniadas pelos convênios médicos abusivos, histórias tristíssimas de indivíduos que demandaram quantias absurdas para tratar suas condições de saúde etc., o documentário, além de emocionar, gera revolta, pois desvenda uma realidade inimaginável para um país que vende a imagem de berço do liberalismo e de maior democracia no plano geopolítico.
Em relação à forma, Michael Moore sabe utilizar-se dos aspectos técnicos para mobilizar as sensações do espectador, principalmente da montagem e da trilha sonora. O uso da ironia como principal recurso narrativo funciona como uma forma de desestabilizar a visão predominante que se tem sobre “American establishment” através da troça e da blague; o que não quer dizer, contudo, que o filme tenha graça: a ironia é bem mais causticante do que engraçada. A fim de fundamentar o seu retrato cruciante, mas real, da realidade americana, Michael Moore visita outros países em que existe um sistema público, gratuito e universal de saúde: Canadá, Reino Unido e França estão na mira da câmera do diretor. Porém, o que mais chama atenção é a visita do documentarista a Cuba, que apesar de todo o desentendimento ideológico com os Estados Unidos, não nega atendimento aos convidados americanos de Michael Moore, cujos tratamentos haviam sido rejeitos em sua pátria natal.
⭐ 4.3 / 5.0
Encarnação do Demônio
3.3 168Todos vimos Zé do Caixão se afogando no final de “Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver”, logo após ter negado sua descrença absoluta, redimindo sua culpa com Deus e com a censura nacional. Porém, através de flashbacks que reconstituem o momento imediatamente após as circunstâncias em que terminava o filme de 1967, José Mojica Marins nos revela a maneira como seu anti-herói sobrevivera à cruzada cristã e fora encaminhado à prisão, onde permaneceu detido por 40 anos. Esta é a premissa de “Encarnação do Demônio”, o filme que encerra a trilogia do Zé do Caixão e o que contou com maiores recursos financeiros em toda sua carreira. Filmado em cores, a contrapelo dos episódios anteriores, “Encarnação do Demônio” causa um hipnótico choque visual, além de provocar uma impactante sensação de asco devido ao apelo grotesco das torturas impingidas pelo obstinado Zé do Caixão.
O cenário do filme é a São Paulo contemporânea. Depois de ter passado 40 anos detido, Zé do Caixão é posto em liberdade, apesar da contrariedade de alguns policiais, que enxergam nele um perigo para a sociedade. De volta às ruas, no entanto, ele insiste em cumprir sua missão: gerar o filho perfeito e garantir a imortalidade através da continuidade sanguínea. Com a ajuda de Bruno (Rui Rezende), seu fiel ajudante, ele erige em todo de si uma seita, com o objetivo de recrutar a mulher perfeita que poderá gerar seu rebento. Enquanto isso, enfrenta perseguições: de um coronel que busca vingança (Jece Valadão, impressionante); e de um religioso (Milhem Cortaz) que anseia enfrentar o demônio cara-a-cara. No entremeio, há cenas impressionantes e sanguinolentas de torturas, canibalismo, sadismo etc. Após uma visita ao purgatório, em delírio guiado por um Mistificador (interpretado por ninguém menos que Zé Celso Martinez Corrêa), Zé do Caixão finalmente encontrará seu destino.
⭐ 3.9 / 5.0
Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver
3.9 111 Assista AgoraA segunda parte da trilogia de Zé do Caixão principia exatamente no momento em que termina “À Meia-Noite Levarei sua Alma”. Embora todos pensássemos que o coveiro estivesse morto, Josefel sobrevivera à alucinação sobre a ‘procissão dos mortos’ que o arrastava para o inferno ao soar das doze badaladas. De volta à cidadezinha supersticiosa em que vive, Zé do Caixão retorna ainda mais sádico e maquiavélico, e contando com a ajuda de seu fiel ajudante, o corcunda Bruno (Nivaldo Lima). A obsessão pela continuidade consanguínea e a ideia fixa sobre a gestação do filho perfeito o leva a sequestrar seis jovens e belas mulheres. Submetendo-as a torturas perversas – algumas das quais envolvendo aranhas e cobras –, Zé intenciona testá-las, esperando que uma delas se mostre superior e, consequentemente, digna de gestar um filho seu. Porém, em sua saga, ele comete um erro terrível e imperdoável: assassina uma mulher grávida; e passa a ser atormentado pela culpa de ter interrompido a vida de uma criança, um ser inocente. Em alucinação, a mulher assassinada lhe sentencia: “esta noite, encarnarei no teu cadáver”.
Com um orçamento um pouco maior em relação ao primeiro volume da trilogia e um roteiro melhor elaborado, “Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver” deixava as sutilezas de lado para apostar na crueldade obscena do protagonista. Além da violência excessiva, o filme trazia um apelo erótico (perverso, entretanto) que caiu no gosto popular. Mojica consolidava-se, gradativamente, através do reconhecimento de crítica e público; embora não se afastasse os rótulos de polêmico e subversivo. Num dos melhores momentos do filme, Zé do Caixão, em delírio, é arrastado aos infernos. A impressionante e assustadora sequência foi filmada em cores, ressaltando o caráter impressionista do longa. O filme, contudo, sofreu inúmeros cortes da censura: inclusive em seu final – anticlimático justamente por causa da cesura –, quando o personagem fora obrigado a admitir sua crença em Deus.
⭐ 4.3 / 5.0
À Meia-Noite Levarei Sua Alma
3.9 286 Assista AgoraJosé Mojica Marins sempre teve a criatividade em seu favor, embora não fosse financeiramente correspondido. Mesmo contando com recursos ínfimos na maior parte de sua carreira, nunca deixou de produzir, tomando a criatividade e a vontade como seu maior recurso capital. Sem recorrer a efeitos espetaculares e trabalhado com conhecidos e amigos num sistema de quase devoção ao cinema, Mojica consolidou um dos personagens mais icônicos da cinematografia nacional: Josefel Zanatas, ou mais popularmente, Zé do Caixão. Além disso, criou uma das mais importantes e significativas trilogias autorais do cinema de horror mundial. Com objetos de cena improvisados e gravado num pequeno estúdio da Boca do Lixo na capital paulistana, Mojica rodou, em 1964, o primeiro volume dessa trilogia, inaugurando o cinema fantástico e de horror no Brasil: “À Meia-noite Levarei sua Alma”.
O filme já se inicia de uma maneira surpreendente: uma bruxa (Eucaris Moraes) segurando uma caveira e pronunciando maus agouros quebra a quarta parede e se comunica diretamente com a plateia, alertando-nos para o risco de se assistir à fita. Na sequência, somos apresentados à história, centrada no agente funerário Zé do Caixão (José Mojica Marins) e em suas diabruras aterrorizantes numa pequena cidade extremamente supersticiosa do interior de São Paulo. Vestindo roupas pretas, cartola, capa e unhas enormes (num visual que remete diretamente ao “Drácula” de Bela Lugosi), o personagem provoca medo nos moradores da cidade. Completamente descrente, Zé do Caixão debocha de dogmas cristãos – ele come carne enquanto assiste à procissão de Sexta-feira da Paixão, por exemplo – e não crê na eternidade da alma: a única forma de perpetuar-se, para ele, é através da linhagem sanguínea. À procura de plantar sua semente e deixar seu legado, ele fica obcecado na busca da mulher à altura de gerar seu filho perfeito. Para tanto, não hesita em eliminar quem estiver em seu caminho – inclusive a esposa Lenita (Valéria Vasquez), depois de descobrir sua esterilidade.
Através de sua fantasia de horror, José Mojica Marins questiona e critica o dogmatismo por meio da mediocrização. O humor e a sátira, ambos macabros, são os recursos narrativos muito bem empregados pelo autor.
⭐ 4.1 / 5.0
Antes Só do que Mal Casado
2.8 712Em relação à comédia americana de “mau-gosto”, os irmãos Peter e Bobby Farelli são nomes notáveis. Isso não significa que seus filmes são inteiramente ruins (alguns, francamente, o são): “Quem Vai Ficar com Mary?” (1998), por exemplo, é um bom filme; “O Amor É Cego” (2001), por outro lado, constitui-se numa sorte de preconceitos de todos os tipos e de piadas ruins. Em “Antes Só do que Mal Casado”, por sua vez, o maior problema não resulta principalmente no apelo cômico, que tem graça em muitos momentos. A inconsistência do filme reside no fato de ele transitar entre gêneros e não se definir enquanto tal. Ao mesmo tempo em que esboça as bases da comédia romântica mais vulgar, descamba para o pastelão e para a comédia de “mau-gosto”, confluindo para uma barafunda inverossímil e repleta de altos e baixos. Além disso, o filme não acrescenta nada de novo à fórmula já gasta do cinema de seus autores.
Na trama, Eddie Cantrow (Ben Stiller) é um solteirão convicto, mas em crise. Todos os seus amigos se casaram, menos ele; além disso, é pressionado constantemente por seu pai (Jerry Stiller, que é o pai de Ben na vida real) e seu melhor amigo (Rob Corddry), para que se case e que tenha ideais na vida. Então, casualmente, ele conhece Lila (Malin Åkerman) e acredita ter encontrado o amor de sua vida. Depois que a garota lhe conta que está planejando mudar-se para a Holanda, Eddie se antecipa e a pede em casamento. Durante a lua de mel, em Los Cabos, ele descobre que Lila não era exatamente o que pensava e o casamento não se mostra tão glamouroso. No resort mexicano, contudo, Eddie conhece Miranda (Michelle Monaghan), uma americana de família conservadora por quem se apaixona, dessa vez para valer. Porém, estando casado, a viagem transforma-se numa grande confusão.
O componente cômico do filme até chega a se destacar, mais nas situações do que nos diálogos em si. Porém, a trama é previsível e repleta de clichês do gênero. Porém, para quem busca tão somente por um passatempo despreocupado, não é das piores opções.
⭐ 2.7 / 5.0
Valentin
4.4 297Buenos Aires, segunda metade da década de 1960: além da cenografia e dos figurinos, as referências pontuais à morte de Che Guevara (por um padre, provavelmente jesuíta e afinado com a Teologia da Libertação) e ao surgimento do gravador em K7 localizam o filme espaço-temporalmente. “Valentín”, de Alejandro Agresti, é constituído por ingredientes infalíveis: um garoto altamente carismático e perceptivo – e que, no entanto, não deixa de habitar um universo fantasioso de infância –, mas com uma carência familiar básica; uma “abuela” um tanto quanto caricata defendida com competência pela musa almodovariana Carmen Maura; um roteiro relativamente simples e linear, conduzido em primeira pessoa pelo personagem-título; uma combinação entre humor gracioso e sentimentalismo sem, contudo, descambar para a pieguice.
O papel de Valentín veste como uma luva no ator Rodrigo Noya; a presença do garoto na tela é encantadora e casa-se muito bem com a narrativa. Aos 8 anos de idade, Valentín é filho de pais separados – de uma mãe que não o vê nunca e de um pai ausente que o visita raramente; ele vive com a avô paterna (Carmen Maura) que perdeu o marido recentemente e vestiu-se de um luto angustiado e permanente. O sonho de Valentín é tornar-se astronauta (no final dos anos 1960, a Corrida Espacial acalentava os desejos de crianças de todo o mundo) e, para isso, ele gasta seu tempo construindo “foguetes” e improvisando “roupas espaciais”. O cotidiano da casa em que vivem Valentín e a avó é bastante solitário. O garoto tem dois amigos: um é do colégio em que estuda, o outro é um vizinho pianista, Rufo (Mex Urtizbeara), que embora seja mais velho, não se importa muito com a idade e conversa de igual para igual com o menino.
De caráter autobiográfico, a história do filme encontra similaridade com a infância de Alejandro Agresti. Filho de pai católico e mãe judia, Agresti viu o casamento de seus pais chegar ao fim em meio às mudanças e turbulências da década de 1960.
⭐ 4.1 / 5.0
O Lenhador
3.6 291Denso e controverso, “O Lenhador” é um filme sério que discute, a partir de um ponto de vista franco, humano e afinado com a psicoterapia, as consequências da reinserção de um molestador de menores em âmbito social. Kevin Bacon, num trabalho de atuação excepcional, porém minimalista, interpreta Walter, que está sendo posto em liberdade condicional após cumprir 12 anos em regime fechado. Durante o processo de readaptação social, Walter deve lidar com preconceitos no ambiente de trabalho, com um novo relacionamento amoroso com uma colega de trabalho, com um supervisor de condicional violento e provocativo, e com a frequente tentação de reincidir em atos de pedofilia.
O título do filme, “O Lenhador”, além de remeter à profissão de carpinteiro do protagonista, estabelece um diálogo alegórico com a história de “Chapeuzinho Vermelho”. Numa determinada visita, o Sargento Lucas (Mos Def), supervisor da condicional de Walter, alude ao conto da “Chapeuzinho” ressaltando que, não fosse pelo lenhador, a garota não teria sobrevivido ao ataque do lobo. “O mundo não tem mais lenhadores”, determina Lucas, sugerindo que Walter deveria ter sido condenado à pena capital. Ironicamente, na madeireira em que Walter se emprega, ele responde pelo trabalho com a serra elétrica. A tentativa de afirmar-se segundo o papel do lenhador coincide com a tentativa de redenção sem, no entanto, eximir-se da culpa. Nesse sentido, culpa e redenção parecem ser os motes a partir dos quais a narrativa se desenvolve.
Porém, a sociedade fecha-se ao esforço de reabilitação de Walter; e ainda que ele busque compreender sua perversão recorrendo a um terapeuta, o desejo de reincidência o assombra frequentemente, sobretudo à medida que a sociedade o trata com desprezo. É necessário ressaltar que o filme em momento algum relativiza o crime de Walter, apenas trata-o com a mínima compaixão que qualquer pessoa em busca de tratamento merece.
⭐ 3.9 / 5.0
Caindo Numa Roubada
2.4 8“El favor” é uma comédia argentina de 2004 muito pouco lembrada ou reconhecida. Escrito a partir de um senso de humor cáustico e desconcertante, o filme não tem muitas pretensões a não ser a de divertir o espectador. A trama gira em torno de Roberta (Victora Onetto) e Mora (Bernarda Pagés), um casal de lésbicas que deseja ter um filho pelo método tradicional. Para isso, decidem oferecer um jantar afrodisíaco – com direito a ostras e Viagra dissolvido na bebida – a Felipe (Javier Lombardo), o irmão de Mora que vive no interior e trabalha como inseminador de aves. O plano consiste em convencê-lo a se deitar com Roberta, para que ela possa engravidar-se dele. Porém, durante a visita à irmã, Felipe aguarda ainda a chegada de um futuro sócio seu e de sua noiva, com quem, apesar de estarem juntos por mais de dez anos, só se deitou uma vez. Obviamente, os múltiplos encontros num mesmo ambiente resultarão em confusão certeira.
O filme tem pouco mais de setenta minutos e transcorre todo num único cenário. As situações se parecem com esquetes de programas televisivos de humor, mas são realmente engraçadas. Embora a direção de arte tenha pretendido seguir um padrão realista e fugir de elementos que remetem a um cenário artificial, e a direção de atores tenha optado pelo não exagero, a presença do referencial televisivo permanece. “El favor” não tem pretensão alguma de ser mais que mero entretenimento. O longa-metragem de estreia de Pablo Sofovich tem consciência de seu objetivo e não almeja ser mais do que é. Porém, é notável o exercício de tratar com naturalidade a maternidade homossexual, ainda que o saldo geral encaminhe a trama a uma reconfortante atmosfera conservadora. Mesmo assim, trata-se de uma comédia protagonizada por um casal de mulheres que não poupa esforços para realizar o sonho de tornarem-se duas mães.
⭐ 2.9 / 5.0
A Caixa
2.5 2,0KEm 2001, Richard Kelly havia confundido a mente de espectadores de todo o mundo com o excelente “Donnie Darko”; seguindo a mesma cartilha de temáticas misteriosas que exploram universos e realidades paralelas, “A Caixa”, de 2009, poderia ter sido um filme bem melhor. No entanto, a não-sincronia do elenco, a apatia do roteiro e a suavização de um potencial crítico diminuíram a vocação do longa. Dirigido por Kelly, “A Caixa” é baseado no conto “Button, Button”, de Richard Matherson e busca situar o espectador diante de um dilema moral que acomete uma família tradicional de classe média. Mal-adaptada, entretanto, a narrativa se concentra bem menos na questão moral que envolve a proposta absurda de Arlington Steward (Frank Langella) e nos conflitos pessoas de Arthur (James Marsden) e Noma Lewis (Cameron Diaz) para ceder espaço a uma trama insuficientemente explicada de extraterrestres.
O mistério tem início quando um embrulho enigmático é depositado diante da porta dos Lewis. Dentro dele, uma caixa aparentemente simples de madeira e com um botão no lado superior; acompanhando-a, um envelope que anuncia a visita do Sr. Steward, até então, desconhecido por todos da casa. À hora prenunciada, Arlington Steward bate à porta com uma proposta desconcertante: caso o botão da caixa seja apertado, o casal receberá 1 milhão de dólares, porém, em contrapartida, uma pessoa desconhecida morrerá. Eles têm apenas 24 horas para decidirem-se a apertar ou não o botão. O dilema moral passa, então, a comandar as relações familiares, ainda mais porque eles enfrentam dificuldades financeiras.
Valendo-se de uma fotografia nauseabunda que remete aos anos 1960, em pleno contexto da corrida espacial, “A Caixa”, embora desencaminhe por um roteiro que perde força da metade para o final, é um filme instigante. E Richard Kelly, ainda que tenha perdido a mão na adaptação do roteiro, é um bom diretor e conduz as imagens com regularidade.
⭐ 3.1 / 5.0
O Diabo a Quatro
3.8 88 Assista AgoraLançado em 1933, “O Diabo a Quatro” representa, de alguma forma, a coroação cinematográfica de um dos grupos mais influentes da comédia estadunidense: os Irmãos Max – Groucho, Harpo, Chico e Zeppo. Naturais do Bronx, em Nova York, o grupo afiou seu talento no teatro vaudeville e, posteriormente, conquistou a Broadway, antes de ganhar as telas de cinema. De viés paródico, o filme é um pastiche divertidíssimo dos musicais simetricamente coreografados que dominavam a produção hollywoodiana do período. Além disso, ao tematizar sobre a autocracia em um fictício pequeno país ironicamente chamado de “Freedonia”, os Irmãos acenam criticamente para as nações-terror que cresciam em poder na Europa: tanto é que Benito Mussolini proibiu a exibição de “O Diabo a Quatro” na Itália.
O filme tem apenas 70 minutos; tempo suficiente para exibir gags e esquetes hilários, além de trocadilhos e situações esdrúxulas que provocam risada. Groucho Marx – com seu característico bigode extravagante e charutos cubanos – interpreta Rufus T. Firefly, ditador de Freedonia. Sua autocracia é financiada por uma viúva milionária, Mrs. Teasdale, que nutre sentimentos afetivos por ele e, por conta disso, aceita servilmente suas humilhações. Porém, Trentino (Louis Calhern), embaixador de Sylvania, o país vizinho, tem planos de conquistar Freedonia e coloca dois agentes secretos – Chicolini (Chico Marx) e Pinky (Harpo Marx) – (mais atrapalhados que secretos) na cola de Rufus. Os desdobramentos, inequivocamente, levam à guerra entre os dois países.
Embora modesta, a trama é forte o bastante para sustentar algumas das melhores sequências de comédia do cinema (é impossível não se encantar e gargalhar com a célebre sequência do espelho, ou quando Chico e Harpo brigam com um vendedor ambulante etc., por exemplo). Além é claro, da ofensiva aos poderes concentrados, que encaminha o filme a uma deliciosa sátira surrealista.
⭐ 4.0 / 5.0
Mr. Holland: Adorável Professor
4.0 109Cobrindo um intervalo de mais de 30 anos, “Mr. Holland” é um filme sensível e tocante e que abarca variadas questões a partir da relação entre professor e alunos. O filme retrata a trajetória de um músico profissional – Glenn Holland (Richard Dreyfuss) – que, por uma necessidade financeira, assume a responsabilidade pelas aulas de música numa escola pública americana, relegando a sua vocação de compositor para o segundo plano. Embora sinta-se inseguro e descontente num primeiro momento, a docência vai aos poucos se tornando a principal ocupação do Sr. Holland, principalmente depois que sua esposa – Iris (Glennne Headly) – lhe noticia sua gravidez e a motivação financeira passa a dar o tom da situação do casal. Embora enfrente os desafios inerentes à docência e à sua vida pessoal, o Sr. Holland procura adaptar-se à passagem do tempo a fim de inculcar a apreciação musical em seus alunos. Dentre os desafios enfrentados: o desinteresse dos alunos e, sobretudo, a resistência da direção conservadora do colégio frente à incorporação de conteúdos atualizados.
A música parece figurar como o elemento centralizador na vida de Glenn Holland; por isso mesmo, quando descobre a surdez no filho – a incapacidade fisiológica de escutar música –, a relação entre ambos para a ser constituída por um impasse. Porém, à medida que a criança cresce, vai dando mostras de que a música não prescinde exclusivamente da audição para ser fruída. O filme, de certa forma, demonstra a luta de um professor para incluir seus alunos na sociedade e na escola e, além disso, retrata as transformações de uma família ao adaptar-se às necessidades da deficiência auditiva do filho.
Embora segura, a direção de Stephen Herek opta pela regularidade, sem lançar mão de inovações narrativas ou cinematográficas. Apenas chama a atenção a recorrência a cenas documentais que o autor utiliza para comunicar a passagem do tempo. A atuação de Richard Dreyfuss é o melhor aspecto da obra – o ator inclusive foi indicado ao Oscar pelo papel. A trilha sonora – aspecto central – também se destaca. Nesse sentido, a apresentação em libras de uma canção de John Lennon é emocionante e memorável.
⭐ 3.8 / 5.0
4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias
4.0 263Composto quase exclusivamente por planos-sequência longuíssimos, o trabalho do romeno Cristian Mungiu se destaca ao esmiuçar os mínimos detalhes das ações de seus personagens. O filme atinge, por assim dizer, um realismo chocante e, ao mesmo tempo, fascinante. Sem deixar de dizer o que se propõe, o trabalho de Mungiu assemelha-se ao de Michael Haneke, apresentando-se secamente, sem recorrer a efeitos visuais, retoques ou outros maneirismos. O realismo do filme, entretanto, espraia-se – num nível mais profundo de significação – numa alegoria relacionada aos anos de decadência do regime comunista na Romênia.
A temática do filme gira em torno do aborto e a história central desenvolve-se a partir da relação entre duas amigas que dividem um mesmo quarto num alojamento estudantil. Uma delas, grávida (Gabita), pede ajuda à companheira de quarto (Otilia) para realizar o procedimento de interrupção de gravidez. A partir daí, Otilia (Anamaria Marinca) se vê às voltas com todos os detalhes do impasse: pede dinheiro emprestado ao namorado (o namorado de Gabita sequer aparece), arranja vaga num hotel de baixa categoria, entra em contato com um aborteiro clandestino e, inclusive, responsabiliza-se por se livrar do feto. O tempo cronológico da narrativa é o dos últimos anos da ditadura de Ceaucescu, quando o aborto era proibido e criminalizado na Romênia. A atmosfera árida do filme, coadunando-se a uma fotografia dessaturada e triste compõe um retrato ainda mais decrépito do país sob uma autocracia que já durava décadas.
Para além desta interpretação que associa a narrativa diretamente à crise do regime comunista na Romênia, o filme também pode ser visto como um comentário ao patriarcado e ao sistema de subordinação que ele engendra às mulheres. A experiência pessoal do aborto, vivida pelas duas mulheres, denuncia uma sociedade extremamente moralista e desigual em termos de gênero. Além de explicitar a maneira como o patriarcado dispõe de um direito de propriedade sobre o corpo das mulheres: seja através do Estado – pela prisão; seja através dos homens – pela violência sexual.
⭐ 4.0 / 5.0
De Repente, No Último Verão
4.2 96 Assista AgoraO que primeiro nos chama a atenção em “De Repente, no Último Verão” é o peso inequívoco do elenco: a tríade Katharine Hepburn, Elizabeth Taylor e Montgomery Clift conduz o drama denso (e à frente de seu tempo) apenas com a força da palavra encarnada em suas atuações. Escrito por Tennessee Williams e Gore Vidal, nomes impreterivelmente associados à dramaturgia e à literatura, a ação, no filme, prescinde da palavra, ou seja, a força vital da história deslinda-se a partir dos diálogos. Isso não quer dizer, contudo, que os outros elementos estejam preteridos: muito pelo contrário; dentre eles, destaca-se, por exemplo, a cenografia e a direção de arte que, através de símbolos e alegorias nos comunica a natureza extravagante de um personagem onipresente em toda a história, mas materialmente ausente. Desta forma, a produção almeja adentrar, de forma cifrada, em temáticas-tabu (sobretudo à época), como a homossexualidade, a homofobia, a loucura e o tratamento da loucura.
A história de Tennessee Williams é sobre traumas e taras, ganância e dominação da burguesia. Aliás, a temática da relação de dominação-servidão entre poderosos e necessitados perpassa toda a narrativa – e, de certa forma, chega até nossos dias com uma atualidade desconcertante. O tema aparece desde o conflito entre o diretor do hospital psiquiátrico que, por promessa de dinheiro, se submete às vontades da rica senhora Violet Venable (Hepburn) até o clímax chocante que revela o embate entre o poeta Sebastian Venable (cujo rosto não é mostrado em momento algum) e os despossuídos de um balneário espanhol. Porém, esta relação de dominação-submissão torna-se ainda mais evidente no tratamento que a Sra. Venable dispensa a seus parentes pobres, os Holly, de que faz parte Catherine Hlly (Taylor), a sobrinha que Violet quer submeter a uma lobotomia.
No ápice dramático, próximo do final do filme, numa cena que captura à exaustão a impecabilidade dos trabalhos de Hepburn, Taylor e Clift, a farsa é desvelada, numa expressão chocante para o espectador e, noutra vertente, brilhante em sua ousadia ao questionar os termos do Código Hayes.
⭐ 4.3 / 5.0
O Amor nos Tempos do Cólera
3.5 288“Escrito com as entranhas”, como o próprio Gabriel García Márquez declarou, “O Amor nos Tempos do Cólera” é um exemplar impecável do realismo fantástico do autor e um clássico da literatura latino-americana. O sentimento indelével de Florentino Ariza – filho de um homem que afirmou em leito de morte lamentar-se somente por não ter morrido de amor – que sobreviveu incólume por mais de cinquenta anos e uma epidemia de cólera, é a matéria a partir da qual a pena de García Márquez brilhantemente disserta. Não apenas em sua trama principal, mas em todo o conjunto a narrativa do romance é rica em detalhes e histórias paralelas, o que, por si só, já dificultaria qualquer tentativa de transposição à narrativa cinematográfica. O próprio autor relutou por muito tempo em consentir a adaptação. O filme, contudo, foi realizado e, embora emocione e apresente momentos de grandeza, o resultado final não consegue transmitir a riqueza do universo arquitetado por García Márquez.
A bela fotografia realçando ora a arquitetura colonial de Cartagena das Índias, ora a natureza selvagem da Amazônia colombiana é um aspecto positivo que se associa muito bem com a trilha sonora original, assinada por Antônio Pinto (melodia) e Shakira (letra). Outro aspecto positivo do filme reside na escolha do elenco: Javier Bardem aparece muito à vontade no papel do protagonista, a italiana Giovanna Mezzogiorno tampouco decepciona como Fermina Daza – embora, em seu caso, o trabalho de maquiagem não tenha dado conta de envelhecê-la tanto quanto é solicitado pela história; Benjamin Bratt, por sua vez, empresta um ar de sedução irresistível ao Dr. Juvenal Urbino. Além desses nomes, destaca-se ainda a participação mais-que-especial de Fernanda Montenegro, como Tránsito Ariza, a mãe do protagonista. Com relação à matéria textual, o enredo acaba por minimizar a primazia do texto de García Márquez; embora a essência do romance possa ser vista na tela, ela é captada sem a profundidade significativa que requer o material original.
⭐ 3.7 / 5.0
A Vila
3.3 1,6KO impacto do plot twist ao final de “O Sexto Sentido” (1999) criou um estigma em torno da obra de M. Night Shyamalan, da qual passou-se a esperar reviravoltas surpreendentes como marca autoral do realizador. Ainda que nem todos os seus filmes confirmem esta leitura enviesada por parte da audiência, o cinema de Shyamalan apresenta certa rigidez formal, além de recorrências temáticas que o transformam numa espécie de cinema de autor. Seus filmes, em sua maioria, apoiam-se em elementos fantásticos utilizados em prol da sustentação de uma atmosfera de veracidade que manipula o espectador através da trama. Em “A Vila”, por exemplo, o elemento fantástico conduz a impressão da audiência ao bel prazer de seu realizador.
Ambientada no Século XIX, num vilarejo isolado e distanciado de qualquer estrutura social urbana, a trama se desenvolve a partir das afirmações de um acordo tácito firmado entre os moradores da vila e Aqueles-que-não-devem-ser-nomeados, criaturas fantásticas que habitam a floresta do entorno. O vilarejo encontra-se imobilizado no tempo pelo isolamento, sem contato com novas tecnologias ou formas de socialização concernentes à urbanidade. O poder moderador daquela sociedade é exercido por um conjunto de anciãos – os fundadores da vila – que decidem sobre assuntos coletivos e particulares. Qualquer deliberação deve ser decida em assembleia, embora a decisão seja restrita ao conselho dos anciãos. Este microcosmo abafado e claustrófobo, contudo, é ameaçado quando as fantásticas criaturas da floresta decidem desrespeitar o acordo, e parte da população, por sua vez, contesta o tabu primordial que estrutura aquela sociedade.
Qualquer revelação excedente com relação à trama poderia restringir a fruição completa deste filme que, no conjunto da obra de Shyamalan, enquadra-se entre aqueles determinados pelos plot twists. Ao final, o resultado é compensador, além de contar com excelentes atuações de nomes como Bryce Dallas Howard, Joaquin Phoenix, Adrien Brody, William Hurt e Sigourney Weaver.
⭐ 3.9 / 5.0
Estamira
4.3 375 Assista AgoraO paulistano Marcos Prado já havia produzido, em 2002, “Ônibus 174”, um documentário estupendo sobre um sequestro de um ônibus ocorrido no Rio de Janeiro e a vida de seu efetuador, um garoto sobrevivente da Chacina da Candelária. Em 2004, entretanto, Prado estreou na direção com outro belíssimo exemplar do gênero, “Estamira”, que concentra sua narrativa no cotidiano de uma idosa catadora de lixo e esquizofrênica, cuja equipe do cineasta acompanhou ao longo de dois anos, expondo com intensidade, realismo e humanidade toda a dimensão de sua miséria e de seu distúrbio psiquiátrico. Ao abarcar a individualidade de Estamira, o filme acaba por traçar um painel contundente sobre a desigualdade social (e racial, e psiquiátrica, e de gênero etc.) de um país onde algumas pessoas retiram do lixo a fonte de sua subsistência.
A outra dimensão do documentário diz respeito à mente de Estamira, perturbada por alucinações e paranoias: ainda que esteja confinada em sua loucura, seu discurso apresenta, em muitas ocasiões, contingências filosóficas e poéticas, além de uma tremenda lucidez acerca de sua condição social. Com relação a esse aspecto, a realização de Marcos Prado adota uma estrutura visual inteligente e comovente, que acrescenta significados ao filme: na maior parte da obra, o universo real de Estamira – seu cotidiano: o trabalho no lixão, principalmente – é captado por uma fotografia opressiva, granulada e em preto-e-branco. Em contrapartida, quando assume a voz do discurso para falar de suas visões, ou seja, o universo onírico de sua loucura, Estamira aparece em cores, como se ganhasse vida. Isso não quer dizer, contudo, que o filme romantize a condição psíquica da protagonista: as imagens, peremptoriamente reais, depõem contra esta leitura; o sofrimento existencial de Estamira é captado pela câmera do cineasta que não se exime em registrar os tremores nos pés e mãos, as dores físicas e o sentimento de perseguição que a acometem. O que Marcos Prado alcança em seu filme é a dimensão mais humana de Estamira; assistimos, por assim dizer, à dignificação de uma mulher espoliada e explorada em todas as dimensões de sua identidade.
⭐ 4.4 / 5.0
Candy
4.0 601Embora o consumo de drogas pelo casal de protagonistas permeie toda a narrativa, “Candy” é um filme sobre relacionamento, no qual o retrato impiedoso sobre as consequências do vício funciona como pano de fundo ao desenvolvimento atribulado de uma vida conjugal. Desde o começo da projeção, o narrador-personagem Dan (Heath Ledger) nos confessa que apenas duas coisas lhe interessam: o consumo de drogas e o amor de Candy (Abbie Cornish), ambos viciantes e que, pouco a pouco, vão se transformando, para ele, numa única coisa. Dividido em três partes – Paraíso, Terra e Inferno –, o filme acompanha os altos e baixos desse relacionamento, ressaltando a maneira como a droga impera enquanto dualidade na vida conjugal de Dan e Candy. Essa divisão em partes agrega sentidos às fases da dependência química e do romance do casal, que coincidem; além de estruturar a narrativa como a um movimento descendente, de descida aos infernos.
Baseado num livro de Luke Davis, o diretor australiano Neil Armfield acerta em conduzir a narrativa de “Candy” através de um formato destituído de excessos (bastante diferente da tendência comum à maioria dos denominados “drug movies”). O elenco é reduzido, embora não abra mão de uma trinca de peso tanto em talento quanto em renome: Heath Ledger, Abbie Cronish e Goeffrey Rush; A trilha sonora é contida, mas funciona muito bem nas cenas de alta carga dramática; a fotografia constitui-se em tons pastéis, consolidando uma atmosfera enevoada e matinal. Mesmo com relação à trama, o roteiro opta por economizar nas informações sobre as personagens: passamos a conhecê-las à medida que a narrativa se encaminha. O filme vai, aos poucos, conduzindo a audiência para o interior do relacionamento afetivo de Candy e Dan, através de cenas quase sinestésicas que realçam as delícias e dores do consumo de drogas cindido a um sentimento intrinsecamente dialético como é o amor.
⭐ 4.0 / 5.0
007 Contra Goldfinger
3.8 255 Assista Agora“Contra Goldfinger” foi apenas a terceira aventura do superagente James Bond. O filme, de alguma forma, marca o momento em que foram definidos os elementos que tornaram 007 numa espécie de gênero per se. Os melhores ingredientes da franquia aparecem sacudidos aqui: a apresentação de uma canção-tema marcante como acompanhamento à abertura estilizada (no caso, a música de John Barry interpretada pela voz tonitruante de Shirley Bassey); a onipresença do Aston Martin com escudos à prova de balas projetados pelo inventivo Q (Desmond Llewelyn); além, é claro, do charme sedutor, sarcástico e irresistível de Bond, James Bond, na pessoa de seu interprete mais memorável, Sean Connery. O mérito pela consolidação do formato deveu-se, em grande parte, a Guy Hamilton, diretor dos três primeiros filmes e que posteriormente viria a dirigir mais três: é ele o responsável pelos elementos visuais e pelas icônicas cenas de ação que identificam qualquer filme do famoso espião. Além disso, os roteirista Richard Maibaum e Paul Dehn solidificaram a figura do herói invencível e sedutor em torno da personagem de Ian Fleming, da recorrência às femmes fatales, e da presença dos vilões caricatos e megalômanos.
No filme, o vilão principal é o milionário Auric Goldfinger (Gert Fröbe), cujas reservas de ouro, espalhadas por diversos países, escondem ações criminosas. James Bond é designado – por M (Bernard Lee) – a permanecer em sua cola no intuito de tomar conhecimento de seus planos. Durante a perseguição, contudo, Bond acaba sendo capturado e voa da Europa para os EUA num avião particular pilado por uma bond girl – que começa sendo vilã, mas tem o seu caráter transformado pelo charme irresistível do herói – sugestivamente chamada de Pussy Galore (Honor Blackman). A inventividade do plano de Goldfinger chama a atenção por não se tratar propriamente de um roubo: o vilão anseia explodir uma bomba atômica no subsolo da maior reserva de ouro dos EUA a fim de hipervalorizar o próprio patrimônio. Caberá ao superargente impedi-lo.
⭐ 3.8 / 5.0
O Cavaleiro do Telhado e a Dama das Sombras
3.6 29No âmbito da Revolução Italiana e da epidemia do cólera na França, a trama de “O Cavaleiro do Telhado e a Dama das Sombras” – baseada num romance de Jean Giono – transita livremente entre a aventura, o drama e o romance; além das pequenas incursões cômicas e das referências históricas. Protagonizado por Olivier Martinez e Juliette Binoche, o filme funciona como uma espécie de road movie do século XIX. Além disso, poder-se-ia estabelecer diálogos profícuos entre a produção e outras obras: o pano de fundo do cólera, por exemplo, impossibilitando o romance ao casal de protagonistas, alude ao “Amor nos Tempos do Cólera”, de Gabriel García Márquez. Com relação ao aspecto visual, a ambientação geográfica nos campos franceses possibilita uma bela fotografia que evoca telas pós-impressionistas como as de Gauguin ou Van Gogh.
No filme, um jovem coronel italiano, o revolucionário Angelo Pardi (Olivier Martinez) é traído por um de seus companheiros e passa a ser perseguido por mercenários austríacos. Ele consegue autoexilar-se no interior da França, onde se depara com a epidemia do cólera, que tem dizimado populações e devastado vilarejos inteiros. Perseguido pelos austríacos e tentando escapar à doença, Pardi segue seu caminho montado num cavalo através dos campos franceses. Numa noite de chuva torrencial, contudo, ele procura abrigo numa casa aparentemente abandonada. Lá, entretanto, Pardi conhece Pauline de Théus (Juliette Binoche), uma marquesa que o acolhe e lhe oferece comida. Na manhã seguinte, porém, o jovem coronel não a encontra mais na casa. A marquesa havia partido à procura de seu marido. Posteriormente, os dois se reencontram e o cavaleiro decide auxiliá-la em sua jornada pessoal.
⭐ 3.8 / 5.0
Doutor Jivago
4.2 311 Assista AgoraEmbora a conceituação dos revolucionários soviéticos seja extremamente caricatural e depreciativa, “Doutor Jivago” é um drama épico quase impecável; talvez o maior épico já levado às telas de cinema. David Lean concerniu sua leitura pessoal ao romance de Boris Pasternak ao constituir a trajetória do médico poeta Yuri Jivago – censurado pelos revolucionários devido ao conteúdo ultra-personalista de sua poesia, numa época em que só eram válidos os versos que elogiassem a classe trabalhadora –, dividido entre dois amores num cenário que tem como pano de fundo o clima de instabilidade política e social que se abateu sobre a Rússia no início do Século XX – da Primeira Guerra Mundial à Guerra Civil propalada pela Revolução
Narrada em flashback, sob a perspectiva dos anos 1930, através de uma reconstituição memorialista do irmão de Yuri Jivago, o General Yevgraf Jivago (Alec Guinness), a trama remonta a história de Yuri (Omar Sharif), um médico bem-nascido e dedicado à poesia. Após casar-se com Tonya (Geraldine Chaplin), Yuri parte para servir como médico no front da Primeira Grande Guerra. Conhece então Lara (Julie Christie), o grande amor de sua vida e que também é casada com um violento revolucionário bolchevista. Depois da Revolução, a família de Jivago é desalojada e ele é forçado a trabalhar como oficial médico para os bolcheviques durante a guerra civil. Jivago, contudo, acaba desertando e descobre que sua família se refugiou em Paris a fim de evitar a prisão. Ele, porém, reencontra-se com Lara e os dois passam a viver juntos num período que lhe rende a melhor porção de sua poesia. Mas, as circunstâncias acabam por separá-los novamente.
Para além da emocionante história de amor, “Doutor Jivago” constitui-se como uma bela coletânea de sequências magníficas, atestando a vocação impecável de David Lean para as tomadas abertas e para a manutenção de uma atmosfera épica. A fotografia de Freddie Young consegue evocar a vastidão e a beleza rústica da paisagem russa, além de ressaltar símbolos e alegorias evocados por Lean. Por fim, a trilha sonora de Maurice Jarre, imortalizada sobretudo pelo Tema de Lara, complementa admiravelmente a história.
⭐ 4.7 / 5.0
Truque de Mestre: O 2º Ato
3.5 941 Assista AgoraO filme de 2013, embora apresentasse uma história vaga, divertia pelo senso de humor peculiar e impressionava pela inteligência dos truques de mágica e ilusionismo. Três anos depois, contudo, sua continuação enfraquecia ainda mais o universo narrativo demonstrando menor apelo à comicidade e apostando numa trama de mistério que não chega em lugar nenhum. Apesar de haver o acréscimo de mais um vilão à trama – Walter Tressler (Daniel Radcliff), o filho bastardo do multimilionário Arthur Tressler (Michael Caine) que havia sido desmascarado no filme anterior –, a constituição deste personagem é superficial e insossa. Mesmo assim, ainda que em menor grau em relação ao filme de 2013, o segundo ato de “Truque de Mestre” resulta numa aventura empolgante e que segura a atenção da audiência.
Com relação aos Quatro Cavaleiros, a saída de Henley (e, consequentemente a saída da atriz Isla Fisher da produção) deixou o caminho livre para a entrada de Lula (Lizzy Caplan) na trupe dos ilusionistas ao estilo de Robin Hood. No filme, embora o grupo esteja na clandestinidade desde o seu desaparecimento ao final do filme anterior, os Cavaleiros continuam despertando a atenção do público. Assim, eles decidem reaparecer em grande estilo: num número de ilusionismo que tem a intenção de expor as práticas sem ética de um magnata da tecnologia. Porém, durante a apresentação, o grupo é desmascarado e raptado através de um truque que os transporta diretamente para Macau. O mandante do sequestro é Walter Tressler, outro prodígio da tecnologia que ameaça os mágicos e os obriga a coordenar um roubo espetacular e impossível de ser realizado sem que se recorra a truques de ilusão.
⭐ 3.6 / 5.0
Truque de Mestre
3.8 2,5K Assista AgoraO ilusionismo, de alguma maneira, é uma das essências da arte cinematográfica: jogando com a percepção do espectador, os filmes as contradizem e as subvertem. Portanto, espera-se um espetáculo de efeitos visuais, sonoros e ilusórios de um filme que tenha como temática o ilusionismo. E é justamente isto que “Truque de Mestre” nos entrega, muito embora o roteiro seja inconsistente e relativamente vago. Dirigido pelo francês Louis Leterrier, o filme foi pensado e realizado como um verdadeiro show de mágicas e, para que seja satisfatoriamente fruído, sua vocação deve ser levada em consideração. Contando com um elenco estrelar e com um excelente apuro técnico, “Truque de Mestre” se mostra bem na tela, diverte pela inteligência do humor e dos truques e nos faz mergulhar nos planos mirabolantes que os Quatro Cavaleiros estão montando.
Os Quatro Cavaleiros é o nome de um grupo de mágicos reunido em torno de uma organização secreta que denomina a si mesma como “O Olho”; eles são: Daniel Atlas (Jesse Eisenberg), Jack Wilder (Dave Franco), Merritt McKinney (Woody Harrelson) e Henley Reeves (Isla Fisher). Depois de uma ousada apresentação em Las Vegas, na qual o grupo coordenou à distância – através de hipnoses e truques – um assalto a um banco de Paris, o FBI, liderado pelo Agente Dylan Rhodes (Mark Ruffalo), empreende uma caça aos quatro integrantes do grupo. A fim de compreender melhor o universo da magia, Rhodes entra em contato com um mágico veterano que ganha a vida desmistificando truques em programas de televisão, Thaddeus Bradley (Morgan Freeman). Porém, como em todo show de mágicas, a verdade não é exatamente o que se apresenta na tela.
Embaralhando as convicções da audiência da mesma forma como se embaralha as cartas de um baralho, “Truque de Mestre” promove entretenimento e diversão, muito embora tenha um roteiro vago e uma trama inconsistente.
⭐ 3.7 / 5.0
Procurando Encrenca
3.2 23David O. Russell, que chamou os holofotes para si com o premiado “O Vencedor” (2010), iniciou sua carreira cinematográfica dirigindo comédias independentes. Uma delas é “Procurando Encrenca”, um road movie hilário e nonsense que trata da busca de um paleontólogo neurótico – Mel Coplin (Ben Stiller) – por seus pais biológicos. Seguindo a cartilha dos filmes de estrada, os personagens viajam através de estados diferentes, deparam-se com personagens e situações bizarras e cômicas, além de tomarem parte nas mais divertidas confusões. Porém, o maior mérito de “Procurando Encrenca” consiste no fato de que o próprio filme não se leva a sério.
Na trama, o neurótico Mel Colpin vê seu casamento – com a bela Nancy (Patricia Arquette) – entrar em crise na medida em que a procura por seus pais biológicos acaba prejudicando sua relação com a esposa. O pivô da crise é uma estudante de psicológica, Tina (Téa Leone), que trabalha numa agência de adoção e que decide auxiliar na busca de Mel; acontece, no entanto, que ele começa a sentir-se atraído por ela. Após a notícia de que seus pais haviam sido encontrados, os três partem em uma viagem através do país para encontrá-los. Porém, uma confusão de informações faz com que o trio se meta com famílias excêntricas, caminhoneiros de bom coração e um casal gay. Contando com personagens bizarros, como um casal fabricante de LSD e um homem aficionado por axilas femininas, “Procurando Encrenca” promove ótimos momentos de franco riso e diversão.
Utilizando-se de cortes secos e de uma câmera que, muitas vezes, limita-se a seguir os personagens, Russel cria um clima quase documental, o que aprimora a atmosfera de humor e coloca o espectador no centro da ação.
⭐ 3.6 / 5.0